BSV Especial Coronavírus #29 Bolsonaro, as emas e Robinho
Geórgia Santos
21 de outubro de 2020
Neste episódio, mostramos como a ineficácia no combate à pandemia, a corrupção, os dados do anuário da segurança e a repercussão do caso Robinho estão ligados a Bolsonaro.
A pandemia não acabou. Acreditem. E falando em pandemia, Jair Bolsonaro disse que não apostou na cloroquina. O cara que fez vídeo tomando cloroquina, que ofereceu cloroquina para as emas do Planalto, que falou sobre esse remédio por meses, que determinou que se aumentasse a produção do medicamento sem comprovação de eficácia contra a Covid -19, que importou caixas e mais caixas dos Estados Unidos, disse que não apostou, nem jogou, na hidroxicloroquina.
E por falar em Bolsonaro, o senador Chico Rodrigues, vice-líder do governo, levou o transporte de dinheiro na cueca a um outro nível. O curioso é que isso aconteceu na semana em que Jair Bolsonaro disse que acabou com a Lava-Jato porque não tem corrupção no governo.
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Enquanto isso, O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou o Anuário da Segurança e as más notícias são muitas
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Foram quase cinco mil mortes violentas de crianças no ano passado. 75% de crianças negras. Também em 2019, mais de 13 mil mortes não esclarecidas que sequer entraram nas estatísticas de homicídio. Houve ainda um Aumento de 120% nos registros de arma de fogo em 2020 e queda nas apreensões. Mais de seiscentas mulheres vítimas de feminicídio no primeiro semestre deste ano. Mas isso mobiliza menos que futebol.
O jogador Robinho foi condenado por estupro na Itália, mas para o novo clube, isso só foi problema quando os patrocinadores entraram na jogada. O tal do craque, apesar da condenação, se comparou a Bolsonaro, disse que é perseguido pela “emissora do demônio” – Rede Globo – e que o problema são as feministas.
Participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Epidemia de violência . 648 mulheres foram vítimas de feminicídio na primeira metade de 2020
Geórgia Santos
15 de outubro de 2020
Atualização em 19 de outubro de 2020 após a publicação do Anúario da Segurança Pública
“Mama olhou em volta. Manteve os olhos fixos no relógio da parede durante algum tempo, o que estava com um dos ponteiros quebrados, e então se dirigiu a mim: – Sabe aquela mesinha onde guardamos a Bíblia da nossa casa, nne? Seu pai quebrou-a na minha barriga – disse, como se estivesse falando de outra pessoa, como se a mesa não fosse feita de madeira pesada. – Meu sangue escorreu todo por aquele chão antes mesmo de ele me levar ao St. Agnes.” Esta Mama é uma personagem do livro Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adiche. Ela é vítima constante dos abusos psicológicos e físicos do marido Eugene, chamado pela narradora, Kambili, de Papa. Kambili também sofre com os abusos e rompantes violentos do pai. As duas foram transcritas da imaginação de Chimamanda para o papel e são apresentadas ao mundo em uma obra de ficção, mas elas não existem apenas nas trezentas e poucas páginas de papel de um livro. No Brasil e no mundo, milhares de mulheres sofrem com a violência doméstica todos os dias. A Organização das Nações Unidas (ONU) estimaque 35% das mulheres já passaram por uma situação de violência em algum ponto da vida. Nós conhecemos muitas Mamas. Nós conhecemos muitas Kambilis. Você também conhece.
Na circunstância da pandemia do novo coronavírus e submetida a um isolamento com o marido violento e os dois filhos, a nossa Mama* viu a violência se acumular nas pupilas do companheiro conforme também aumentava a frustração com o insuportável “novo normal”. O abuso psicológico e a violência patrimonial antes latentes estavam escalando e ela ficou com medo de sofrer violência física. Então, ela fez o mais difícil.Em cinco de agosto deste ano, a nossa Mama pediu ajuda a uma amiga, que encaminhou um pedido a um grupo de apoio:
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“Bom dia, gurias. Alguém sabe se existe algum lugar de acolhimento ou casa de passagem pra vítima de abuso, por enquanto psicológico, mas muito muito próximo de se tornar violência física? Seria pra ela e dois filhos, um de sete anos e outro de dois.”
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O pedido de ajuda é a parte mais difícil porque, geralmente, as mulheres que se encontram em uma situação de abuso pelo companheiro são constantemente ameaçadas, constrangidas e chantageadas. Especialmente as que sofrem de violência patrimonial, que, segundo texto da Lei Maria da Penha, é “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoas, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.”Ou seja, que é quando o parceiro controla o dinheiro da casa.
Era o caso da Mama criada por Chimamanda, que perguntava para a cunhada: “Para onde eu vou se sair da casa de Eugene? Diga, para onde eu vou?”. E era o caso da nossa Mama:
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“Ela não tem família ou amigos próximos, está desempregada, disse que ia tentar fazer bolos para vender na rua, mas o marido proibiu de fazer na casa e disse que não ia ficar com as crianças também.”
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E não tardou para chegar outra mensagem:
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“O cara surtou, quebrou as coisas todas das crianças e disse que ia matar ela e o mais velho.”
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Ela conseguiu o abrigo antes que o pior acontecesse e a promessa do homem violento não se concretizou. Outras Mamas, porém, não foram libertadas a tempo. Os números apresentados no Anúario Brasileiro de Segurança Pública mostram que, no primeiro semestre de 2020, cuja maior parte se deu no contexto da pandemia, houve um aumento da violência letal contra as mulheres. O documento produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica que 648 mulheres foram vítimas de feminicídio na primeira metade deste ano, um aumento de 1,9% com relação ao mesmo período de 2019. Nota-se, ainda, um crescimento no número de chamadas para o 190. Houve um aumento de 3,8% nos acionamentos da PM em casos de violência doméstica. Ao todo, foram 147.379 pedidos de ajuda registrados em todo o país.
Segundo dados da ONU Mulheres, que é a entidade das Nações Unidas dedicada a promover a igualdade de gênero e o empoderamento feminino, uma em cada três mulheres sofre com violência física ou sexual no mundo, na maioria das vezes pelas mãos do companheiro ou algum familiar. Pesquisas locais indicam que, em alguns países, esse índice pode ser ainda maior e chegar a 70% das mulheres. No último ano, 243 milhões de meninas e mulheres entre as idades de 15 e 49 foram vítimas de algum tipo de abuso por parte de alguém do círculo íntimo de amigos ou familiares. Desde o início da pandemia de Covid-19, porém, dados emergentes e relatos de quem lida com essas mulheres cotidianamente dão conta de que o problema da violência contra a mulher aumentou. Principalmente a violência doméstica. A organização chama de Shadow Pandemic, que em tradução livre significa a Pandemia à Sombra. Nós chamamos de Epidemia de Violência.
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“Entrei na banheira e fiquei parada, olhando para ele. Não parece que Papa ia pegar um galho, e senti o medo, ardente e inflamado, encher minha bexiga e meus ouvidos. Não sabiao que ele ia fazer comigo. Era mais fácil quando eu via o galho, porque podia esfregar as palmas das mãos e retesar os músculos das panturrilhas para me preparar. Mas Papa jamais me pedira para ficar de pé dentro da banheira. Então percebi a chaleira no chão, ao lado dos pés de Papa, a chaleira verde que Sisi usava para ferver água para o chá e para o garri, aquela que apitava quando a água começava a ferver. Papa apanhou-a.”
Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie
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A Kambili de Chimamanda conhecia os hábitos do pai. Ela já havia apanhado incontáveis vezes de maneiras pouco sofisticadas mas extremamente dolorosas. A tortura com água quente foi uma novidade. Novidade também foi a agressão a que foi submetida a nossa Kambili*. Ela vive com a mãe e o padrasto que, antes do início da pandemia, parecia o homem perfeito para uma mulher que saíra de um casamento abusivo, em que era submetida a agressões verbais e violência patrimonial. Ninguém imaginou que ele seria uma pessoa violenta.
O aumento nos casos de violência contra a mulher pode ser explicado a partir do que a ONU chama de fatores exacerbantes, ou seja, situações estressantes e limítrofes que podem piorar o comportamento de quem já é agressivo. No caso da violência doméstica, antes de tudo aparecem as preocupações com dinheiro, segurança e saúde. Depois, são listados problemas como condições precárias de moradia, que fazem com que as pessoas precisem ficar juntas em espaços apertados em situações de isolamento social e o fato de se isolar com o abusador. Além da restrição de movimentos. Foi o caso do padrasto da nossa Kambili, um homem frustrado profissionalmente que, quando se percebeu isolado em casa e sem perspectiva, recorreu ao álcool e libertou uma persona agressiva. O homem compreensivo e acolhedor agora agredia Kambili verbal e fisicamente. Assustada, ela se trancou no quarto e chorou até adormecer. A mãe da nossa Kambili fez o mesmo e só foi despertada com os socos que sacudiam a porta do quarto.
Pesquisa realizada pelo C6Bank e Datafolha mostra que, no Brasil, nos últimos cinco anos, pelo menos 24% das mulheres já foram agredidas verbalmente pelo companheiro ou por alguém que more na mesma casa e pelo menos 10% já foram agredidas fisicamente. O estudo investigou a ocorrência de 14 tipos de violências entre a população brasileira. A preocupação com dinheiro como um fator de risco para o aumento no número de casos de violência doméstica encontra guarida no mesmo estudo, que mostra um crescimento importante de situações de violência patrimonial desde o início da pandemia do novo coronavírus, especialmente durante o período em que o isolamento social foi levado mais a sério. A pesquisa mostra que, entre março e julho de 2020, houve aumento relativo especialmente nas incidências relacionadas a participação no orçamento financeiro familiar, na decisão de compra, negação e apropriação de recursos e uso do nome sem consentimento. “Ou seja, as restrições orçamentárias e dificuldades financeiras têm aumentado os pontos de conflito doméstico de várias formas”, indica o texto do estudo.
A pesquisa foi conduzida a partir de 1503 entrevistas e acessa tanto as ocorrências de violência patrimonial nos últimos cinco anos quanto as sofridas pela primeira vez durante a pandemia. E os dados mostram de houve um aumento de 37% nos casos em que alguém da família negou recursos financeiros para compras que atendessem necessidades pessoais. Além disso, o estudo mostra um aumento de 47% nos casos de entrevistados que foram impedidos de participar das decisões de compra de produtos e serviços para casa e família. Ainda houve um crescimento de 26% no número de ocorrências em que alguém da família tenha se apoderado do dinheiro que a pessoa ganha ou ganhou por considerar que ela não tem a capacidade para administrar esses recursos.
Observa-se, ainda, alta sobreposição entre agressões verbais e todas as outras formas de violência avaliadas, especialmente restrições na participação do orçamento e das decisões de consumo da familiar e acesso aos recursos financeiros. Todas essas situações, segundo o estudo, tendem a ser agravadas pela crise econômica e, simultaneamente, tornam-se fatores exacerbastes para a escalada da violência doméstica e outros problemas de âmbito familiar.
Especificamente no período da pandemia de coronavírus, o monitoramento Um Vírus e Duas Guerras, realizado por sete veículos de jornalismo independente, identificou que 497 mulheres foram assassinadas entre março e agosto de 2020. Foi um feminicídio a cada nove horas- ou três mortes por dia. São Paulo, Minas Gerais e Bahia foram os estados que registraram o maior número absoluto de casos, com 79 mortes em SP, 64 em MG e 49 na BA. O índice médio de mortes no país foi de 0,21 por 100 mil mulheres. O que faz com que 13 estados estejam acima da média nacional de feminicídios: Mato Grosso (1,03), Alagoas (0,75), Roraima (0,74), Mato Grosso do Sul (0,65), Piauí (0,64), Pará (0,62), Maranhão (0,47), Acre (0,44), Minas Gerais (0,43), Bahia (0,39), Santa Catarina (0,38), Distrito Federal (0,37) e Rio Grande do Sul (0,34).
De maneira geral, houve uma redução de 6% no número de casos em comparação com o mesmo período do ano passado, mas a queda não é necessariamente um indicativo real de diminuição da violência. Primeiro porque, em se tratando deste estudo em específico, sete estados não enviaram os dados solicitados ao coletivo (Amazonas, Amapá, Ceará, Goiás, Paraíba, Paraná e Sergipe). Tanto que nos dados do Anuário, o registro é de aumento entre janeiro e julho. Segundo porque existe uma enorme subnotificação.
O Anúario da Segurança pública indica que, apesar do aumento de feminicídios, houve uma redução nos registros de lesão corporal dolosa, ameaça, estupro e estupro de vulnerável, assim como caíram os registros de agressões em decorrência da violência doméstica nas delegacias de polícia – uma queda de 9,9% com relação ao ano passado.
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“- Eugene vai vir nos apanhar. – Escute… Tia Ifeoma falou num tom mais suave; ela deve ter percebido que um tom firma não penetraria no sorriso fixo no rosto de Mama. O olhar de Mama continuava vidrado, mas ela parecia ser outra mulher, não a mesma que saltara do táxi de manhã. Parecia estar possuída por outro demônio. – Fique pelo menos alguns dias, nwunye m, não volte tão cedo. Mama balançou a cabeça. Não havia nenhuma expressão em seu rosto, a não ser um sorriso duro. – Eugene não anda bem – disse ela – Tem tido enxaquecas e febre. Ele carrega mais sobre os ombros do que qualquer homem deveria carregar.”
Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie
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A Mama de Chimamanda não denunciou o marido. A nossa Mama também não. A nossa Kambili também não. De acordo com a promotora Carla Souto, do MP-RS, dois grandes pontos fazem com que a vítima não denuncie: medo e a vergonha. E agora, o isolamento.
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SUBNOTIFICAÇÃO
O Anúario Brasileira da Segurança Pública indica que, como a maior parte dos crimes cometidos contra as mulheres no âmbito doméstico exige a presença da vítima para a instauração de um inquérito, as denúncias começaram a cair na quarentena em função das medidas de distanciamento social e de isolamento, cuja consequência é uma maior permanência em casa. A presença constante do agressor nos lares agrava a situação porque constrange a mulher a pedir ajuda, a fazer um telefone e, principalmente,de procurar as autoridades competentes para comunicar a violência sofrida.
Isso significa que a diminuição do registro de algumas ocorrências no período da pandemia de Covid-19 não representa necessariamente uma redução de casos de violência contra a mulher, mas mostra que as mulheres encontraram obstáculos para denunciar a situação de abuso a que foram submetidas. A defensora pública Liseane Hartmann, que é dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM) da Associação das Defensorase dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (ADPERGS), explica que é extremamente difícil para a mulher denunciar a violência doméstica. Quando isso acontece, geralmente é porque ela já passou por diversas situações de humilhação. “É muito difícil romper o ciclo da violência, então até que a vítima se sinta encorajada a procurar uma instituição e poder denunciar, infelizmente, ela já passou por muito sofrimento. Ela já viveu muitas situações de violência que são variadas. Pode ser violência física, patrimonial, moral, sexual e psicológica. Aliás, tem muito a questão da violência psicológica, que não deixa marcas evidentes mas afeta a vida de todos.”
Os motivos para a subnotificação são muitos, mas costumam estar associados ao fato de o agressor ser, na maioria das vezes, o companheiro da vítima – ou, pelo menos, parte da família. Isso faz com que as mulheres agredidas tenham receio de prosseguir com a denúncia porque não querem prejudicar o companheiro, porque tem medo de retaliação ou tem até vergonha da violência. Segundo a defensora Liseane Hartmann, isso faz com que o número de denúncias seja sempre muito inferior em relação aos fatos. “Se nós pensarmos nos dois primeiros meses da pandemia, em que o isolamento social foi levado a cabo, aumentaram os feminicídios no Rio Grande do Sul, por exemplo, mas o número de ocorrências de lesão corporal diminuiu. Isso nos leva a crer que tenha ocorrido uma subnotificação importante em razão da dificuldade ainda maior de conseguir fazer essa denúncia. Nós sabemos que as tensões familiares aumentaram e se intensificaram. A mulher passa mais tempo em contato com o opressor e isso pode dificultar o acesso à denúncia, fica mais difícil pedir ajuda.”
A promotora de Justiça Carla Souto, da Promotoria Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), inclusive alertou para o fato de que em alguns casos de feminicídio não havia nenhuma denúncia anterior. “Os dados da Polícia Civil que indicam uma diminuição nos registros de ocorrência são muito preocupantes, porque se chega a conclusão de que há um número muito grande de mulheres sendo agredidas e sem buscar ajuda. Sem ter ajuda.”
Um levantamento inédito sobre a violência doméstica realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) entre os meses de março e abril deste ano apontou que os casos de feminicídio no País aumentaram em 5% em relação a igual período de 2019. Somente nesses dois meses, 195 mulheres foram assassinadas, enquanto em março e abril de 2019 foram 186 mortes. Entre os 20 estados brasileiros que liberaram dados das secretarias de segurança pública, nove registraram juntos um aumento de 54%, outros nove tiveram queda de 34%, e dois mantiveram o mesmo índice. Os casos de feminicídio cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano em 12 estados do país. Intitulado Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, o documento foi divulgado hoje (1º) e tem como referência dados coletados nos órgãos de segurança dos estados brasileiros.
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MÁSCARA ROXA
No Rio Grande do Sul, um dos estados que registrou crescimento no número de feminicídios, 28 mulheres foram assassinadas por questões de gênero nos meses de março, abril e maio, . Os dados são da Secretaria de Segurança Pública. Em abril, o aumento foi de 66,7% em relação ao mesmo período do ano passado. O aumento no número de feminicídios entre março e abrile o fato de o confinamento dificultar a denúncia das vítimas levou o Comitê Gaúcho ElesPorElas, da ONU Mulheres, a criar a Campanha Máscara Roxa, que permite que mulheres vítimas de violência façam a comunicação do crime em farmácias. Para facilitar,os estabelecimentos credenciados apresentam o selo “Farmácia Amiga das Mulheres”, que serve para que as vítimas as identifiquem.
O procedimento é bastante simples: a vítima precisa ir até uma farmácia que tenha aderido à campanha e pedir por uma “máscara roxa”, que é a senha para que o atendente saiba que se trata de um pedido de ajuda. O profissional, que recebeu capacitação online para realizar o procedimento de forma adequada e garantir a segurança das mulheres,vai responder que o produto está em falta e vai solicitar alguns dados para que possa avisá-la quando a suposta máscara chegar. Ele pede pelo nome, endereço e dois números de telefone para contato. O deputado estadual Edegar Pretto (PT), coordenador do Comitê e idealizador da campanha, explica que a necessidade dos dois números de telefone é porque, em muitos casos, o agressor está vigiando a vítima. “Uma das dificuldades que as mulheres encontram para pedir ajuda é justamente porque são vigiadas e constrangidas, isso quando o agressor não está de posse do aparelho. Então é importante que tenha um contato alternativo”, diz. Fornecidos os dados, o próximo passo é passar essas informações para a Polícia Civil por meio do WhatsApp, para garantir também o anonimato do atendente. A partir daí, os policiais ficam responsáveis por auxiliar a vítima.
A campanha foi lançada em 10 de junho no RS e já está em milhares de farmácias de todo da capital e do interior – em grandes redes e lojas individuais. A Polícia Civil disponibilizou um número específico para receber as denúncias da campanha, que fica “ligado” 24h por dia. Até o final de setembro foram registradas 31 denúncias em farmácias do Rio Grande do Sul. Também foram efetuadas três prisões em flagrante nos municípios de Porto Alegre, Caxias do Sul e Rio Grande.
Pretto , que faz parte do Comitê Eles por Elas desde a criação do He for She, em 2013, explicou que ele e sua equipe pensaram nessa iniciativa a partir da recomendação da ONU para que as nações membros da Organização constituíssem politicas afirmativas de facilitação de denúncias. “O governo brasileiro não deu importância, diferente de outros países europeus e mesmo sulamericanos como Argentina, que criou a campanha da Mascara Roja, e do Chile. Então nós entendemos que algo deveria ser feito.”
Foto: Leandro Molina
A percepção do parlamentar, de que o governo brasileiro não tomou medidas efetivas para o combate à violência doméstica do país, foi confirmada pelo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo as informações publicadas no Anúario da Segurança, a ONU fez uma série de recomendações para orientar os países no enfrentamento da violência contra a mulher nesse período. A Organização destacou uma série de medidas possíveis, como a necessidade de se aumentar os investimentos em serviços de atendimento online, de se estabelecer serviços de alerta de emergência em farmácias e supermercado e ainda a importância de criar abrigos temporários para vítimas de violência de gênero. Apesar das recomendações, o documento produzido pelo Fórum indica que, embora o governo federal tenha se posicionado publicamente sobre a questão, em comparação com outros países, as iniciativas divulgadas no Brasil não foram suficientes para combater a violência doméstica neste período. Pelo contrário.
As medidas anunciadas pelo governo de Jair Bolsonaro eram campanhas voltadas a recomendações gerais sobre atuação das redes de proteção. Isso também é importante, mas não foram apresentadas saídas concretas e imediatas. Enquanto isso, países como França, Espanha, Itália e Argentina, por exemplo, transformaram quartos de hotéis em abrigos temporários e criaram centros de aconselhamentos em farmácias e supermercados para que as denúncias fossem realizadas por meio de “palavras-código”, exatamente como a iniciativa crida no Rio Grande do Sul.
A Campanha da Máscara Roxa mobiliza diversas instituições em torno da combate à violência de gênero. Ela se concretiza a partir de um termo de cooperação assinado por Ministério Público do Rio Grande do Sul; Tribunal de Justiça do RS; Poder Executivo gaúcho, por meio do Departamento de Políticas Públicas para as Mulheres, Polícia Civil e Brigada Militar; Defensoria Pública; ONG Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos; Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem); Agência Moove; Grupo RBS; e Rede de Farmácias Associadas. A defensora pública Liseane Hartmann conta que cada participante assumiu o compromisso de divulgar da forma mais ampla possível o trabalho das instituições no sentido de que as vítimas tenham um fácil acesso aos canais de denúncia. “Hoje nós já contamos com o trabalho online das delegacias de polícia, porém, nós sabemos em alguns casos a vítima está em contato direto com o ofensor e não tem o acesso facilitado por parte de um computador ou celular. Então, ela podendo se dirigir a uma farmácia amiga das mulheres, ela simplesmente solicitar uma máscara roxa.
Uma pesquisa conduzida pela promotora de Justiça de São Paulo Valéria Diez Scarance Fernandes investigou 364 denúncias provenientes de feminicídios. O estudo mostrou que 30% das mortes aconteceram aos sábados ou domingos. Ou seja, quando a maioria das delegacias está fechada. A pesquisa ainda indicou que a cada quatro feminicídios, um tem uma segunda vítima, como filhos ou outros parentes. Em 66% dos casos, as mortes ocorreram em casa. E de todas as vítimas, 97% não tinham medida protetiva e só 4% tinham registrado boletim de ocorrência. Os números só reforçam a importância de se viabilizar um canal de denúncia alternativo às mulheres.
A promotora de Justiça Carla Souto, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, ressalta a importância da denúncia, que ela chama de “mais um ato de coragem”. “Eu falo em coragem porque é, realmente, muito difícil. Não é fácil denunciar o agressor que muitas vezes é o companheiro, pai dos filhos. Em tempos de pandemia, em que as pessoas se encontram isoladas dentro de casa, esse desafio fica muito maior. Além de a vítima tomar a decisão de denunciar, e não é simples em razão do ciclo da violência, ela tem que ter como fazê-lo. E sem saídas para o trabalho, ela isolada junto como agressor é extremamente difícil.”
Nossa Mama não conseguiu fazer uma denúncia formal, mas conseguiu pedir ajuda. Esse foi o primeiro ato de coragem e foi recompensado. No dia seis de agosto deste ano, chegou uma nova mensagem pelo WhatsApp.
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“Conseguiram o abrigo, vão buscar a mãe e os 2 meninos hoje. E foi bem em tempo. Tudo muito triste, mas todos bem (fisicamente) e hoje saem de lá. Valeu mesmo.”
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ENTENDA O CICLO DA VIOLÊNCIA
Ciclo da Violência tem três fases. Na Fase 1, ocorre o aumento da tensão. Nesse momento, o agressor se mostra tenso e irritado por coisas pequenas. É agora que ele começa a ter acessos de raiva, humilhar, fazer ameaças e quebrar objetos. Neste ponto, a mulher tenta acalmar o agressor e evitar qualquer coisa que possa provocá-lo. Em geral, na fase 1, a vítima tende a negar que isso esteja acontecendo com ela. Ela esconde o jogo, não conversa sobre a situação com ninguém e inclusive se sente culpada, acha que mereceu, que fez algo errado. Ou seja, ela justifica o comportamento violento do agressor. Lembra da Mama de Chimamanda falando do peso que o marido carregava? Essa tensão pode durar dias ou anos. Mas conforme aumenta, é provável que leve à Fase 2.
Nesse segundo momento ocorre a explosão. A tensão da primeira fase se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. A vítima se sente perdida e paralisada. Neste ponto, ela sofre de uma tensão severa que pode levar à insônia, perda de peso, fadiga constante e ansiedade. Ela sente medo, ódio, solidão, vergonha. É agora que ela pode tomar a decisão de buscar ajuda, denunciar ou se esconder na casa de conhecidos. O que leva à Fase 3.
O terceiro momento do Ciclo da Violência é conhecido como lua de mel. O agressor se mostra arrependido e passar a se comportar de forma carinhosa. Diz que nunca mais fará aquilo novamente.
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“A dor me queimava agora, estava mais parecida com mordidas, porque o metal caía sobre as feridas expostas na lateral do meu corpo, em minhas costas, minhas pernas. Chute. Chute. Chute.
[…]
O rosto de Papa estava próximo do meu. Tão perto que seu nariz quase tocou o meu, mas mesmo assim vi que seus olhos estavam mansos, que ele falava e chorava ao mesmo tempo. -Minha filha preciosa. Nada vai acontecer com você. Minha filha preciosa.”
Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie
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Na fase 3, a mulher pode se sentir confusa e pressionada a manter o relacionamento, especialmente se o casal tem filhos. Se a mulher decide retomar o relacionamento, o período subsequente costuma ser calmo e ela se sente feliz por ter dado uma nova chance. E como há, geralmente, a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele. isso estreita a relação de dependência entre vítima e agressor. A mulher, porém, continua confusa e, por fim, a tensão volta. E com ela, as agressões da Fase 1. E tudo recomeça.
A nossa Kambili não recebeu propriamente um pedido de desculpas, mas a mãe dela ouviu a promessa de que aquilo não aconteceria mais, mesmo que o agressor continue bebendo demais, ignorando o alcoolismo da família que, antigamente, era gatilho para a violência do próprio pai.
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COMO E ONDE PEDIR AJUDA
Mas se a nossa Kambili ou a mãe conseguirem romper o ciclo, elas não estarão sozinhas. Primeiro, a mulher pode ligar para o 180, que é o número do serviço da Central de Atendimento à Mulher, um serviço que presta escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência e que registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes. Em caso de emergência, a mulher pode ainda ligar para o 190 e acionar o serviço da Polícia Militar. Para o caso do registro de ocorrência, a vítima pode fazer isso pessoalmente em uma Delegacia de Polícia ou fazer o registro online. No Rio Grande do Sul, ela ainda tem a opção de fazer a denúncia nas farmácias, usando a senha “Máscara Roxa”.
Mas há uma série de instituições que podem ajudar as mulheres no processo e quebrar o ciclo da violência. A Defensoria Pública também presta atendimento jurídico às vítimas de violência de gênero, inclusive doméstica e familiar. Em Porto Alegre, o Núcleo de Defesa da Mulher realiza ações e atividades voltadas à prevenção, defesa e garantia dos direitos das mulheres no âmbito da defensoria. “A nossa atuação é tanto na área criminal como na área cível, então a assistência às vítimas de violência na solicitação de medidas protetivas de urgência, que são previstas na Lei Maria da Penha, e também a questão da parte cível, que compreende as ações de divórcio, dissolução de união estável, pensão, guarda dos filhos e visitas”, explica a defensora Liseane Hartmann. Mas também há ações extra-judiciais, como orientação acerca dos direitos das vítimas e informação quanto à rede de proteção à mulher, com auxilio da Defensoria, Delegacias, Brigada Militar e Ministério Público. “O problema da violência doméstica é multidisciplinar. É preciso olhar para o problema como uma questão de saúde, assistencial e de segurança”, disse.
Já a promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica de Porto Alegre, por exemplo, atua em duas frentes: medidas protetivas e processos criminais.
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COMO FUNCIONAM AS MEDIDAS PROTETIVAS?
Medidas protetivas são decisões judiciais rápidas que tem o objetivo de proteger a mulher e evitar o desgaste da vítima. A ideia é que, com uma medida protetiva, a mulher esteja resguardada e não precise de peregrinação em busca de assistência jurídica. Existem vários tipos de medidas protetivas, mas as mais comuns são o afastamento do agressor do lar; a proibição da comunicação entre o agressor e a vítima ou seus familiares; suspensão de procurações concedidas pela vítima ao agressor; prestação de alimentos aos filhos menores; e a suspensão do porte de arma de fogo do agressor; separação de corpos; proibição de contato ou aproximação com a vítima; restrição ou suspensão das visitas a dependentes menores; restituição de bens indevidamente subtraídos; encaminhamento da vítima a programa de proteção ou atendimento.
Quando a vítima faz o registro de ocorrência, via de regra, ela é questionada sobre o interesse em medidas protetivas. A promotora Carla Souto explica que essas medidas são muito importantes também porque tem um caráter inibidor. “Nós já temos dados que nos indicam que as mulheres que tem medidas protetivas realmente consegue evitar que se chegue ao mal maior, que é o feminicídio. Esse ano, durante a pandemia, em abril nós tivemos um número absurdo de feminicídios e, aqui no RS, só uma delas tinha medida protetiva.”
Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), 76% das vítimas de feminicídio e 85% das mulheres que sofreram de tentativa de feminicídio haviam sofrido atos de perseguição nos 12 meses anteriores ao ato. Mais do que isso, 41% dos agressores voltam a praticar violência contra as mesmas vítimas no período de até dois anos e meio após um incidente anterior de violência. A maioria das mortes que decorrem da violência de gênero ocorre no contexto de um relacionamento marcado por violência.
O caminho para conseguir uma medida protetiva é o seguinte: a vítima faz o registro de ocorrência e comunica que precisa de medida protetiva. Esse pedido vai direto ao Judiciário, para que o juiz defira ou não. Deferido o pedido, o agressor é intimado pessoalmente. “Ele não pode se aproximar da vítima, nem do local de trabalho e não pode manter nenhum tipo de contato, nem por WhatsApp ou telefone. Então isso nos traz uma referência que funciona”, explica a promotora. A medida protetiva ainda tem uma outra função: o agressor que descumpre uma medida protetiva pode ser preso em flagrante.
O Ministério Público ainda atua nos processos criminais. “Neste ponto, é importante que se diga que vai chegar o momento em que a vítima será chamada a comparece ao Fórum para falar sobre o que aconteceu. E é importante que ela compareça, senão a gente fica sem poder comprovar o que se falou no registro de ocorrência e se tem muitas absolvições”, alertou a promotora.
No ano passado, o MP lançou a cartilha virtual “Todos e todas pelo fim da violência contra a mulher”. O documento explica, de forma didática, o que é violência doméstica e familiar e como funciona o ciclo, além de identificar todas as formas de violência. mostra como opera o ciclo de que seja compartilhada pelas redes sociais digitais. A cartilha também traz informações sobre onde e como buscar ajuda e pode ser compartilhada em redes sociais.
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EM BRIGA DE MARIDO E MULHER, METE-SE A COLHER
A promotora de Justiça Carla Souto lembra que é importante falar sobre o assunto. “Nós precisamos falar muito sobre isso, para que a gente consiga alterar a cultura que ainda existe em algumas pessoas, de que é uma questão do marido e da mulher e que ninguém tem que interferir. A questão da violência doméstica é um problema de cada um de nós, é uma questão que envolve os Direitos Humanos, a dignidade. É um problema de saúde pública. As vítimas da violência, para além da violência física, estão desenvolvendo problemas de saúde mental extremamente graves. Depressão, ansiedade. Afora isso, tem os filhos. Porque o menino que vive em um lar violento vai ter a tendência, no futuro, de reprisar aqueles mesmo atos de violência. E a menina a ser tolerante com a violência. Então o problema vai pra muito além.”
Ela alerta para o fato de que a violência de gênero não causa tanta comoção como outros crimes. Percebe cultura de culpabilização da vítima e ela cultura alimenta o ciclo da violência e que faz com que as vítimas permaneçam caladas. Porque ela tá em todos nós. E a mulher acaba acreditando nisso, porque a questão da violência psicológica é extremamente grave. Seguidamente em audiência a gente ouve as mulheres dizendo “eu que provoquei”, “eu que quis estudar”.
“Eu acredito que nós estamos em um momento único na questão do olhar pra violência doméstica. Agora, no RS, foi lançada essa campanha da qual o MP é parceiro. E com isso, eu percebo uma mudança institucional importante no Ministério Público, no sentido do quanto é importante o trabalho dos promotores nessa área. E pela Polícia Civil, eu só vejo excelência no que eles estão produzindo. Isso mostra que as instituições estão conseguindo compreender o ciclo da violência.”
A promotora Carla Souto ainda alerta para o fato de que as pessoas que estão no entorno dessas mulheres devem prestar atenção às microviolências. “Às vezes a própria vítima não entende que está em um relacionamento abusivo. Então é importante que nós, como amigas ou conhecidas, estejamos atentas. Se de uma hora para outra essa mulher mudou de forma drástica, vamos perguntar. É importante denunciar, mas é importante, também, falar. O primeiro passo é falar para alguém, contar para uma amiga, para um familiar. Há algo que eu uso enquanto promotora e como amiga. Se por dez vezes ela voltar para aquele agressor, por onze vezes eu vou estar aqui, apoiando e dando suporte. Também a família e os amigos não podem desistir.” Segundo a promotora, a violência contra a mulher é uma epidemia, é um problema de saúde pública.
“Isso não pode continuar nwunye m – disse tia Ifeoma. – Quando uma casa está pegando fogo, a gente sai correndo antes que o teto caia em cima da nossa cabeça.”
Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie
*Os nomes foram modificados e a verdadeira identidade protegida a pedido das entrevistadas
OUÇA Bendita Sois Vós #49 Mulheres no país do Messias, dólar em alta e a tal fraude
Geórgia Santos
10 de março de 2020
No episódio de hoje, mulheres. Mulheres e os obstáculos constantes, especialmente em um país governado por um presidente misógino e machista.
A ideia de um Dia da Mulher surgiu no início do século 20, entre movimentos socialistas e operários, justamente no contexto das lutas feministas por melhores condições de vida e trabalho e pelo direito ao voto. Em 1975, o 8 de março foi adotado como Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidos principalmente para lembrar o quanto ainda precisamos lutar. E aqui estamos nós, em 2020 – e dadas as devidas proporções – lutando por melhores condições de vida e trabalho.
Também hoje, a queda no preço do petróleo, o colapso da Bolsa e a disparada do dólar. E a mais nova tentativa de Bolsonaro de enfraquecer as instituições. Segundo ele, a eleição em que ele foi escolhido presidente foi fraudada.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol.Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
OUÇA Bendita Sois Vós #48 O elemento político das polícias
Geórgia Santos
2 de março de 2020
No episódio desta semana, as repercussões políticas e sociais da crise da segurança pública no Brasil. E quando se fala em crise da segurança, há dezenas de caminhos e abordagens. Neste caso, usamos o episódio do motim dos policiais militares do Estado do Ceará como ponto de partida para entender o papel das polícias na política.
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Os policiais encapuzados foram confrontados pelo Senador Cid Gomes, do PDT, que em uma ação bizarra no município de Sobral, pra dizer o mínimo, avançou com uma retroescavadeira sobre o grupo amotinado. Como resposta, levou dois tiros
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O caso foi chocante e desencadeou um debate sobre a legitimidade da ação dos policiais e das polícias em geral. Por isso, os jornalistas do Vós discutem a possibilidade de a polícia militar se tornar mais que um barco armado do Estado e passar a ter relevância no jogo político.
Participam Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
OUÇA Bendita Sois Vós #45 Violência contra as mulheres
Geórgia Santos
3 de fevereiro de 2020
É imperativo que a sociedade brasileira discuta os casos de violência contra a mulher e relacionamentos abusivos. A desinformação ficou escancarado na última semana quando Micheli Schlosser pediu autorização para beijar o namorado. O problema? Lisandro Rafael Posselt, de 28 anos, estava sendo julgado por tentativa de feminídio. Contra a própria Micheli. Em agosto do ano passado, após uma discussão, ele disparou sete vezes contra a namorada. Acertou cinco.
Ele foi condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal do Júri em Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul. Ele estava preso mas vai ficar em liberdade, pois não possui antecedentes e a pena foi menor do que oito anos. No tribunal das redes sociais, o julgamento foi bastante rápido. O julgamento de Micheli.
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“O amor venceu”, diziam alguns
“Mulher gosta de cafajeste”; “Ela é doida”; “Essa gosta de apanhar”, diziam outros
“Não tem amor próprio”; “Quem sou eu pra criticar o amor?”
“Da próxima vez que acontecer, sim porque vai acontecer novamente, espero que ela se lembre disso e não invente de ligar pra polícia, pois a partir do momento que beijou quem tentou lhe matar ela jogou no lixo o trabalho da policia e da justiça”
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No fim, é a demonstração do quanto é difícil quebrar um ciclo de abuso e violência. Por isso, vamos ouvir a psicóloga Daniela Zanetti, que vai contar quais são os sinais de um relacionamento abusivo e quais os passos para quebrar essa corrente de violência.
O Evangelho Segundo a Prisão . como as igrejas disputam a devoção dos presos em penitenciárias abandonadas pelo Estado
Geórgia Santos
10 de outubro de 2019
Em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago promove o encontro de Cristo com Deus e o Diabo. Mas não é um Jesus santo. Não. É um Jesus humano. De carne. Gente. E a intimidade de uma conversa de 40 dias em que os três ficam confinados a um pequeno barco em alto mar faz com que essa humanidade seja levada ao extremo enquanto Deus e o Diabo disputam sua fidelidade com a mesma estratégia: a manipulação da palavra. Ambos fazem juras. Ambos prometem milagres. Ambos seduzem.
No que vamos chamar de O Evangelho Segundo A Prisão, mostramos que as igrejas neopentecostais fazem o mesmo. De certa forma, reproduzem a lógica sedutora da narrativa das facções para disputar a devoção desses detentos que também não são santos, mas humanos. De carne. Gente. Em casas penitenciárias abandonadas pelo Estado e geridas por facções criminosas que controlam até a comida, os missionários oferecem proteção e cuidado aos presos em troca de obediência. E segundo Gilmar Bortolotto, procurador de justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, a religião, hoje, é a única alternativa de recuperação de um detento. “Só tem isso.”
A reportagem a seguir foi dividida em três partes que mostram, respectivamente, as condições do sistema prisional brasileiro e os motivos que levaram à superlotação dos presídios; a forma como as facções cooptam os novos apenados; e a maneira pela qual as igrejas evangélicas neopentecostais disputam a devoção desses mesmos detentos e se transformam na única alternativa de recuperação. No sistema prisional brasileiro, ceder à tentação, seja de Deus ou do Diabo, tem preço.
Culto de Natal na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ). Foto: Geórgia Santos
A CADEIA. 1 Início do Evangelho Segundo a Prisão. 2 Está escrito no artigo 5ª da Constituição Federal, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, que “todos são iguais perante a lei.” 3 Ainda, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. 4 Mas são versículos que não cabem aqui. 5 No Brasil, os presos são predominantemente jovens negros com pouca ou nenhuma escolaridade. 6 O país tem a terceira maior população carcerária do mundo e não há vagas para todos. 7 As penitenciárias estão superlotadas. 8 Os detentos são submetidos à condições degradantes. 9 E o Estado não tem controle sobre eles ou sobre os espaços.
Para o senso comum do brasileiro médio que habita as caixas de comentários do Facebook e sites de notícia, o presídio perfeito é um forte. Algo como um calabouço. Talvez deva se parecer com uma masmorra. Idealmente, os presos devem sofrer muito. Danem-se, não tem mais volta. Sem privilégios, devem comer o mínimo e dormir não mais do que o suficiente. Devem estar ocupados, mesmo que seja em trabalho forçado. De preferência com uma bola de ferro amarrada às canelas, como em um filme de Clint Eastwood, que imortalizou o presídio mais famoso do mundo no filme Fuga de Alcatraz. “Bota uma bola de aço com uma corrente na perna e deixa na rua”, aconselha o leitor de uma reportagem sobre presos empilhados dentro de camburões. “Como diz o Bolsonaro, é só não matar, roubar, estuprar. Que não se vai pra lá e acabou chega de reclamar querem hotel 5 estrelas me poupe!”, diz outro, esquecendo a compaixão e as vírgulas. Um terceiro avisa que uma bala de munição custa somente R$ 5.
Reprodução Facebook
Reprodução Facebook
A Penitenciária Federal de Alcatraz, em São Francisco, nos Estados Unidos, talvez seja a epítome desse imaginário. Situada em uma ilha cercada por correntes marítimas gélidas, era praticamente impossível de escapar. A severidade fez com que se tornasse um exemplo do sistema carcerário estritamente punitivo. Durante o período de funcionamento, entre 1934 e 1963, os presos mantinham uma rotina rígida, com horário para acordar, fazer refeições e dormir e o livro de regras continha 27 itens que não podiam ser desobedecidos sob hipótese alguma. A regra número 5 tratava do que diziam ser favores: “Você tem direito a comida, roupas, abrigo e atenção médica. Qualquer outra coisa que você recebe é um privilégio.” Se algum dos itens fosse desobedecido, as punições formais e informais variavam da tortura à morte. Também havia o confinamento na solitária, uma cela de dois metros quadrados em que o preso recebia banhos de água fria, dormia no chão, e era privado de comida e luz por tempo indeterminado. Supostamente, tratava-se do melhor e mais eficiente sistema de punição das américas, pelo qual passaram Al Capone e George “Machine Gun” Kelly.
Com exclusividade, entrevistamos o detento 1259AZ de Alcatraz, o último ainda vivo. William G. Baker começou a vida no crime quando tinha 18 anos, em Oregon, nos Estados Unidos. Depois de escapar da prisão estadual, roubou um carro, foi capturado e transferido para Alcatraz aos 23 anos, onde permaneceu entre 1957 e 1960. Ele não era necessariamente um preso exemplar e foi alvo de muitas das punições dos guardas. Mas isso não parece ter solucionado o problema. “Eu era um criminoso melhor (mais competente) quando eu saí de lá”, disse, com um sorriso irônico no rosto. Ele aprendeu a falsificar cheques com outro detento e foi o que ele fez até quase 80 anos. Viveu do crime e lucrou até a velhice com o “ofício” que aprendeu dentro da cadeia. Dentro da mais severa e mais rígida cadeia.
A história de Baker é apenas um exemplo, mas é também um indício de que um sistema carcerário estritamente punitivo pode não ser a solução, mesmo que funcione do ponto de vista administrativo.“Presídio que funciona não é só o presídio que tem tudo certinho. Presídio americano tem muito investimento, mas a reincidência é parecida com a nossa”, explica Gilmar Bortolotto, procurador do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ele diz que um dos problemas, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, está no fato de que o número de entrada de presos não para de crescer – e 70% deles passam pelo sistema carcerário mais de uma vez.
Hoje, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo em números absolutos, atrás apenas de Estados Unidos e China. Segundo dados do Levantamento Nacional De Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2017 e divulgado em 2019, o Brasil tem 726.354 pessoas privadas de liberdade. Marcos Rolim, que é jornalista, sociólogo e especialista em segurança pública, entende, no entanto, que a quantidade de presos no Brasil deve ser maior. É preciso considerar a defasagem dos dados. Com um crescimento médio de 8% ao ano, é provável que o país já tenha mais de 800 mil apenados. “E isso vai levar o Brasil rapidamente a uma população de mais de um milhão de presos dentro de um ou dois anos. É muita gente presa”, diz.
“E isso vai levar o Brasil rapidamente a uma população de mais de um milhão de presos dentro de um ou dois anos. É muita gente presa”
Marcos Rolim, especialista em Segurança Pública
Mas mesmo os números mais conservadores são expressivos. A taxa de aprisionamento no Brasil é de 352,6. Isso significa que há 352,6 pessoas presas para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2000, essa taxa era de 137. O dado fornecido pelo Infopen indica que a quantidade de pessoas presas no Brasil é duas vezes maior que a registrada há dez anos e oito vezes maior em 1990, quando a população carcerária de todo o país era de 90 mil. São 636 mil presos a mais.
A proporção desse crescimento revela que há um processo de encarceramento em massa em curso, que além de evidenciar o número de presos, chama atenção para a capacidade discutível da prisão de reduzir a violência e para a desproporcionalidade racial e etária. No Brasil, o perfil do detento não é aleatório: 56% das pessoas privadas de liberdade são negras; 34% estão presos sem condenação; 54% tem entre 18 e 29 anos; 89% não concluíram os estudos, ou sequer começaram (entre analfabetos e Ensino Médio incompleto). Ou seja, a maioria é negra, jovem e com estudo incompleto.
A chance de ser preso está diretamente ligada ao grau de escolaridade, à posição na estrutura de classes, faixa etária e cor. Isso acontece tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Erin Haney é conselheira sênior da organização americana conhecida por CUT 50, uma iniciativa nacional e bipartidária que tem o objetivo de reduzir a população carcerária nos EUA.Segundo ela, o encarceramento em massa tem o racismo e o classismo na base. “É evidente o reflexo desses males ao fazermos uma análise das sentenças proferidas pelos juízes. Com isso, nós podemos rastrear a origem do encarceramento em massa até a escravidão.” Ela explica que hoje há mais pessoas negras sob a custódia do governo americano e privadas de liberdade do que naquele período. Isso significa que a chance de ser preso nos Estados Unidos é maior para uma pessoa negra. E os números do Infopen deixam claro que a realidade no Brasil é a mesma.
O sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor e pesquisador da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que o aumento no número de prisões é também consequência direta da política criminal punitiva adotada pelo Estado brasileiro, que aplica pena de prisão em situações em que se poderia utilizar outras medidas – especialmente no caso de jovens réus primários. Dessa forma, o propósito correcional da prisão é substituído por um modelo em que os presídios se tornam depósitos de indivíduos. “E isso não funciona, porque essa é a receita que o Brasil tem adotado e ela não tem contribuído de forma alguma para que o problema seja, de alguma maneira, equacionado.”
O juiz Sidinei Brzuska, da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre, acompanha a situação da superlotação das casas prisionais desde o final da década de 1990 e concorda que um dos fatores para o aumento no número de presos diz respeito à forma como o país vem enfrentando o tráfico, a chamada “Guerra às Drogas”. “Há 20 anos, a quantidade de pessoas presas por tráfico ou crimes relacionados ao tráfico era menos de 5%. Hoje as pessoas condenadas por tráfico ou crimes relacionados talvez seja superior a 80%. Porque você tem porte de arma relacionado ao tráfico, roubo, receptação, tudo está relacionado”, explica.
Segundo Brzuska, o Brasil adota o combate ao tráfico pela repressão penal e não ataca o que se conhece por “ciclo completo”. Ou seja, não há uma preocupação do Estado no que se refere à desativação dos pontos em que a droga é comercializada, assim como não há uma preocupação com o tratamento do usuário viciado. “Se faz o enfrentamento do tráfico pela apreensão de drogas e pela prisão de traficantes. Você faz o enfrentamento do tráfico pelo viés da repressão”. Isso não faz com que o crime perca força, apenas interrompe brevemente. E o resultado prático e imediato é um número maior de pessoas presas.
Um segundo problema, de acordo com o magistrado, é a forma como se negligencia a primeira infância. Outra falha do Estado que fica evidente quando se observa que 51% dos presos tem Ensino Fundamental Incompleto, ou seja, a maioria da população carcerária chegou a frequentar a escola mas desistiu na adolescência ou antes. Foi o que aconteceu a Eduardo Pauly, 31 anos. Ele lutou por mais de uma década contra o crack e o alcoolismo e foi preso por assalto. Hoje ele é pastor da Igreja Assembleia de Deus. Mas mesmo recuperado, não esquece como tudo começou. Aos onze anos, recebeu um bilhete da mãe:
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“ESCOLA ESTADUAL DE PRIMEIRO GRAU CANADÁ. ÔNIBUS CAPÃO DA PORTEIRA – PASSO DO VIGÁRIO.
CIDADE VIAMÃO.”
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Ela pegou o guri pela mão e levou a criança até a rodoviária de Novo Hamburgo. Desacompanhado, Eduardo embarcou em um ônibus sem saber exatamente para onde ia. Sequer tinha consciência de que estava, efetivamente, sozinho. “Fiquei quatro anos interno num colégio porque eu tinha o sonho de criança de ser veterinário e fui pra lá pra fazer o curso técnico em agropecuária. E lá, sem mãe e sem pai, tive o contato com as drogas. Sem nenhum tipo de amparo”, desabafou. No primeiro ano longe de casa, ele encontrou suporte na dormência de drogas pesadas. Aos 17 anos, já era viciado. “O crack me escravizou. Primeiro tirou meus sonhos, eu desisti dos meus sonhos. O meu objetivo era conseguir mais uma pedra, dar mais um teco. Eu não queria mais ser veterinário, eu queria usar mais droga. Eu saía de uma realidade que eu enfrentava e passava um momento mínimo de prazer que depois me trazia grandes frustrações. Comecei a roubar e, roubando, fui parar dentro de uma penitenciária”, contou. Virou estatística. Virou número. Um número que só aumenta.
Brzuska explica que é também nessa fase da adolescência em que se desenvolve a ideia de pertencimento. E quando tem esse vácuo do não-pertencimento, o que sobra para um jovem que teve uma primeira infância negligenciada inclusive pelo Estado e está vulnerável em áreas periféricas é o pertencimento à facção. “Aí vem o empoderamento que o crime dá, dá uma arma, vai fazer uma selfie com uma arma, com celular novo de última geração. E o próximo passo é a prisão,” conta.
Como um terceiro motivo para o aumento expressivo no número de apenados, o juiz da Vara de Execuções Penais ainda cita a forma com que os estados dispõem as polícias, sobretudo as militares – fator esse que está diretamente relacionado à disparidade promovida pelo racismo e classismo. Sidinei Brzuska mostra o exemplo do Rio Grande do Sul, em que o número de pessoas condenadas aumentou em dez vezes quando José Ivo Sartori assumiu o governo, a partir de 2015, e as autoridades da área da segurança alteraram o posicionamento do policiamento ostensivo. Na administração anterior, a média era de mil pessoas condenadas por ano. Em 2016, esse número passou para 6 mil; em 2017, pulou para 8 mil; e, em 2018, chegou a 10 mil. “Você troca a forma de manejar a polícia militar. Se você coloca uma viatura na esquina da praça da Encol [região de classe média alta de Porto Alegre], outra na esquina do Shopping Iguatemi, vão cruzar milhares de pessoas nesses dois pontos e não vão prender ninguém. Se você deslocar essas viaturas algumas quadras para dentro das vilas, já muda tudo”, conta Brzuska.
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“Você troca a forma de manejar a polícia militar. Se você coloca uma viatura na esquina da praça da Encol [região de classe média alta de Porto Alegre], outra na esquina do Shopping Iguatemi, vão cruzar milhares de pessoas nesses dois pontos e não vão prender ninguém. Se você deslocar essas viaturas algumas quadras para dentro das vilas, já muda tudo.”
Sidinei Brzuska, Juíz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre
Em 2006, a nova Lei de Drogas sancionada pelo então presidente Luíz Inácio Lula da Silva (PT) prometia não encarcerar mais os usuários. Seria um ponto importante para reverter o crescimento do número de pessoas presas por crimes ligados às drogas. Mas a definição de quem seria usuário e quem seria traficante e da quantidade de droga que separa um do outro ficou nas mãos da polícia. Relatório da ONG Human Rights Watch mostra que a nova lei se tornou um fator fundamental para o aumento da população carcerária no Brasil. Hoje, um em cada três presos brasileiros responde por crimes ligados ao tráfico.
O sociólogo Marcos Rolim conta que essa legislação vai na contramão do que propõem outros países em que a quantidade de droga apreendida é um fator importante no momento de diferenciar o usuário do traficante, como Estados Unidos e Espanha. “Aqui nós não criamos nenhuma referência objetiva para diferenciar. Se tu fores pega com um cigarro de maconha e a polícia achar que é pra venda, vai ser presa pelo mesmo crime que um cara que está transportando uma tonelada de cocaína, não tem diferença”, diz. Mas tem uma diferença – ou duas. De novo, voltamos à questão da cor e a classe. “Se é pobre, é traficante. Se é rico, é usuário”, explica. L. tem 23 anos é o exemplo de cartilha dessa situação. “Eu não sou santo, mas me prenderam porque eu tinha um baseado. Me jogaram aqui. Mas eu não sou traficante, cara”. L. é negro e de família pobre. Não teve a menor chance.
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Se é pobre, é traficante. Se é rico, é usuário.
Marcos Rolim, especialista em Segurança Pública
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O encarceramento em massa é um problema em si, mas é um processo que desencadeia uma série de efeitos colaterais porque, além do fator da quantidade de presos, há o problema da quantidade de vagas. Não há espaço para todos. Há apenas 423.242 vagas para os mais de 726 mil detentos. Isso gera um déficit de 303.112, segundo os dados divulgados pelo Infopen neste ano. Há praticamente dois presos por vaga no Brasil, uma taxa de ocupação de 171,62%. Mas também neste caso, segundo Rolim, são números conservadores em função da metodologia utilizada para contabilizar tanto a população carcerária quanto o déficit de vagas. “Quem informa é o diretor da penitenciária. Ele usa o critério da praxe prisional. Na praxe prisional, em cada cela cabem quatro, então, eles contam quatro vagas por cela. Se tiver cinco caras em uma cela, está faltando uma vaga.”
O problema é que o critério legal indica que cada cela foi construída para um detento. “E o único critério que deve ser utilizado é o critério legal, que determina 6m2 por preso. O juiz teria que entrar no presídio e medir a área de instalação e ver quantos presos tem naquele espaço, e isso nunca se fez. E essa medida é dada pela legislação nacional e por todos os tratados internacionais aos quais o Brasil subscreveu”, explica Rolim.
O procurador do Ministério Público Gilmar Bortolotto atribui o problema à falta de cuidado do Estado de maneira geral. O Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, é a maior casa prisional do RS e já foi considerado o pior presídio do país pela CPI do Sistema Carcerário. Quando foi criado, em 1959, os funcionários geriam a penitenciária da maneira que achavam adequado e o poder público foi, aos poucos, abandonando, segundo o procurador. “Era uma lógica de “vai empilhando, só não pode dar estouro”. Quando deu o primeiro estouro, que os presos foram parar dentro do Plaza, tinha 10 funcionários pra gerenciar 1.773 presos no Central. Eles andavam com facão na cintura e eram usados como guardas. Desde lá, o Estado passa um só recado para o funcionário: é contigo. E o que o funcionário faz? Passa a responsabilidade para o preso. Obviamente eu estou falando em condições extremas de como isso começou lá atrás, mas é uma lógica que explica porque estamos nessas condições.”
Há 20 anos, Bortolotto foi transferido do interior para Porto Alegre como promotor da Promotoria de Justiça de Controle e Execução Criminal da capital, criada justamente para fiscalizar os presídios. Já em 1998 ele deparou com um sistema cheio de problemas. Antes de mais nada, decidiu ouvir. “Me sentei dentro das cadeias, cada dia em uma, e em alguns meses eu ouvi cerca de 3 mil presos. ?E comecei a entender um pouquinho melhor a lógica. Um pouquinho. Porque entender a lógica demora mais de década”, disse. Ele passou a ouvir também os familiares dos apenados, uma média de 10mil por ano, e egressos. Esse trabalho permitiu que o então promotor fizesse um mapeamento do sistema carcerário gaúcho.“Os presos começaram a trazer demandas que eram causas de rebelião e mortes. Desde colocarem gente que não podia estar ali (intencionalmente) até pequenas demandas que não tinham resposta, como de quanto era a pena e outros prazos. Encontrei, inclusive, muitas pessoas que já tinham cumprido a pena e ainda estavam lá. Prisões preventivas que tinham sido revogadas mas havia defeitos na comunicação. Decisões do juiz que não eram informadas. E, claro, em um ambiente de ignorância, os caras pedem uma vez, pedem duas, na terceira, botam fogo”, explica.
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“Os familiares vinham também, “tem um que vai ser executado”; “outro que tá com tuberculose”; “outro que foi morto e enterrado dentro da área do semi-aberto”. Nós descobrimos vários cadáveres enterrados de gente que a mãe ia lá falar comigo e dizia: disseram que meu filho fugiu mas ele não apareceu em casa. A gente ia lá, conversava com os presos e descobríamos o corpo.”
Gilmar Bortolotto, Procurador de Justiça do MP-RS
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Os relatos de problemas se empilhavam e maioria estava relacionada à extorsão e violência. Bortolotto criou uma sistemática em que visitaria os presídios uma vez por mês para ouvir as demandas dos apenados e traria a resposta no mês seguinte. Nesse processo, chegava a atender 1500 homens por mês no Central. Mas eram mais de 20 casas prisionais. “Os familiares vinham também, “tem um que vai ser executado”; “outro que tá com tuberculose”; “outro que foi morto e enterrado dentro da área do semi-aberto”. Nós descobrimos vários cadáveres enterrados de gente que a mãe ia lá falar comigo e dizia: disseram que meu filho fugiu mas ele não apareceu em casa. A gente ia lá, conversava com os presos e descobríamos o corpo.”
OUÇA . Gilmar Bortolotto, procurador do MP-RS, diz que a sistemática que ele desenvolveu não resolveu todos os problemas, mas auxiliou a gerar uma espécie de cultura de paz, em que os presos entenderam que não precisavam “fazer o horror” para ter uma resposta.
Mas outros problemas relatados por presos e familiares não estavam relacionados à intimidação ou chantagem, e sim a questões de infraestrutura e modus operandi das autoridades de segurança dentro das casas prisionais. O relatório da ONG Human Rights Watch – assim como os relatórios de inúmeras visitas técnicas promovidas por comissões de parlamentares do Congresso Nacional e assembleias legislativas dos estados e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – revela que os detentos vivem em condições insalubres, em celas escuras, sem ventilação e expostos a inúmeras doenças. O Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura ainda relatou casos de tortura em todos os estabelecimentos prisionais visitados entre abril de 2015 e março de 2016.
Os efeitos perversos do encarceramento em massa são prova de que o Estado perdeu o controle. E não existe vácuo no poder. Segundo o professor Rodrigo Azevedo, se o Estado não tem condições de assumir o controle das penitenciárias, elas se tornam terreno fértil para o crime organizado. “Nós temos dois presos, praticamente, hoje, no Brasil, por vaga. Isso acaba dando às facções, que se organizam nesse ambiente, um poder muito grande. Porque elas acabam, com isso, tendo uma capacidade muito grande de cooptação de quem entra no sistema.”
AS FACÇÕES. 10 A superlotação impede o Estado de separar presos que pertencem ao crime organizado do restante da população carcerária. 11 Dessa forma, aumenta o poder de cooptação de novos presos por facções criminosas. 12 As organizações oferecem drogas, dinheiro, proteção, espaço e comida. 13 Em troca, exigem lealdade ao código e trabalho. 14 É um contrato impossível de romper. 15 Isso aumenta o poder das facções, que transformam as penitenciárias no sistema bancário do tráfico. 16 Dessa forma, o crime organizado assume o controle da prisão. 17 Aumenta a violência externa. 18 E torna impossível a recuperação de um apenado.
Eduardo Pauly, que conheceu as penitenciárias da pior forma, é muito claro. “O presídio não tem condições alguma de recuperar um detento, a não ser produzir nele mais ódio, mais raiva, mais rancor.” No Rio Grande do Sul, um dos casos mais graves é o do Presídio Central. A Cadeia Pública de Porto Alegre tem capacidade para 1824 pessoas e abriga 4299 presos. São 2,3 presos por vaga. Em função da superlotação, a maior casa prisional do Estado já não divide os presos por celas. Lá, os apenados estão em 24 galerias localizadas em nove pavilhões cobertos por colchões no chão. Isso causa problemas de logística, por exemplo, já que as refeições precisam ser levadas até os presos – afinal, não há funcionários ou espaço suficiente para transportar mais de 4mil pessoas aos refeitórios, três vezes por dia. A equipe é composta por apenas 300 policiais militares e 70 funcionários da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Mais do que isso, todos convivem, diariamente, com infestação de ratos e baratas; lixo acumulado no pátio; e banheiros com infiltração que forçam os presos a escoar as fezes por encanamentos improvisados com garrafas PET.
Foto: Sidinei Brzuska / Arquivo Pessoal
Foto: Sidinei Brzuska / Arquivo Pessoal
Foto: Sidinei Brzuska / Arquivo Pessoal
Foto: Sidinei Brzuska / Arquivo Pessoal
O Central é o maior e talvez o presídio mais emblemático quando se pensa em condições degradantes. Mas não é o único em que há graves problemas estruturais. Não é o único no país e sequer no Estado. A Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) é a segunda maior do Rio Grande do Sul e abriga 2572 presos em 1372 vagas. Eduardo Pauly passou por lá após ser preso por roubo e conta que as condições são degradantes. “Era tudo sujo, não tinha a menor condição. A gente enxergava rato e barata por tudo. Em algumas celas, todo chão ficava molhado, tinha lixo espalhado, pessoas com doenças, tipo tuberculose. Tinha comida vencida, mosca em cima. Só a galeria dos irmãos era limpa e organizada, o resto não tinha condição. Era desumano. Eu sei que as pessoas ali cometeram crimes, mas era desumano.”
A gente enxergava rato e barata por tudo. Em algumas celas, todo chão ficava molhado, tinha lixo espalhado, pessoas com doenças, tipo tuberculose. Tinha comida vencida, mosca em cima.
Eduardo Pauly, ex-detento da PEJ
Para dar um exemplo do problema, ele nos mostra trechos da reportagem “O pior lugar do mundo“, exibida pela RBSTV em 2012, quando a PEJ foi interditada pela justiça. Ele tinha razão, estava tudo ali. Os insetos, o lixo, o banheiro sem vaso sanitário, sem esgoto. Pessoas doentes isoladas em celas fétidas. “Como que um lugar aonde a pessoa é desprezada, esquecida, mal tratada, poderá mudar a situação de uma pessoa?”, desabafa Eduardo.
E os líderes das principais facções criminosas sabem disso. Eles sabem que as penitenciárias superlotadas e sem infraestrutura não tem condições de recuperar ninguém e se aproveitam disso. O procurador do Ministério Público do Rio Grande do Sul Gilmar Bortolotto explica que, atualmente, o ambiente carcerário não é dominado pelo Estado. Isso significa que há um vácuo deixado pelo poder público que é preenchido justamente pelas facções criminosas que se aproveitam desse vazio para aumentar o poder material e de recursos humanos. E nesse caso, não interessa o preso que já é faccionado, esse já vai solicitar transferência para um presídio que seja dominado pela facção da qual faz parte. O problema está no contato da facção com o homem que é preso pela primeira vez. “Tu olha pro Estado, o que tem pra o preso? Nada. Aí tu olha pra facção, os caras te oferecem 3 mil pra trabalhar em uma boca de segurança. O que tu vai pegar?”, questiona Bortolotto.
OUÇA . Gilmar Bortolotto, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, explica como acontece a cooptação
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A socióloga Camila Nunes Dias realizou uma pesquisa em penitenciárias de São Paulo durante os anos de 2003 e 2004 e identificou que o sistema prisional não admite uma variedade muito ampla no que se refere às identidades possíveis para um apenado.Segundo Camila, há dois mundos antagônicos e opostos: o mundo do trabalho e o mundo do crime. Ao primeiro se associam as normas de conduta e valores que regulam a vida em sociedade de maneira geral.Quem se identifica com o chamado “mundo do trabalho” se coloca à margem de facções criminosas e valorizam o trabalho, a família, a edução e traçam planos para retornar à sociedade. Mas isso não significa que esses presos não estejam também submetidos ao sistema normativo da cadeia, a que se chama de “código delinquente.”
Esse conjunto de regras se baseia, especialmente, na lealdade aos pares e nas atividades ligadas ao comércio e uso de drogas dentro da cadeia – e o código máximo é não delatar o companheiro. Esses dois pilares são sustentação ao segundo universo, o mundo do crime, e norteiam – mais do que as normas da administração prisional –as relações dentro do sistema carcerário. Isso significa que o código delinquente deve ser seguido à risca por todos. “A desobediência ou a infração a alguma dessas regras ou leis acarreta sanções, que vão desde agressões físicas até a morte do transgressor.”
Camila ainda ressalta que quanto mais as facções se organizam dentro do sistema, esse código adquire formas mais perversas que diz respeito justamente ao fato de os líderes das organizações criminosas se tornarem responsáveis pelo funcionamento do sistema social prisional.Edson Ramiro da Silva havia saído da prisão há apenas 19 dias quando conversou conosco. Permaneceu em regime fechado por 3 anos e 4 meses. Natural de São Leopoldo, foi preso por tráfico de drogas. Cinco vezes. Ele garante que não pertencia à nenhuma facção, que era “só” viciado. Mas também diz que isso durou pouco.“Tu vai pra dentro da galeria e aquilo é uma escola do crime. Não tem como não te envolver. Ou tu faz parte porque tu quer ou porque eles te obrigam. Eles te ajudam com coisas, com dinheiro, dão apoio, às vezes droga. E aí não tem o que fazer”, contou.
“Ou tu faz parte porque tu quer ou porque eles te obrigam. Eles te ajudam com coisas, com dinheiro, dão apoio, às vezes droga. ”
Edson Ramiro da Silva, ex-detento
Sobre o envolvimento com a facção, fez mistério. Disse que não tinha Jesus na vida, mas encontrou a salvação na palavra de Deus largou o crime. Foi inspirado por Eduardo, que conheceu na PEJ. Mas, segundo ele mesmo, a maioria não consegue se livrar.
Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) – Foto: Geórgia Santos
O professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo explica que o mecanismo de cooptação das facções dentro do ambiente carcerário ainda tem um efeito colateral externo: aumentam a violência urbana tanto na disputa de territórios quanto na prática de outros crimes. Se a política de guerra às drogas adotada pelo Estado brasileiro é equivocada porque gera um aumento desproporcional no número de presos, ela também é equivocada porque desencadeia uma série de eventos violentos na sociedade. Hoje, se faz o enfrentamento do tráfico pela apreensão de drogas e pela prisão de traficantes. Ou seja, utiliza-se o viés da repressão. Mas não há política pública que atue na desativação do ponto de comercialização e no tratamento do usuário viciado.
O juiz da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, Sidinei Brzuska, explica que isso culmina com o aumento da violência em uma lógica perversa. “Se você não desativa o ponto e não trata o viciado, e você apreende a droga além de prender, você acaba descapitalizando aquele ponto – que segue ativo. Como esse ponto segue ativo e o traficante está descapitalizado, ele vai se capitalizar. E ele não vai buscar linha de crédito no BNDES ou na Caixa Federal, vai buscar o dinheiro na classe média pela via do roubo. Então, a apreensão de drogas sem a desativação do ponto e sem o tratamento do usuário, por via oblíqua, gera roubo. Por isso você tem muito roubo de carro, de banco, de celular. Porque isso está, pela via oblíqua, suprindo a linha de crédito daquele ponto de tráfico que não foi desativado. O dinheiro que abastece o tráfico é da classe média, seja pelo consumo ou vitima de roubo”, desenha. Isso sem contar que chega o momento em que a prisão constante de traficantes gera uma desestabilização nos pontos de comercialização. E aí partir daí surgem as disputas violentas por território, para ver quem assume o comando. E assim surgem as guerras de facções que geram um aumento expressivo no número de homicídios..
O juiz Brzuska não critica a prisão dos traficantes, obviamente, mas aponta para a necessidade de desativação concomitante dos pontos de venda a partir da elaboração de uma política pública multidisciplinar. “A repressão, pura e simples, não funcionará sem uma política de arruamento, saneamento básico, de cultura, de lazer, de esporte, você precisa de uma ação transversal pra desativar aquele ponto”, explica o magistrado. É preciso compreender, então, que todo roubo e assalto estão diretamente ligados à guerra às drogas. Ao tráfico, sim, mas também à forma com que se combate o tráfico. “O sujeito que vem roubar a pé, na corrida, é viciado e só quer dinheiro. Mas o sujeito que já vem com outro carro, que tem arma, isso é capitalização de boca”, conta Brzuska.
Com toda essa circulação, entre cooptação e capitalização, o movimento e demandas do tráfico cresceram muito. Como consequência, os presídios passaram a gerir uma quantidade gigante de dinheiro. Segundo Brzuska, os presídios viraram o sistema bancário do tráfico. “Tu verifica isso aqui em Porto Alegre pela questão do fuzil. Dez anos atrás, praticamente não tinha fuzil em Porto Alegre. Ele é mais utilizado para fazer segurança da boca, e como é uma arma cara, 30, 40, 50 mil, dependendo da arma, o traficante pequeno não consegue ter, porque é um investimento muito caro. Então esse traficante tem que entrar em rede para essa rede fazer a segurança do ponto. Senão ele não consegue competir. E no tráfico, a facção é essa rede que dá proteção e fornecimento. E esse dinheiro é controlado de dentro da prisão. O dinheiro circula digitalmente por dentro da prisão. Todo o comércio é controlado de dentro. Circula por ali. Não tá entrando malote de dinheiro, mas digitalmente esse dinheiro tá circulando ali dentro.”
OUÇA . Sidinei Brzuska, juiz da VEC de Porto Alegre, explica como os presídios se tornaram o “sistema bancário do tráfico”
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O dinheiro circula digitalmente por dentro da prisão. Todo o comércio é controlado de dentro. Circula por ali. Não tá entrando malote de dinheiro, mas digitalmente esse dinheiro tá circulando ali dentro.”
Sidinei Brzuska, Juiz da VEC de Porto Alegre
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Todas as informações que se tem a respeito do sistema penitenciário brasileiro dão conta de que a cultura não é de recuperação. Tanto é assim que, segundo o procurador do MP-RS Gilmar Bortolotto, 70% dos presos voltam para a prisão. “Quando se olha para essa taxa de retorno, não se pode concluir que não adianta fazer nada porque os caras são ruins, mesmo. Não adianta fazer nada, não. Não estamos fazendo nada. E por isso a taxa é de 70%”, desabafa. O sociólogo Rodrigo Azevedo ressalta, então, a necessidade de mudar a receita. “Nós precisamos repensar a utilização da prisão para crimes em que ela realmente pode ter um efeito dissuasório preventivo, precisamos retirar o tema do mercado da droga, ou seja, pequenos traficantes presos não modificam em nada o problema e acabam até agravando pela superlotação e pelo fornecimento dessa mão de obra às facções e esse talvez seja um tema prioritário em se tratando de superlotação carcerária.”
Hoje, há poucas alternativas. O procurador Bortolotto provoca. “Tu tem que te imaginar no lugar do preso e se perguntar: por que eu mudaria minha lógica? O que me faria desistir do crime? Hoje, o que mais faz desistir do crime ainda é religião – dentro da cadeia. Porque só tem isso”. E só tem isso.
A cooptação de presos por facções ocorre de duas formas: medo ou sedução. A narrativa da sedução se refere justamente às juras e promessas que o Diabo faz ao Jesus humano de Saramago. Mas não esqueçamos da ficção no autor português, Deus lança mão das mesmas estratégias para convencer Jesus a entregar a ele sua devoção. O Evangelho Segundo A Prisão, funciona da mesma forma. O medo vem da narrativa de que o Jeová do antigo testamento é cruel no julgamento do que se faz em vida, a menos que haja arrependimento daqueles que pecaram contra os mandamentos. A sedução aparece quando as igrejas evangélicas neopentecostais estendem a mão a apenados abandonados com juras e promessas que garantem cuidado, proteção, comida, roupas limpas e a garantia de uma vida de retidão ao reencontrar a liberdade. Tanto o medo quanto a sedução são insistentes, não aceitam não como resposta. Cercam os desesperados até que se rendam e se entreguem ao Senhor. Independente de qual seja.
AS IGREJAS. 19 No Evangelho Segundo A Prisão, a única maneira de um apenado se recuperar no sistema prisional tradicional é por meio da conversão. 20 E evangélicos neopentecostais se apropriaram dessa oportunidade. 21 Por meio de uma narrativa que se assemelha à das facções no sentido que prometem melhorar a vida do preso em troca de lealdade, disputam adeptos com o crime organizado. 22 Prometem milagres e uma nova vida. 23 E, de fato, podem ser bem sucedidos.
Foi tentando compreender o trabalho da igreja dentro das penitenciárias que nós conhecemos o Eduardo, que hoje é pregador da Assembleia de Deus. O vício em crack, já aos 17 anos, foi a porta de entrada para assaltos, mas o contato com o mundo do crime organizado não tardou. Embora ele não dê detalhes desse momento. “Já tinha tido contato com inúmeras drogas. Mas o crack me escravizou. Comecei a roubar e, roubando, fui parar dentro de uma penitenciária.”
Eduardo nos recebeu na sala de sua casa, no bairro Primavera, em Novo Hamburgo, onde mora com a esposa, Fernanda, e os dois filhos pequenos, Maria e Eliel. Fazia muito calor, então as portas estavam abertas. Ele mora no andar inferior de uma casa que não parece concluída e fica nos fundos de um terreno amplo, com um pátio grande e gramado bem verde. É bastante confortável e fresca, um bom lugar para ficar no final do mês de novembro em uma região em que as temperaturas são sempre altas nessa época do ano. Apesar do calor, ele estava bebendo chimarrão. E eu aceitei uma cuia. Ele fala bastante, é muito simpático e bem articulado e parecia empolgado em contar histórias sobre sua vida pregressa. “Eu não escondo meu passado, nem posso esconder, porque eu quero ajudar os outros. Como vou fazer isso se não falar do que eu passei?” Ele deu um salto da poltrona verde em que estava acomodado e começou a procurar por algo em uma gaveta. Em seguida alcançou um jornal local em que foi destaque. “Das drogas à pregação”, dizia o título da peça que contava a trajetória do cara que estava orgulhoso à minha frente.
Tanto é assim que ele não estava sozinho. Ao lado dele estava Edson Ramiro da Silva, a quem conheceu quando estava preso na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ). Edson estava na rua há apenas 19 dias, então Eduardo estava “de olho” nele. Edson vestia um terno, fatiota completa. Eles notaram que eu estranhei aquela roupa toda em um dia em que a temperatura se aproximava dos 30 graus, mas logo explicaram. “Ele está pronto para o culto de logo mais. Vamos conosco?”, perguntou Eduardo. Vamos, sim, mas até lá, eu queria saber mais.
“Eu nunca imaginei estar dentro de uma igreja, eu nunca pensei que eu entraria dentro de um presídio pra falar do amor de Deus. Eu passava cada vez mais longe das igrejas. Quanto mais eu me aproximava da droga, mais eu me distanciava de Deus”, disse ele. Dentro da penitenciária, condenado a 7 anos e 4 meses de detenção, ele estava consumido pelo vício até o dia em que recebeu uma visita do pai, que chorava e pedia pra ele deixasse de usar drogas. “Ele me dizia: Eduardo, deixa de usar droga (chorando). Eu não tenho mais da onde tirar dinheiro, e se tu usar, eles vão te matar. Porque eu mentia que eles iriam me matar e eles me davam mais dinheiro pra eu usar. Ele saiu chorando e no outro dia eu não usei mais.” Mas não foi um caminho fácil. Segundo ele, foi o líder de uma facção conhecida do Vale dos Sinos que sugeriu que ele “desse um tempo” na galeria dos evangélicos. Foi assim que ele entrou em contato com o que ele chama de “palavra de Deus.”
Há outras igrejas evangélicas que realizam o trabalho de recuperação dentro das penitenciárias, mas neste caso, a maior presença era a da Assembleia de Deus, que opera por meio do Ministério da Restauração. O sociólogo Clemir Fernandes coordenou uma pesquisa que constatou que os evangélicos são “incontestavelmente” o grupo mais numeroso nos presídios – principalmente no Rio de Janeiro. E os apenados evangélicos se destacam na multidão. Vestem-se de forma diferente e se comportam de maneira distinta da maioria da população carcerária. Um “irmão”, como são chamados, geralmente usa calça e camisa sociais e sapatos fechados, mesmo em dias quentes, e segue uma conduta discreta. A base é a condução de uma vida pura. O preso deve evitar aglomerações, jogos muitos competitivos e segue à risca as recomendações dos missionários. É proibido consumir qualquer tipo de drogas e bebida alcoólica, a comida deve ser dividida e o espaço deve estar sempre limpo. Na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), há inclusive uma galeria dedicada especialmente aos irmãos. E embora ilegal, a prática de espaços distintos para os presos evangélicos é bastante comum em casas prisionais de todo o país (link reportagem globo). Esse diferencial é um dos argumentos não ditos utilizados pelos evangelizadores que disputam a atenção dos presos com as facções.
No caso da PEJ, os membros mais antigos da igreja Estrela do Cárcere são designados como missionários e tem o dever de levar a palavra a outros setores da penitenciária, inclusive os mais perigosos, com o objetivo de conquistar devotos. E esses devotos são disputados. De certa forma, com a mesma narrativa das facções, garantindo proteção e cuidado. Mas a moeda de troca é diferente: há regras rígidas presas às paredes para que ninguém se “desvie da palavra do senhor.”
Foi assim que Eduardo se tornou um pregador e decidiu abandonar a vida do crime. “Desde quando eu tomei uma posição com Deus e decidi me converter, brotou um sentimento no meu coração de não somente eu ser liberto, mas também de ajudar a tantos quanto eu tivesse a oportunidade”, explicou. Ele pediu licença para tomar um banho e se arrumar para o culto. Eu concedi, é claro, e aguardei enquanto conversava com Edson, que me garantiu que só estava no crime porque não tinha a religião na vida. “O objetivo de Jesus dentro da cadeia é que tu não volte pra ela”, diz. Ele estava ansioso porque daria o seu depoimento no culto de logo mais, mas estava seguro de sua decisão de não ceder às tentações da facilidade que a vida do crime oferece. Natural de São Leopoldo, Edson não viveu uma vida de dificuldades, segundo ele, foi o vício e a preguiça que o seduziram. “Eu não fazia nada, não gostava de trabalhar, não entendi a nobreza do trabalho e o crime foi muito sedutor. Mas não vale a pena e Jesus me ajudou a enxergar isso.”
Eduardo ficou pronto, vestiu um terno cinza, camisa e gravatas escuras, cinto e sapato. Nos convidou para voltar depois, sua esposa estava preparando o jantar. “Crente não fuma e não bebe, mas come que é uma beleza”, garante. Nós agradecemos, mas estávamos curiosos pelo culto. Chegando à igreja, havia cerca de 30 pessoas aguardando pelo início da pregação. Algumas delas desesperadas. Conversei com uma senhora que não me disse o seu nome mas que mostrou suas lágrimas pelo filho que está preso. Ela não entendia porquê, mas esperava que a Igreja pudesse ajudá-la.
Especificamente naquela noite, o culto todo foi sobre o trabalho desenvolvido pela Assembleia de Deus dentro das Penitenciárias. Foi um serviço longo, com leituras, músicas e sermões, mas principalmente com os depoimentos de Edson e Eduardo. Os dois, com a ênfase conhecida dos pregadores evangélicos, bradavam os caminhos penosos que suas vidas traçavam até pouco tempo atrás. Da mesma forma enérgica, exaltavam a conquista que mudou suas vidas. Hoje, Eduardo trabalha com reciclagem de pneus e tem uma vida confortável. Mais do que isso, tornou-se um ativista da causa e da possibilidade de recuperação de detentos por meio da fé. “Uma procuradora que fiscaliza os presídios me disse: Eduardo, tu imaginou que um dia tu estaria sentado numa sala com as maiores autoridades do estado do Rio Grande do Sul? Eu olhei pra ela e disse: nunca imaginei. Mas doutora, a senhora imaginou que um dia, um rapaz que era viciado nas drogas, com sua vida totalmente destruída, eu fui encaminhado para o presidio pelo Instituto Psiquiátrico Forense, a senhora imaginou que um criminoso, ladrão, drogado, bêbado, mentiroso, sentaria em uma sala como essa pra tratar dos problemas das casas prisionais? Ela me disse que não. Então quando a senhora se encontrar com um presidiário, lembra que ele querendo, Deus pega ele pela mão e e coloca ele em lugares como esse”, disse em alto e bom som para que todos pudessem ouvir.
O trabalho, porém, é maior do que a pregação nas penitenciárias. A igreja atua na recuperação de dependentes químicos por meio de comunidades terapêuticas e ainda oferecendo amparo ao preso na questão jurídica. Para que eu pudesse ter dimensão do alcance, Eduardo me convidou para assistir ao culto de Natal dentro da Penitenciária Estadual do Jacuí. Eu aceitei.
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O culto na penitenciária
Chegamos à PEJ às nove horas da manhã do dia 22 de dezembro de 2017. Uma sexta-feira quente, em que o mesmo dia se confundia entre estar ensolarado e nublado. Fomos os primeiros a chegar. Cerca de meia hora depois, chegaram Eduardo, sua esposa, Fernanda, e mais um grupo de cerca de 15 pessoas da Igreja. Homens e mulheres, entre músicos, ex-detentos pregadores e pastores que participariam do culto dentro da penitenciária. A revista foi rigorosa, como se espera de um presídio. Só podia entrar com a aliança de casamento. O equipamento necessário para o culto já havia sido inspecionado e estava instalado.
Ao entrar no pátio da galeria 5ª do A, a cena é surreal. Esqueça a imagem que traçamos anteriormente, de um ambiente hostil, sujo e degradante. O pátio de concreto lembra o de uma escola. Nas paredes, é possível ler as mensagens: “Jesus Cristo te ama e quer te ajudar”; “Quanto mais se esforça em mudar, mais se evita sofrer”. Também há duas goleiras, um pouco de grama verde e desenhos de personagens famosos pintados nas paredes. Minnie Mouse, Homem-Aranha, Pica-Pau, Turma da Mônica, e até o Tigrão e o Ursinho Pooh.
Cadeiras plásticas espalhadas pelo pátio e uma calma música instrumental tocando ajudam a confundir a cabeça de quem está no pátio de uma penitenciária. Estranhamente, é o clima da sala de espera de um consultório de dentista a céu aberto. Homens impacientes vestem calça social, sapato e camisa. Alguns estão usando até gravata e caminham com a bíblia na mão. De um lado a outro do pátio. Isso faz com que eu lembre que estou, efetivamente, em uma penitenciária. Eles caminham para frente e para trás, nesse mesmo espaço restrito, porque é o único espaço em que podem fazê-lo.
No único canto em que há sombra, quem não é crente observa de longe, alguns com um sorriso irônico, outros apenas com desdém. Mas a maioria olha de trás das grades de uma galeria em que ficam alguns dos detentos mais perigosos da PEJ. Eles gritam e provocam, mas nada abala aqueles homens que estão ajoelhados, apoiando os cotovelos nas cadeiras plásticas.
O culto começa. O calor se intensifica. Todos respeitam. “Porque a palavra de Deus, ela tem poder para restituir, para regenerar e dirigir o ser humano a uma vida de pela comunhão com Deus, de bençãos e de paz”, diz Eduardo, que dá início ao evento que está sendo gravado pela igreja. “Será registrado para que não somente aqueles que estão aqui dentro, mas para quem está na rua poder ver o agir miraculoso de Jesus Cristo, que pega um homem com a vida destruída, restitui ele, e coloca de pé na sua presença”, prega Eduardo, que lista as galerias de onde vem os irmãos que assistem ao culto naquele final de manhã abafado. As próximas duas horas seriam de pregação, depoimentos e esperança. Marcos Aurélio de Almeida, 42 anos, está há oito na PEJ. “Eu vim pegando uma pena do ano de 98 do Estado do Mato Grosso do Sul, e fiquei cativo aqui até 2012. Em 2012 fui pro semi (aberto) de NH e fiquei até 2013. Em maio de 2013 fui recolhido de volta à penitenciária, respondendo a um assalto a banco.” Marcos era missionário, mas agora é pastor em uma galeria, responsável por cerca de 30 irmãos, e considerado um exemplo de sucesso. “Eu cometi vários crimes, várias atrocidades. Assaltos a banco e outras coisas. A ambição do ser humano. Foi onde acabei me perdendo. Mas agora não existe chance de eu voltar pra esse mundo porque foram muitos anos de sofrimento.”
Mas a conversão religiosa é um processo complexo de transformação que diz respeito a uma mudança radical de valores, crenças, comportamento e na forma de interpretar os acontecimentos. E partindo do princípio que os presos coexistem nos universos do crime e do trabalho, a conversão religiosa, segundo a socióloga Camila Nunes Dias se torna um processo de troca de mundos. Ou seja, o preso abandona as práticas e valores do mundo do crime e adota as normas do mundo do trabalho a partir da ótica da igreja. “A Igreja começa a mudar nossos pensamentos, nossa maneira de ser de agir”, diz Marcos.
Essa frase é um ponto-chave para entender um dos problemas da ação da Igreja dentro das penitenciárias. Se por um lado oferecem um espaço de acolhimento e recuperam criminosos, por outro, há a acusação de “lavagem cerebral”, em que os detentos seriam ludibriados. Tanto é assim que a conversão abrupta e radical geralmente ocorre por meio de um “milagre”.
Rafael Cristiano Gonçalves da Silva, de 32 anos, talvez seja o exemplo perfeito. Ele é um dos detentos que faz a obra missionária no pavilhão. Preso por assalto, homicídio e tráfico de drogas, disse que se converteu porque Deus fez um milagre em sua vida. “Curou do HIV”. Ele ignora a comprovação científica de que a AIDS não tem cura. Rafael não acredita. “Só quero fazer as coisas de Deus certinho, pra mim (sic) sair daqui uma nova pessoa. Antes minha vida era nas drogas, escravizado. Não sabia o que eu fazia, só droga e droga. ?Comecei com 12 anos. Me injetar na veia. Me envolvi com o crime, fui pra Febem, depois fui pra cadeia, fiquei dois anos e oito meses no Presídio Central. Depois passei pela PASC, Rio Grande, Bagé, Uruguaiana. Passei por diversas cadeias. Minha pena é de 25 anos e seis meses. Cumpri seis anos. Deus tá fazendo uma obra grande na minha vida. Pretendo sair daqui uma nova pessoa, construir uma família. Deus me deu uma família, uma esposa. Quero sair daqui e não quero voltar pro crime, voltar pra trás, só pra frente.” Durante um momento da pregação, ele disse que não é fácil ser missionário dentro da penitenciária, mas que vale a pena. “Deus tem uma obra na vida de vocês, agora eu tava ali no meu canto, Deus falou comigo, tu ali, J., de boné, tu mesmo, tu sabe o que Deus quer contigo”, provoca.
O discurso religioso ressignifica toda trajetória biográfica do preso, segundo Camila. O apenado que se converte às igrejas evangélicas neopentecostais passa a ver o passado criminoso como um pecado, uma traição às leis de Deus e a prisão como um castigo e, ao mesmo tempo, como uma oportunidade para se regenerar. “Fiquei sete anos cativo, tenho um filho de 18 anos, um garoto muito educado, estudioso, minha esposa também é uma benção, não há possibilidade de eu retroceder”disse Marcos, que pretende colocar um centro de recuperação para os jovens quando for solto.
A religião ainda reacomoda a perspectiva de um futuro para um detento, permite sonhar e planejar uma nova vida, um recomeço. No caso das neopentecostais, também conforma o apenado a executar mesmo um trabalho que ofereça pouco prestígio social e pouco dinheiro, que é visto como ganância, pecado – embora as pessoas mais importantes dessas organizações vivam vidas luxuosas. Rafael, por exemplo, quer voltar a ser vendedor ambulante.
Eduardo entende que essa missão é sobre resgatar a humanidade que existe em cada um e sobre a possibilidade de todos encontrarem uma maneira de viver longe do crime. Mas é uma possibilidade que só existe com uma compreensão e empatia que vêm de fora. Algo muito distante da frase preferida da sociedade brasileira, que diz que “bandido bom é bandido morto”. Para Eduardo, não é o caminho. “Uma pessoa que expressa tal expressão não tem um sentimento de amor pelo próximo, ela se torna igual aquele que comete o tal crime. O mal não pode ser pago com o mal.” O culto acabou e todos voltaram para suas galerias. Os pregadores voltaram para casa, em liberdade.
Em 2017, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul criou uma Comissão Especial para Tratar da Função Social das Igrejas nos Presídios e Centros de Recuperação de Drogas no RS. O presidente da comissão era o deputado Sérgio Peres (Republicanos), a deputada Liziane Bayer (PSB) era a vice-presidente e o relator foi o deputado Missionário Volnei (PR). Como a alcunha do último já sugere, os três são vinculados a igrejas evangélicas neopentecostais, portanto, além do interesse público, também havia de fortalecer a imagem das organizações às quais pertencem. Peres, que se reelegeu para um novo mandato, é pastor da Igreja Universal; Bayer, hoje deputada federal, é pastora da Igreja Internacional da Graça de Deus; enquanto Missionário Volnei, que não se reelegeu, é parte da Igreja Mundial do Poder de Deus.
Segundo o relatório apresentado em abril de 2017, os parlamentares visitaram sete casas prisionais. No Presídio Central, o mais emblemático do Estado, a comissão identificou vinte “denominações” religiosas que promovem assistência espiritual por meio de voluntários. Os encontros ocorrem na capela ecumênica do presídio, na área de visitas e no pátio do presídio. A administração do central informou à equipe técnica que as famílias também podem participar de eventos realizados em parceria com as igrejas. “Nós conseguimos perceber a mudança de conduta do preso que faz uso da assistência espiritual. Nesse segmento identificamos uma diminuição considerável da reincidência no crime e a inserção das pessoas no mercado de trabalho quando saem daqui”, observou o então diretor, tenente-coronel Marcelo Gayer. Da mesma forma que na Penitenciária Estadual do Jacuí, também há celas especiais chamadas de “galeria dos evangélicos” ou “galerias dos irmãos”, ocupada, à época, por 115 detentos.
Na Penitenciária Modulada de Ijuí, os trabalhos religiosos da Assembleia de Deus, Adventista e IURD são realizados aos sábados e domingos, enquanto a Igreja Católica promove assistência aos detentos nas terças e sextas, duas vezes ao mês. No Presídio Regional de Santa Maria, oito instituições religiosas atendem aos detentos em reuniões que ocorrem às segundas, quartas e sextas. Neste caso, 50 detentos são beneficiados com o auxílio espiritual. No Presídio Regional de Caxias do Sul (antiga PICS), 12 instituições prestam assistência religiosa diariamente.
Na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, o acesso ao acolhimento espiritual se dá somente aos sábados e quatro instituições se revezam. Ou seja, cada uma só tem acesso às detentas uma vez por mês, segundo o relatório da Comissão. Não à toa, ouvem-se gritos que perguntam se “são os homens de preto?” ou “é dos Direitos Humanos?”. Não à toa porque esse comportamento é sempre um pedido de ajuda, sempre um indicativo de que é mais uma casa prisional em que o Estado não cumpre com o mínimo.
No Presídio Regional de Santa Cruz do Sul, três instituições promovem reuniões aos sábados. Neste caso, a visita técnica foi acompanhada pelo presidente do Conselho da Comunidade, Roberto Tailor Bandeira; pelo pastor da Assembleia de Deus Jorge Elemar de Souza; pelo representante da Igreja Universal Auri André Back; e pela evangelizadora Jaqueline da Silva Machado. A obreira da Igreja Internacional da Graça de Deus, à qual pertence a deputada Liziane Bayer, relatou à comissão – da mesma forma que Eduardo quando conversou conosco – que as igrejas prestam apoio de toda ordem, desde orientação espiritual até assistência social. “Perante a sociedade, são presidiárias. Mas assim como lá fora as pessoas têm perfis diferentes entre si, aqui também há mulheres com lutas distintas, são mães que querem nos falar dos problemas dos seus filhos. Algumas vezes conseguimos interceder para resolver questões de comportamento na escola, por exemplo.”
Já na Penitenciária Estadual de Canoas (complexo 1), há cultos diários comandados por pastores, evangelizadores ou organizados pelos próprios detentos da Galeria dos Cristãos, à época ocupada por 124 homens. Além disso, voluntários da Igreja Universal e da Sociedade Bíblica do Brasil prestam assistência nas celas de três galerias. No sábado, há cerimônias de batismo no pátio da instituição, onde os apenados também contam com biblioteca de obras cristãs.
Apesar de todas as visitas técnicas resultarem em uma experiência relativamente positiva no sentido de que, de alguma forma, todas as instituições disponibilizam o acesso à assistência religiosa, orelatório final da comissão indica que, “devido à falta de conhecimento por parte das direções de diversos presídios e, por não haver uma prática de assistência espiritual padronizada e regulamentada, vem se impedindo um trabalho frequente e permanente.” Tanto que os parlamentares fazem uma série de sugestões para facilitar o trabalho dos evangelizadores dentro das prisões. Uma delas é que a Susepe tenha sob sua competência a “Regulamentação e Supervisão da Assistência Religiosa no Sistema Prisional”. Isso significaria “cadastrar, certificar, credenciar e autorizar religiosos devidamente subordinados às igrejas que os apresentem formalmente, para desenvolver trabalho evangelístico junto ao sistema carcerário.” Hoje, esse acesso não é uniforme e, como se pôde ver acima, depende de cada estabelecimento. Além disso, os deputados ainda sugerirama assistência religiosa como matéria curricular. O relator, que pertence a uma igreja evangélica neopentecostal, entende que a “inserção de uma Disciplina, sobre o Papel das Igrejas na Ressocialização da População Carcerária” poderia ser matéria de estudo na formação de servidores do sistema penitenciário.
Mas mesmo que a comissão formada por parlamentares que também são pastores evangélicos tenha encontrado alguns problemas para o acesso de voluntários a apenados, a situação é ainda mais complexa quando se trata da Igreja Católica. E o motivo é bastante simples, as igrejas evangélicas focam na recuperação dos dependentes químicos e evangelização. O objetivo final é aumentar o rebanho. Isso significa que não há interesse em discutir os problemas estruturais do sistema prisional. Tanto é assim que a moeda de troca para atrair a devoção de um detento é justamente a proteção e o cuidado em galerias especiais, roupas limpas, comida e celas organizadas. A parte da Igreja Católica que trabalha com assistência espiritual em presídios, por outro lado, tem, por base, uma preocupação com as condições espaciais a que os presos são submetidos. Basicamente, preocupa-se em garantir, além da orientação religiosa, a aplicação dos Direitos Humanos.
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O privilégio dos evangélicos
Relatório da Pastoral Carcerária de 2018 indica que em todo o Brasil há inúmeras justificativas para a restrição ao atendimento religioso em casas prisionais. A mais comum é impor aos agentes pastorais um longo tempo de espera até a liberação da entrada. Frequentemente, com o pretexto da garantia da segurança, a visita pastoral é impedida. Além da exigência de que agentes pastorais sejam submetidos revista que, segundo o relatório, é ilegal e vexatória. E para a Pastoral, as arbitrariedades que o Estado comete nesse sentido ocorrem em função da postura “de não ser indiferente e sempre se comprometer com a defesa da dignidade e da vida humana.”
Em estudo realizado em 2017, 40% dos entrevistados afirmam que a Pastoral Carcerária é discriminada na unidade prisional ou que outras igrejas são priveligiadas. Relatos dão conta de que existe uma diferença importante no tratamento entre as igrejas e que é comum que agentes prisionais permitam a entrada de evangélicos e barrem a entrada de católicos.
“Não consigo esquecer o dia 12 de outubro, dia da Nossa Senhora Aparecida, que fomos impedidas de entrar na unidade prisional e [outras igrejas] fizeram as visitas normalmente.”
“[Outra igreja] Entra com artigos religiosos com maior facilidade, tais como: livros e jornais em grande quantidade, óleo de cura.”
“Até o ano passado, enquanto nós tínhamos só duas horas, outras igrejas ficavam lá dentro o dia todo.”
“Nós podemos entrar com cinco pessoas, eles [outra igreja] entram com doze; nós temos que entrar de chinelo e calça sem nenhum adereço, enquanto eles entram de sapato fechado e roupa social.”
Vozes da Pastoral, depoimentos anônimos de agentes da Pastoral Carcerária
A Igreja Universal do Reino de Deus é a pentecostal com maior influência dentro dos presídios – seguida pelos ministérios da Assembleia de Deus. A Universal Nos Presídios (UNP) começou o trabalho de evangelização há mais de 30 anos. O objetivo oficial é “levar Vida, por meio da Palavra de Deus, aos encarcerados, apoio espiritual e social, além de auxílio direto aos familiares deles.” Mas o objetivo real é atrair mais devotos à igreja fundada por Edir Macedo.
A Universal considera o trabalho com os presos tão importante que, em 2012, a primeira aparição do bispo para o lançamento de sua biografia foi em um presídio. Três mil edições do livro “Nada a perder” foram doadas aos apenados do Centro de Detenção Provisória de Pinheiros (CDP 3), em São Paulo. “Aqui, não poderia deixar de vir. Para mim, é muito importante. Eu não posso dizer que é um prazer entrar num lugar onde há sofrimento e dor. Paradoxalmente, é um prazer porque a gente chega às pessoas mais aflitas e é como Jesus disse: “Os sãos não precisam de médicos, mas os doentes”, disse na ocasião.
Foto: Divulgação
Edir Macedo ainda organizou para que a versão cinematográfica da biografia chegasse aos detentos de todo o país no ano passado. O filme “Nada a Perder retrata a saga do bispo fundador da Universal e foi exibido em penitenciárias de todo o Brasil.
A Universal ainda chega aos apenados por meio de um programa de rádio chamado “Momento do Presidiário”, transmitido diariamente pela Rede Aleluia de Rádio. O novo projeto da igreja é inaugurar espaços específicos dentro dos presídios para a realização de reuniões com os presos. No site da organização, a empreitada é considerada um sucesso. “O desafio tem dado tão certo que, desde fevereiro de 2017, a Igreja tem empenhado esforços para abrir o maior número de templos possível nas unidades prisionais de todo o País e em diversas partes do mundo, como mostrou, recentemente, uma matéria especial do programa “Domingo Espetacular”, da Record TV.”
Desconfiança
Mas há quem pense que alguns dos presos que se mudam para a galeria dos irmãos estão “se escondendo atrás da Bíblia”. Esse foi um fenômeno que nós pudemos notar em conversas com detentos da PEJ e reforçado pela pesquisa da socióloga Camila Nunes Dias. Eles o fazem por dois motivos: para poder viver na galeria dos irmãos e fugir do assédio das facções e da parte da cadeia em que as celas não tem condições de infraestrutura; ou para fugir de acertos de contas.
Esse fenômeno expõe uma espécie de ambiguidade do presos evangélicos.Se em um primeiro momento creditam a conversão a motivos sobrenaturais, conforme a conversa se aprofunda, fica claro que alguns decidem se converter após fato bastante concretos. Seja uma experiência de quase morte em função das drogas ou ainda ameaças.Ambiguidade essa que também se percebe no resultado – igrejas ajudam porque?!
Os estudos que abordam a ação das igrejas no sistema prisional costumam focar as pesquisas na eficácia no processo de ressocialização. E essa é uma narrativa reforçada por autoridades que acompanham a rotina e o cotidiano das casas prisionais em todo o país. Como disse o procurador Gilmar Bortolotto, “só tem isso”. Em uma penitenciária abandonada pelo Estado, a conversão é a única chance de ressocialização. Nessa linha, há dois caminhos, segundo Camila Dias: ver a religião como um elemento moralizador que auxilia na recuperação do apenado; e entender esse movimento como um aproveitamento utilitário da igreja pelo preso queteria benefícios em decorrência de uma conversão.
É preciso repensar alternativas, porém, porque de todo modo, a religião, com seus arbítrios e normas, não deixa de ser uma forma sutil de violência uma vez que se torna a única alternativa a quem não quer pertencer a uma facção.
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Investir em alternativas
O procurador do Ministério Público do Rio Grande do Sul Gilmar Bortolotto afirma que não dá para fazer política pública para quem são se conhece. “Os projetos vem de cima pra baixo, de gente que nunca pisou em uma cadeia mas quer impor coisas novas, mas tá na cara que não vai funcionar, porque é uma ficção. “Vamos fazer um projeto pra os presos trabalharem.” Aonde? Fazendo o que?”, provoca Bortolotto. O caminho é investir em alternativas que, obviamente, funcionem. Mas não é um caminho simples.
Segundo ele, envolve cinco etapas. 1) Construir presídios novos. “No espaço velho, não implanta mais nada. Por que uma facção deixaria o Estado fazer uma política pública diferente? Vai perder mão-de-obra”, explica Bortolotto. Mas ele também ressalta que esse novo espaço engloba um sistema inteiro, a começar pela segunda etapa, que é 2) Selecionar as pessoas. Isso significa que não adianta construir um novo espaço e mandar presos faccionados para essa prisão. “Escolher os presos e implantar uma política real que abra a porta para quem quer sair do crime e não entrar em facção é fundamental”, diz o procurador. Isso envolve uma grande 3) Mudança de Cultura, tanto para os detentos quanto para quem trabalha nas casas prisionais. “Não adianta ir para presídio novo e progredir para o semi-aberto em que enterram gente. Espaço novo, cultura nova. Se disserem que vão fazer algo novo em lugar faccionado, estão mentindo, não vai acontecer”, garante Bortolotto. A mudança passa, ainda pela 4) Formação de funcionários, que deve ser diferente. Nesse aspecto, ao menos, já há uma melhora expressiva. A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) no Rio Grande do Sul, por exemplo, está recrutando servidores com nível superior. “Há 20 anos, tinha gente que vinha atender a gente de calção, chinelo de dedo, sem camisa e com uma arma na mão. E não é culpa do cara que tá ali. Ele é tão abandonado quanto o preso”, conta o procurador. Por fim, é fundamental 5) Investir em política para egressos, criar centros de atenção, um vínculo pra fazer documentos, buscar emprego. Enfim, criar a ponte entre o detento e o Estado. “Tem gente que sai da cadeia e não tem nem como pegar um ônibus. Hoje a facção dá esse apoio. Ou a igreja.” E essa política deve abraçar, ainda, a questão da dependência química.
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APACS
O Brasil, felizmente, tem um exemplo de política penitenciária bem-sucedida, que são as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados. A lógica é bastante simples. As próprias comunidades constituem uma associação sem fins lucrativos em que são agregadas as forças da sociedade para recuperar e reintegrar os condenados. Essas pessoas serão as responsáveis, por meio de convênios com o poder público, de administrar o estabelecimento. E funciona basicamente com trabalho voluntário. “A metodologia APAC fundamenta-se no estabelecimento de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado. A valorização do ser humano e da sua capacidade de recuperação é também uma importante diferença no método APAC”, é o que diz no site da instituição.
Gilmar Bortolotto conta que a média de recuperação é de 80%. “É impressionante, não tem guarda e o índice de fuga é próximo de zero. É difícil comunicar isso para as pessoas, mas funciona. O cara que vai na malandragem não aguenta, porque vai ter atividade das 6h às 22h. São oficinas, atividades para provocar reflexão sobre o que o crime fez, quem levou junto, como a família está suportando.”
O Método APAC consistem em 12 elementos fundamentais: 1) A participação da comunidade; 2) O recuperando ajudando o recuperando; 3) O trabalho; 4) Assistência Jurídica; 5) Espiritualidade; 6) Assistência à saúde; 7) Valorização Humana; 8) A família; 9) O voluntário e o curso para sua formação; 10) Centro de Reintegração Social (CRS); 11) Mérito; 12) Jornada de Libertação com Cristo. Como se pode ver pelo último item, assim como a atuação das igrejas em penitenciarias, o método APAC também precisa da fé. Minas Gerais é o estado que apresenta os melhores resultados. Há 40 APACs implantadas que abrigam 3 mil presos. No Rio Grande do Sul, há APACs constituídas em Canoas, Porto Alegre, Três Passos, Pelotas e Palmeira das Missões.
É fundamental, porém, compreender que o processo de recuperação ocorre em etapas e é extremamente lento. “Quando as pessoas pensam no que chamam de ressocialização, elas imaginam que tu vai pegar um cara que é um sujeito encrencado e aplicar uma coisa pra ele e ele vai virar uma freira em dois meses. Não vai acontecer isso”, explica Bortolotto. O processo é demorado e prevê o cumprimento de uma série de etapas.
“Um preso que eu conheci e era assaltante, por exemplo. Um dia ele foi lá na promotoria e me disse: Oh, Dr. Gilmar, eu larguei o crime. Eu tô só trabalhando com venda de CD. Entende? Quando o cara passa do assalto para a pirataria, ele está melhorando. São etapas, é preciso compreender isso.”
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24 Para poder pensar no futuro, o apenado precisa fazer uma escolha em um mundo bastante particular em que é praticamente impossível sobreviver sozinho. 25 E é uma escolha ambivalente, assim como foi a do Jesus humano de Saramago. 26 Testado por Deus e o Diabo de forma insistente e parecida. 27 Ele precisará servir a algum Senhor. 28 E se ele não quiser que esse senhor seja um líder de facção, 29 a religião segue como a única oportunidade possível de recuperação. 30 Fim do Evangelho Segundo a Prisão.
Nesta semana, o fato que dilacerou o coração de todo o país. Agatha Félix, de oito anos, foi assassinada com um tiro de fuzil. Ela estava dentro de uma kombi no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
A família garante que ela foi assassinada pelo Estado. Assim como outras testemunhas que afirmam que não houve tiroteio. A versão oficial é outra. Segundo a Polícia Civil, o projétil que matou Ágatha é de fuzil, sim, mas não poderá ser comparado a armas de PMs. Não é possível dizer o calibre da bala achada no corpo da menina. Surpresa.
Mas se não é possível determinar o calibre da bala, é bastante claro que a Agatha foi morta como consequência da política de segurança de Wilson Witzel, o governador do Rio de Janeiro. Para compreender melhor essa realidade, conversamos com a jornalista e ativista Marcela Lisboa, moradora da Penha.
O governador ficou em silêncio em princípio. Quando falou, responsabilizou o usuário de maconha. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, apressou-se em descolar o assassinato da menina do excludente de ilicitude. Já o presidente Jair Bolsonaro ficou em silêncio sobre o caso da Agatha, não disse absolutamente nada. Adoraríamos que ele tivesse ficado em silêncio também na ONU.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. A edição é da jornalista Evelin Argenta. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
OUÇA Bendita Sois Vós #19 Quais os possíveis impactos da flexibilização da posse de armas?
Geórgia Santos
25 de janeiro de 2019
Jair Bolsonaro assinou o decreto que facilita a posse de armas no Brasil. Algumas mudanças foram questionadas, outras aceitas pelos correligionários. Embora as regras não tenham mudado tanto, demonstram uma retórica a ser perseguida nos próximos anos. Mas as consequências serão percebidas somente a longo prazo. Então, no episódio 19 do podcast Bendita Sois Vós, perguntamos quais os possíveis impactos da flexibilização da posse de armas?
Participam os jornalistas Tércio Saccol, Flávia Cunha e Igor Natusch. Ainda uma entrevista com a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Natália Pollachi.
No Sobre Nós, “A primeira hora em que o filho do sol brincou com chumbinhos”, de Matilde Campilho.
Como uma última oportunidade de reflexão antes das eleições, a jornalista Geórgia Santos pergunta: nós estamos doentes?
O nível de violência desse pleito é anormal. Estamos fisicamente doentes, com dores musculares, problemas para dormir e transtornos de ansiedade. Mas talvez estejamos doentes enquanto sociedade. E relativizar autoritarismo, tortura, machismo, homofobia, e xenofobia talvez seja o sintoma dessa doença.
Participam do programa os jornalistas Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Evelin Argenta conversa com Christian Dunker, psicanalista e professor titular do departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). No quadro Sobre Nós, Agressões. Relatos de pessoas que foram agredidas por motivação política durante as eleições de 2018.
No quadro Sobre Nós, dirigido por Raquel Grabauska, as Agressões estão em pauta. Atores interpretam relatos reais de pessoas que foram agredidas por motivação política durante as eleições de 2018. Nenhuma palavra é dita sem destino.