NA GRAVAÇÃO DE TEMER, É PRECISO OUVIR TAMBÉM O QUE NÃO SE DIZ
Geórgia Santos
19 de maio de 2017
Foto: Beto Barata/PR
(Brasília - DF, 18/05/2017) Pronunciamento do Presidente da República, Michel Temer, à imprensa. Foto: Beto Barata/PR
Não resta dúvida que, quando as manchetes dizem que o Presidente da República concordou com o pagamento de mesada a um político preso para que ele não faça delação, temos todos e todas que prestar muita atenção. A comoção em torno da afirmação foi tão grande que a revelação dos áudios da fatídica conversa de Michel Temer com Joesley Batista, presidente da JBS, acabou parecendo menos grave do que de fato é, já que o “tem que manter isso aí, hein” não é tão explícito e espetacular quanto as transcrições davam a entender.
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Verdade que, mesmo assim, Temer é um cadáver político e seu governo, seja lá a sobrevida que eventualmente tenha, está em processo visível de decomposição pública – e não vai ressuscitar, a não ser que apareça um Jesus Cristo do céu dizendo “levanta-te e anda” para esse Lázaro coberto de vermes.
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Mas eu queria destacar outro elemento nessa gravação – que, ao contrário da satisfação do não-vice-presidente com Joesley estar “de bem” com Cunha, não fica preso a uma frase pretensamente definitiva, dissolvido que está em quase todos os momentos do diálogo. Joesley fala que está “segurando” juízes, que conseguiu “um procurador dentro da força tarefa” que está passando informações – e a essas afirmações chocantes Michel Temer reage com naturalidade, sem nenhuma surpresa, sem manifestar nem digo indignação, mas um toque que fosse de incredulidade.
O que interessa aí é mais o não dito do que o efetivamente pronunciado: não apenas o chefe do Executivo federal não demonstra reação diante desses absurdos (ao contrário, parece no mínimo desinteressado a respeito) como também não se sabe de qualquer ação posterior, que tenha pedido esclarecimentos sobre a situação, que tenha orientado algum ministro ou secretário para tomar alguma providência ou, no mínimo, buscar informações.
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Recebe um investigado, conversa furtivamente com ele na garagem do Jaburu, ouve que ele faz esforços hercúleos para corromper a investigação que o ameaça, não solta um gemido sequer de desagrado e volta para seu palácio, sem tomar qualquer providência. E querem me convencer que está tudo bem
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Eles, os mesmos que hoje ocupam o Planalto após condenarem os crimes do governo anterior – eles agora querem me convencer que Joesley falava e Temer ouvia, que não era um diálogo entre cúmplices que dividiam interesses, que essa fumaça tomando conta da casa é oxigênio colorido e não sinal de incêndio.
Já é possível localizar, em certos veículos de imprensa, o esforço de apagar as chamas, adotando rótulos como “inconclusivo” e outras contemporizações. Um esforço condenado ao ridículo, com encher baldes no chuveiro do banheiro para combater o incêndio que devora a sala e a cozinha. Já temos mais: a afirmação de que Temer pediu dinheiro para influenciar na posição das redes antes do impeachment de Dilma Rousseff, para a campanha de Gabriel Chalita em São Paulo, em 2012 e até para “despesas de marketing” contra ataques na internet.
A delação já está homologada e, ao contrário de outras tantas, vem acompanhada de evidências obtidas de forma controlada pela Polícia Federal – ou seja, não estamos apenas no terreno do dito contra o não dito, não está apenas no peso das palavras a doença que devora a carcaça do governo Temer. E que já devorou politicamente Aécio Neves, e que tem fôlego para deixar o sistema de Justiça de orelhas em pé – já que, como sabemos, apenas um dos homens no bolso de Joesley Batista está atrás das grades no momento. A promessa é de muito, muito barulho nos próximos dias – e o estrondo não está apenas no que se ouve, mas talvez ainda mais no que não se diz ou se tenta não dizer.