Gustavo Chagas

América Latina, 2019 – Parte 2

Gustavo Chagas
26 de dezembro de 2019

O ano de 2020 da América do Sul será uma extensão do turbulento 2019. A observação não é tanto um exercício de futurologia, senão uma análise das pautas que marcaram os últimos 12 meses. Peguemos alguns exemplos…

A Venezuela tem alguma perspectiva de solução do impasse político que iniciou neste ano? Nicolás Maduro não parece disposto a negociar e ainda conta com a sustentação da cúpula militar do país. O líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, desidratou e não parece mais ser o “autoproclamado” presidente que se vendeu no primeiro semestre. A violência segue nas ruas, com ataque a bases militares, e a escassez de alimentos persiste, com mais uma ceia de Natal suprida com aves russas. A Colômbia, ao lado, com todos os seus problemas, vive reflexos da situação venezuelana.

Do norte, vamos para o sul. A Argentina, mesmo com troca de governo, não apresenta sinais de recuperação. É verdade que Alberto Fernández não completou um mês na Casa Rosada, mas as políticas implementadas pelos peronistas repetem as que fracassaram com o neoliberalismo de Mauricio Macri. Aumentos de impostos foram aprovados pelo Congresso e também devem vigorar na populosa província de Buenos Aires, que cerca a capital do país.

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O tranquilo Chile entrou em erupção e até agora o presidente Sebastian Piñera não acertou a medida capaz de satisfazer uma população incomodada com anos de desequilíbrio econômico e social. A crise prossegue, bem como as incertezas sobre o futuro político do país

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A Bolívia, com a renúncia de Evo Morales, vive expectativa de uma nova eleição, com garantias de transparência. As primeiras pesquisas apontam uma divisão entre Carlos Mesa, ex-presidente moderado e opositor de Evo, e um jovem líder cocaleiro do partido do líder de origem indígena. Os artífices da ruptura colocada em prática vão aceitar os resultados das eleições organizadas por eles próprios?

Peru e Equador viveram dias intensos pela corrupção e decisões econômicas controversas, respectivamente, que acabaram desaguando nas ruas, em protestos e reações oficiais violentos. Já Brasil e Paraguai estão em um período de estabilidade, no qual, de forma contraditória, a instabilidade é a regra. A novidade mesmo vai ficar com o Uruguai, com novo governo.

Gustavo Chagas

A Bolívia e a Organização dos Governos Americanos

Gustavo Chagas
14 de novembro de 2019

A semana boliviana foi amplamente discutida pela imprensa brasileira. Depois de muita indecisão de alguns, parece que, finalmente, chegou-se à conclusão de que houve golpe militar contra Evo Morales. O singelo pedido do comandante das Forças Armadas para que o presidente renunciasse foi atendido mesmo depois de ele aceitar a realização de novas eleições diante das evidências de fraude no pleito anterior.

Evo Morales ficou acuado, não só politicamente. Teve de deixar o país se esgueirando entre espaços aéreos fechados até o México

A violência já vista nas ruas ganhou níveis cada vez maiores. Prisões injustificadas, ataques incendiários, agressões em praça pública marcaram o movimento que tinha como pretexto restabelecer a democracia da Bolívia. Um estranho grupo que mistura o extremismo militar com o fundamentalismo religioso (Rá!) tomou conta do poder. Uma senadora, Jeanine Áñez, reclamou para si a vaga da presidência e vestiu a faixa amparada pela Bíblia, pelos homens de farda e pela falta de quórum.

É bem verdade que Evo atropelou a regra do jogo ao forçar suas reeleições com manobras sobre manobras. O correto seria escolher um sucessor e deixar a decisão final nas mãos do povo. Mas não deixa de ser óbvio que não é (ou não deveria ser) a força militar a decidir como ou quem vai liderar a transição, da forma como está acontecendo, e pior: sem a certeza de que vai haver transição.

Tendo claro o que houve na Bolívia, vamos para fora dela

A América do Sul assumiu uma postura interessante nas relações exteriores. O tão temido aparelhamento ideológico de outrora com outrem agora dá as cartas da diplomacia no continente sem constrangimentos. Para substituir a comunista Unasul, tomada pelo Foro de São Paulo, inventou-se o Prosul, de Macri, Piñera, Bolsonaro e companhia. A nova organização, de tendência liberal-conservadora (com toques de olavismo), iria reunir os interesses dos países do continente. Mas até quando? Macri já está fazendo as malas da Casa Rosada e Piñera não sabe se termina sua estadia em La Moneda.

A negociação e a conciliação ficam em segundo plano, enquanto lideranças aproveitam as crises alheias para obter ganho político para a ideologia. Jeanine Áñez, a Guaidó boliviana, já foi reconhecida como presidente pelo Brasil de Bolsonaro. Certamente não será reconhecida pela Argentina de Fernández. Como fica?

As opiniões de governo assumiram o lugar de posições de estado. A Organização dos Estados Americanos, que deveria ser a voz da ponderação, cedeu aos gritos dos mais fortes, dizendo que não houve golpe senão os de Morales. Na reunião do grupo, Estados Unidos e Brasil apoiaram o resultado do golpe. Chile e Peru, comandados por líderes de centro-direita, ficaram constrangidos em endossar a clareza bolso-trumpiana. Já países com presidentes de esquerda ficaram a ver navios na Bolívia que não tem mar. Uruguai e México criticaram a inaceitável pressão militar.

Sem estados e movida pelos interesses de governos de plantão, a OEA poderia trocar de nome para OGA. A Organização dos Governos Americanos vige até segunda ordem (garantida, sempre que necessário, com a força dos quartéis).

PodCasts

OUÇA Bendita Sois Vós #35 Protestos no Chile

Geórgia Santos
28 de outubro de 2019

Nesta semana, falamos sobre o ciclo de protestos no Chile. Os jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Flávia Cunha conversaram com a jornalista Isabela Vargas, que vive em Santiago e trouxe o relato de quem está testemunhando a História. Também participam do debate o professor Marcelo Kunrath, da UFRGS, especialista em confronto político e o novo colunista do Vós para América Latina, o jornalista Gustavo Chagas.

Além da crise do Chile, os jornalistas ainda discutem a instabilidade política da América Latina como um todo. Brasil, Equador, Bolívia e até a Argentina. O repórter do portal Sul 21, Luis Eduardo Gomes, esteve em Buenos Aires e falou sobre a situação das eleições antes do resultado.

Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox.