Cléber Grabauska

Os gringos colocaram o futebol brasileiro na psiquiatria

Cléber Grabauska
2 de dezembro de 2019

Engana-se quem acha que a derrota de 7 x 1 para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014 tenha iniciado um revolução no futebol brasileiro. Nada disso. Na época, existiam duas explicações. A safra era ruim e vergonhosa e goleada era resultado da desorganização da CBF, envolvida em vários escândalos financeiros.

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Técnico estrangeiro? Intercâmbio? Nem pensar. A gente não precisa, dizia-se

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Numa tentativa de moralizar o futebol brasileiro, José Maria Marin, o sucessor de Ricardo Teixeira, trouxe Dunga. A qualidade não melhorou e os resultados continuaram sendo ridículos. E a Seleção seguiu desmoralizada. Correndo risco de não garantir vaga para a Copa do Mundo de 2018, o estudioso e bem prepardo Tite foi chamado em 2016 por Marco Polo Del Nero para salvar a pátria. A resposta do novo treinador foi espetacular. O time cresceu, novos talentos surgiram e o Brasil terminou as eliminatórias sul-americanas em primeiro lugar e com classificação antecipada. Veio a Copa da Rússia e, mesmo que Tite não tenha derrotado nenhuma equipe europeia na fase de preparação, acreditava-se que teríamos chances de sonhar com o título. Afinal, contávamos com a inteligência de Tite e o talento de Neymar. Chegamos somente até às quartas de final. Um “nó tático” aplicado no primeiro tempo pela Bélgica nos tirou do Mundial e reacendeu a discussão sobre o tipo de futebol que praticamos aqui.

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Nesse período que abrange as Copas de 2014 e 2018 culpamos basicamente a CBF pelos erros da nossa seleção e pelo declínio do nosso futebol

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Precisaram chegar, primeiro, o argentino Jorge Sampaoli, e, depois, o português Jorge Jesus para se perceber que é possível fazer um futebol diferente e de muito mais qualidade em relaçao àquele que estávamos habituados e ver no Campeonato Brasileiro. Sim, diferente porque Sampaoli pegou um Santos sem dinheiro e, com um grupo modesto, inclusive perdendo o garoto Rodrygo, deu um padrão de jogo que coloca o Peixe numa valorosa disputa de segundo lugar com o milionário Palmeiras. E diferente também porque Jorge Jesus pegou um supertime que não decolava com Abel Braga e colocou o Flamengo no topo da América do Sul e do Brasil com as conquistas da Libertadores e Brasleirão.

O sucesso do Flamengo de Jesus fez do Palmeiras a sua mais recente vítima. A derrota de 3 x 1 no último domingo e a diferença de onze pontos na tabela fizeram o presidente palmeirense mudar de planos, demitir o técnico Mano Menezes (há apenas três meses no cargo) e também Alexandre Mattos, que estava há cinco anos como diretor de futebol. Pelo dinheiro que investe e que já investiu desde a chegada do patrocínio da Crefisa, o Palmeiras conquistou muito pouco. No ano passado, quando se disse que, após as eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores, o título do Brasileiro era obrigação, os palmeirenses não gostaram muito. Talvez, agora, olhando onde o Flamengo chegou, eles reconsiderem isso.

O surpreendente da coletiva do presidente Maurício Galiotte é que ele disse o futebol vive uma transformação e que o Palmeiras precisa adotar um modelo diferente. Que o futebol vive em transformação isso existe há bastante tempo. Quanto ao projeto novo, me parece que o Palmeiras seguirá os passos de Santos e Flamengo e buscará um técnico de fora para alcançar um patamar que nem Felipão, nem Mano conseguiram. Em outras palavras dá para dizer que o Palmeiras entendeu que não é mais o único rico do futebol brasileiro. O Flamengo, com um aporte financeiro crescente, tem um tendência de crescimento e manutenção daquilo que já alcançou. E para superar o time da Gávea, é preciso encontrar alguém que consiga mudar o estilo de jogo que o Verdão vinha apresentando há basante tempo.

Possivelmente, o novo comandante do Palmeiras seja um técnico de fora. Pode ser até mesmo Jorge Sampaoli que não deve ficar no Santos. O fato é que no mercado local, as opções foram reduzidas. Pouca gente se destaca. Pouca gente apresenta um trabalho inovador. Daria para citar Renato Portaluppi, Thiago Nunes, Rogério Ceni e um renascido Vanderlei Luxemburgo. Nem mesmo os outrora elogiados Fernando Diniz e Roger Machado conseguem manter o rótulo de inovadores.

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O Brasileirão de 2019 precisa ser destacado por ser o momento em que o futebol brasileiro deu o braço a torcer e entendeu que o intercâmbio é salutar

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Novas ideias e conceitos fazem muito bem para os nossos times, nossos treinadores e agora também para nossos dirigentes. Quem ainda discordar disso, precisa ser internado para tratamento. O trabalho de Jorge Jesus e Sampaoli colocou o futebol brasileiro contra a parede. Pôs em questionamento o modelo que os consagrados Felipão, Mano e Abel Braga, por exemplo, utilizavam para aqui. O nível subiu. E a cobrança em cima dos nossos técnicos também. O intercâmbio vai crescer e só poderemos dizer que esse ciclo estará completo quando, ao mesmo tempo em que os nossos clubes busquem técnicos de fora, os europeus e argentinos também se interessem pelos técnicos brasileiros.

 

Cléber Grabauska

UM NOVO MILAGRE DE JESUS

Cléber Grabauska
24 de novembro de 2019

A vitória foi fantástica. A virada foi histórica. O Flamengo derrotou o River Plate por 2 x 1 , em Lima, conquistou a Copa Libertadores da América e mostrou uma garra que a gente só acreditava existir nos castelhanos. Mesmo que o Mister Jesus tenha trazido um algo mais do “além mar”, a conquista é muito mais brasileira do que postuguesa. E isso não é desmerecimento nenhum ao trabalho exemplar do treinador e sim um reconhecimento ao potencial que o futebol brasileiro tem e que nós não aceditamos mais.

Mesmo que o grupo flamenguista estivesse praticamente todo à disposição de Abel Braga, o time não encaixou. Jorge Jesus chegou no começo do Brasileiro sob forte desconfiança e ouviu muitas cornetas após a eliminação na Copa do Brasil para o Athletico.

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Mas os mesmos que esquentaram a frigideira para fritar o bacalhau, precisaram apagar o fogão à medida que o treinador conseguiu implantar o seu estilo, definir um padrão e emplacar vitórias que levaram o Flamengo a fechar o ano com os títulos da Libertadores e do Brasileirão na mesma semana
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Jesus atingiu um padrão de qualidade que há muito tempo não víamos num time brasileiro. Mesmo que Renato Portaluppi diga que o Flamengo só tenha atingido esse nível pelo investimento de mais de R$ 200 milhões, vale lembrar que outros clubes como Cruzeiro e, principalmente, o Palmeiras investiram pesado e nunca chegaram ao patamar do rubro-negro – cuja base está montada. Mesmo que a permanância de Gabigol ainda seja uma incógnita, nomes como Diego Alves, Rafinha, Filipe Luiz, Gérson, Éverton Ribeiro, Gérson, Arrascaeta e Bruno Henrique colocam uma qualidade que não enxergamos em outros times. E não se fala apenas em qualidade individual. Se fala em dedicação, entrega, inteligência e trabalho coletivo.

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A Libertadores mostrou que o Flamengo é, além do melhor time da América, obviamente, que ele também é o melhor do Brasil

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Uma superioridade que ficou evidente nos confrontos contra o Grêmio na semifinal. Mesmo que tanha restado alguma dúvida após o empate no primeiro jogo contra o tricolor na Arena, a goleada de 5 x 0 no Maracanã foi inconstestável e Renato Portaluppi precisou rever os seus conceitos.

O jogo contra o River Plate teve um Flamengo diferente. Marcelo Gallardo tirou o rubro-negro da sua zona de conforto e, mesmo com maior posse de bola, o jogo do Fla foi confuso e improdutivo. A objetividade só esteve presente a partir da entrada de Diego no lugar de Gérson. O time cresceu e o River cansou. Lucas Pratto perdeu a chance de liquidar o jogo e no final, Gabigol não perdoou. Empatou em cima da hora e virou quando os flamenguistas ainda agradeciam aos céus pela graça alcançada.

O Flamengo de Gabigol e Jorge Jesus chegou praticamente ao mesmo tamanho do Flamengo de Zico & Cia. Mas ainda falta o algo a mais. Que pode ser uma sequência de títulos tão grande quanto à conquistada nos anos de 1980 e 1990, ou simplesmente mais uma taça. Não uma qualquer. O que falta é o Mundial da Fifa. E a resposta pode vir já no próximo mês quando o rubro-negro, caso não ocorra nenhum tropeço, encarará o Liverpool de Klopp. Para muitos poderá ser a reafirmação do futebol brasileiro. E para outros, mais descrentes, um novo milagre de Jesus.

Foto original: Daniel Apuy/Getty Images