A mais recente pesquisa Ibope pintou um quadro favorável ao ex-presidente Lula. Líder em todos os cenários, o petista parece não sofrer grande desgaste junto a seu eleitorado cativo e até mesmo ganha gordura nesse momento desnorteante que vive a política brasileira. Na estimulada, tem 35% das intenções de voto, contra 13% do pré-candidato mais próximo, Jair Bolsonaro; na espontânea, de valor ainda mais acentuado nesse momento em que não há campanha eleitoral declarada, o resultado sorri ainda mais para o barbudo, com 26% dos consultados citando seu nome, quase o triplo dos 9% que citam Bolsonaro.
Assim sendo, é um exercício curioso passar os olhos pelas manchetes que alguns dos principais portais de notícias do Brasil deram para esse levantamento. “Ibope aponta segundo turno entre Lula e Bolsonaro em 2018“, diz o Uol, exatamente o que é ressaltado também pela Veja. “Lula e Bolsonaro liderariam eleição presidencial em 2018“, aponta o site da revista Exame, quase nos mesmos termos indicados pelo Terra.
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Cresce no imaginário do eleitorado a ideia de que temos dois extremos. À direita, como sabemos, surge o discurso odioso e tóxico de Bolsonaro; no córner esquerdo, o combatente é Lula. Mesmo que a pesquisa Ibope aponte o ex-presidente muito à frente do deputado, sinal claro de que não há, no momento, um embate cabeça a cabeça entre ambos.
Porque nos falam, então, de um confronto direto que os números não mostram?
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Embora o discurso do pré-candidato petista oscile entre promessas vagas de democratização da mídia e afagos surpreendentes naqueles que tiraram Dilma Rousseff do poder, materializar nele um dos extremos do rompimento político que vivemos é interessante para alguns setores. Para ele próprio, que vende a si mesmo como única chance de evitar a tragédia de um governo de extrema-direita; para Bolsonaro, que também se beneficia desse maniqueísmo nós-contra-eles; mas acima de tudo para quem quer emplacar uma terceira via, um candidato pacificador que não é radical nem por um lado, nem pelo outro. Uma opção de centro, mesmo que ela não seja tão centrista assim.
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Há uma desonestidade flagrante nessa construção de antagonismos
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Amando ou detestando Lula e sua visão de política, ninguém poderá negar que foi presidente de medidas significativas, cujos reflexos durarão ainda por muito tempo. É figura que já demonstrou grande capacidade de articulação, ainda recebe grande respeito internacional e, de qualquer modo, tem o triplo de intenções de voto de seu suposto antagonista. Bolsonaro, por sua vez, é um deputado federal de contribuição no máximo medíocre, com pouquíssimos projetos e que só se destaca pela desenvoltura com que vocifera discursos de ódio. Sua tentativa de se tornar mais palatável em uma viagem aos EUA foi um fracasso, e suas tentativas canhestras de aprofundar o discurso – como nas citações cheias de chutes e equívocos sobre o nióbio, antigo delírio dos ultranacionalistas – seriam cômicas, não indicassem profunda tragédia caso um despreparado desse quilate alcance mesmo a Presidência do Brasil.
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Bolsonaro, além de ser uma figura rasteira, ainda é uma incógnita do ponto de vista eleitoral
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No retrato de momento (que pode mudar, evidentemente, mas que no momento assim se materializa), está bem atrás de um Lula que não dá sinais de desgaste em seu carisma. Sem o petista, o Ibope indica um empate absoluto entre Bolsonaro e Marina Silva – ou seja, a confiar no levantamento, nem em um cenário teoricamente mais favorável o deputado se destaca na multidão. Alçado à condição de atual nome forte na batalha contra tudo de supostamente horrível que a esquerda traz em si, Bolsonaro ganha um protagonismo superior ao indicado por sua intenção atual de voto. E não precisa ser gênio para perceber que o potencial de criar um círculo vicioso a partir daí não é nada desprezível.
Se a aposta de certos setores é cindir o cenário político como quem separa o Mar Vermelho e, no corredor criado, lançar o suposto pacificador da vez (seja Dória, Huck, Alckmin ou qualquer outro), podemos dizer que é uma aposta de risco considerável.
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Talvez a única coisa que aproxime de fato Lula e Bolsonaro seja estarem simbolicamente do lado de fora da política atual, um por ser outsider, outro por ser perseguido por ela
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Para que esse mesmo núcleo político, tão rejeitado, consiga vender um de seus apadrinhados como opção razoável em um cenário de tempestade, vai precisar conjurar essa mesma aula de distanciamento – o que será, ao mesmo tempo, um esforço de mago e de camaleão. Não é inviável, mas não é fácil.
Enquanto isso, para vender a imagem de que Lula é batível tanto como candidato quanto – e talvez principalmente – como entidade, vamos legitimando alguém que traz um discurso venenoso capaz de inviabilizar de vez qualquer tipo de saúde política no país. Pelo jeito, a tempestade não é mesmo para chegar ao fim.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
