Neste episódio do podcast Cantinho da Leitura, o assunto é Rita Lee. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infanto-juvenis e colunista do Vós.
O legado imenso de Rita Lee para a Arte vai além da música. Muito se tem falado sobre as autobiografias da artista, mas a incursão de Rita na literatura infantil não é tão comentada. E é por isso que a gente vai fazer uma justa homenagem à também escritora Rita Lee.
No dia em que ela morreu, eu retirei aquele livro da laranja da estante em que separo as obras por cor – uma pequena obsessão que não combina em nada com minha falta de organização. Rita Lee, uma autobiografia (2016), é absolutamente deliciosa. Uma ode honestíssima à própria liberdade escrita por uma mulher que foi esplendorosa, cantou demais, foi louca, fez muita merda, compôs lindamente, sofreu bastante, cuidou dos seus, desafiou poderosos, amou e amou e amou.
Recentemente, ela disse que o compêndio de capa cor de laranja era uma despedida da “persona ritalee”. Mas como que para manter a transparência, ela deixou no papel Outra autobiografia. “Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”, diz ela em trecho do livro, divulgado quando anunciou o lançamento da nova obra. Pois o lançamento foi agendado para 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, também conhecido como hoje.
Ainda não li, mas está lá, na caneta da moça, os detalhes do tratamento contra um câncer de pulmão – cujo tumor ela descobriu em 2021, durante a pandemia, e apelidou de Jair – que acabou encurtando a vida da rainha do rock brasileiro.
Eu não sei se gosto desse título ou rótulo, como queiram, de rainha do rock brasileiro, atribuído subjetivamente em manchetes e lides que anunciavam sua morte, em 08 de maio deste ano. Não que ela não mereça o posto, óbvio que merece. Ninguém mais poderia ocupar esse lugar. Mas é que me parece impreciso. Aliás, em uma entrevista à revista Rolling Stone, em novembro de 2022, ela disse que achava cafona.
Imagem: Reprodução
Por isso, decidi me embrenhar em uma empreitada hercúlea e ingrata de tentar definir Rita Lee. Busquei uma resposta a partir do que ela disse sobre si ao longo dos anos. Lógico que falhei em encontrar UMA palavra que fosse suficiente, mas também fui esperta no processo e isso rendeu uma belíssima lista. Procurei em em entrevistas, canções, nos livros e em alguns dos mais engraçados tuítes da história desse país. Sim, tuítes. Como o de primeiro de agosto de 2011:
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“Já disse e repito: não me levem a sério, sou falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.”
Que figura. Mas não ficaria bem escrever algo como: “Morre Rita Lee, uma falsa, manipuladora, mentirosa e filha da puta.” Então continuei.
“E eu lá sou mulher de fazer back-up? Perdi tudo, foda-se eu. Ao atualizar o Iphone eu perdi tudo. Inclusive tudo mesmo. Véia jumenta.”
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Isso também pegaria mal. Mas que é a cara dela, isso é. Alguém que em um belo dia resolveu fazer tudo o que queria fazer, libertando-se de uma vida vulgar e tendo o prazer de ser quem se é. Alguém que era Rita; Rito, o menino baiano; mutante; romântica; menina; mulher; Ritinha; neném que só sossega com beijinho; ovelha negra; baby; erva venenosa; caso sério; ciumenta; guerrilheira; ladra de botas; justiceira; caminhante noturna; ladra de anéis; Gininha; mulher macunaíma; Miss Brasil 2000; luz del fuego; Rita Lica; fruta; Madame Lee; filha; Adelaide Adams; maçã; traficante de colar de LSD; TV Lesão; folclore; irmã; cigarra; Lita Ree; pergunta; ex-AA; fofa; ex-NA; perseguida; licor; ex-presidiária; injustiçada; uma cantora sutil; feminista; feminina; louca; pau pra toda obra; cantora; compositora; instrumentista; vaca; mais macho que muito homem; rainha do próprio tanque; pagu indignada no palanque; porra louca; véia; vaidosa; paulista; paulistana; com nervos de aço; fazedora de barulho; falsa; vovó; Aníbal; corinthiana; chata; viciada em uva-passa; sharon stone; mãe; rolling stone; cabrinha; caprichosa; capricórnia; rainha; esposa; Deus; todas as mulheres do mundo; semente. Semente. Semente.
É realmente difícil definir Rita Lee e, talvez, o prosaico Rainha do Rock atenda melhor às necessidade da mídia tradicional que precisa comunicar ao grande público o tamanho de uma grande mulher. Mas eu não quero desistir, assim como não quero ceder à escolha editorial do G1. Decido, então, recorrer a ele.
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“O Roberto é a Rita também, a Rita é o Roberto também. Em vida ou em morte, tanto em uma circunstância quanto em outra, eu continuo sendo ela e ela continua sendo eu.”
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Roberto de Carvalho é o grande amor de Rita Lee e talvez a única pessoa com autoridade para dizer aos brasileiros quem ela é. Em uma entrevista ao Fantástico, no dia seguinte ao enterro da cantora, ele lembrou da parceira como alguém cheia de vida, de criatividade, de alegria. Ele disse que ela era iluminada.
Está dito, então. Rita é luz.
Mas, por via das dúvidas, vou ler o novo livro em busca das outras personas da rainha fragmentada.
Jetsons, Flintstones e o Brasil atual ou Rita Lee sabe das coisas
Flávia Cunha
28 de setembro de 2021
Era para a gente estar nos Jetsons e estamos voltando para os Flintstones”
Assim Rita Lee, a rainha do rock brasileiro, definiu o triste momento que vivemos no Brasil. A referência aos dois desenhos animados foi feita durante uma rara entrevista da artista publicada no jornal O Globo, no último domingo. No passado, quando imaginávamos o ainda distante século 21, pensávamos em carros voadores e casas suspensas como em Orbit City, moradia dos Jetsons. Contudo, o que vemos mesmo é a volta à barbárie, que combina mais com a Bedrock pré-histórica dos Flintstones.
E o que dizer de uma teoria que circula na Internet sobre os dois universos ficcionais serem contemporâneos? Será que isso também se aplicaria à realidade brasileira? Vamos primeiro analisar os desenhos animados. O estúdio Hanna-Barbera lançou Os Flintstones e os Jetsons na década de 1960, com grande sucesso mundial. Muitos fãs já defendiam que as duas histórias se passam no mesmo local, mas em épocas diferentes.
Desigualdade social
Já os mais ousados asseguram que os Flintstones seriam os pobres do futuro, vivendo na superfície terrestre depois de algum cataclisma. Por isso, teriam hábitos nada neandertais, como assistir televisão, usar carros (ainda que precisem impulsioná-los com os pés) e terem eletrodomésticos rústicos, a partir da exploração animal. Porém, não teriam acesso a todo o conforto tecnológico dos Jetsons, com suas esteiras rolantes para evitar esforço para caminhar, robôs e diversos apetrechos que hoje em dia já são comuns, como chamadas de vídeo.
Sendo assim, os Jetsons e os demais moradores do espaço seriam os privilegiados daquela sociedade, vivendo isolados das pessoas comuns que estão na Terra. Se pensarmos no Brasil, o abismo social é ainda maior do que a comparação entre os Flintstones e os Jetsons. No duro mundo real, enquanto alguns ficam em filas para conseguir ossos, outros vivem cercados por luxo. Afinal, a pandemia só escancarou essa disparidade entre os muito ricos – que enriqueceram ainda mais – e os muito pobres – que ficaram ainda mais miseráveis.
Rita Lee sabe das coisas
Como Rita Lee comenta na mesma entrevista, “é assustador ver gente no comando com mente tão ultrapassada”. Afinal, os conservadores de plantão, além da agenda contra as pautas identitárias, também querem a manutenção dos privilégios nas mãos dos mesmos de sempre.
E o povo? Que se distraía em frente à TV, como Fred Flintstone, e esqueça dos abusos de um chefe como o Sr. Pedregulho. Porém, se o plano dos muito ricos se concretizar, mesmo em um universo de menos desigualdade ainda poderemos ser como George Jetson suportando os gritos de Cosmo Spacely, o irritado dono da empresa onde o personagem trabalha.
De onde vem a teoria
O livro 52 mitos pop, de Pablo Miyazawa, trata sobre essa e outras teorias mirabolantes e divertidas da cultura pop. Porque se é para criarmos teorias da conspiração, que sejam inofensivas como essa.
Imagem: Filme Os Jetsons e os Flintstones se encontram (1987)