PodCasts

Desigualdade até na dor

Geórgia Santos
30 de junho de 2021

Desigualdade até na dor . a dificuldade de acesso a serviços de acolhimento e saúde mental por pessoas de baixa renda

Desde o início da pandemia de coronavírus, o número de brasileiros que sofrem de transtornos de ansiedade, depressão e estresse só aumenta. E para as pessoas de baixa renda, o sofrimento é ainda maior em função da dificuldade de acesso a serviços de acolhimento e saúde mental. O Brasil está mais triste e continua desigual, até na dor.

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OUÇA BSV Especial Coronavírus #9 Pandemia desigual

Geórgia Santos
14 de maio de 2020

Já são nove edições especiais do Bendita Sois Vós e, ao longo desse tempo, uma coisa fica cada vez mais clara: a pandemia de coronavírus não afeta a todos de forma igual. 

Enquanto o presidente brinca – OU NÃO -, sobre fazer churrasco pra uma galera no final de semana, mais de 13 mil pessoas morrem vítimas de coronavírus no Brasil até o momento, oficialmente. E a resposta de Jair Bolsonaro? Andar de jet ski. O presidente, claramente, faz parte da turma mais preocupada em salvar CNPJs do que salvar vidas.

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Enquanto isso, enquanto a preocupação é com salvar empresas, a desigualdade floresce no país
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Nem todos conseguem ficar em casa, nem todos conseguem ficar isolados. Nem todos TEM casa. Milhares perderam o emprego. Milhares não tem o que comer. E o auxilio emergencial do governo não chega a todos. Por isso, conversamos com a assistente social Paola Carvalho, Diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.

?Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no SpotifyItunes e Castbox

Raquel Grabauska

A desigualdade pelos olhos de uma criança

Raquel Grabauska
17 de novembro de 2019

Faz tempo que tenho o hábito de ter comida no carro para quem pede na rua. Nos últimos meses, aumentou muito o número de pedintes. Tenho explicado para os meus filhos o que acontece no mundo. Explicado sobre a desigualdade. Explicado que não julguem. Explicado o impacto de não nascer “no lugar certo”, “na hora certa”.

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Esses dias, eu estava no carro com meu filho de cinco anos. Ele, com a lancheira na mão, disse:
“Mamãe, se a gente encontrar um morador de rua, vou dar meu lanche.”
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Eu quase tive um troço. Achei lindo. Ao mesmo, fiquei triste. Fiquei triste por perceber que ele, com cinco anos, entende tanto desse assunto. E seguiu.

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“Mamãe, ufa que nós temos casa, né?”
“Ufa, filho!”
“Mamãe, porque os moradores de rua não pedem pros trabalheiras fazerem casa pra eles?”
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O que responder depois disso? A lógica dele é perfeita. As pessoas precisam de casa e comida. Me comoveu a sensibilidade desse menino. Quero poder votar em algum político que tenha essa visão de mundo.

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Sobre Nós #4 Desigualdade

Geórgia Santos
12 de outubro de 2018

O Brasil está dividido. Sempre esteve. No quarto episódio de Sobre Nós, o tema é Desigualdade. E entre relatos nas redes sociais e depoimentos de quem mora ou trabalha na rua, a desigualdade aparece.

 

Geórgia Santos

Não aprendemos a valorizar trabalho

Geórgia Santos
1 de maio de 2018

Fiz essa foto aí de cima em Cartagena, na Colômbia. São dezenas das famosas bolsas multicoloridas conhecidas trançadas pelo povo Wayuu, grupo da península de La Guajira. Impossível não ficar hipnotizada com algo tão vivo, tão bonito. Comprei uma amarela de tom profundo, que não aparece na imagem. Não tenho certeza absoluta de quanto paguei, mas se não me falha a memória, entre R$ 20 e R$ 50 – ainda aposto no menor valor.  De porte de minha bolsa nova, fiz algumas fotografias e segui andando.

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Mas o que a imagem de capa não mostra é a cena retratada abaixo

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Eu, tão encantada com as bolsas, não fui capaz de trocar duas palavras com essa senhora. Ela fazia um trabalho manual impecável e, segundo minha memória, com agilidade impressionante. Era natural, ela fazia com facilidade algo que seria extremamente difícil pra mim – isso se eu conseguisse fazer. E eu não só não troquei duas palavras com ela como ainda pechinchei para comprar uma bolsa extremamente barata, possivelmente com uma margem de lucro mínima. Pechinchei para comprar um produto que em sites de compra brasileiros chega a custar R$400.

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Esse é só um exemplo do nosso descaso com o trabalho e a proporcional obsessão por bens

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O desespero por consumo, de fato, já fez um senhor estrago na sociedade brasileira. Nós não aprendemos a valorizar o trabalho, mas o produto. Aceitamos pagar milhões por um apartamento, mas choramos quando um pintor decente cobra quaisquer cem reais.  Gastamos uma fortuna em aparelhos eletrônicos mas não admitimos “pagar bem” a um eletricista. A situação é tão absurda que, no Brasil, metade dos trabalhadores recebe MENOS que o salário mínimo, pouco mais de R$700.

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Se considerados os 5% brasileiros com menores salários, a renda média cai para apenas R$ 73 mensais

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Lamento, senhores, mas isso não é o reflexo de um país que valoriza o trabalho. E olha que sequer mencionei os mais de 12 milhões de desempregados. Em meio a reflexões como essas, lembro dos muitos amigos que foram para o exterior à procura de emprego. Eu ficava impressionada com o fato de que pessoas com ensino superior – às vezes com pós-graduação – viajavam para a Europa ou Estados Unidos para trabalharem em ofícios que sequer seriam cogitados no Brasil. Até que um deles me disse: “Porque o salário é bom, e o salário é bom não apenas por ser um país desenvolvido, mas porque eles valorizam o trabalho. Todo trabalho.”

Uau, aquilo me atingiu como um soco no estômago. Sem perceber, eu estava reproduzindo uma lógica de alienação, atribuindo menor valor a trabalhos não intelectuais. Eu era parte do sistema e sequer havia me dado conta.

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Marx e o trabalho

É difícil falar do trabalho sob o ponto de vista sociológico sem citar Karl Marx – mesmo para mim, uma reformista. O filósofo entendia o trabalho como a atividade fundamental e central da humanidade. E como ele considerava o homem um ser social, estabeleceu que a divisão do trabalho determina as relações dos indivíduos entre si.

A partir do conceito de alienação, ele desenha uma teoria em que o trabalhador, pela lógica capitalista, se tornaria estranho ao produto de sua atividade e, como consequência,  o produto se consolidaria como uma espécie de poder independente. O conceito de alienação do trabalho de Marx é bastante complexo, assim como todo O Capital, mas é um ponto de partida interessante para repensarmos a nossa relação com o trabalho.

Marxista ou não, é difícil negar que há uma supervalorização do produto em detrimento da mão-da-obra. Ou vamos esquecer das constantes denúncias de exploração e trabalho análogo ao escravo? Vamos esquecer que 90% da população brasileira recebe menos de R$3mil?  Que 22% da população vive abaixo da linha da pobreza?

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Vamos fingir que não há famílias inteiras que tem uma renda inferior ao preço da nossa calça jeans?

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Sem contar que, no Brasil, só consideramos trabalhador aquele esta no chão de fábrica, como se isso fosse menor ou menos importante. Perdemos inclusive a noção de pertencimento em uma sociedade em que a elite é formada por pessoas que não percebem que não pertencem à elite, mas são exploradas por ela. Que esse Dia do Trabalhador não nos deixe esquecer. 

Geórgia Santos

Entre o Bolsa Família e uma Louis Vuitton

Geórgia Santos
5 de fevereiro de 2018

Há muitos anos são ouvidos brados retumbantes de quem é contra o Bolsa Família. Esse programa criminoso que ajuda os miseráveis a saírem da pobreza extrema, que absurdo, vejam só.

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“Onde já se viu, dar dinheiro a alguém sem que mereça”

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“As pessoas recebem esse dinheiro pra não ter que trabalhar. O povo tá sustentando vagabundo”

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“Não dá pra dar o peixe, tem que ensinar a pescar” (minha favorita)

 

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Esses são apenas três dos “argumentos” que recheiam caixas de comentários Facebook afora. Não vou entrar no mérito dos programas de mobilidade social, em cujo potencial eu acredito. Muito menos me dedico a comentar sua apropriação política, que não vem ao caso. Minha intenção é abordar o tema sob o ponto de vista humanitário.

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Você sabe o valor do Bolsa Família?

O benefício é pago de diferentes maneiras, dependendo da composição do grupo familiar e da faixa de renda. Não é um programa perfeito, mas ajuda as pessoas a superarem a linha da miséria. Há várias categorias dentro do Bolsa Família, mas para facilitar o entendimento, falemos do teto. O maior benefício possível de receber é de R$ 364,00.

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Uma família com baixo nível de renda, com CINCO crianças e DOIS adolescentes vinculados ao benefício , recebe R$ 364,00

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E isso é uma ofensa aos brasileiros, aos que se dizem cidadãos de bem e não admitem pagar pelo sustento dos outros com seus impostos, mesmo que sonegados. Compreendo perfeitamente o fato de que há pessoas que não acreditam em programas deste tipo, que não enxergam benefícios no assistencialismo, que não percebem vantagens em um auxílio como este. Compreendo mesmo, sem ironia. O indivíduo é formado por múltiplas variáveis e não sou do tipo que acredita em ideologia certa, por mais que defenda o lado que considero mais adequado à nossa realidade. Mas não compreendo como alguém pode ser desconectado da realidade a ponto de acreditar que R$364,00 é dinheiro suficiente para acomodar uma família inteira. Uma família numerosa, esquecida e marginalizada pela desigualdade cruel que assola o Brasil.

 

Hoje, quase 30% de toda a renda do Brasil está na mão de apenas 1% da população. A Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada pelo economista francês Thomas Pektty, ainda aponta que é a mais concentração no mundo. Em termos práticos, relatório da Oxfam indica que CINCO pessoas tem patrimônio equivalente ao da METADE DA POPULAÇÃO brasileira mais pobre.

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CINCO pessoas tem patrimônio equivalente ao de CEM MILHÕES

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Nessa linha, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que metade dos trabalhadores ocupados (formais) tem renda menor que um salário mínimo. A média salarial dessa fatia da população era, em 2016, de R$ 747,00, abaixo dos R$ 880,00 estipulados para o ano. Na outra ponta do espectro social há apenas 889 MIL pessoas, que compõem a fatia dos mais abonados e recebem, em média, R$ 27 mil por mês.

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É nessa faixa privilegiada em que se encontram os magistrados do país

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Segundo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), um juiz substituo recebe R$ 27.500 mensais, para falar apenas do salário mais baixo. É uma categoria distinta, especialmente diante da desigualdade colossal que mancha de sangue e suor a nossa sociedade. Mas não para por aí, os juízes (assim como parlamentares e outros membros dos três poderes) tem direito a um benefício chamado auxílio-moradia.

Assim como fiz com o Bolsa Família, falemos de teto. O valor máximo do benefício é de R$ 4.377, 37, número que, segundo a pesquisa já mencionada do IBGE, supera o salario de 92% da população brasileira. O benefício é um reembolso das despesas com moradia que começou com a mudança da capital brasileira para Brasília. Supondo-se que os deputados só teriam imóveis em suas cidades de origem, criou-se um dispositivo que suprisse os gastos com moradia em Brasília. Em seguida foi ampliado para outros poderes. Hoje, 17 mil juízes recebem auxílio-moradia.

Entre eles está o juiz Sérgio Moro, símbolo da justiça em sua cruzada contra a corrupção. O magistrado tem imóvel próprio em Curitiba e ainda assim recebe o teto de auxílio que, segundo ele, supre a falta de reajuste. O salário base de Moro é de R$ 28.948,00, além de gratificações.

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Mesmo assim, o cidadão de bem não se incomoda com os R$4.377,37 de auxílio-moradia, o valor de uma bolsa modelo Speedy 30 da Louis Vuitton 

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Moro não está fora da lei. O recebimento do benefício é absolutamente legal e é um direito dele. Mas está longe de ser justo e todos sabemos disso. Eu sei disso e ele sabe disso. Ainda assim, diante da injustiça que nos é esfregada na cara diariamente, falta indignação, e a única explicação que parece fazer sentido é a ilusão de uma meritocracia que ignora pontos de partida e a ofensa com uma possível mobilidade de classes. “Os juízes trabalham duro, estudaram, se prepararam, passaram em concurso, tem pilhas e pilhas de processos para análise. Quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, não faz nada, só quer saber de mamar nas tetas do governo. Tem é que trabalhar.” É isso? O engraçado dessa história é que as tetas são as mesmas para os dois.

No final das contas, o brasileiro se ofende com o Bolsa Família mas não se importa em pagar uma Louis Vuitton para os magistrados.

Foto capa: Pixabay

Foto Sérgio Moro: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Tão série

O Próximo Convidado Dispensa Apresentações

Geórgia Santos
4 de fevereiro de 2018

Antes de David Letterman encerrar a estada de 30 anos no comando do The Late Show, ele entrevistou o então presidente Barack Obama, em maio de 2015. Incerto do próprio futuro, perguntou quais os planos de aposentadoria do ainda jovem político.

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“Eu estava pensando, você e eu, nós poderíamos jogar dominó juntos, sei lá, ir até o Starbucks mais próximo”, disse Obama

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Bem, o entrevistador não esqueceu da sugestão. Com um dos conhecidos copos do Staburcks em primeiro plano e uma barba quase messiânica, telefonou ao ex-presidente e fez uma proposta. Aguardou. Compensou. Barack Obama é o primeiro entrevistado do novo projeto de Letterman no Netflix, My Next Guest Needs No IntroductionO Próximo Convidado Dispensa Apresentações. E, de fato, dispensa.

Alguns poucos reclamaram da empolgação de David Letterman ao entrevistar o ex-presidente. Não gostaram do que chamaram de bajulação. Não concordo. Aliás, discordo tanto quanto possível. O que se vê não é bajulação, e sim um homem grato por ter encontrado alguém por quem nutre imenso e verdadeiro respeito, como ele mesmo diz.

Ao longo de quase uma hora, Obama fala bastante, com a usual discrição. Prefere discutir o macro a entrar nas minúcias do novo governo. Mas esta não é uma entrevista qualquer. A conversa com o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos é permeada por uma pesada carga histórica e emocional. Letterman viajou à Selma, Alabama, para atravessar a ponte Edmund Pettus ao lado do deputado John Lewis, presente no Domingo Sangrento de 1965. Na ocasião, militantes do movimento pelos direitos civis realizaram um protesto pacífico para reivindicar o direito da população afro-americana ao voto. Foram recebidos com cassetetes, gás lacrimogêneo e sangue. Muito sangue.

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O jornalista perguntou a Lewis o que estava do outro lado da ponte, simbolicamente

E o ativista respondeu sem titubear: “Obama”

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E Obama sabe disso. Sabe que é fruto daquela luta. Sabe que sem Martin Luther Jr e a entrega e o sangue de milhares de outros ativistas, os Estados Unidos não teriam tido o primeiro presidente negro em 2008. Isso também é parte da preocupação do Democrata com a horizontalidade das políticas públicas e a diminuição da desigualdade.

 

Em poucos minutos, ele consegue explicar o problema da desigualdade crescente que assola o mundo. Mais do que isso, lança a pergunta fundamental a que devemos responder.

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Como fazer uma economia nesse ambiente tecnológico globalizado que seja boa para todos?

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Precisamos buscar essa resposta. Talvez a busca seja mais importante do que a resposta em si. A primeira temporada prevê seis episódios, lançados mensalmente. Além de Obama, serão entrevistados George Clooney, Malala Yousafzai, Jay-Z, Tina Fey e Howard Stern. Uau. Não sei quanto a vocês, mas eu estou muito ansiosa.