Tão série

Will and Grace está de volta – e ainda é relevante

Geórgia Santos
29 de junho de 2018

O retorno de Will and Grace depois de onze anos fora das telas foi uma grata surpresa. Por outro lado, também foi uma surpresa estranha. Porque é absolutamente estranho perceber que 20 anos depois da estreia, eles continuam relevantes. No primeiro episódio, o quarteto fantástico está jogando Celebridade na sala do apartamento de Will com um texto que não nos permite esquecer que estamos em 2018.

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Will: Ele é um homem mas envelheceu como lésbica.

Grace: Steven Tyler; Jon Voight,  Newt Gingrich?

Will: Isso! Ela é… nem sei por onde começar.

Grace: Jada Pinkett Smith!

Will: Sim! Nós queremos amá-la mas ela torna isso impossível.

Grace: Caitlyn Jenner!

Will: Isso! Rica. Refém.

Grace: Melania!

Will: Não. Usa boina!

Grace: Patty Hearst!

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A série continua a mesma. Will (Eric McCormack) e Grace (Debra Messing) aparecem morando juntos temporariamente. Os dois solteiros e batendo cabeça. Grace diz que ficará apenas algumas semanas, até baixar a poeira.

Jack: Dos seus genitais?

Grace: Do meu divórcio!

Felizmente, os criadores Max Mutchnick and David Kohan ignoram o (horrível) final da oitava e até então última temporada, em que os amigos são vistos criando seus filhos separadamente e ficam 20 anos sem se falar até que as crias resolvem se casar. Não, né. Eles atribuem a cena a um pesadelo de Karen (Megan Mullally), induzido por pílulas e álcool, enquanto ela está catatônica no sofá.

Jack (Sean Hayes) mora do outro lado do corredor, ainda ácido, ainda incorrigível e hilário. Quanto a Karen, essa está definitivamente vivendo o sonho. Afinal de contas, o presidente dos Estados Unidos é justamente o tipo de homem que ela admira e espera que ocupe o poder.

A série definitivamente continua a mesma, mas se antes era elogiada por ajudar a educar os americanos com relação às uniões homoafetivas e a luta por direitos da população LGBT, hoje essa educação se estende a uma crítica social e política. Will and Grace confirma as suspeitas de analistas de que o tragicômico governo Trump, mais trágico do que cômico, seria um prato cheio para cientistas políticos e humoristas.

Tanto é assim que o primeiro episódio é recheado de referências ao atual momento político dos EUA. Há quem considere forçado, mas eu acho hilário e necessário. E usar a amizade de Karen com o presidente é a maneira perfeita de tornar tudo mais natural. Em todos os episódios há situações que nos fazem refletir sobre o momento polarizado a que estamos todos submetidos, seja nos Estados Unidos ou no Brasil. Mas há um momento em especifico que eu acho primoroso e emblemático.

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O bolo para o SEU presidente

Karen: Passando;

Homem: Ei, escolhe um número;

Karen: Hm, ok, um!

Confeiteira: Oi, sou a Amy, como posso tornar seu dia mais doce?

Karen: Eu preciso de um bolo;

Amy: Você está com sorte, eu faço bolos, por enquanto, se eles não aumentarem o aluguel, essa vizinhança inteira…

Karen: Querida, querida, pessoas como eu não se preocupam com os problemas da classe trabalhadora branca, aquilo foi só pra ganhar a eleição. Falando nisso, eu preciso de um bolo grande para o aniversário de uma pessoa muito importante;

Amy: Hm, importante?

Karen: Aham. Eu quero de chocolate, com cobertura branca e um monte de estrelas, letras em vermelho e eu preciso que diga M – A – G – A. Make America Great Again ?Faça a America Grande Novamente, em tradução livre, é o slogan de campanha de Donald Trump?! Você fará um bolo para o seu presidente!

Amy: Oh!

Karen: Ele vai a minha casa para uma coisinha, nós vamos servir White Russians ?Russos Brancos, o nome de uma bebida?, mas voce não precisa saber  da lista de convidados.

Amy: Isso parece legal, mas não; Desculpe, odeio decepcionar pessoas e eu sou péssima em me defender, por isso Jocelyn diz que eu não deveria trabalhar no balcão, mas ela está morta agora e eu não vou fazer um bolo para aquela pessoa;

Karen: Deixa eu ver se entendi, Smiley Cyrus. Você não quer fazer um bolo porque não gosta do que ele representa?

O episódio faz uma clara referência ao que aconteceu no Colorado, quando um confeiteiro recusou fazer o bolo de casamento para um casal gay alegando que feria suas crenças religiosas – no caso, cristãs. Além disso, a série, de maneira inteligente, faz com que a gente reflita sobre empatia e a necessidade de se ter um debate transparente sobre o que as coisas significam. Quando Grace fica sabendo do que aconteceu com Karen por meio de seu assistente, Tony (Anthony Ramos), se sente ultrajada. Justamente porque imagina ser um caso de preconceito contra casais homossexuais. Quando fica sabendo que o bolo é para Donald Trump, o ultraje desaparece, alegando que são coisas completamente diferentes.

Tony: Como vai requerer sua liberdade de expressão se não vai defender a dos outros?

Grace: E se alguém quisesse fazer um bolo que diz: “Eu Odeio Porto-Riquenhos”?

Tony: se diz “MAGA”, a parte do  “Eu Odeio Porto-Riquenhos” está implícita;

Grace engole o orgulho e decide ajudar Karen. Ela deixa claro para a confeiteira que considera que as crenças da amiga são horríveis, mas mesmo pessoas com crenças horríveis tem direitos. Consequentemente, Karen consegue o bolo, mas a confeiteira faz questão de dar um recado e incluir umas letrinhas no pedido.

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“I” MAGA “Y”

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“Eu sou um gay” em bom português. Portanto, o episódio The Beefcake & the Cake Beef inteiro é um espetáculo e um ótimo exemplar do motivo pelo qual amamos Will and Grace e do porquê a série continua relevante. E engraçada. E provocadora. E merecedora dos seus 16 Emmy. No final, vemos um bonitão que flerta com Grace enquanto pede para a confeiteira ajustar a suástica do bolo, que está um pouco torta.

Tão série

O Próximo Convidado Dispensa Apresentações

Geórgia Santos
4 de fevereiro de 2018

Antes de David Letterman encerrar a estada de 30 anos no comando do The Late Show, ele entrevistou o então presidente Barack Obama, em maio de 2015. Incerto do próprio futuro, perguntou quais os planos de aposentadoria do ainda jovem político.

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“Eu estava pensando, você e eu, nós poderíamos jogar dominó juntos, sei lá, ir até o Starbucks mais próximo”, disse Obama

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Bem, o entrevistador não esqueceu da sugestão. Com um dos conhecidos copos do Staburcks em primeiro plano e uma barba quase messiânica, telefonou ao ex-presidente e fez uma proposta. Aguardou. Compensou. Barack Obama é o primeiro entrevistado do novo projeto de Letterman no Netflix, My Next Guest Needs No IntroductionO Próximo Convidado Dispensa Apresentações. E, de fato, dispensa.

Alguns poucos reclamaram da empolgação de David Letterman ao entrevistar o ex-presidente. Não gostaram do que chamaram de bajulação. Não concordo. Aliás, discordo tanto quanto possível. O que se vê não é bajulação, e sim um homem grato por ter encontrado alguém por quem nutre imenso e verdadeiro respeito, como ele mesmo diz.

Ao longo de quase uma hora, Obama fala bastante, com a usual discrição. Prefere discutir o macro a entrar nas minúcias do novo governo. Mas esta não é uma entrevista qualquer. A conversa com o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos é permeada por uma pesada carga histórica e emocional. Letterman viajou à Selma, Alabama, para atravessar a ponte Edmund Pettus ao lado do deputado John Lewis, presente no Domingo Sangrento de 1965. Na ocasião, militantes do movimento pelos direitos civis realizaram um protesto pacífico para reivindicar o direito da população afro-americana ao voto. Foram recebidos com cassetetes, gás lacrimogêneo e sangue. Muito sangue.

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O jornalista perguntou a Lewis o que estava do outro lado da ponte, simbolicamente

E o ativista respondeu sem titubear: “Obama”

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E Obama sabe disso. Sabe que é fruto daquela luta. Sabe que sem Martin Luther Jr e a entrega e o sangue de milhares de outros ativistas, os Estados Unidos não teriam tido o primeiro presidente negro em 2008. Isso também é parte da preocupação do Democrata com a horizontalidade das políticas públicas e a diminuição da desigualdade.

 

Em poucos minutos, ele consegue explicar o problema da desigualdade crescente que assola o mundo. Mais do que isso, lança a pergunta fundamental a que devemos responder.

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Como fazer uma economia nesse ambiente tecnológico globalizado que seja boa para todos?

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Precisamos buscar essa resposta. Talvez a busca seja mais importante do que a resposta em si. A primeira temporada prevê seis episódios, lançados mensalmente. Além de Obama, serão entrevistados George Clooney, Malala Yousafzai, Jay-Z, Tina Fey e Howard Stern. Uau. Não sei quanto a vocês, mas eu estou muito ansiosa.

Tão série

Mindhunter – Para rever alguns conceitos

Geórgia Santos
27 de janeiro de 2018
MINDHUNTER

Na penitenciária de Vacaville, na Califórnia, Edmund Kemper  descreve como matou suas vítimas enquanto, amigavelmente, aperta a jugular de um agente do FBI. Concentrando os 140kg no indicador esquerdo, ele explica, sem alterar a voz, como sequestrou, matou e estuprou adolescentes. Sim, nesta ordem. Do alto de dois metros de altura, ainda conta como matou, decapitou e violentou a própria mãe. Sim, nesta ordem.

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Esta cena, retratada na imagem de capa, é a tônica de Mindhunter, a grata surpresa do ano passado e, na minha modesta opinião, uma das melhores séries de 2017. Confesso que, dentre tantos títulos do catálogo da Netflix, escolhi somente por causa da minha estranha obsessão com serial killers. Ou melhor, com suas histórias. Foi uma opção despretensiosa, mas que valeu a pena.

Nos anos 70, agente Holden Ford (Jonathan Groff), do FBI, se dedica a traçar um perfil psicológico para o então novo fenômeno dos assassinatos em série. A ideia é desenvolver um método que os ajude a compreender porquê a morte quando não há “motivo”. Para isso, eles passam a entrevistar assassinos já julgados e condenados a prisão perpétua ou ao corredor da morte. São todos personagens reais como o aterrorizante, estranho e simpático – sim, ele é – Ed Kemper (Cameron Britton).

A série foi criada por David Fincher  e é baseada em fatos reais. O roteiro foi adaptados do livro “Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano”, de John Edward Douglas e Mark Olshaker. Douglas atuou como analista do FBI por 25 anos e foi pioneiro na elaboração de perfis psicológicos, tanto que o termo serial killer sequer existia. Apesar do realismo, Fincher não foge de uma boa dose de licença poética e suspense. São dez episódios de cerca de 40 minutos cada. Apesar da longa duração de cada capítulo, os ganchos típicos dos suspenses psicológicos prendem o espectador no sofá, com os olhos vidrados no espelho negro.

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O mais interessante, porém, é que não é uma série policial comum. Ao ponto de fazer com a gente reavalie todo um sistema interno de julgamento

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A produção da Netflix faz com que a gente abandone uma pré-concepção de que todo o crime é vazio, por maldade intrínseca. Não que não exista, mas a série é um exemplo concreto de que uma mente destruída por negligência e violência vai repetir os padrões que internalizou como normais. Afinal, não é produto de ficção. Não se engane, não é uma versão elaborada de Criminal Minds. Esqueça as grandes perseguições e os atos heróicos de Morgan e Hotchner. Mindhunter é um thriller sufocante e angustiante que nos faz questionar a própria existência e destino. Felizmente, a segunda temporada foi confirmada para 2018.

https://www.youtube.com/watch?v=7gZCfRD_zWE

Tão série

O fim da p*** do mundo

Geórgia Santos
20 de janeiro de 2018

No feriado do Ano Novo, minha prima e afilhada e antenada e adolescente de 15 anos me falou sobre uma estreia da Netflix programada para janeiro. The End of The F*** World (algo como O Fim da P*** do Mundo), uma série de humor negro sobre um adolescente psicopata que pretende deixar de matar animais para assassinar algo um pouco maior. Ela sabe que eu gosto de um sanguinho. Assisti ao trailer.

https://www.youtube.com/watch?v=vbiiik_T3Bo

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Amei. Aguardei. Assisti ao primeiro episódio, ao segundo, ao terceiro … ao oitavo. Amei. 

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Só não é uma comédia de humor negro, como promete. Apesar de alguns momentos hilários e de diálogos impregnados de sarcasmo, a série britânica é um suspense. E dos pesados. Com direito a tensão, sofrimento por antecipação, angústia e muito, muito sangue. Sangue nível Tarantino. Sangue. Baseada na HQ homônima de Charles S. Forsman, a história ainda apareceu em um curta-metragem antes de ser transformada em série pelo serviço de streaming. 

A trama envolve dois adolescentes perturbados por motivos diferentes. James (Alex Lawther) é um psicopata calado, apegado à sua faca de caça, que fritou a mão para tentar sentir alguma coisa e agora quer matar alguém, pra ver como é. Apenas. Alyssa (Jessica Barden) é uma rebelde arrogante que fala sem parar e tem uma forte tendência maníaco-depressiva, pendendo para uma ninfomania wanna be. Os dois fogem de casa sem rumo. Levam apenas o desdém pelas figuras de autoridade que tem em casa – justificado, diga-se de passagem.

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Eles são tão estranhos que beiram à perfeição. Eu oscilava constantemente entre querer dar um soco no estômago de cada um e pegar no colo para fazer um carinho

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É como se eles estivessem presos em uma sociedade da qual não fazem parte. São desajustados e é injusto que isso seja um problema. Em uma cena fantástica do primeiro episódio, Alyssa quebra o próprio celular em um ataque de fúria. A colega que estava sentada diante dela havia enviado uma mensagem em vez de conversarem como duas pessoas normais que dividem uma mesa durante o almoço. James também não tem celular. Os dois apenas observam essa sociedade torta sem empatia, sem pares. Eles vão vivendo, sem futuro, enfrentando o sistema insolente que se apresenta como a salvação quando os dois sabem que é o carrasco.

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Eles vão vivendo, nessa roadtrip imprevisível. Absolutamente triste e linda

Uma viagem de descobertas e fins

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A arquitetura da série acompanha a sofreguidão do roteiro. São oito capítulos de 20 minutos, fáceis de consumir de uma só vez. Ela é projetada para ser consumida assim. E para facilitar, a trilha sonora é impecável. Se a série fosse um biscoito, a trilha com Graham Coxon (Blur), Fleetwood Mac, Mazzy Star, Shuggie Otis e Françoise Hardy seria o leite. Sem contar nas inúmeras referências à cultura pop.

Confesso que quando minha prima e afilhada e antenada e adolescente me falou sobre essa série, não achei que fosse gostar tanto. Por mais que a premissa do sangue e da psicopatia me interesse, nunca tive muita paciência para ficções que abordam conflitos adolescentes. Mas no final das contas, é simplesmente uma ótima produção que mistura humor negro, violência e bizarrices surreais de maneira primorosa. É uma arte subversiva. Entrenenimento na sua melhor forma. 

Tão série

As piadas de Seth Meyers mostram o que está errado com a indústria do entretenimento

Geórgia Santos
13 de janeiro de 2018

O anfitrião do Globo de Ouro foi extremamente feliz. Seth Meyers tinha a ingrata missão de apresentar a premiação em uma noite dedicada às mulheres – só o fato de ele ser homem já era um problema de sensibilidade. Mas o que poderia ter sido um desastre foi uma aula sobre o que está errado com a indústria do entretenimento.

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Ele foi engraçado, foi sensível e foi certeiro

A gente ri, mas por dentro dá vontade de chorar

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1. Boa noite senhoras e senhores restantes;

2. Feliz Ano Novo, Hollywood. É 2018, a maconha é finalmente permitida e o assédio sexual finalmente não;

3. Uma nova era se inicia, e eu posso dizer isso porque fazia anos que um homem branco não ficava nervoso em Hollywood;

4. Aos homens indicados nesta noite, essa é a primeira vez em três meses que não vai ser assustador ouvir seu nome lido em voz alta;

5. Muitas pessoas pensam que seria mais apropriado se uma mulher apresentasse esta premiação, e eles podem estar certos. Mas se serve de consolo, e eu sou um homem sem absolutamente nenhum poder em Hollywood. Eu sequer sou o Seth mais poderoso desta sala. Aliás, lembram quando ELE (Seth Rogen) era o cara que arrumava confusão com a Coreia do Norte? Tempos mais simples;

6. Associação da Imprensa Estrangeira. Um conjunto de três palavras que não poderia ter sido melhor desenhado para irritar nosso presidente. O único nome que poderia deixá-lo mais irritado é Associação Hillary México Salada;

7. A Forma da Água recebeu mais indicações que qualquer filme neste ano. Um filme incrivelmente lindo, mas eu preciso admitir que quando  eu ouvi falar de um filme em que uma jovem mulher se apaixona por um monstro nojento, eu pensei, “Ah, cara, não outro filme do Woody Allen”;

8. O Globo de Ouro faz 75 anos. Mas a atriz que interpreta sua esposa ainda tem 32;

9. De acordo com um artigo recente, apenas 5% dos papeis de Hollywood são interpretados por atores asiáticos. Mas esses números podem estar errados já que o cálculo foi feito por uma pessoa branca;

10. E agora para apresentar nosso primeiro prêmio… Por favor não sejam dois caras brancos, por favor não sejam dois caras brancos. Oh, graças a Deus. Gal Gadot e Dwayne Johnson, pessoal!

Ah, isso sem falar na maravilhosa letra de Natalie Portman que, adequadamente, anunciou os HOMENS indicados a melhor direção.

 

Foto: Paul Drinkwater/NBCUniversal via Getty Images

Tão série

Sete momentos em o Globo de Ouro foi palco de protestos

Geórgia Santos
6 de janeiro de 2018

O tapete vermelho será diferente neste domingo (7). As atrizes de Hollywood prometem usar preto na cerimônia do Globo de Ouro, em Los Angeles. A ação ocorre em solidariedade ao movimento #metoo, que denuncia o assédio e abuso sexual na indústria cinematográfica. A campanha foi lançada após as inúmeras denúncias contra o produtor Harvey Weinstein e outros poderosos do ramo como uma forma de levante, de desabafo.

A cerimônia é basicamente um open bar, o que promove uma atmosfera bastante diferente do Oscar, mais informal e descontraída. O que não impediu, porém, que o Globo de Ouro fosse palco de resistência ao longo dos anos. De política. Às vezes em tom jocoso, às vezes despretensiosamente, às vezes com a seriedade que o próprio tema carregava, às vezes em forma de afirmação. Ou seja, não é a primeira vez em que a premiação servirá de palanque para uma causa.

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Listamos sete momentos em que o Globo de Ouro foi palco de protestos – ou de coragem

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1. Tina Fey e Amy Poehler cutucando o machismo em 2014

As duas são hilárias e já proporcionaram momentos memoráveis ao apresentar o Globo de Ouro em mais de uma ocasião. Mas muito antes de o movimento feminista ressurgir como no ano em que passou, Tina Fey e Amy Poehler alfinetaram a indústria cinematográfica e os padrões absurdos estabelecidos como ideal de beleza feminina com uma piadinha. Ao falar do emagrecimento de Mathew McConaghey para o papel em Clube de Compras Dallas, as duas dispararam: “Ele perdeu 20 quilos, o que uma atriz chama de estar em um filme” – “He lost 45 pounds, or what actresses call being on a movie”.

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2. O discurso de Meryl Streep em 2017

A atriz foi homenageada com o prêmio Cecil B. DeMille, pelo conjunto da obra, e aproveitou o momento para desabafar. Com pelo menos metade do país ainda atordoada com a eleição de Donald Trump, Meryl Streep fez um discurso impactante, pedindo empatia aos estrangeiros – aproveitando, inclusive, o fato de que o Globo de Ouro é organizado pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
“Este instinto de humilhar, quando feito por alguém em uma plataforma pública, afeta a vida de todo mundo, porque dá permissão para outros fazerem o mesmo. Desrespeito convida desrespeito, violência incita violência. Quando os poderosos usam de suas posições para praticar bullying contra os outros, todos nós perdemos”, disse.

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3. Globo de Ouro cancelado em função da greve dos roteiristas em 2008

A premiação foi palco de protesto até mesmo quando não aconteceu. Em 2008, a cerimônia foi cancelada em função da greve dos roteiristas de Hollywood, que ameaçava um tapete vermelho vazio. Os vencedores foram anunciados em uma coletiva de imprensa.

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4. Tina Fey e os haters em 2009

De novo a frente do seu tempo, Tina Fey aproveitou o momento em que recebeu o prêmio de melhor atriz em série de comédia por 30 Rock para falar dos haters nas redes sociais. Ela lembrou que se alguém estiver em risco de se sentir muito bem consigo mesmo, basta acessar a internet. E ainda citou nominalmente um hater de estimação.

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5. Jodie Foster (praticamente) assumindo a homossexualidade em 2013

Conhecida por manter a vida privada, bem, privada, a atriz surpreendeu a todos quando recebeu o prêmio Cecil B. Demille em 2013. Durante o discurso, ela disse: “Eu acho que tenho essa necessidade súbita de dizer algo que eu nunca fui capaz de divulgar em público. Mas eu vou simplesmente falar, certo? Alto e com orgulho, certo? Então eu vou precisar do seu apoio nisso. Eu sou solteira.”

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6. Tracy Morgan e a América pós-racial em 2009

Quando 30 Rock venceu o prêmio de melhor série de comédia, o ator Tracy Morgan tirou a estatueta das mãos da criadora do programa e disse: Tina Fey e eu fizemos um acordo. Se Barack Obama vencesse as eleições, eu falaria em nome da série de agora em diante. Bem-vindos à América pós-racial. Eu sou a face da América pós-racial. Lide com isso, Cate Blanchett!”

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7. Oliver Stone protesta contra a política anti-drogas em 1979

No discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor roteiro pelo filme Expresso da Meia Noite, Oliver Stone fez um protesto contra a política anti-drogas em vigor nos Estados Unidos. Foi justamente naquele período em que começou o encarceramento em massa da população negra norte-americana, muito bem abordado pelo documentário 13 Emenda. Ele foi retirado a força do palco e nós não conseguimos encontrar imagens do momento. Há, porém, a declaração de quando ele ganha o Oscar no mesmo ano e mostra “consideração a todos os homens e mulheres, em todo o mundo, que estão na prisão nesta noite.”

Fotos: Getty Images

Tão série

As 7 melhores séries de 2017

Geórgia Santos
30 de dezembro de 2017

É muito difícil fazer uma lista reduzindo grandes produções a números tão diminutos. Ao mesmo tempo, algumas são simplesmente melhores do que as outras. Por isso, escolhi sete séries que se destacaram em 2017 usando única e exclusivamente o critério do instinto. Lembrei dessas instantaneamente. Foram as mais memoráveis. As que mais marcaram o ano.

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Master of None

No último post, eu avisei que era importante que Master of None fosse vista antes de o ano acabar. Mas isso não impede que tu corra atrás depois da virada. Vale a pena. Afinal, o que era para ser só mais uma comédia romântica com o simpático Aziz Ansari acabou por tornar-se uma das produções mais representativas do momento em que a gente vive. Especialmente se tu estás na casa dos 30 anos. A segunda temporada tem episódio em preto e branco, episódio mudo, com e sem os protagonistas, história de amor, tolerância e, ainda por cima, o Dev falando “allora” durante o período em que ele vive na Itália – é muito fofo.

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Mindhunter

MINDHUNTER

A grata surpresa do ano. Confesso que, dentre tantos títulos do catálogo da Netflix, escolhi Mindhunter somente por causa da minha estranha obsessão com serial killers. Ou melhor, com suas histórias. Foi uma opção despretensiosa, mas que valeu a pena.

Nos anos 70, agente Holden Ford (Jonathan Groff), do FBI, se dedica a traçar um perfil psicológico para o então novo fenômeno dos serial killers. A ideia é desenvolver um método que os ajude a compreender porquê a morte quando não há “motivo”. Para isso, eles passam a entrevistar assassinos condenados. São todos personagens reais como o aterrorizante, estranho e simpático – sim, ele é – Ed Kemper (Cameron Britton).

A série foi criada por David Fincher (Seven) e é baseada em fatos reais, com uma boa dose de licença poética e suspense.

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Twin Peaks

No ultimo episódio da segunda temporada, Laura Palmer disse: “I´ll see you again in 25 years” – “Eu o verei novamente em 25 anos”. Atrasou, mas David Lynch cumpriu a promessa. E como o fez. No retorno de Twin Peaks, o diretor explora algumas lacunas das temporadas passadas e apresenta novos mistérios ao público.

Os longos episódios não são empecilho para não querer desgrudar da TV. Afinal, o suspense compensa a tensão. É uma bela obra em termos de estética e narrativa.

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The Handmaids Tale

Recomendar a série The Handmaids Tale ( O conto da Serva, em tradução livre) é um tanto desconfortável diante do contexto político no qual estamos inseridos. A obra da Hulu é uma adaptação do livro homônimo de Margaret Atwood, que apresenta um cenário distópico em que mulheres férteis são escravizadas por homens poderosos que as estupram com fins de reprodução.

Enquanto produto de entretenimento, apesar da bela fotografia e do suspense, é uma obra de linguagem arrastada por vezes, que atrasa o engajamento inicial. Mas é uma observação absolutamente pessoal, que resistiu à vontade de acompanhar aquela realidade tão distante e tão próxima. É uma produção importante e que deve ser vista. E que bom que eu insisti.

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This is Us

THIS IS US — “Last Christmas” Episode 110 — Pictured: (l-r) Sterling K. Brown as Randall, Justin Hartley as Kevin, Chrissy Metz as Kate, Susan Kelechi Watson as Beth — (Photo by: Ron Batzdorff/NBC)

A série só estreou no Brasil neste ano, mas já conquistou a quem teve a felicidade de cruzar seu caminho. This is Us é um drama familiar que inova em formato e linguagem, já que conta duas histórias paralelas com um gap temporal de mais de 30 anos.

A trama principal gira em torno de um grupo de pessoas que nasceu no mesmo dia. Na década de 80, o casal Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore), espera a chegada de trigêmeos. No presente, Kevin (Justin Hartley) é um ator de televisão frustrado com os papéis superficiais que interpreta; Kate (Chrissy Metz) luta contra a obesidade; e Randall (Sterling K. Brown) reencontra o pai que o abandonou quando ele era bebê.

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Veep

É quase um crime que eu ainda não tenha falado sobre a série que considero uma das melhores de sempre – e não apenas no gênero da comédia. Veep tem simplesmente um dos textos mais engraçados e ácidos da TV. É impossível não rir muito com a brilhante atuação de Julia Louis-Dreyfus no papel da ex- presidente Selina Meyer, que agora luta com todas as forças e falta de noção para não cair no ostracismo. Não à toa o papel já lhe rendeu cinco Emmys de Melhor Atriz.

O elenco é impecável e os personagens impecavelmente imbecis. E para pânico geral de todas as nações, a série é assustadoramente verossímil com suas lambanças na Casa branca e desencontros entre deputados, presidentes e quaisquer pessoas que passem por Washington DC.

Infelizmente, no momento, Julia Louis-Dreyfus luta contra um câncer. Veep deve volta para uma última temporada em 2019.

Orange is The New Black

A nova temporada começa três dias após a morte de Poussey Washington (Samira Wiley) e é de partir o coração. Mas mais do que isso, as detentas abordam temas que tem permeado a nossa realidade durante uma rebelião, como o movimento Black Lives Matter. A gente vê, através das grades da Penitenciária de Litchfield, o preconceito do nosso mundo enquanto mulheres tentam encontrar sua voz. Vale cada minutinho, cada grão de pipoca.

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Master of None – Você precisa ver antes de o ano acabar

Geórgia Santos
26 de dezembro de 2017

No último episódio da primeira temporada de Master of None, da Netflix, um Dev (Aziz Ansari) engasgado após engolir uma tonelada metafórica de pontos de interrogação pede socorro a seu pai, Ramesh (interpretado pelo pai de Ansari, Shoukath). São muitos os porquês envolvidos em seus relacionamentos falidos e na crescente incerteza sobre o futuro profissional em uma carreira que parece definhar – os típicos fantasmas que saem debaixo das camas das crianças assustadas para assombrar todos os trintões desencontrados. Dev não consegue decidir. Não consegue decidir de quem gosta, qual é a mulher certa, o que ele quer fazer da vida. Ele não consegue arriscar. Ele não consegue decidir.

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Ramesh – “Você precisa aprender a tomar decisões, cara. Você é tipo aquela mulher sentada em frente à figueira, encarando os galhos enquanto a árvore morre.”

Dev – “Que mulher? Que árvore?”

Ramesh – “Sylvia Plath? A Redoma de Vidro? Tu nunca lê, tá sempre no youtube…”

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“Eu vi minha vida ramificando-se diante de mim como a figueira verde da história. Na ponta de cada galho, como um figo gordo e roxo, um futuro maravilhoso acenava e piscava. Um figo era um marido, um lar feliz e filhos, outro era uma poetisa famosa e consagrada, outro era uma professora brilhante, outro era a Europa, a África e a América do Sul, outro era Constantino e Sócrates e Átila e outros vários amantes com nomes exóticos e profissões excêntricas, outro ainda era uma campeã olímpica. E, acima de tais figos, havia muitos outros. Eu não conseguia prosseguir. Encontrei-me sentada na forquilha da figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia optar entre um dos figos. Eu gostaria de devorar a todos, mas escolher um significava perder todos os outros. Talvez querer tudo signifique não querer nada. Então, enquanto eu permanecia sentada, incapaz de optar, os figos começaram a murchar e escurecer e, um por um, despencar aos meus pés.”

Sylvia Plath , The Bell Jar. New York: Bantam Books, 1972.

A série gira em torno do paradoxo da escolha. Toda escolha tem uma consequência. E, como esclareceu Plath, toda escolha implica na anulação de outra. Talvez Dev continue não lendo Sylvia Plath, mas ele decidiu. Decidiu ir para a Itália aprender a fazer massa e, quem sabe, encontrar algumas das respostas.

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Na segunda temporada de Master of None, Dev já não é mais o mesmo. Arnold (Eric Wareheim), Denise (Lena Waithe) e Brian (Kelvin Yu) já não são mais os mesmos. Eles todos estão encarando a figueira

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E o resultado disso é ainda melhor é uma primorosa leitura da vida contemporânea. Dentre os dez episódios está uma homenagem ao filme Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica; uma celebração a Nova York em um episódio totalmente silencioso, produzido a partir da perspectiva de uma pessoa surda; um retrato (desastroso) da cultura do Tinder; outro episódio dedicado inteiramente à Denise, em que ela assume sua homossexualidade diante da família; além de referências à Bob Dylan e Vanilla Sky; questões de fé e tradição, muçulmanos comendo bacon.

E preso a essa roda viva está um Dev mais maduro, que se vê também como parte da engrenagem que critica. Ele continua apontando o racismo sempre que é confrontado com isso, mas também é flagrado repetindo padrões. Em um episódio, ele não reconhece seu maquiador, um homem negro, em um ato quase casual de racismo. Ele também falha em reconhecer no amigo o comportamento de um predador sexual. Sem contar na ficante racista, problema que ele só aponta depois de já ter transado com ela.

Allora, diz Dev constantemente. Aquela palavra que a gente usa para preencher o espaço vazio da conversa, que sai automaticamente, sem pensar. Allora, com todos os defeitos, Dev está tentando. E nós? Estamos? Em termos evolutivos, 2017 foi um ano nulo. Retrocedemos no que tange à política e ao convívio social, como se nunca tivéssemos avançado daquele estágio de Homo Habilis – e olhe lá.

Allora, está na hora de parar de encarar a figueira e, finalmente, escolher um figo. E assistir Master of None pode ajudar, definitivamente. Ah, e tem o John Legend tocando piano. Allora…

 

Foto: Divulgação

 

Tão série

Seinfeld – Celebrando o Festivus

Geórgia Santos
23 de dezembro de 2017

Seinfeld é uma das minhas séries favoritas de todos os tempos. É inadequada, debochada, provocadora e nada polida. Politicamente incorreta sem ser torpe. No ponto. Uma crítica à sociedade mas também uma crítica a quem leva a sério demais as convenções. E não seria diferente com o Natal.

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Eu nunca fui fã do Natal

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Mentira, quando era criança eu esperava ansiosamente pelo Papai Noel. Houve a vez em que saí do banho desesperada, correndo nua pela casa, porque ouvira os passos do bom velhinho estalando no piso antigo de madeira. E eu estava certa, lá estavam os presentes onde antes só havia uma poltrona. Ironicamente, morria de medo daqueles caras que se vestiam de Papai Noel em lojas ou, no caso de Paraí, no ginásio de esportes.

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Mas meu fascínio com o Natal passou assim que percebi que era um embuste

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E antes que alguém fale sobre Jesus e presépios, eu respondo: acho que nunca nem fui a uma missa de Natal, logo, não significa nada pra mim. Restou meu fascínio pelos presentes ao passo que a data se tornou apenas uma noite legal em que se janta uma comida especial com a família ao mesmo tempo em que se é invadido por uma nostalgia quase perigosa.

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Foi um alento quando vi o Seinfeld debochando do Natal

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Não que eu ache que mereça deboche, não me entendam mal. É apenas muito interessante ver a quebra do paradigma de episódios reminiscentes em que as luzinhas piscam e todos vestem seus suéteres vermelhos, pesados demais pra usarmos no verão no brasileiro.

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A Festivus to the rest of us

No episódio “The Strike”, que foi ao ar em 1997, o público conhece o Festivus, um feriado laico celebrado em 23 de dezembro como uma alternativa às pressões e consumismo da época de Natal. A celebração não-comercial inclui o jantar, obviamente, mas também uma série de outros elementos que o tornam muito especial.

Em vez de um pinheiro, o adorno tradicional é um cano de alumínio sem enfeites, porque causam distração; também não há muito amor a ser distribuído, em vez disso há a “Ventilação de queixas”, em tradução livre, que consiste em cada pessoa verbalizar todos os motivos pelos quais os familiares foram uma decepção ao longo do ano. “Eu tenho muito problemas com vocês todos, e agora vocês vão ouvir”, diz Frank Costanza (Jerry Stiller), o criador do feriado; por fim, há o que se chama de “Façanhas de força”, em que o anfitrião escolhe alguém para ser desafiado durante uma luta

A Festivus to the rest of us” significa algo como “um feriado para o restante de nós”, justamente destacando o caráter inclusivo da data. Afinal de contas, o Festivus foi criado no dia em que o pai de George (Jason Alexander) não conseguiu comprar a boneca que o filho tanto queria.

Esse episódio é revigorante. É engraçado, é leve, é absurdo, é quase pecaminoso para quem acredita em pecado. Se o que tu queres é uma versão de meia hora de uma propaganda do Zaffari, Seinfeld não é pra ti. Mas se a tua ideia de Natal é dar umas boas risadas às custas dos nossos rituais ultrapassados, as aberrações de Jerry Seinfeld caem como uma luva. Enquanto tu decides, eu vou pegar minha hipocrisia, preparar a marinada do peru e terminar de decorar a árvore =)

 

 

 

Tão série

The Handmaid´s Tale – Quando a ficção está muito perto da realidade

Geórgia Santos
2 de dezembro de 2017

Recomendar a série The Handmaids Tale ( O conto da Serva, em tradução livre) é um tanto desconfortável diante do contexto político no qual estamos inseridos. A obra da Hulu é uma adaptação do livro homônimo de Margaret Atwood, que apresenta um cenário distópico em que mulheres férteis são escravizadas por homens poderosos que as estupram com fins de reprodução.

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É quase cruel falar disso em um momento em que 18 homens tiram o direito de uma mulher abortar o fruto de um estupro

Mas é necessário

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The Handmaid´s Tale se passa em um futuro próximo no que é conhecido como a República de Gileade, uma teonomia cristã e militar que ocupa o que antes se conhecia por Estados Unidos da América. A nação é controlada por um grupo fundamentalista evangélico autointitulado “Filhos de Jacó”, que suspende a Constituição dos EUA com o pretexto de restaurar a ordem. O que vale, então, é a lei de Deus – o Deus no qual eles acreditam, no caso.

O novo regime se baseia na restauração, com o objetivo de reorganizar a sociedade americana em torno de um novo modelo totalitário e militarizado inspirado no Antigo Testamento. A sociedade é dividida em castas e os direitos das mulheres são retirados imediatamente – são, inclusive, proibidas de ler.

A produtora executiva da série, Elisabeth Moss, interpreta a narradora da história, a serva Offred, cujo nome significa literalmente Of-Fred. Ou seja, “De (propriedade de) Fred”. Ela faz parte de uma classe de mulheres que é mantida única e exclusivamente para fins reprodutivos, passando de senhor em senhor para procriar. Elas são crucias para a perpetuação da humanidade em um mundo em que a maioria das pessoas é estéril devido à poluição e doenças sexualmente transmissíveis.

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Trata-se de uma história em que as complexas camadas revelam as inúmeras formas que a opressão às mulheres pode assumir. Inclusive por mulheres

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Conforme a intimidade da protagonista é revelada, testemunhamos a viagem de Offred à lembrança de uma vida feliz em que podia ter uma conta bancária, em que podia usar a roupa que quisesse, conversar com quem bem entendesse. Ler. Mas também testemunhamos o egoísmo de Serena Joy (Yvonne Strahowski), a mulher que arquitetou a opressão – ela sempre acreditou que as mulheres deveriam servir.

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Eu só espero que qualquer semelhança seja mera coincidência

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O problema é que são coincidências demais. Basta acompanhar a TV Câmara para ver que a decisão sobre a saúde reprodutiva das mulheres já está nas mãos de homens. Neste mesmo canal, assistimos estes mesmos homens tomarem essas mesmas decisões com base em uma interpretação particular da Bíblia. Em qualquer comentário do Facebook há traços de repressão sobre o que uma mulher deve vestir ou como se comportar.

Aproveitemos, então, enquanto ainda podemos ler. É uma ótima oportunidade para compreender a importância do feminismo e da luta por direitos iguais. Da luta por uma vida decente.

Enquanto produto de entretenimento, apesar da bela fotografia e do suspense, é uma obra de linguagem arrastada por vezes, que atrasa o engajamento inicial. Mas é uma observação absolutamente pessoal, que resistiu à vontade de acompanhar aquela realidade tão distante e tão próxima. É uma produção importante e que deve ser vista. E que bom que eu insisti.

Toda mulher – e todo homem – precisa assistir ao que pode ser o nosso não tão impraticável futuro.

 

Imagens: Divulgação