Tão série

The Handmaid´s Tale – Quando a ficção está muito perto da realidade

Geórgia Santos
2 de dezembro de 2017

Recomendar a série The Handmaids Tale ( O conto da Serva, em tradução livre) é um tanto desconfortável diante do contexto político no qual estamos inseridos. A obra da Hulu é uma adaptação do livro homônimo de Margaret Atwood, que apresenta um cenário distópico em que mulheres férteis são escravizadas por homens poderosos que as estupram com fins de reprodução.

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É quase cruel falar disso em um momento em que 18 homens tiram o direito de uma mulher abortar o fruto de um estupro

Mas é necessário

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The Handmaid´s Tale se passa em um futuro próximo no que é conhecido como a República de Gileade, uma teonomia cristã e militar que ocupa o que antes se conhecia por Estados Unidos da América. A nação é controlada por um grupo fundamentalista evangélico autointitulado “Filhos de Jacó”, que suspende a Constituição dos EUA com o pretexto de restaurar a ordem. O que vale, então, é a lei de Deus – o Deus no qual eles acreditam, no caso.

O novo regime se baseia na restauração, com o objetivo de reorganizar a sociedade americana em torno de um novo modelo totalitário e militarizado inspirado no Antigo Testamento. A sociedade é dividida em castas e os direitos das mulheres são retirados imediatamente – são, inclusive, proibidas de ler.

A produtora executiva da série, Elisabeth Moss, interpreta a narradora da história, a serva Offred, cujo nome significa literalmente Of-Fred. Ou seja, “De (propriedade de) Fred”. Ela faz parte de uma classe de mulheres que é mantida única e exclusivamente para fins reprodutivos, passando de senhor em senhor para procriar. Elas são crucias para a perpetuação da humanidade em um mundo em que a maioria das pessoas é estéril devido à poluição e doenças sexualmente transmissíveis.

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Trata-se de uma história em que as complexas camadas revelam as inúmeras formas que a opressão às mulheres pode assumir. Inclusive por mulheres

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Conforme a intimidade da protagonista é revelada, testemunhamos a viagem de Offred à lembrança de uma vida feliz em que podia ter uma conta bancária, em que podia usar a roupa que quisesse, conversar com quem bem entendesse. Ler. Mas também testemunhamos o egoísmo de Serena Joy (Yvonne Strahowski), a mulher que arquitetou a opressão – ela sempre acreditou que as mulheres deveriam servir.

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Eu só espero que qualquer semelhança seja mera coincidência

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O problema é que são coincidências demais. Basta acompanhar a TV Câmara para ver que a decisão sobre a saúde reprodutiva das mulheres já está nas mãos de homens. Neste mesmo canal, assistimos estes mesmos homens tomarem essas mesmas decisões com base em uma interpretação particular da Bíblia. Em qualquer comentário do Facebook há traços de repressão sobre o que uma mulher deve vestir ou como se comportar.

Aproveitemos, então, enquanto ainda podemos ler. É uma ótima oportunidade para compreender a importância do feminismo e da luta por direitos iguais. Da luta por uma vida decente.

Enquanto produto de entretenimento, apesar da bela fotografia e do suspense, é uma obra de linguagem arrastada por vezes, que atrasa o engajamento inicial. Mas é uma observação absolutamente pessoal, que resistiu à vontade de acompanhar aquela realidade tão distante e tão próxima. É uma produção importante e que deve ser vista. E que bom que eu insisti.

Toda mulher – e todo homem – precisa assistir ao que pode ser o nosso não tão impraticável futuro.

 

Imagens: Divulgação

Geórgia Santos

Feminismo versus Machismo

Geórgia Santos
8 de março de 2017

Dia Internacional da Mulher. Um dia escolhido para celebrar a força das mulheres e homenageá-las e parabenizá-las e exaltá-las. Mais do que isso, um dia escolhido para lembrar a luta que cada mulher trava todos os dias para conquistar seus direitos e espaços em uma sociedade em que o machismo é tão enraizado que sequer percebemos os padrões que reproduzimos.

Hoje pela manhã, cometi a asneira (que é quase sadismo) de das uma espiada no que estava sendo dito nos comentários de sites de notícia. Abri uma matéria do G1 sobre os desafios do Gênero em 2017 e dei de cara com isso:

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“Tem que proibir aborto sim. Não quer filhos, fecha as pernas” (Fernando)

“O Problema é que essas feminazis querem dar sem limites” (Daniel)

“Quando percebo que a cidadã é feminista eu me afasto, por que sei que tem a cabeça pequena, eu gosto de mulher feminina.” (Anônimo)

“Abriu as pernas tem que assumer (sic)” (Celso)

“Pra finalizar, criticar um machista, sendo feminista, é igual a criticar um bandido por roubar e fazer a mesma coisa…..” (Anônimo)

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São apenas cinco comentários, mas os problemas contextuais são tantos que mal sei por onde começar. Mas acho importante usar esse espaço pra debater algumas coisas.

O assunto em questão era o aborto. Eu entendo que não seja um tema que se restrinja à agenda feminista, afinal, envolve o conceito de onde começa a vida, a chamada bioética, a religião e mais uma série de variáveis. Eu, particularmente, sou a favor da regularização do aborto, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso são alguns absurdos saltam aos olhos:

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  1. 1. Os comentários responsabilizam única e exclusivamente a mulher pela ocorrência da gravidez;
  1. 2. Comparam feministas, que nada mais são que mulheres que lutam por direitos iguais, com nazistas;
  1. 3. Falam de feministas como mulheres masculinizadas, exclusivamente. Feminista também pode usar batom vermelho, saia rodada e salto alto. E também pode ser masculina se quiser, ninguém tem nada com isso;
  1. 4. Mesclam a luta pela regularização do aborto a um dos mais antigos estereótipos a que as mulheres livres sexualmente são associadas: putas;
  1. 5. Por fim, o maior de todos os problemas, achar que feminismo é o mesmo que machismo.

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Diferença entre machismo e feminismo

Machismo é um conceito que se baseia na supervalorização do homem em detrimento da mulher. Machismo é quando uma mulher é desvalorizada ou prejudicada ou preterida pelo simples fato de ser mulher. Quando alguém comenta que uma mulher não serve pra determinada função, é machismo.

Feminismo é um movimento social e político que nasceu no final do século XIX com o objetivo de conquistar o acesso a direitos iguais entre homens e mulheres. Quando alguém fala que uma mulher deveria ganhar o mesmo salario que o homem que exerce a mesma função, é feminismo.

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Percebe a diferença? O machista acha que o homem é melhor que a mulher, a feminista quer que homens e mulheres sejam tratados da mesma forma

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Sociedade machista

Somos tão machistas que temos a ousadia de manchar o feminismo com o sufixo “nazi”, uma expressão que lembra o pior da espécie humana. Somos tão machistas que temos a audácia de responsabilizar a mulher por uma gravidez. Somos tão machistas que temos a cara de pau de pagar 30% a menos às mulheres, pelo simples fato de falta de pênis. Somos tão machistas que odiamos a namorada do nosso amigo só porque ela existe pra ele. Somos tão machistas que acreditamos no fato de que mulher gordinha não presta. Somos tão machistas que levamos adiante a história de que mulher bem sucedida deu pra alguém. Somos tão machistas que nem percebemos que somos machistas.

Mas deu, né.