Tão série

Will and Grace está de volta – e ainda é relevante

Geórgia Santos
29 de junho de 2018

O retorno de Will and Grace depois de onze anos fora das telas foi uma grata surpresa. Por outro lado, também foi uma surpresa estranha. Porque é absolutamente estranho perceber que 20 anos depois da estreia, eles continuam relevantes. No primeiro episódio, o quarteto fantástico está jogando Celebridade na sala do apartamento de Will com um texto que não nos permite esquecer que estamos em 2018.

.

Will: Ele é um homem mas envelheceu como lésbica.

Grace: Steven Tyler; Jon Voight,  Newt Gingrich?

Will: Isso! Ela é… nem sei por onde começar.

Grace: Jada Pinkett Smith!

Will: Sim! Nós queremos amá-la mas ela torna isso impossível.

Grace: Caitlyn Jenner!

Will: Isso! Rica. Refém.

Grace: Melania!

Will: Não. Usa boina!

Grace: Patty Hearst!

.

A série continua a mesma. Will (Eric McCormack) e Grace (Debra Messing) aparecem morando juntos temporariamente. Os dois solteiros e batendo cabeça. Grace diz que ficará apenas algumas semanas, até baixar a poeira.

Jack: Dos seus genitais?

Grace: Do meu divórcio!

Felizmente, os criadores Max Mutchnick and David Kohan ignoram o (horrível) final da oitava e até então última temporada, em que os amigos são vistos criando seus filhos separadamente e ficam 20 anos sem se falar até que as crias resolvem se casar. Não, né. Eles atribuem a cena a um pesadelo de Karen (Megan Mullally), induzido por pílulas e álcool, enquanto ela está catatônica no sofá.

Jack (Sean Hayes) mora do outro lado do corredor, ainda ácido, ainda incorrigível e hilário. Quanto a Karen, essa está definitivamente vivendo o sonho. Afinal de contas, o presidente dos Estados Unidos é justamente o tipo de homem que ela admira e espera que ocupe o poder.

A série definitivamente continua a mesma, mas se antes era elogiada por ajudar a educar os americanos com relação às uniões homoafetivas e a luta por direitos da população LGBT, hoje essa educação se estende a uma crítica social e política. Will and Grace confirma as suspeitas de analistas de que o tragicômico governo Trump, mais trágico do que cômico, seria um prato cheio para cientistas políticos e humoristas.

Tanto é assim que o primeiro episódio é recheado de referências ao atual momento político dos EUA. Há quem considere forçado, mas eu acho hilário e necessário. E usar a amizade de Karen com o presidente é a maneira perfeita de tornar tudo mais natural. Em todos os episódios há situações que nos fazem refletir sobre o momento polarizado a que estamos todos submetidos, seja nos Estados Unidos ou no Brasil. Mas há um momento em especifico que eu acho primoroso e emblemático.

.

O bolo para o SEU presidente

Karen: Passando;

Homem: Ei, escolhe um número;

Karen: Hm, ok, um!

Confeiteira: Oi, sou a Amy, como posso tornar seu dia mais doce?

Karen: Eu preciso de um bolo;

Amy: Você está com sorte, eu faço bolos, por enquanto, se eles não aumentarem o aluguel, essa vizinhança inteira…

Karen: Querida, querida, pessoas como eu não se preocupam com os problemas da classe trabalhadora branca, aquilo foi só pra ganhar a eleição. Falando nisso, eu preciso de um bolo grande para o aniversário de uma pessoa muito importante;

Amy: Hm, importante?

Karen: Aham. Eu quero de chocolate, com cobertura branca e um monte de estrelas, letras em vermelho e eu preciso que diga M – A – G – A. Make America Great Again ?Faça a America Grande Novamente, em tradução livre, é o slogan de campanha de Donald Trump?! Você fará um bolo para o seu presidente!

Amy: Oh!

Karen: Ele vai a minha casa para uma coisinha, nós vamos servir White Russians ?Russos Brancos, o nome de uma bebida?, mas voce não precisa saber  da lista de convidados.

Amy: Isso parece legal, mas não; Desculpe, odeio decepcionar pessoas e eu sou péssima em me defender, por isso Jocelyn diz que eu não deveria trabalhar no balcão, mas ela está morta agora e eu não vou fazer um bolo para aquela pessoa;

Karen: Deixa eu ver se entendi, Smiley Cyrus. Você não quer fazer um bolo porque não gosta do que ele representa?

O episódio faz uma clara referência ao que aconteceu no Colorado, quando um confeiteiro recusou fazer o bolo de casamento para um casal gay alegando que feria suas crenças religiosas – no caso, cristãs. Além disso, a série, de maneira inteligente, faz com que a gente reflita sobre empatia e a necessidade de se ter um debate transparente sobre o que as coisas significam. Quando Grace fica sabendo do que aconteceu com Karen por meio de seu assistente, Tony (Anthony Ramos), se sente ultrajada. Justamente porque imagina ser um caso de preconceito contra casais homossexuais. Quando fica sabendo que o bolo é para Donald Trump, o ultraje desaparece, alegando que são coisas completamente diferentes.

Tony: Como vai requerer sua liberdade de expressão se não vai defender a dos outros?

Grace: E se alguém quisesse fazer um bolo que diz: “Eu Odeio Porto-Riquenhos”?

Tony: se diz “MAGA”, a parte do  “Eu Odeio Porto-Riquenhos” está implícita;

Grace engole o orgulho e decide ajudar Karen. Ela deixa claro para a confeiteira que considera que as crenças da amiga são horríveis, mas mesmo pessoas com crenças horríveis tem direitos. Consequentemente, Karen consegue o bolo, mas a confeiteira faz questão de dar um recado e incluir umas letrinhas no pedido.

.

“I” MAGA “Y”

.

“Eu sou um gay” em bom português. Portanto, o episódio The Beefcake & the Cake Beef inteiro é um espetáculo e um ótimo exemplar do motivo pelo qual amamos Will and Grace e do porquê a série continua relevante. E engraçada. E provocadora. E merecedora dos seus 16 Emmy. No final, vemos um bonitão que flerta com Grace enquanto pede para a confeiteira ajustar a suástica do bolo, que está um pouco torta.

Tão série

Mindhunter – Para rever alguns conceitos

Geórgia Santos
27 de janeiro de 2018
MINDHUNTER

Na penitenciária de Vacaville, na Califórnia, Edmund Kemper  descreve como matou suas vítimas enquanto, amigavelmente, aperta a jugular de um agente do FBI. Concentrando os 140kg no indicador esquerdo, ele explica, sem alterar a voz, como sequestrou, matou e estuprou adolescentes. Sim, nesta ordem. Do alto de dois metros de altura, ainda conta como matou, decapitou e violentou a própria mãe. Sim, nesta ordem.

.

Esta cena, retratada na imagem de capa, é a tônica de Mindhunter, a grata surpresa do ano passado e, na minha modesta opinião, uma das melhores séries de 2017. Confesso que, dentre tantos títulos do catálogo da Netflix, escolhi somente por causa da minha estranha obsessão com serial killers. Ou melhor, com suas histórias. Foi uma opção despretensiosa, mas que valeu a pena.

Nos anos 70, agente Holden Ford (Jonathan Groff), do FBI, se dedica a traçar um perfil psicológico para o então novo fenômeno dos assassinatos em série. A ideia é desenvolver um método que os ajude a compreender porquê a morte quando não há “motivo”. Para isso, eles passam a entrevistar assassinos já julgados e condenados a prisão perpétua ou ao corredor da morte. São todos personagens reais como o aterrorizante, estranho e simpático – sim, ele é – Ed Kemper (Cameron Britton).

A série foi criada por David Fincher  e é baseada em fatos reais. O roteiro foi adaptados do livro “Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano”, de John Edward Douglas e Mark Olshaker. Douglas atuou como analista do FBI por 25 anos e foi pioneiro na elaboração de perfis psicológicos, tanto que o termo serial killer sequer existia. Apesar do realismo, Fincher não foge de uma boa dose de licença poética e suspense. São dez episódios de cerca de 40 minutos cada. Apesar da longa duração de cada capítulo, os ganchos típicos dos suspenses psicológicos prendem o espectador no sofá, com os olhos vidrados no espelho negro.

.

O mais interessante, porém, é que não é uma série policial comum. Ao ponto de fazer com a gente reavalie todo um sistema interno de julgamento

.

A produção da Netflix faz com que a gente abandone uma pré-concepção de que todo o crime é vazio, por maldade intrínseca. Não que não exista, mas a série é um exemplo concreto de que uma mente destruída por negligência e violência vai repetir os padrões que internalizou como normais. Afinal, não é produto de ficção. Não se engane, não é uma versão elaborada de Criminal Minds. Esqueça as grandes perseguições e os atos heróicos de Morgan e Hotchner. Mindhunter é um thriller sufocante e angustiante que nos faz questionar a própria existência e destino. Felizmente, a segunda temporada foi confirmada para 2018.

https://www.youtube.com/watch?v=7gZCfRD_zWE

Tão série

O fim da p*** do mundo

Geórgia Santos
20 de janeiro de 2018

No feriado do Ano Novo, minha prima e afilhada e antenada e adolescente de 15 anos me falou sobre uma estreia da Netflix programada para janeiro. The End of The F*** World (algo como O Fim da P*** do Mundo), uma série de humor negro sobre um adolescente psicopata que pretende deixar de matar animais para assassinar algo um pouco maior. Ela sabe que eu gosto de um sanguinho. Assisti ao trailer.

https://www.youtube.com/watch?v=vbiiik_T3Bo

.

Amei. Aguardei. Assisti ao primeiro episódio, ao segundo, ao terceiro … ao oitavo. Amei. 

.

Só não é uma comédia de humor negro, como promete. Apesar de alguns momentos hilários e de diálogos impregnados de sarcasmo, a série britânica é um suspense. E dos pesados. Com direito a tensão, sofrimento por antecipação, angústia e muito, muito sangue. Sangue nível Tarantino. Sangue. Baseada na HQ homônima de Charles S. Forsman, a história ainda apareceu em um curta-metragem antes de ser transformada em série pelo serviço de streaming. 

A trama envolve dois adolescentes perturbados por motivos diferentes. James (Alex Lawther) é um psicopata calado, apegado à sua faca de caça, que fritou a mão para tentar sentir alguma coisa e agora quer matar alguém, pra ver como é. Apenas. Alyssa (Jessica Barden) é uma rebelde arrogante que fala sem parar e tem uma forte tendência maníaco-depressiva, pendendo para uma ninfomania wanna be. Os dois fogem de casa sem rumo. Levam apenas o desdém pelas figuras de autoridade que tem em casa – justificado, diga-se de passagem.

.

Eles são tão estranhos que beiram à perfeição. Eu oscilava constantemente entre querer dar um soco no estômago de cada um e pegar no colo para fazer um carinho

.

É como se eles estivessem presos em uma sociedade da qual não fazem parte. São desajustados e é injusto que isso seja um problema. Em uma cena fantástica do primeiro episódio, Alyssa quebra o próprio celular em um ataque de fúria. A colega que estava sentada diante dela havia enviado uma mensagem em vez de conversarem como duas pessoas normais que dividem uma mesa durante o almoço. James também não tem celular. Os dois apenas observam essa sociedade torta sem empatia, sem pares. Eles vão vivendo, sem futuro, enfrentando o sistema insolente que se apresenta como a salvação quando os dois sabem que é o carrasco.

.

Eles vão vivendo, nessa roadtrip imprevisível. Absolutamente triste e linda

Uma viagem de descobertas e fins

.

A arquitetura da série acompanha a sofreguidão do roteiro. São oito capítulos de 20 minutos, fáceis de consumir de uma só vez. Ela é projetada para ser consumida assim. E para facilitar, a trilha sonora é impecável. Se a série fosse um biscoito, a trilha com Graham Coxon (Blur), Fleetwood Mac, Mazzy Star, Shuggie Otis e Françoise Hardy seria o leite. Sem contar nas inúmeras referências à cultura pop.

Confesso que quando minha prima e afilhada e antenada e adolescente me falou sobre essa série, não achei que fosse gostar tanto. Por mais que a premissa do sangue e da psicopatia me interesse, nunca tive muita paciência para ficções que abordam conflitos adolescentes. Mas no final das contas, é simplesmente uma ótima produção que mistura humor negro, violência e bizarrices surreais de maneira primorosa. É uma arte subversiva. Entrenenimento na sua melhor forma. 

Tão série

Master of None – Você precisa ver antes de o ano acabar

Geórgia Santos
26 de dezembro de 2017

No último episódio da primeira temporada de Master of None, da Netflix, um Dev (Aziz Ansari) engasgado após engolir uma tonelada metafórica de pontos de interrogação pede socorro a seu pai, Ramesh (interpretado pelo pai de Ansari, Shoukath). São muitos os porquês envolvidos em seus relacionamentos falidos e na crescente incerteza sobre o futuro profissional em uma carreira que parece definhar – os típicos fantasmas que saem debaixo das camas das crianças assustadas para assombrar todos os trintões desencontrados. Dev não consegue decidir. Não consegue decidir de quem gosta, qual é a mulher certa, o que ele quer fazer da vida. Ele não consegue arriscar. Ele não consegue decidir.

.

Ramesh – “Você precisa aprender a tomar decisões, cara. Você é tipo aquela mulher sentada em frente à figueira, encarando os galhos enquanto a árvore morre.”

Dev – “Que mulher? Que árvore?”

Ramesh – “Sylvia Plath? A Redoma de Vidro? Tu nunca lê, tá sempre no youtube…”

.

“Eu vi minha vida ramificando-se diante de mim como a figueira verde da história. Na ponta de cada galho, como um figo gordo e roxo, um futuro maravilhoso acenava e piscava. Um figo era um marido, um lar feliz e filhos, outro era uma poetisa famosa e consagrada, outro era uma professora brilhante, outro era a Europa, a África e a América do Sul, outro era Constantino e Sócrates e Átila e outros vários amantes com nomes exóticos e profissões excêntricas, outro ainda era uma campeã olímpica. E, acima de tais figos, havia muitos outros. Eu não conseguia prosseguir. Encontrei-me sentada na forquilha da figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia optar entre um dos figos. Eu gostaria de devorar a todos, mas escolher um significava perder todos os outros. Talvez querer tudo signifique não querer nada. Então, enquanto eu permanecia sentada, incapaz de optar, os figos começaram a murchar e escurecer e, um por um, despencar aos meus pés.”

Sylvia Plath , The Bell Jar. New York: Bantam Books, 1972.

A série gira em torno do paradoxo da escolha. Toda escolha tem uma consequência. E, como esclareceu Plath, toda escolha implica na anulação de outra. Talvez Dev continue não lendo Sylvia Plath, mas ele decidiu. Decidiu ir para a Itália aprender a fazer massa e, quem sabe, encontrar algumas das respostas.

.

Na segunda temporada de Master of None, Dev já não é mais o mesmo. Arnold (Eric Wareheim), Denise (Lena Waithe) e Brian (Kelvin Yu) já não são mais os mesmos. Eles todos estão encarando a figueira

.

E o resultado disso é ainda melhor é uma primorosa leitura da vida contemporânea. Dentre os dez episódios está uma homenagem ao filme Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica; uma celebração a Nova York em um episódio totalmente silencioso, produzido a partir da perspectiva de uma pessoa surda; um retrato (desastroso) da cultura do Tinder; outro episódio dedicado inteiramente à Denise, em que ela assume sua homossexualidade diante da família; além de referências à Bob Dylan e Vanilla Sky; questões de fé e tradição, muçulmanos comendo bacon.

E preso a essa roda viva está um Dev mais maduro, que se vê também como parte da engrenagem que critica. Ele continua apontando o racismo sempre que é confrontado com isso, mas também é flagrado repetindo padrões. Em um episódio, ele não reconhece seu maquiador, um homem negro, em um ato quase casual de racismo. Ele também falha em reconhecer no amigo o comportamento de um predador sexual. Sem contar na ficante racista, problema que ele só aponta depois de já ter transado com ela.

Allora, diz Dev constantemente. Aquela palavra que a gente usa para preencher o espaço vazio da conversa, que sai automaticamente, sem pensar. Allora, com todos os defeitos, Dev está tentando. E nós? Estamos? Em termos evolutivos, 2017 foi um ano nulo. Retrocedemos no que tange à política e ao convívio social, como se nunca tivéssemos avançado daquele estágio de Homo Habilis – e olhe lá.

Allora, está na hora de parar de encarar a figueira e, finalmente, escolher um figo. E assistir Master of None pode ajudar, definitivamente. Ah, e tem o John Legend tocando piano. Allora…

 

Foto: Divulgação

 

Tão série

Seinfeld – Celebrando o Festivus

Geórgia Santos
23 de dezembro de 2017

Seinfeld é uma das minhas séries favoritas de todos os tempos. É inadequada, debochada, provocadora e nada polida. Politicamente incorreta sem ser torpe. No ponto. Uma crítica à sociedade mas também uma crítica a quem leva a sério demais as convenções. E não seria diferente com o Natal.

.

Eu nunca fui fã do Natal

.

Mentira, quando era criança eu esperava ansiosamente pelo Papai Noel. Houve a vez em que saí do banho desesperada, correndo nua pela casa, porque ouvira os passos do bom velhinho estalando no piso antigo de madeira. E eu estava certa, lá estavam os presentes onde antes só havia uma poltrona. Ironicamente, morria de medo daqueles caras que se vestiam de Papai Noel em lojas ou, no caso de Paraí, no ginásio de esportes.

.

Mas meu fascínio com o Natal passou assim que percebi que era um embuste

.

E antes que alguém fale sobre Jesus e presépios, eu respondo: acho que nunca nem fui a uma missa de Natal, logo, não significa nada pra mim. Restou meu fascínio pelos presentes ao passo que a data se tornou apenas uma noite legal em que se janta uma comida especial com a família ao mesmo tempo em que se é invadido por uma nostalgia quase perigosa.

.

Foi um alento quando vi o Seinfeld debochando do Natal

.

Não que eu ache que mereça deboche, não me entendam mal. É apenas muito interessante ver a quebra do paradigma de episódios reminiscentes em que as luzinhas piscam e todos vestem seus suéteres vermelhos, pesados demais pra usarmos no verão no brasileiro.

.

A Festivus to the rest of us

No episódio “The Strike”, que foi ao ar em 1997, o público conhece o Festivus, um feriado laico celebrado em 23 de dezembro como uma alternativa às pressões e consumismo da época de Natal. A celebração não-comercial inclui o jantar, obviamente, mas também uma série de outros elementos que o tornam muito especial.

Em vez de um pinheiro, o adorno tradicional é um cano de alumínio sem enfeites, porque causam distração; também não há muito amor a ser distribuído, em vez disso há a “Ventilação de queixas”, em tradução livre, que consiste em cada pessoa verbalizar todos os motivos pelos quais os familiares foram uma decepção ao longo do ano. “Eu tenho muito problemas com vocês todos, e agora vocês vão ouvir”, diz Frank Costanza (Jerry Stiller), o criador do feriado; por fim, há o que se chama de “Façanhas de força”, em que o anfitrião escolhe alguém para ser desafiado durante uma luta

A Festivus to the rest of us” significa algo como “um feriado para o restante de nós”, justamente destacando o caráter inclusivo da data. Afinal de contas, o Festivus foi criado no dia em que o pai de George (Jason Alexander) não conseguiu comprar a boneca que o filho tanto queria.

Esse episódio é revigorante. É engraçado, é leve, é absurdo, é quase pecaminoso para quem acredita em pecado. Se o que tu queres é uma versão de meia hora de uma propaganda do Zaffari, Seinfeld não é pra ti. Mas se a tua ideia de Natal é dar umas boas risadas às custas dos nossos rituais ultrapassados, as aberrações de Jerry Seinfeld caem como uma luva. Enquanto tu decides, eu vou pegar minha hipocrisia, preparar a marinada do peru e terminar de decorar a árvore =)

 

 

 

Tão série

Três maratonas para curtir durante as férias de julho

Geórgia Santos
8 de julho de 2017

As férias de julho estão aí, trazendo com elas o friozinho do inverno. E nada combina melhor com o inverno do que passar horas em frente à televisão – embaixo de um cobertor, claro. E comendo pipoca, óbvio. Por isso, pensamos em três maratonas para curtir durante as férias. São séries que estrearam no último mês no Netflix e que acomodam essa necessidade urgente de deixar a marca do bumbum no sofá.

.

House of Cards

Já discutimos a nova temporada de House of Cards por aqui, e como se uma indicação não bastasse, aqui vai a segunda. Tem estômago para encarar um político de moralidade dúbia dando um jeitinho na legislação e contornando a Constituição para permanecer no poder? Não, eu não estou falando do Temer, só do casal Underwood. A maratona é perfeita para as férias de Julho, afinal, frieza é o que não falta. Prepara o cobertor!

.

Orange Is The New Black

A nova temporada começa três dias após a morte de Poussey Washington (Samira Wiley), é de partir o coração. Mas mais do que isso, as detentas abordam temas que tem permeado a nossa realidade durante uma rebelião, como o movimento Black Lives Matter. A gente vê, através das grades da Penitenciária de Litchfield, o preconceito do nosso mundo enquanto mulheres tentam encontrar sua voz. É possível verVale cada minutinho, cada grão de pipoca.

.

GLOW

Toda a exuberância da década de 80 transborda em GLOW – Gorgeous Ladies of Wrestling. Em tradução livre, Damas Maravilhosas da Luta. A série retrata os desafios de Ruth Wilder (Alison Brie), uma atriz cuja última chance em Hollywood é participar de um programa de TV sobre luta feminina. Collants, drogas, meias de lurex e mais um monte de coisas inapropriadas e engraçadas. A trama toda é baseada em uma história real, de um programa real.

Tão série

Arrested Development está de volta (em 2018)

Geórgia Santos
18 de junho de 2017

Nesta semana visitei Balboa (a ilha e a península), na Califórnia. O lance é que não tem como não lembrar de Arrested Development ao ver essa placa, pois é lá que grande parte da série se passa.

.

Mas o lance mais lance, mesmo, é que o serviço de streaming Netflix confirmou a tão esperada quinta temporada da série para 2018 e para nooooooooossa alegria. O retorno desse (já) clássico da TV americana mantém o estilo e o formato, já que o criador original, Mitchell Hurwitz, está de volta. Além disso, o elenco regular é exatamente o mesmo das temporadas anteriores.

Arrested Development gira em torno de Michael Bluth (Jason Bateman) e sua (mais do que) excêntrica família. Ele é o primogênito de George Bluth Sr. (Jeffrey Tambor), notório por fraudar absolutamente tudo o que é possível em seus empreendimentos imobiliários e ser preso já no primeiro capítulo, e Lucille (Jessica Walter), uma socialite egocentrica e péssima mãe que oscila entre ser superprotetora e super negligente. Michael ainda é pai solteiro e cria, sozinho, o filho George-Michael (Michael Cera). Sim, o nome dele é esse.

.

O desafio desse cara é manter os negócios funcionando após a prisão do pai e tentar impedir que a família mimada gaste o que eles já não tem.

.

Após as contas da família e da empresa serem congeladas, ele percebe o quanto seus estranhos irmãos George Oscar Bluth II (Will Arnett), Buster Bluth (Tony Hale) e a irmã Lindsay Funke (Portia de Rossi) gastam. Sem contar no bizarro cunhado, Tobias (David Cross) que teve sua licença de psiquiatra cassada e agora persegue carreira no teatro (e toma banho de short jeans). Os dois tem uma filha, Maeby (Alia Shawkat) – que em inglês soa como Talvez.

.

“Foi indicada a 25 Emmy Awards e venceu seis, aclamada pela crítica”

.

Originalmente, Arrested Development foi ao ar por três temporadas na Fox, entre 2004-2006. Apesar de nunca ter alcançado grandes índices de audiência, a série se tornou referência como uma das melhores de todos os tempos. Tanto que foi indicada a 25 Emmy Awards e venceu seis, aclamada pela crítica. Hoje é uma das queridinhas do público cult, tanto que a Netflix resolveu contratar o elenco para uma quarta temporada em 2013. E agora, cá estamos no aguardo da próxima etapa.

Em um comunicado no mês passado, Hurwitz disse que “em conversas com executivos da Netflix, nós todos sentimos que histórias sobre uma família narcisista e de comportamento errático no ramo imobiliário – e seus desesperados abusos de poder – não são representadas adequadamente na TV”, em uma clara e cômica referência à família Trump.

.

“Eu sou tão agradecido a eles por esse sonho se tornar realidade e poder trazer os Bluths de volta à vida, George Sr., Lucille e as crianças; Michael, Ivanka, Don Jr., Eric, George-Michael, e quem eu estou esquecendo? Ah, Tiffany. Eu disse Tiffany?”

.

Se ainda não viu Arrested Development, todas as temporadas estão disponíveis na Netflix.

Tão série

Black-ish

Geórgia Santos
15 de abril de 2017

Black-ish é uma mistura de tudo o que eu adoro: é engraçada, bem escrita e apresenta uma dura crítica à sociedade contemporânea sem pesar. A série de Kenya Barris está redefinindo o significado de sitcom.

Não precisa ser vazio para ser engraçado e não precisa ser pesado para ser relevante.

A série parte da premissa de que quando um negro norte-americano atinge um determinado status social, passa por uma espécie de branqueamento. Por isso o “ish”, em Black-ish, que em tradução livre seria algo como “Mais ou menos negro.” Ou seja, é difícil se manter conectado às origens e mais complicado ainda manter a família ciente de onde veio e do motivo pelo qual é importante lembrar disso.

Andre (Dre) Johnson Sr (Anthony Anderson) é um rico executivo do ramo da Publicidade e é casado com a médica Rainbow (Bow) Jhonson (Tracee Ellis Ross), com quem tem cinco filhos. A cada episódio, um dilema sobre como lembrar da relevância de sua origem e, principalmente, o longo caminho trilhado até aqui. Um bom exemplo pra quem nunca viu a série é o episódio em que Dre percebe que os filhos não sabem que Barak Obama é o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. No mundo das crianças, isso é absolutamente normal. Obama é o único presidente que conhecem, afinal de contas. Chocado, o pai compreende que a família precisa saber do tortuoso caminho até a vitória do democrata em 2008 e valorizar o que ele representa.

Ele enfrenta, então, o dilema central: será que ele está desconectando os filhos de sua herança cultural ao oferecer os privilégios que ele não teve na infância?

Black-ish é diferente e nos mostra uma família tentando entender o mundo do qual faz parte, inclusive com suas brigas e dilemas morais. E o fato de ser sobre uma família negra não é acidental, é a identidade da série. Fala sobre racismo, sobre estereótipos, sobre brutalidade policial, Black Lives Matter, dilemas sobre relacionamentos entre negros e brancos e, em meio a isso tudo, encontra humor para divertir o telespectador brincando a duração (loooonga) dos cultos e com o fato de que Dre vê racismo em todo canto, pra citar alguns.

É, também, uma ótima oportunidade para nós, brancos, abrirmos os olhos de uma vez por todas. Eles simplesmente atacam temas sensíveis em todos os episódios e funciona: Obama ama, Trump considera racista. Isso diz muito.

Tão série

Mês da Mulher – Maratona Grace and Frankie

Geórgia Santos
4 de março de 2017

Entramos no belíssimo e colorido mês de março, também conhecido como aquele período de trinta dias em que as mulheres são celebradas por sua maravilhosa existência. Nós agradecemos, embora haja muita hipocrisia envolvida nessa celebração. Mas isso é assunto para outra hora. De qualquer forma, decidimos entrar no ritmo nesta valorosa coluna: vamos falar sobre séries em que as mulheres arrasam e começamos por Grace and Frankie.

“Não são duas velhinhas tentando encontrar sentido na vida. São duas tiazonas gatas que estão de volta à pista, se é que me entendem”

Em Porto Alegre, o primeiro final de semana de março começou chuvoso e perfeito para uma maratona. Mas vale assistir a todos os episódios de Grace and Frankie mesmo em um local ensolarado. A série da Netflix traz ninguém mais ninguém menos que Jane Fonda (Grace) e Lily Tomlin (Frankie) para contar a história de duas mulheres da faixa dos 70 anos que precisam recomeçar suas vidas. E não, o problema não é aposentadoria ou viuvez. Não são duas velhinhas tentando encontrar sentido na vida. São duas tiazonas gatas que estão de volta à pista, se é que me entendem. E elas fazem isso sofrendo, chorando, rindo, se divertindo e inventando lubrificantes naturais de inhame para facilitar o sexo.

Enredo

Acontece que seus respectivos maridos, representados por Martin Sheen e Sam Waterston, revelam às duas que são gays. Não para por aí: os dois, que são amigos há quarenta anos, contam que estão apaixonados e que tem um caso há duas décadas. As esposas, em choque, vão parar na casa de Praia que os casais tem em comum e são obrigadas a conviver.

As duas se odeiam e não poderiam ser mais diferentes. Grace é uma empresária aposentada que criou sua própria linha de cosméticos. Extremamente bem-sucedida, é perua que se alimenta de alface e luz e consome quantidades importantes de Dry Martinis – minha perdição, diga-se de passagem. Frankie, por sua vez, é uma artista plástica, sem apego às coisas materiais. Vive de maneira natural, consome orgânicos, medita e come muito, especialmente quando bate a larica da quantidade importante de maconha que fuma.

A combinação é bombástica e hilária. E isso que eu nem falei do chá de peiote que faz as duas viajarem legal ao redor de uma fogueira à beira-mar. Junte os filhos à essa loucura e o que temos é uma série engraçada e ao mesmo tempo profunda.

Ser mulher aos 70

Se é difícil ser mulher aos trinta ou em qualquer idade –e não, não é mimimi de feminista, é somente a realidade – imagine depois dos 70. Essas duas precisam enfrentar o mundo e dizer que sim, mulheres idosas também transam, também tem desejos, também querem tomar porres, também querem fumar maconha, também sofrem quando se sentem invisíveis, também choram quando são feridas, também tem paranoias, sentem medo e querem viver.

Já são duas temporadas, com 13 episódios cada uma, de cerca de 40 minutos. Vale a pena cada segundo – especialmente o episódio em que há um pinto mecânico no quintal. E não, não falo do filho da galinha.

A terceira temporada de Grace and Frankie estreia em 24 de março. Até lá, assiste às duas primeiras e dá uma olhada no trailer aí embaixo.

Tão série

Santa Clarita Diet – A única dieta que segui até o fim

Geórgia Santos
18 de fevereiro de 2017

Eu amo Bloody Mary. O drinque desprezado por brasileiros e brasileiras é dos meus favoritos. É picante. É intenso. É forte. É vermelho. Mas Sheila, a personagem de Drew Barrymore em Santa Clarita Diet, a nova série do Netflix, leva a devoção ao Bloody Mary a um outro patamar: com real blood – sangue de verdade.

A série retrata uma mulher de meia idade absolutamente comum e sem graça. Sheila é uma entediante corretora de imóveis que acha que rapidinhas são para cães de rua. Ela não fala palavrões, veste-se impecavelmente em tons neutros e atura ofensas do chefe com um sorriso no rosto. Ela vive em Santa Clarita, na California, com o marido Joel (Timothy Olyphant) e a filha Abby (Liv Hewson). São um casal bastante comum, com uma filha tão comum quanto sua relação.

“Ela vomita muito. Muito. Tipo muito, como frisa um colega de trabalho. Ela vomita tanto que vomita o coração”

A vida é bastante pacata. Até que Sheila encarna o exorcista e vomita uma gosma verde no carpete de uma casa que está mostrando a possíveis compradores. Ela vomita muito. Muito. Tipo muito, como frisa um colega de trabalho. Ela vomita tanto que vomita o coação. E é aí que uma série normalzinha sobre uma família de comercial de margarina se transforma em uma comédia de humor negro sobre zumbis e a hipocrisia permanente na qual estamos imersos.

Sheila transforma-se em um zumbi e só consegue comer carne crua. Carne de gado, de frango, essas coisas que toda a família tem em casa – exceto pelo tempo de forno, que difere um pouco das donas de casa comuns. Até que em um rompante de quem é guiado somente pelo instinto experimenta carne humana e não consegue voltar atrás.

As cenas podem ser bastante gráficas. A imagem da amiguinha do E.T. debruçada sobre um homem estripado pode ser muito chocante. Especialmente se notarmos que ela está com os intestinos do dito cujo na boca. Mas passado o choque, o que se tem é uma produção divertidíssima e inteligente. Sheila e o marido percebem que precisam matar outras pessoas para que ela possa sobreviver. Ainda assim, tentam manter a normalidade. E assim o público é brindado com uma mãe de família fazendo sua caminhada matinal enquanto bebe um smoothie de orelhas e nariz. Isso, sim, é um Bloody Mary.

“A Netflix usa da mais fina e ao mesmo tempo escrachada ironia para criticar a família americana “perfeita”

Ao mesmo tempo em que traz o elemento dos zumbis, um clássico de filmes de terror e de séries consagradas como The Walking Dead, a Netflix usa da mais fina e ao mesmo tempo escrachada ironia para criticar a família americana “perfeita”. Santa Clarita Diet é, também, uma crítica à sociedade das aparências: queremos o sangue do vizinho enquanto trocamos sorrisos e receitas de Brownie.

Em resumo, é a única dieta que segui até o fim – devorei os dez capítulos em um só dia. E não se preocupe, os pés e fígados que Drew Barrymore devora com tanto afinco são feitos de gominha de açúcar. Nhami.

Assista ao trailer