No último episódio da primeira temporada de Master of None, da Netflix, um Dev (Aziz Ansari) engasgado após engolir uma tonelada metafórica de pontos de interrogação pede socorro a seu pai, Ramesh (interpretado pelo pai de Ansari, Shoukath). São muitos os porquês envolvidos em seus relacionamentos falidos e na crescente incerteza sobre o futuro profissional em uma carreira que parece definhar – os típicos fantasmas que saem debaixo das camas das crianças assustadas para assombrar todos os trintões desencontrados. Dev não consegue decidir. Não consegue decidir de quem gosta, qual é a mulher certa, o que ele quer fazer da vida. Ele não consegue arriscar. Ele não consegue decidir.
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Ramesh – “Você precisa aprender a tomar decisões, cara. Você é tipo aquela mulher sentada em frente à figueira, encarando os galhos enquanto a árvore morre.”
Dev – “Que mulher? Que árvore?”
Ramesh – “Sylvia Plath? A Redoma de Vidro? Tu nunca lê, tá sempre no youtube…”
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“Eu vi minha vida ramificando-se diante de mim como a figueira verde da história. Na ponta de cada galho, como um figo gordo e roxo, um futuro maravilhoso acenava e piscava. Um figo era um marido, um lar feliz e filhos, outro era uma poetisa famosa e consagrada, outro era uma professora brilhante, outro era a Europa, a África e a América do Sul, outro era Constantino e Sócrates e Átila e outros vários amantes com nomes exóticos e profissões excêntricas, outro ainda era uma campeã olímpica. E, acima de tais figos, havia muitos outros. Eu não conseguia prosseguir. Encontrei-me sentada na forquilha da figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia optar entre um dos figos. Eu gostaria de devorar a todos, mas escolher um significava perder todos os outros. Talvez querer tudo signifique não querer nada. Então, enquanto eu permanecia sentada, incapaz de optar, os figos começaram a murchar e escurecer e, um por um, despencar aos meus pés.”
Sylvia Plath , The Bell Jar. New York: Bantam Books, 1972.
A série gira em torno do paradoxo da escolha. Toda escolha tem uma consequência. E, como esclareceu Plath, toda escolha implica na anulação de outra. Talvez Dev continue não lendo Sylvia Plath, mas ele decidiu. Decidiu ir para a Itália aprender a fazer massa e, quem sabe, encontrar algumas das respostas.
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Na segunda temporada de Master of None, Dev já não é mais o mesmo. Arnold (Eric Wareheim), Denise (Lena Waithe) e Brian (Kelvin Yu) já não são mais os mesmos. Eles todos estão encarando a figueira
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E o resultado disso é ainda melhor é uma primorosa leitura da vida contemporânea. Dentre os dez episódios está uma homenagem ao filme Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica; uma celebração a Nova York em um episódio totalmente silencioso, produzido a partir da perspectiva de uma pessoa surda; um retrato (desastroso) da cultura do Tinder; outro episódio dedicado inteiramente à Denise, em que ela assume sua homossexualidade diante da família; além de referências à Bob Dylan e Vanilla Sky; questões de fé e tradição, muçulmanos comendo bacon.
E preso a essa roda viva está um Dev mais maduro, que se vê também como parte da engrenagem que critica. Ele continua apontando o racismo sempre que é confrontado com isso, mas também é flagrado repetindo padrões. Em um episódio, ele não reconhece seu maquiador, um homem negro, em um ato quase casual de racismo. Ele também falha em reconhecer no amigo o comportamento de um predador sexual. Sem contar na ficante racista, problema que ele só aponta depois de já ter transado com ela.
Allora, diz Dev constantemente. Aquela palavra que a gente usa para preencher o espaço vazio da conversa, que sai automaticamente, sem pensar. Allora, com todos os defeitos, Dev está tentando. E nós? Estamos? Em termos evolutivos, 2017 foi um ano nulo. Retrocedemos no que tange à política e ao convívio social, como se nunca tivéssemos avançado daquele estágio de Homo Habilis – e olhe lá.
Allora, está na hora de parar de encarar a figueira e, finalmente, escolher um figo. E assistir Master of None pode ajudar, definitivamente. Ah, e tem o John Legend tocando piano. Allora…
Foto: Divulgação

