Igor Natusch

Pequeno conto paulistano de Natal

Igor Natusch
25 de dezembro de 2019

Essa história é antiga – na verdade, está completando dez anos. Escrevi em 2009, quando estava morando em São Paulo. Uma cidade na qual não cheguei a me fixar, mas que foi generosa comigo e pela qual nutro, até hoje, um carinho bastante especial. Sempre que o Natal se aproxima, eu me lembro desse texto: não apenas por ter sido um momento marcante (sério mesmo, lembro os detalhes do acontecido até hoje), mas por ser exemplo de um espírito que eu não descreveria exatamente como natalino, mas que se manifesta claramente quando há uma convergência positiva entre as pessoas. Eu acredito em mágica, como uma espécie de coincidência-que-não-é-coincidência que se manifesta em vários cenários, e acho que momentos de alegria coletiva podem ser mágicos – por mais que o Natal tenha se tornado (e mais ainda depois que as forças por trás de Jair Bolsonaro fizeram o favor de destruir conexões familiares em nome do trono presidencial) um momento tenso e cheio de desconforto para tanta gente.

Não é a primeira vez que republico essa historinha, mas acho que vale a pena fazê-lo uma vez mais. Fica a sugestão: na medida do possível, abra a mente e o coração para o Universo. Eu acredito, muito sinceramente, que ele responde. E que cada um de nós é capaz de, direcionando seus privilégios para o bem, criar aos pouquinhos um mundo menos escroto, menos raivoso e hostil.

Feliz Natal, gurizada.

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São Paulo. Cercanias do Natal. Voltava para meu refúgio, pensando na vida e no que ainda precisava resolver para a viagem de fim de ano até o sul, quando o típico barulho na janela do ônibus despertou minha atenção. Chuva — uma rajada forte, violenta, do tipo que aparece quase de surpresa para jogar São Paulo no caos. Companheira de todos os atrasos e engarrafamentos, alguém poderia dizer. Vinha tão distraído que nem imaginei que pudesse chover, e é claro que não trazia comigo nenhum guarda-chuva nem nada do tipo. Assim que eu saísse daquele ônibus, estaria à mercê do poder inclemente da Natureza — ou, falando sem poesia, ia tomar um belo de um caldo.

Pensei rapidamente nas minhas chances de fuga e concluí que a melhor coisa seria descer uma parada depois do originalmente previsto. Nesse caso, além de me proteger embaixo do teto da parada de ônibus, mais amplo do que o de onde geralmente descia, teria a chance de me esconder no toldo de uma padaria logo à frente, caso a coisa continuasse preta como estava. Não era o plano mais infalível do mundo, mas era o que tínhamos para o momento, de modo que o segui à risca. Fui até a parada, desci rapidamente para não me molhar e ali fiquei, totalmente ilhado, já que a chuva estava pesada e não tinha jeito de que ia aliviar de jeito nenhum.

Situação complicada, essa: próximo do abrigo definitivo, mas sem a menor perspectiva de conseguir chegar até ele naquelas condições. Nessas horas, sempre penso que deveria arranjar um guarda-chuva para mim um dia desses — mas nunca gostei de carregar guarda-chuva, além de ser uma pessoa patologicamente acomodada, então vou levando e pensando com meus botões que desta vez passa, que na próxima oportunidade eu compro um, sim Deus, eu prometo. Sempre em vão. Deus já deve ter se acostumado, a essa altura.

Fiquei sozinho na parada até que duas mulheres chegaram, um pouco apressadas e conversando alto entre si. Pararam debaixo da parada de ônibus, fecharam seus guarda-chuvas e ficaram ali, retomando o fôlego enquanto esperavam o ônibus que as levaria para casa. Imagino, pela semelhança física e pela diferença de idade, que fossem parentes, talvez mãe e filha; uma senhora com o rosto emoldurado pelos primeiros cabelos brancos e uma moça de vinte e poucos anos, ambas de pele negra, roupas simples e o ar de dignidade despreocupada típico das pessoas humildes que nada devem a ninguém. A mais jovem, aliás, era uma moça muito bonita — cheia daquela beleza que, por não encaixar nos padrões que tentam jogar todos os dias para cima de nós, acaba sendo assumida por muitos como beleza menor, ou como se nem beleza fosse.

Era bonito o modo como ela sorria enquanto falava, um sorriso de dentes perfeitos e de uma alegria despretensiosa e sem disfarces. Era bonito o modo como ela prendia o cabelo em um pequeno coque logo acima da nuca, e era bonito o pescoço que surgia pela gola da blusa cor de vinho que aquela moça vestia. Era bonita a cintura que às vezes se revelava entre a mesma blusa cor de vinho e o jeans sem cinto que a moça usava, e era bonita a maneira como ela se inclinava de leve para ver se o ônibus vinha de trás da curva da rua. E eu confesso que fiquei ali, admirando discretamente aquela beleza que talvez nem se soubesse bonita, um pequeno e agradável consolo no meio daquela metrópole encharcada de trânsito, de chuva e de solidão.

Ficaram as duas ali talvez uns cinco minutos, rindo e conversando, até que o ônibus chegou e as levou para algum lugar longe do meu mundo e da minha vista. Fiquei de novo sozinho. Passei com certeza uns dez minutos mais ali, sozinho, as pilhas do mp3 player gastas, ouvindo apenas o som da chuva e o compasso repetitivo dos meus pensamentos. Até que alguma coisa me ocorreu, um impulso repentino que me fez dar uma olhada para trás, para os assentos de ferro cobertos de gotas de chuva. E o que eu vi?

Um guarda-chuva. Um guarda-chuva enorme, vermelho e chamativo — que logo reconheci como o guarda-chuva da moça bonita que até menos de quinze minutos havia estado ali, naquela parada de ônibus, colocando um pouco de poesia no meu fim de tarde enquanto esperava condução para a casa. Aparentemente, a moça o deixou ali por algum motivo qualquer, talvez para que o excesso de água escorresse, talvez para ajeitar alguma coisa nas suas roupas ou pegar algo na bolsa ou qualquer coisa do tipo. E, na pressa de subir no ônibus, o esqueceu atrás de si, deixando-o deitado entre os assentos pronto para ser útil a algum anônimo da cidade. Mais especificamente, para mim.

Hesitei um pouco, admito. Me pareceu coincidência demais, um guarda-chuva enorme daqueles, esquecido em cima de uma fileira de assentos em um momento em que chovia tanto naquela área da cidade. Em um dos cantos do tecido, estava o logo do Shopping Pátio Paulista, além de uma mensagem alusiva ao 455º aniversário de São Paulo. Estaria quebrado? Peguei-o e testei rapidamente: o tecido de uma das hastes estava solto, mas fora isso funcionava perfeitamente. Ninguém em sã consciência deixaria intencionalmente para trás aquele guarda-chuva só por causa disso. Pensei um pouco, medi os prós e contras da situação, e não deu para disfarçar um sorriso quando finalmente decidi aceitar a gentil oferta do Destino, abrir o guarda-chuva e encarar, agora totalmente protegido da tormenta, o caminho de volta para o lar.

Ainda não me decidi se foi a moça quem, sem saber, me deu um singelo presente de Natal, ou se foi a cidade de São Paulo que, por meio dela, resolveu mandar um sinal de que vai com a minha cara. Na verdade, podem ser as duas coisas ao mesmo tempo, por que não? Seja como for, fiquei sinceramente muito agradecido, e fui embora desejando Feliz Natal para a moça bonita da parada de ônibus, para a cidade de São Paulo e para todos os que amo, amei e ainda virei a amar. Imagino que o espírito natalino esteja em pequenos milagres do tipo, no fim das contas.

Dezembro de 2009

Foto: André Solnick

PodCasts

Sobre Nós #15 Dia da Confraternização

Geórgia Santos
28 de dezembro de 2018

No Sobre Nós desta semana, Raquel Grabauska e Angelo Primon trazem Dia da Confraternização, de Luis Fernando Veríssimo. Um ótimo conselho para o ano que termina.

Voos Literários

Jesus e os refugiados

Flávia Cunha
25 de dezembro de 2018

Agora que as celebrações de Natal passaram e a ceia virou só a lembrança de exageros gastronômicos típicos dessa época do ano, vamos a um assunto indigesto: o nascimento de Jesus, tal como está na Bíblia, nada tem a ver com presentes caros e pratos sofisticados.

Cristo, em sua trajetória expressa nas sagradas escrituras, pregava a simplicidade e a defesa dos mais pobres. Trago o assunto à tona porque achei muito interessante uma foto de uma família de refugiados que circula pelas redes sociais. A postagem alerta que a família de Jesus era igual, ao ser obrigada a ir para outro país em busca de segurança, com a decisão de Herodes de matar todas as crianças para não ter seu reinado ameaçado.

A polêmica de se Jesus era ou não um refugiado surgiu em plena campanha eleitoral, durante a entrevista do agora presidente eleito ao programa Roda Viva. Logo vieram textos de defesa a Jair Bolsonaro, alegando que não se pode misturar religião com geopolítica. (Interessante que a religião pode ser usada em outros contextos, mas para defender a boa acolhida a imigrantes de países pobres, não…)

Estou longe de ser uma especialista em teologia. Porém, é consenso que a Bíblia traz histórias de migrações e peregrinações pela região hoje conhecida como Oriente Médio.

Em um trecho do Velho Testamento, há uma passagem bem clara sobre o tema:

O estrangeiro resi­dente que viver com vocês deverá ser tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.

Levítico 19: 34

Se a intenção para os próximos dias não é se meter em discussões bíblicas, o livro Mistério de Natal revisita o nascimento de Cristo de uma forma poética e envolvente, sem deixar de lado aspectos históricos. O enredo criado por Jostein Gaarder (mesmo autor de O Mundo de Sofia) conta a história de um menino que acompanha um grupo de peregrinos que voltam no tempo para homenagear um recém-nascido muito especial.

Encerro esse texto com um pequeno trecho da obra, com a fala de um dos Reis Magos:

Acima de tudo é importante ajudar os aflitos, os doentes, os pobres e os refugiados. Essa é a mensagem de Natal.”

Imagem: Pintura A Fuga para o Egito – Candido Portinari/Reprodução Internet

Raquel Grabauska

Papai noel existe?

Raquel Grabauska
21 de dezembro de 2018

Duas coisas me chocaram muito quando era pequena: descobrir como se faz um bebê e descobrir que o Papai Noel não existe. Ops. Espero que nenhuma criança esteja lendo. Sobre a primeira, falaremos outra hora…

A gente sempre acaba sabendo de uma história triste sobre a descoberta da não existência do bom velhinho. Essa semana mesmo ouvi uma.

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“Minha mãe fica sequeladada quando tá com sono. Quando era pequena, perguntei pra ela, que tava quase dormindo: Mãe, é verdade que papai noel não existe? E ela: Sim, é verdade. Segui: Nem a Fada do Dente? Nem. E o Coelhinho da Páscoa? Também não.” A mãe com sono contou TODA a verdade para a filha de cinco anos.

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Hoje mesmo meu filho me viu com dois presentes na mão. Comprei para meu irmão e cunhada. Ele perguntou para quem era. Eu respondi imediatamente: pro tio e pra tia. Ele: porquê? Eu respondi imediatamente: presente de Natal, ué? Ele: mas não é o Papai Noel quem dá? Eu: …

Ele tem sete anos. Sei que é o último Natal em que vai acreditar no Noel. E daí é certo que o de 4 também vai descobrir. Nunca fomos entusiastas do Natal, mas é divertido ver a fantasia que isso gera. Na nossa família, o Natal tem sido uma data em que nos reunimos para ficar juntos, e é bem bom. Somos uma família pequena, escolhemos passar essa data juntos. E é um dos dias mais bonitos do ano. Eu, que nunca gostei do Natal, agora espero esse dia numa ansiedade quase igual à das crianças que esperam o tão sonhado presente.

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Mas explicar para os filhos o porquê de pedir que eles doem brinquedos para as crianças que não têm presentes, sendo que o Papai Noel traz pra eles, é uma coisa que me faz querer fugir. A mistura das emoções que essa época e o cansaço do ano nos trazem.

 

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Faz uns anos que vi esse vídeo onde a Elke Maravilha conta sobre a origem do Natal. Sempre me emociona.

E dia desses vi um post em que a mãe consegue transformar a descoberta da inexistência do Papai Noel em um momento lindo com o filho.

 

Tão série

Seinfeld – Celebrando o Festivus

Geórgia Santos
23 de dezembro de 2017

Seinfeld é uma das minhas séries favoritas de todos os tempos. É inadequada, debochada, provocadora e nada polida. Politicamente incorreta sem ser torpe. No ponto. Uma crítica à sociedade mas também uma crítica a quem leva a sério demais as convenções. E não seria diferente com o Natal.

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Eu nunca fui fã do Natal

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Mentira, quando era criança eu esperava ansiosamente pelo Papai Noel. Houve a vez em que saí do banho desesperada, correndo nua pela casa, porque ouvira os passos do bom velhinho estalando no piso antigo de madeira. E eu estava certa, lá estavam os presentes onde antes só havia uma poltrona. Ironicamente, morria de medo daqueles caras que se vestiam de Papai Noel em lojas ou, no caso de Paraí, no ginásio de esportes.

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Mas meu fascínio com o Natal passou assim que percebi que era um embuste

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E antes que alguém fale sobre Jesus e presépios, eu respondo: acho que nunca nem fui a uma missa de Natal, logo, não significa nada pra mim. Restou meu fascínio pelos presentes ao passo que a data se tornou apenas uma noite legal em que se janta uma comida especial com a família ao mesmo tempo em que se é invadido por uma nostalgia quase perigosa.

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Foi um alento quando vi o Seinfeld debochando do Natal

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Não que eu ache que mereça deboche, não me entendam mal. É apenas muito interessante ver a quebra do paradigma de episódios reminiscentes em que as luzinhas piscam e todos vestem seus suéteres vermelhos, pesados demais pra usarmos no verão no brasileiro.

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A Festivus to the rest of us

No episódio “The Strike”, que foi ao ar em 1997, o público conhece o Festivus, um feriado laico celebrado em 23 de dezembro como uma alternativa às pressões e consumismo da época de Natal. A celebração não-comercial inclui o jantar, obviamente, mas também uma série de outros elementos que o tornam muito especial.

Em vez de um pinheiro, o adorno tradicional é um cano de alumínio sem enfeites, porque causam distração; também não há muito amor a ser distribuído, em vez disso há a “Ventilação de queixas”, em tradução livre, que consiste em cada pessoa verbalizar todos os motivos pelos quais os familiares foram uma decepção ao longo do ano. “Eu tenho muito problemas com vocês todos, e agora vocês vão ouvir”, diz Frank Costanza (Jerry Stiller), o criador do feriado; por fim, há o que se chama de “Façanhas de força”, em que o anfitrião escolhe alguém para ser desafiado durante uma luta

A Festivus to the rest of us” significa algo como “um feriado para o restante de nós”, justamente destacando o caráter inclusivo da data. Afinal de contas, o Festivus foi criado no dia em que o pai de George (Jason Alexander) não conseguiu comprar a boneca que o filho tanto queria.

Esse episódio é revigorante. É engraçado, é leve, é absurdo, é quase pecaminoso para quem acredita em pecado. Se o que tu queres é uma versão de meia hora de uma propaganda do Zaffari, Seinfeld não é pra ti. Mas se a tua ideia de Natal é dar umas boas risadas às custas dos nossos rituais ultrapassados, as aberrações de Jerry Seinfeld caem como uma luva. Enquanto tu decides, eu vou pegar minha hipocrisia, preparar a marinada do peru e terminar de decorar a árvore =)

 

 

 

ECOO

Ideias de presentes sustentáveis (e baratos!) para o Natal

Geórgia Santos
17 de dezembro de 2017

Esse ano (in)tenso vai chegando ao fim, mas com a proximidade do Natal a nossa ansiedade só aumenta. Por isso a gente pensou em algumas coisas que podem te ajudar a lidar com, pelo menos, uma parte desse problema: os presentes. Que tal inovar e investir em presentes sustentáveis, baratos e feitos por ti? Dessa forma é possível fazer um consumo consciente, que evita os excessos e desperdícios, com itens que, de quebra, serão úteis. Não serão jogados no cantinho dos anjinhos de gesso da vó – com todo o respeito aos anjinhos de gesso da vó 😉

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Os presentes que a gente selecionou são amigos do teu bolso, do planeta e são cheios de amor

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 Barrinhas hidratantes naturais

Essas barrinhas além de lindas podem ser usadas por pessoas de qualquer idade, porque são feitas com ingredientes naturais e que não agridem o nosso corpo – nem o meio ambiente. Clique aqui para ver a receita.

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Difusor de ambientes

Quem não adora entrar em uma sala ou quarto cheirosinhos? Banheiro, então, nem se fala. Pois um difusor de aromas é muito fácil de fazer, basta misturar algumas gotas de óleo essencial da sua preferência com óleo de amêndoas (ou outro óleo vegetal que tenha um aroma mais neutro ou adocicado, como o óleo de semente de uva). Aí é só colocar em uma garrafinha de vidro bem charmosa e juntar os palitinhos de bambu. Eu gosto de colocar a planta in natura do óleo essencial, mas é só pra ficar bonitinhos. As quantidades variam de acordo com o tamanho. Em uma garrafa de 50ml eu usei 45ml de óleo de amêndoas e 30 gotas de óleo essencial.

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Se tu não estiveres afim de fazer o presente, experimenta fugir do óbvio. Hoje há uma série de opções de cosméticos naturais, por exemplo. Bolsas feitas com tecidos reutilizados e/ou sustentáveis. Ou quem sabe começa evitando aquela embalagem desnecessária para embrulhar o presente. Em vez de usar aquele monte de papel e plástico, compra um lenço e bacana e embrulha com tecido. Dois presentes em um 😉