Voos Literários

A família Bolsonaro segue mesmo a Bíblia?

Flávia Cunha
7 de maio de 2019

Temos um religioso no poder. Ao menos esse é seu slogan, colocando Deus acima de tudo. Mas ao vermos as constantes críticas de Carlos, um dos filhos do presidente, ao vice Mourão, além do suposto bloqueio de acesso à conta do twitter de Bolsonaro pelo filho metido a social media, só me resta pensar: essa família segue mesmo a Bíblia?

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Selecionei alguns versículos dedicados à relação pais e filhos. A partir disso, vocês podem tirar suas conclusões se Carluxo e sua “metralhadora giratória” metafórica no Twitter e a falta de limites ao filho demonstrada por Bolso-pai respeitam os princípios bíblicos

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Vós, filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto é agradável ao Senhor. Vós, pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo.”  (Colossenses 3:20-21)

“Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles.” (Provérbios 22:6)

“A insensatez está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a livrará dela.” (Provérbios 22:15)

“Quem se nega a castigar seu filho não o ama; quem o ama não hesita em discipliná-lo.” (Provérbios 13:24)

“Ouçam, meus filhos, a instrução de um pai; estejam atentos e obterão discernimento.” (Provérbios 4:1)

Mas se vocês que estão lendo acham, como eu, que religião não deve interferir no Estado, vamos recorrer a um dos fundadores da ciência política moderna: Maquiavel. Em seu clássico O Príncipe, o pensador orienta os governantes a terem uma relação controlada com seus ministros, assessores e afins. No caso do atual governo, isso incluí sua família, que interfere diretamente com declarações polêmicas e também ao acompanhar o presidente em viagens oficiais, apesar de não ocuparem cargos no primeiro escalão.

Um príncipe […] deve aconselhar-se sempre, mas quando ele queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir. Mas deve ser grande perguntador e, depois, acerca das coisas perguntadas, paciente ouvinte da verdade; antes, notando que alguém por algum respeito não lhe diga a verdade, deve mostrar aborrecimento. Há muitos que entendem que o príncipe que dá de si opinião de prudente, seja assim considerado não pela sua natureza, mas pelos bons conselhos que o rodeiam, porém, sem dúvida alguma, estão enganados, eis que esta é uma regra geral que nunca falha: um príncipe que não seja sábio por si mesmo, não pode ser bem aconselhado, a menos que por acaso confiasse em um só que de todo o governasse e fosse homem de extrema prudência. Este caso poderia bem acontecer, mas duraria pouco, porque aquele que efetivamente governasse, em pouco tempo lhe tomaria o Estado; mas, aconselhando-se com mais de um, um príncipe que não seja sábio, não terá nunca os conselhos uniformes e não saberá por si mesmo harmonizá-los. Cada conselheiro pensará por si e ele não saberá corrigi-los nem inteirar-se do assunto.”

Até onde vai o poder da interferência filial no governo Bolsonaro? Mourão, magoado, já declarou que renunciará caso o presidente não o queira no governo. A quem interessa essa renúncia? Como um governo com tantos conflitos internos seguirá em frente até o fim do mandato? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos dessa novela. Já que o nos resta mesmo é recorrer à ironia, à cultura e à filosofia para combater esse governo, que abriu guerra contra as ciências humanas.

Imagem: Reprodução/Instagram

Voos Literários

Jesus e os refugiados

Flávia Cunha
25 de dezembro de 2018

Agora que as celebrações de Natal passaram e a ceia virou só a lembrança de exageros gastronômicos típicos dessa época do ano, vamos a um assunto indigesto: o nascimento de Jesus, tal como está na Bíblia, nada tem a ver com presentes caros e pratos sofisticados.

Cristo, em sua trajetória expressa nas sagradas escrituras, pregava a simplicidade e a defesa dos mais pobres. Trago o assunto à tona porque achei muito interessante uma foto de uma família de refugiados que circula pelas redes sociais. A postagem alerta que a família de Jesus era igual, ao ser obrigada a ir para outro país em busca de segurança, com a decisão de Herodes de matar todas as crianças para não ter seu reinado ameaçado.

A polêmica de se Jesus era ou não um refugiado surgiu em plena campanha eleitoral, durante a entrevista do agora presidente eleito ao programa Roda Viva. Logo vieram textos de defesa a Jair Bolsonaro, alegando que não se pode misturar religião com geopolítica. (Interessante que a religião pode ser usada em outros contextos, mas para defender a boa acolhida a imigrantes de países pobres, não…)

Estou longe de ser uma especialista em teologia. Porém, é consenso que a Bíblia traz histórias de migrações e peregrinações pela região hoje conhecida como Oriente Médio.

Em um trecho do Velho Testamento, há uma passagem bem clara sobre o tema:

O estrangeiro resi­dente que viver com vocês deverá ser tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.

Levítico 19: 34

Se a intenção para os próximos dias não é se meter em discussões bíblicas, o livro Mistério de Natal revisita o nascimento de Cristo de uma forma poética e envolvente, sem deixar de lado aspectos históricos. O enredo criado por Jostein Gaarder (mesmo autor de O Mundo de Sofia) conta a história de um menino que acompanha um grupo de peregrinos que voltam no tempo para homenagear um recém-nascido muito especial.

Encerro esse texto com um pequeno trecho da obra, com a fala de um dos Reis Magos:

Acima de tudo é importante ajudar os aflitos, os doentes, os pobres e os refugiados. Essa é a mensagem de Natal.”

Imagem: Pintura A Fuga para o Egito – Candido Portinari/Reprodução Internet