Tão série

As piadas de Seth Meyers mostram o que está errado com a indústria do entretenimento

Geórgia Santos
13 de janeiro de 2018

O anfitrião do Globo de Ouro foi extremamente feliz. Seth Meyers tinha a ingrata missão de apresentar a premiação em uma noite dedicada às mulheres – só o fato de ele ser homem já era um problema de sensibilidade. Mas o que poderia ter sido um desastre foi uma aula sobre o que está errado com a indústria do entretenimento.

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Ele foi engraçado, foi sensível e foi certeiro

A gente ri, mas por dentro dá vontade de chorar

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1. Boa noite senhoras e senhores restantes;

2. Feliz Ano Novo, Hollywood. É 2018, a maconha é finalmente permitida e o assédio sexual finalmente não;

3. Uma nova era se inicia, e eu posso dizer isso porque fazia anos que um homem branco não ficava nervoso em Hollywood;

4. Aos homens indicados nesta noite, essa é a primeira vez em três meses que não vai ser assustador ouvir seu nome lido em voz alta;

5. Muitas pessoas pensam que seria mais apropriado se uma mulher apresentasse esta premiação, e eles podem estar certos. Mas se serve de consolo, e eu sou um homem sem absolutamente nenhum poder em Hollywood. Eu sequer sou o Seth mais poderoso desta sala. Aliás, lembram quando ELE (Seth Rogen) era o cara que arrumava confusão com a Coreia do Norte? Tempos mais simples;

6. Associação da Imprensa Estrangeira. Um conjunto de três palavras que não poderia ter sido melhor desenhado para irritar nosso presidente. O único nome que poderia deixá-lo mais irritado é Associação Hillary México Salada;

7. A Forma da Água recebeu mais indicações que qualquer filme neste ano. Um filme incrivelmente lindo, mas eu preciso admitir que quando  eu ouvi falar de um filme em que uma jovem mulher se apaixona por um monstro nojento, eu pensei, “Ah, cara, não outro filme do Woody Allen”;

8. O Globo de Ouro faz 75 anos. Mas a atriz que interpreta sua esposa ainda tem 32;

9. De acordo com um artigo recente, apenas 5% dos papeis de Hollywood são interpretados por atores asiáticos. Mas esses números podem estar errados já que o cálculo foi feito por uma pessoa branca;

10. E agora para apresentar nosso primeiro prêmio… Por favor não sejam dois caras brancos, por favor não sejam dois caras brancos. Oh, graças a Deus. Gal Gadot e Dwayne Johnson, pessoal!

Ah, isso sem falar na maravilhosa letra de Natalie Portman que, adequadamente, anunciou os HOMENS indicados a melhor direção.

 

Foto: Paul Drinkwater/NBCUniversal via Getty Images

Geórgia Santos

Oprah e a luz no fim do túnel

Geórgia Santos
8 de janeiro de 2018
75th ANNUAL GOLDEN GLOBE AWARDS -- Pictured: Oprah Winfrey, Winner, Cecil B. Demille Award at the 75th Annual Golden Globe Awards held at the Beverly Hilton Hotel on January 7, 2018 -- (Photo by: Paul Drinkwater/NBC)

Ontem, o Globo de Ouro foi mais do que entretenimento. Muito mais. E especialmente ontem. No tradicionalmente glamoroso tapete vermelho, todos usavam preto e ninguém se atrevia a perguntar a procedência da roupa, apenas o motivo. No tradicionalmente fútil tapete vermelho, todos usavam preto como forma de protesto contra os casos de assédio e abuso sexual da indústria cinematográfica. No tradicionalmente colorido tapete vermelho, todos usavam preto para declarar que acabou o tempo (#TIMESUP) em que as mulheres se calavam diante da injustiça.

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E Oprah Winfrey personificou, imaculada, cada gesto dessa luta

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Agraciada com o prêmio Cecil B. DeMille, a apresentadora (e mil coisas mais) e primeira mulher negra a receber a homenagem usou o palco para falar de injustiça, desigualdade e do movimento #MeToo. Ela usou o microfone para amplificar a reivindicação de dignidade em um dos discursos mais impactantes dos últimos tempos. Falou sobre protagonismo negro, empoderamento feminino e liberdade de imprensa.

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Se há homens poderosos que tentam objetificar a mulher em cada gesto e fala, há Oprahs para lembrar que somos humanas e fortes

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Leia o discurso de Oprah Winfrey na íntegra:

 

“Em 1964, eu era uma menina sentada no chão de linóleo da casa da minha mãe, em Milwaukee, assistindo Anne Brancoft apresentar o Oscar de melhor ator, na 36ª edição do prêmio. Ela abriu o envelope e disse cinco palavras que, literalmente, fizeram história: “O vencedor é Sidney Poitier”. O homem mais elegante que eu já havia visto subiu ao palco. Eu lembro que sua gravata era branca e sua pele era negra, e eu jamais havia visto um homem negro ser celebrado daquela forma. Eu tentei explicar, muitas e muitas vezes, o que um momento daqueles representa para uma menina, uma criança que assiste à mãe passar pela porta morta de cansaço de tanto limpar as casas de outras pessoas.

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Mas tudo o que eu posso fazer é citar as palavras de Sidney em Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field), “Amem, amem. Amem, amem.”

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Em 1982, Sidney recebeu, aqui no Globo de Ouro, o prêmio Cecil B. De Mille. E eu não esqueci que neste momento há muitas garotinhas assistindo enquanto eu me torno a primeira mulher negra a receber esse mesmo prêmio. É uma honra. É uma honra e é um privilégio compartilhar essa noite com todas elas e também com os homens e mulheres incríveis que me inspiraram, desafiaram, apoiaram e tornaram minha jornada até este palco possível. Dennis Swanson, que apostou em mim para o talk-show “A.M. Chicago”. Quincy Jones, que me viu no programa e disse a Steven Spielberg, “ela é Sophia em A Cor Púrpura”. Gayle, que tem sido a definição do que é uma amiga, e Stedman, que tem sido minha rocha. Apenas alguns para nomear.

Eu quero agradecer à Imprensa Internacional de Hollywood, porque nós todos sabemos que a imprensa está sob cerco fechado ultimamente. Mas nós também sabemos que é a insaciável dedicação para descobrir a verdade que nos impede de fazer vista grossa para a corrupção e a injustiça. A tiranos e vítimas, e segredos e mentiras. Eu quero dizer que eu valorizo a imprensa mais que nunca ao passo em que tentamos navegar por esses tempos complicados. O que me traz à isso.

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O que eu sei, com certeza, é que falar a nossa verdade é a ferramenta mais poderosa que todos nós temos

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Eu estou especialmente orgulhosa e inspirada por todas as mulheres que se sentiram fortes o suficiente e empoderadas o suficiente para falar e compartilhar suas histórias. Cada um de nós nesta sala é celebrado por causa das histórias que contamos, e neste ano nós nos tornamos a história.

Mas não é apenas a história que afeta a indústria do entretenimento. É uma que transcende qualquer cultura, geografia, raça, religião, política ou ambiente de trabalho. Por isso eu quero, nesta noite, expressar minha gratidão a todas as mulheres que suportaram anos de abuso e assédio porque elas, assim como minha mãe, tem filhos para alimentar e contas para pagar e sonhos para perseguir. Elas são as mulheres cujos nomes nós jamais saberemos. Elas são as trabalhadoras domésticas e agricultoras. Elas estão trabalhando em fábricas e restaurantes e elas estão na academia, na engenharia, medicina e ciência. Elas são parte do mundo da tecnologia e da política e dos negócios. Elas são nossas atletas na Olimpíadas e são nossas militares. E há mais alguém. Recy Taylor, um nome que eu sei e acho que você deveria saber também.

Em 1944, Recy Taylor era uma jovem esposa e mãe. Ela estava voltando para casa após celebração na igreja que frequentava em Abbeville, Alabama, quando foi sequestrada por seis homens brancos armados, estuprada e deixada no acostamento de uma estrada com uma venda nos olhos. Indo para casa, depois da igreja. Eles ameaçaram matá-la caso contasse a alguém, mas a história foi reportada a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor), onde uma jovem trabalhadora que respondia pelo nome de Rosa Parks se tornou a investigadora principal do seu caso e, juntas, elas buscaram justiça.

Os homens que tentaram destruí-la jamais foram processados. Recy Taylor morreu dez dias atrás, a poucos dias do seu aniversário de 98 anos. Ela viveu como todos nós temos vivido, anos demais em uma cultura destruída por homens poderosos e brutais.

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Por tempo demais, mulheres não tem sido ouvidas ou acreditadas quando ousam falar a verdade ao poder desses homens. Mas o tempo deles acabou. O tempo deles acabou

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E eu apenas espero, eu apenas espero que Recy Taylor tenha morrido sabendo que a sua verdade, assim com a verdade de tantas outras mulheres atormentadas naqueles anos, e que ainda são atormentadas, segue marchando.

Estava em algum lugar no coração de Rosa Parks, quase onze anos depois, quando ela tomou a decisão de permanecer sentada naquele ônibus em Montgomery, e está aqui com cada mulher que escolhe dizer “Eu também” (Metoo). E com cada homem, cada homem que escolhe escutar.

Na minha carreira, o que eu sempre tentei fazer de melhor , seja na televisão ou em filmes, é falar algo sobre a maneira como homens e mulheres realmente se comportam. Falar sobre como nós experienciamos a vergonha, como nós amamos e como nos enfurecemos, como nós falhamos, como nos retiramos, perseveramos e como superamos.

Eu entrevistei e retratei pessoas que resistiram a algumas das coisas mais terríveis que a vida pode oferecer, mas a qualidade que todos parecem compartilhar é a habilidade de manter a esperança de uma manhã mais clara, mesmo durante as noites mais sombrias.

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Por isso eu quero que todas as meninas que estão assistindo aqui, agora, saibam que um novo dia está no horizonte!

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E quando esse novo dia finalmente amanhecer, será por causa de muitas mulheres magníficas, muitas das quais estão aqui nesta sala esta noite, e alguns homens fenomenais, que estão lutando muito para garantir que se tornem os líderes que vão nos levar a um tempo em que ninguém mais precise dizer “Eu Também”.”

 

Foto: Divulgação. Paul Drinkwater / NBCPAUL DRINKWATER/NBC