Todo dia Oito #1 Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses
Geórgia Santos
8 de março de 2021
Todo dia Oito. Todo dia oito, uma história. Todo dia oito, uma mulher
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No primeiro episódio do podcast, Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses. Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra, favelada, mãe solo de três, escritora brilhante, publicada e traduzida em 14 idiomas. A mulher alta, de pele escura, sorriso quase desconfiado e lenço na cabeça que ousou revelar a realidade do racismo e da desigualdade no Brasil.
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QUEM FAZ
Pesquisa: Flávia Cunha
Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha
Direção Artística: Raquel Grabauska
Apresentação e edição: Geórgia Santos
Locução: Andrea Almeida, como Carolina Maria de Jesus;
Raquel Grabauska, como Clarice Lispector;
Participação especial de Cléber Grabauska como Paulo Mendes Campos
O poema impactante que dá título a esse texto foi apresentado durante a Oficina Formação e Mediação de Leitura em Literatura Marginal, ministrada pela professora de inglês e doutoranda em Letras pela FURG, Bianca Ramires. A autoria do poema é da página Um Poeta Louco, que não traz muitos detalhes sobre a biografia de seu autor, bastante ativo nas redes sociais. O conceito de “literatura marginal” é bem amplo e integra toda a literatura que foge do circuito tradicional de editoras e também do estilo literário canônico. Nesse sentido, textos literários escritos somente na Internet entram nesse gênero de “literatura marginal”.
O poema é extremamente atual. Vivemos com medo, independente do espectro social e político do qual fazemos parte. Tem quem medo da esquerda, como a atriz Regina Duarte. Tem quem receie a volta da ditadura militar com a guinada para a extrema direita. Os ricos morrem de medo de assaltos. Os pobres honestos, de serem confundidos com criminosos e acabarem sendo vítimas da violência policial.
Essa poesia bateu forte internamente, em especial por esse momento pré-eleições e da ansiedade sobre o que será das nossas vidas e do Brasil daqui para frente. Por isso, lá vai de novo a pergunta:
“O que você faria, se não tivesse medo de nada?”
Um Poeta Louco sabe das coisas. Sabe como remexer com nossos anseios. Assim como a “literatura marginal” feita nos slams, competições de poesias próprias recitadas em plena rua, como uma forma de resistência e ocupação. No Rio Grande do Sul, os poetry slams têm grande engajamento em diferentes grupos, como o Slam das Minas, em que somente mulheres podem participar, como uma forma de garantir o protagonismo feminino.
A professora Bianca Ramires destacou, durante o evento do qual participei, a performance de Cristal Rocha, de 15 anos, durante um slam, falando sobre feminismo, racismo e estado democrático de direito. Aqui tem um vídeo dela durante a Final Gaúcha de Slam 2018.
Por fim, vale destacar ainda a “literatura marginal” feita por mulheres negras, como Carolina Maria de Jesus (do agora cultuado Quarto de Despejo), Elisa Lucinda (também conhecida por seu trabalho como atriz e autora do expressivo poema Mulata Exportação que alerta:Porque deixar de ser racista, meu amor, não é comer uma mulata! e Conceição Evaristo, Conceição Evaristo, que recentemente tentou uma vaga na Academia Brasileira de Letras e recebeu apenas um voto. (Em seu lugar, foi eleito o cineasta Cacá Diegues.)
Mas como disse Bianca Ramirez durante a oficina, “se a Academia Brasileira de Letras for a favor, nós devemos ser contra (e vice-versa)”, parafraseando Leonel Brizola com sua famosa máxima a respeito da Rede Globo.
Conceição Evaristo ganhou um prêmio literário. E isso é simplesmente maravilhoso
Flávia Cunha
3 de abril de 2018
Recentemente, a escritora mineira Conceição Evaristo foi eleita na categoria Destaque do prêmio Bravo de literatura. Porque o fato chama a atenção? Além da qualidade indiscutível do seu trabalho na área literária, ela é militante do movimento negro e a gente sabe que se já é difícil para mulheres em geral terem o respeito no meio literário, imagine ainda ter de enfrentar o racismo estrutural existente no Brasil. No discurso durante a premiação, Conceição Evaristo destacou que aquele prêmio era importante não apenas para ela, mas para todas as mulheres, especialmente as negras.
Nascida em uma favela em Belo Horizonte, conciliou os estudos com o trabalho de empregada doméstica. Depois, se mudou para o Rio de Janeiro, onde se formou em Letras, com mestrado e doutorado na área de Literatura. Na década de 1990, teve suas primeiras obras publicadas.
Para homenagear essa baita escritora, escolhi um texto em que ela faz referência a outras duas autoras: Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus, que escreveu o livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada.
Clarice no quarto de despejo
No meio do dia
Clarice entreabre o quarto de despejo
pela fresta percebe uma mulher.
Onde estiveste à noite, Carolina?
Macabeando minhas agonias, Clarice.
Um amargor pra além da fome e do frio,
Da bica e da boca em sua secura.
De mim, escrevo não só a penúria do pão,
cravo no lixo da vida, o desespero,
uma gastura de não caber no peito,
e nem no papel.
Mas, ninguém me lê, Clarice,
Para além do resto.
Ninguém decifra em mim
a única escassez da qual não padeço,
– a solidão –
E ajustando o seu par de luvas claríssimas
Clarice futuca um imaginário lixo
e pensa para Carolina:
– a casa poderia ser ao menos de alvenaria –
E anseia ser Bitita inventando um diário:
páginas de jejum e de saciedade sobejam,
a fome nem em pedaços
alimenta a escrita clariciana.
Clarice no quarto de despejo
lê a outra, lê Carolina,
a que na cópia das palavras,
faz de si a própria inventiva.
Clarice lê :
– despejo e desejos
Conceição Evaristo também será homenageada em Porto Alegre, durante a FestiPoa Literária. O objetivo é chamar a atenção para a produção literária das mulheres, em especial das mulheres negras. A abertura vai ser dia 2 de maio, no Salão de Atos da UFRGS, com entrada franca. Mais detalhes aqui.