Nesta semana, o governo do Brasil. O novo normal – ou o velho normal. E ainda, o futuro dos movimentos golpistas.
Pouco mais de duas semanas desde o resultado da eleição, o incumbente Jair Bolsonaro segue desaparecidos. Há relatos de que estaria com uma infecção na perna e mesmo deprimido. Fato é que não atua como presidente do Brasil desde o dia 30 de outubro. Mas não há vácuo no poder, não. Já temos um novo governo Lula.
A transição comandada por Geraldo Alckmin é entediante como deve ser e um excelente retorno à normalidade. Sem agressividade, ofensas ou abusos, sem misoginia, homofobia ou pura e simples grosseria. Há problemas a se apontar? Sim. Problemas normais, uma lufada de ar fresco.
Quanto à Lula, é a estrela da COP-27, no Egito. Não que o presidente eleito já não esteja envolvido em polêmicas, está. Alguns questionamentos são válidos, como a carona em avião de empresário. Outros, como o custo da roupa de Janja, apenas um indicativo de que vida de Lula não será moleza daqui para frente. Ainda assim, estamos aqui discutindo a sugestão do novo presidente de a COP de 2025 ser realizada na Amazônia, e não a recomendação de se fazer cocô dia sim, dia não.
A apresentação é de Geórgia Santos. Participam Flávia Cunha e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Sim, precisamos falar sobre Bolsonaro. Mas sem perda de tempo
Igor Natusch
20 de junho de 2018
O deputado Jair Bolsonaro durante sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que instaurou nesta terça-feira (16) processo por quebra de decoro contra o deputado
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
A oposição a Jair Bolsonaro nas redes sociais costuma dividir-se em dois posicionamentos fundamentais. De um lado, estão os que denunciam com indignação crescente as manifestações absurdas e o flagrante desconhecimento de fatos básicos, descrevendo o candidato do PSL com os termos mais enfáticos (quando não agressivos) que estejam à mão. No outro flanco, estão grupos que criticam essa postura, acreditando que cada comentário a respeito de Bolsonaro, mesmo negativo, acaba projetando ainda mais sua figura – o que explicaria não apenas sua popularidade, mas a quantidade crescente de pessoas dispostas a entregar seu voto a ele, já suficientes para elevá-lo ao patamar de figura de frente na eleição presidencial que se avizinha.
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Pessoalmente, concordo bem mais com a primeira leitura do que com a segunda. Mas também penso que é preciso pensar um pouco mais na estratégia, para não desperdiçar munição e acabar acertando no alvo errado.
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Os eleitores de Bolsonaro não são todos iguais. Se fossem, seu teto eleitoral já teria sido alcançado há tempos – o que, convenhamos, é bem diferente do que diferentes pesquisas de intenção de voto têm nos apontado. Se o candidato cresce nos levantamentos, é porque pessoas que antes não levavam seu nome em conta agora o conhecem e enxergam nele uma opção.
Verdade que, com muitos defensores da aterradora candidatura de Bolsonaro, não adianta discutir. São eleitores não apenas cativos, mas obstinados: diante de um cenário político que se esfarela e de um mundo onde enxergam apenas absurdos e riscos pessoais, enxergam na figura do outsider a implosão necessária de um sistema que desprezam, em nome do resgate de um passado melhor que só existe em suas imaginações. Para outros, especialmente ativos nas redes sociais, Bolsonaro é a trollagem perfeita, a desculpa para uma risada debochada e destrutiva. Não interessam os resultados da molecagem: ela vai incomodar os oponentes, e isso basta. São diferentes tipos de desajuste, mas que encontram na figura do candidato não só uma personificação de sua inadequação mas, também, uma chance de ter a última palavra. Esses estão, por assim dizer, fora do alcance: votarão Bolsonaro, e já era.
Mas nem todo mundo é tão sólido em sua opção. Muita gente está chegando agora: pessoas que sentem um profundo desconforto diante de uma política que não compreendem, de ameaças contra as quais se sentem indefesas, de decisões que sempre parecem prejudicá-las e sobre as quais não têm qualquer influência. Sentem que tudo vai mal, e que precisa acontecer alguma coisa, senão tudo ficará pior. Já buscaram super-heróis em diferentes cantos da política e, de uma forma ou de outra, se decepcionaram com eles. Agora, enxergam em Bolsonaro alguém que é, ao menos em aparência, inimigo de todos eles. Em um Brasil onde tudo é desencanto, e na falta aparente de opção melhor, Bolsonaro se fortalece, em uma espécie de manifestação coletiva de desagrado.
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É esse movimento de sedução, essa inclinação coletiva para o abismo, que pode – e deve – ser enfrentada. Com uma postura que fale a esses desencantos, mas que seja capaz de acolhê-los onde possível, sem simplesmente ridicularizá-los e fechar a porta. E que demonstre, da forma mais clara possível, o engodo que Bolsonaro deixa explícito a cada frase, cada posicionamento.
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Bolsonaro não resiste a um debate de ideias. E sabe disso. Todos em torno dele sabem.
É por isso que foge de situações onde será questionado e confrontado: porque seus arremedos de ideia são tão paupérrimos que qualquer argumentação coerente o deixaria nu em questão de minutos, pronto para ser esquecido como a fraude grosseira que de fato é. Quer falar sozinho, porque falando sozinho poderá sempre dizer que deu a última palavra. E é precisamente isso que não pode ter, que não podemos permitir que tenha em hipótese alguma.
A tentação de resumir o espectro político oposto em um ou dois aspectos simples e refutáveis é grande, mas nem sempre traz resultados positivos – isso quando não cria problemas ainda maiores. A verdade é que, hoje, ninguém sabe bem qual é o teto de Jair Bolsonaro. Cabe aos que se opõem a ele (e ao caldo grosseiro e trágico de fascismos, rancores, intolerâncias e incompetências que ele traz consigo) impedir que esse teto cresça.
Deixá-lo falando sozinho, se um dia foi opção, já deixou de ser há tempos: agora, é preciso forçá-lo a falar conosco. E derrotá-lo, o que só é possível (não garantido, mas possível) nesse corpo-a-corpo.