BSV Especial Coronavírus #34 E o vencedor das eleições foi o centrão
Geórgia Santos
2 de dezembro de 2020
Um retorno ao domínio do centrão. Agora sim, o processo de eleições municipais foi finalizado no Brasil após a votação do segundo turno em diversas cidades do país. Quanto aos resultados em algumas capitais, pouca ou nenhuma surpresa. Eduardo Paes venceu Crivellano Rio de Janeiro, Sebastião Melo venceu Manuela Dávila em Porto Alegre, Bruno Covas venceu Guilherme Boulos em São Paulo.
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DEM, MDB e PSDB. Parece que o centrão foi o grande vencedor de 2020
Participam do programa os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
O segundo turno das eleições municipais no Brasil tirou do armário de vez um monstro bem conhecido dos conservadores brasileiros: o fantasma do comunismo. Este monstro já foi usado como justificativa para o golpe militar de 1964, por exemplo. E voltou com tudo nos últimos anos, ganhando força na campanha presidencial de 2018. Surgiram, então, argumentos pouco lógicos, como o fato de as gestões petistas terem sido uma “ditadura comunista” no Brasil.
AMEAÇAS CÍCLICAS
Em entrevista à coluna Voos Literários, o historiador João de Los Santos comenta que o medo do comunismo como artifício político vem desde a época de Getúlio Vargas. “O golpe do Estado Novo foi dado a partir de uma suposta ameaça comunista. Podemos dizer que a cada 30, 40 anos existe o comunismo sendo usado como ameaça.”
ELEIÇÕES 2020
Em duas capitais brasileiras, o fantasma de roupa vermelha com o símbolo da foice e martelo aparece com mais constância durante a campanha eleitoral. Em São Paulo, Guilherme Boulos, do PSOL (Partido Socialismo e Solidariedade), volta e meia é taxado de comunista e há boatos de que imóveis residenciais serão invadidos, caso ele vença o pleito. Em Porto Alegre, a situação é ainda pior. A candidata Manuela D’Ávila, por ser PC do B (Partido Comunista do Brasil), é constantemente alvo de fake news. Entre as mais bizarras, estão a de que fechará igrejas e liberará o uso de drogas ilícitas se for eleita prefeita da capital gaúcha.
STÁLIN EM DESTAQUE
E o tema comunismo chegou a fazer parte de um debate realizado na televisão nesta sexta-feira, dia 27, em Porto Alegre. O candidato Sebastião Melo (MDB) acusou Manuela de ser “stalinista” por integrar o PC do B. A partir desse ataque de Melo, me vieram à mente três questionamentos:
O que isso traz de produtivo para o cenário eleitoral de 2020?
Quantos telespectadores realmente sabem quem foi Josef Stalin e sua atuação política na União Soviética?
Quem realmente entende o que é comunismo e socialismo aplicados à realidade atual brasileira?
O SURGIMENTO DO SOCIALISMO
Para refletir sobre o assunto, é interessante voltarmos às raízes do socialismo. A grosso modo, os ideais socialistas surgiram como uma reação à Revolução Industrial, que trouxe baixos salários associados a jornadas de trabalho de 14 horas diárias, entre outros abusos. Ou seja, a intenção era lutar contra a miséria reinante entre a classe trabalhadora naquele período histórico.
PC do B
Fazendo um corte para o Brasil atual o site do PC do B enfatiza a trajetória do partido, fundado em 1922, sendo a legenda mais antiga em atividade no país. No texto institucional, são destacadas bandeira históricas comunistas:
“criação dos direitos sociais e trabalhistas (como a jornada de trabalho de 8 horas diárias, o direito a férias, aposentadoria, 13º salário, saúde, educação e previdência pública etc). O PCdoB também tem sido um intransigente defensor do Brasil, da independência e soberania da nação.”
PSOL
Já o PSOL, em seu site oficial, ressalta que em seus 15 anos de existência, segue “no combate sem tréguas em defesa dos direitos trabalhistas, previdenciários, do serviço público e contra a agenda conservadora que ameaça mulheres, negros/as, a comunidade LGBT, os direitos indígenas, entre outros.”
MOTIVOS OCULTOS
Após analisar as propostas defendidas pelo PC do B e PSOL, fico aqui me perguntando a razão destas lutas serem consideradas ameaçadoras para determinados setores da sociedade. Provavelmente, por interesses econômicos de parte da população. Na outra parcela, menos favorecida financeiramente, a desinformação me parece ser o motivo por trás de tanto temor.
PRIMEIROS PASSOS
E contra a desinformação, nada melhor do que a leitura. A série Primeiros Passos é um marco no meio editorial e acadêmico no Brasil. A coleção foi criada pela Editora Brasiliense na década de 1970 e seus livros de bolso marcaram gerações. A sugestão de leitura para ajudar nessa conjuntura politica são os volumes O que é socialismo? e O que é comunismo?, os dois escritos pelo sociólogo Arnaldo Spindel.
Não sei se quem tem medo do comunismo vai se dispor a ler algo a respeito do tema, mas acredito que a tentativa é válida. Vai que a pessoa perceba que é impossível implementar uma ditadura comunista em apenas uma cidade?
MEDO SEM SENTIDO
O historiador João de Los Santos concorda que este aspecto é inédito no quesito medo do comunismo. “Pela primeira vez, é uma ameaça em nível municipal. O PT teve a oportunidade durante 14 anos de dar um golpe de Estado comunista no Brasil. Isso não aconteceu. Mas quem vai dar esse golpe é uma prefeita de uma cidade em um estado conservador como é o Rio Grande do Sul atualmente?”, analisa, demonstrando o absurdo desse temor.
Procurando ser otimista, espero que, com o tempo, esse pessoal que morre de medo da ameaça comunista perceba que o capitalismo é o verdadeiro monstro a ser combatido. Sigamos na luta, cada um a seu modo. Bom voto amanhã!
Confesso que eu, durante muito tempo, associei política a homens brancos, heteros e ricos, vestindo terno e gravata. Tanto que cheguei a escrever, há muitos anos, uma espécie de conto transformando em prosa a genial letra de Candidato Caô Caô, de Bezerra da Silva.
Esses candidatos que remetem à música do sambista ainda estão por aí, espalhados pelas periferias das grandes cidades, buscando o voto dos mais vulneráveis economicamente e fazendo promessas que jamais cumprirão. O que precisa ficar evidente, cada vez mais, é que a política não precisa ser feita por esse tipo de pessoa. Mas, para isso, é preciso que os eleitores se disponham a mudar seu voto.
MULHERES NA POLÍTICA
Para começar, que tal escolher candidatas para o pleito deste domingo? Assim, conseguiremos reverter conjunturas como a do Congresso Nacional, onde as mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras. Em nível municipal, a média nacional varia entre 10% a 15% de vereadoras. Por outro lado, mais de 50% da população brasileira é do sexo feminino. o que torna óbvia a falta de presença efetiva das mulheres na política.
REPRESENTATIVIDADE IMPORTA
Outra forma de conscientizar os eleitores sobre a importância da representatividade feminina na política brasileira é através de bons livros. Um deles é Mulheres no Poder – trajetórias na política a partir da luta das sufragistas no Brasil, de Shuma Schumaher e Antonia Ceva. A obra é para consulta constante, por ser uma publicação com mais de 500 páginas, com diversas informações relevantes sobre o tema.
NÃO BASTA SER MULHER
Porém, para que realmente aconteçam modificações relevantes na política e nas estruturas sociais, precisamos de prefeitas e vereadoras dispostas a lutar pelos direitos das mulheres. Por isso, é urgente votar em mulheres feministas, negras e trans.
INSPIRAÇÃO
Esse texto foi criado após assistir ao vídeo Vote em Mulheres!, do canal Seus Dados, da professora de jornalismo e doutora em Comunicação Marlise Brenol. A especialista estuda o uso e a apropriação de dados pelo jornalismo, Estado, iniciativa privada e terceiro setor, além de suas repercussões, significados e visibilidade no debate público.
PARA SABER MAIS
Marlise recomenda aos interessados em se aprofundar no tema mulheres na política, os materiais divulgados pela Gênero e Número. Trata-se da primeira organização de mídia no Brasil orientada por dados, com o objetivo de qualificar o debate sobre equidade de gênero.