Geórgia Santos

196 anos de que?

Geórgia Santos
7 de setembro de 2018

Brasil afora, militares marcham com orgulho. Também há milhares de crianças e adolescentes com seus uniformes escolares para celebrar o sete de setembro em desfiles tão coloridos quanto antiquados. Nas roupas tingidas de verde e amarelo, o orgulho de carregar a pátria no peito com um eventual azul, a alegria de celebrar sua história que começa como Brasil em 1822. Os desfiles variam em tamanho e em vontade. Ao lado dos jovens orgulhosos, há os sonolentos que preferiam estar em casa, a dormir. Há os que não tem ideia do que se passa. Há quem faça ideia mas não considera importante. Há os patriotas. Há os cínicos. Há os que não se importam e está tudo muito bem. Quem nunca? Eu participei de vários. Várias e várias vezes. Quase nunca por vontade, diga-se. Minha categoria era uma mescla dos sonolentos com os cínicos e os que não se importam.

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Já são 196 anos do grito de Dom Pedro, que bradou “Independência ou morte!” – de trás de um arbusto e durante uma diarreia

Mas são 196 anos de que?

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Nesta semana, o local em que a Imperatriz Leopoldina assinou o decreto da Independência pegou fogo. O Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, virou cinzas. Também nesta semana, um candidato à presidência da República foi agredido. Jair Bolsonaro (PSL) levou uma facada durante atividade de campanha em Juíz de Fora, Minas Gerais. Também nesta semana, esse mesmo candidato usou o tripé do microfone para imitar uma metralhadora com a qual mataria seus adversários “petralhas”. Meses atrás, a caravana de Lula (PT) foi recebida a relho no Rio Grande do Sul. Houve quem aplaudisse. Pior, foi recebida a tiros no Paraná. Antes, ainda, uma tragédia da política contemporânea brasileira: a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada de forma brutal por defender as pessoas e ideias que defendia.

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A isso, pode-se somar a insegurança, os graves problemas na área da educação, o salário de fome dos professores, o abandono da cultura, as filas da saúde, os direitos ameaçados dos trabalhadores e os escândalos de corrupção que são empilhados em nossa memória

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Aliás, por falar em memória, também ela anda esquecida neste país que insiste em esquecer do passado e flerta com o autoritarismo ao negar a Ditadura enquanto horror. E então, são 196 anos de que? Não ignoro que há o que se comemorar. O Brasil se desenvolveu de forma importante em diversos setores e é considerada uma das nações mais importantes do mundo. Ainda assim, a sensação, agora, é de desesperança. A sensação é que a barbárie vence a razão.

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O que aconteceu com Jair Bolsonaro é inadmissível.  Simples assim. Sem “mas”, sem “porém”, sem condicionantes de qualquer ordem. E enquanto candidato à presidência, o ataque a ele é um ataque à democracia e à liberdade

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Em boa nota, os concorrentes de Bolsonaro na corrida presidencial manifestaram votos de solidariedade e suspenderam atividades públicas de campanha. De um jeito torto, parecia que o tom da campanha finalmente melhoraria no sentido de que os valores democráticos prevaleceriam. Mas a boa nota é curta. Rapidamente o tom virou e as redes sociais foram inundadas com aquilo que há de pior. O presidente do PSL disse que “agora é guerra”; o candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, fez acusações levianas indicando que o PT e PSOL estariam por trás do ataque; teorias da conspiração que insinuavam que a facada seria uma armação; questionou-se o sangue; questionou-se a faca. Jornalistas histéricos davam informações desencontradas enfeitadas por pirotecnia. E assim, de maneira irresponsável,  a agenda ideológica do candidato se mesclava ao mérito do golpe que ele recebeu. E então, são 196 anos de que?

 

 

Pedro Henrique Gomes

Idrissa Ouedraogo: história e memória

Pedro Henrique Gomes
2 de março de 2018

É de uma precisão cortante a obra que nos legou o cineasta Idrissa Ouedraogo, morto em 18 de fevereiro. Nascido em Burkina Faso, Ouedraogo reinventou um cinema que ainda inventava a si próprio. Apesar de Burkina Faso ter iniciado uma política nacional voltada ao desenvolvimento das artes locais que permitiu bom desenvolvimento do cinema em comparação com os demais cinemas africanos, Idrissa Ouedraogo é um dos poucos cineastas do país que conseguiu fazer mais do que um ou dois filmes.

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Nesse cenário, ele teve sólida e reconhecida obra, nacional e internacionalmente, a partir dos anos 1980, quando começa a filmar

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Seus filmes tiveram penetração mundial e, mais importante, visibilidade nos países africanos. Ele instruiu, isto é, filmou a África para os africanos e nela encontrou também as suas obsessões temáticas e estéticas. São as tradições e as transições que a vida coloca diante dos indivíduos as questões que mais lhe interessavam filmar.

Eis um cineasta que vislumbrou uma linguagem particularmente africana (um debate frequente), diante de todas as dificuldades que atravessavam e persistem nas periferias cinematográficas no mundo. A África ocidental francófona subsaariana é, como foi sempre, um território em disputa pelos imaginários, pelas identidades nacionais, os processos de descolonização que explodiram nos anos 1960 e, finalmente, o neocolonialismo. Uma vez livres da invasão colonialista formal, era preciso reconstruir a memória, traçar uma história da memória.

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Idrissa as filmou (suas memórias pessoais) ao mesmo tempo em que fornecia as bases para a consolidação de outras, engendrou uma experiência visual que não se acomodou em ser simplesmente política como muitas vezes se exigiu dos cineastas e demais artistas africanos

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Ele reconheceu, eu diria até de forma pioneira, que a luta pela restituição das identidades nacionais, para além dos esforços de independência econômica, política e cultural, é travada também por imagens e por palavras, pois é preciso discutir a questão das línguas africanas por meio do cinema. Estas questões são muito bem colocadas pelo escritor queniano Ngugi Wa Thiong’o, em artigo publicado no livro Cinemas no Mundo – África: indústria, política e mercado, organizado pela Alessandro Meleiro (Ed. Escrituras).

Ouedraogo foi um cinéfilo e seus filmes mais conhecidos, Yaaba e Tilaï, são expoentes da coerência de seu estilo: um gosto profundo e um interesse claro por preencher o silêncio com a alma dos indivíduos que filmava. É uma relação espiritual e material, uma conexão entre a terra e os céus, os vivos e os mortos. E que não se acaba.

Neste sábado, 03, a Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, programou uma homenagem ao cineasta, às 19h30, onde eu comentarei o legado de Ouedraogo após a exibição de Yaaba (1989), um de seus grandes filmes. Será uma sessão especial!

Raquel Grabauska

Quando os filhos saem de casa

Raquel Grabauska
22 de dezembro de 2017

Ninho vazio. Não quero nem pensar nisso. Tá, ainda não é hora de pensar, meus filhos têm três e seis anos – mas bem pertinho de quatro e sete. Só um ano a mais, mas parece tanto! Às vezes em conversas hipotéticas sobre o futuro, conversamos sobre onde eles vão morar. O menor continua brincando e nem dá bola. O maior diz com veemência que nunca vai sair de casa, que não quer ficar longe.

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Eu sei que ele vai pro mundo. Mas ainda é bom pensar que não

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A dinda do menor fez aniversário mês passado. Somos muito amigos da família, então fizemos um almoço de comemoração na casa da mãe dela, que foi minha professora, virou orientadora, mãe, conselheira. O mais velho ficou realmente chateado, sem entender o porquê de ela não morar mais na mesma casa que os pais, já que eles são tão legais.

Íamos assim. Até que… semana passada estávamos no carro. A família toda. Esse foi um semestre puxado, de muito trabalho e muita correria, por isso eu comemorei o fato de estarmos juntos sem ter compromisso. Íamos só sair pra brincar. E o maior disse: eu amo fim de semana. Vou sempre ficar com vocês no fim de semana. Passou um tempo (três segundos) e ele:

“Na verdade, não vou conseguir passar todos. Porque vou ser inventor da Lego na Alemanha. Daí eu tenho que pegar um avião, ir lá, trabalhar um dia e falar com meu chefe ou minha chefe (coisa linda) pra ver se posso voltar e passar o fim de semana com vocês. Daí passo o fim de semana com vocês se eles deixarem.”

Tomara que teus chefes deixem, meu filho… tomara!