Voos Literários

A gente precisa da Velhinha de Taubaté

Flávia Cunha
21 de agosto de 2018
Caro Luis Fernando Verissimo,
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desculpe a ousadia em te escrever. Mas os tempos andam tão estranhos que tem gente por aí dizendo que não houve ditadura militar no Brasil. Foi então que lembrei da Velhinha de Taubaté. Esse personagem emblemático, criado em 1983, talvez seja uma forma de as pessoas recordarem que existia corrupção e roubalheira nos anos de chumbo. Que a vida não era essa maravilha idealizada por saudosistas [possivelmente] mal intencionados e jovens sem interesse por livros de História, essa com H maiúsculo que muita gente diz não servir pra nada.
Fui pesquisar a primeira crônica escrita por ti, Verissimo, lá na época do Figueiredo no poder e deu para ver que a desesperança já estava presente nos nossos corações, combalidos por tantos golpes de Estado ao longo dos tempos:
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A velhinha de Taubaté é o último bastião da credulidade nacional. Ninguém acredita mais em nada nem em ninguém no pais, mas a velhinha de Taubaté acredita. Se não fosse pela velhinha de Taubaté, o país já teria caído, não no abismo, mas na gandaia final, sem disfarce. Mantém-se uma fachada de respeitabilidade para beneficio da velhinha de Taubaté.”
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Eu sei que em um momento de total indignação com a política, Verissimo, tu resolveste matar esse símbolo da ingenuidade. Mas o que acontece é que em 2005, período das denúncias do Mensalão, a gente não podia imaginar que aqui em 2018 as coisas ficariam tão mais complicadas. Que as pessoas voltariam a falar em ameaça comunista e a gente tivesse uma disputa presidencial com candidatos tão nonsense quanto em 1989 – ou mais. O que mais me entristece é que lá naquela tua primeira crônica, já havia sinalização de que o Brasil seria bem pior sem essa personagem:
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Não dá para imaginar o que acontecerá no país depois que a velhinha de Taubaté se for. Tem-se a impressão de que o Brasil só espera o sinal da morte da velhinha de Taubaté para decretar que a bagunça está mesmo decretada, que não tem nada que ficar dando explicação pra otário.”
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No fundo, caro escritor, o que a gente precisa mesmo é da tua ironia para conseguir lidar com essas eleições. Nos ajuda, Verissimo!!
Voos Literários

Leitura para crianças – Investimento Certo Para O Futuro

Flávia Cunha
21 de março de 2017

Vivemos tempos estranhos no cenário sociopolítico brasileiro e mundial, mas sigo firme na convicção que se tem algo que vai mudar o mundo e garantir seres humanos melhores e mais íntegros, é o incentivo à leitura na infância. Eu já falei um pouco sobre o assunto aqui, mas resolvi fazer outro texto com sugestões de obras literárias para os pequenos escritas e publicadas no Brasil. Um pouco para tentar estimular a procura por livros nacionais, em tempos de exaustiva exposição das crianças a produtos derivados de franquias vindas de filmes hollywoodianos (entre eles, livros). Mas também porque as reminiscências me remetem a momentos muito únicos lendo livros brazucas. 

Clássicos infantis (Mas Que Seguem Atuais)

Monteiro Lobato: Tenho ressalvas na questão racial à obra do escritor, considerado o pai da Literatura Infantil Brasileira. (No aniversário de Lobato, 18 de abril, é comemorado o DIa Nacional do Livro Infantil). A figura da Tia Nastácia certamente é marcada pelo preconceito racial, ainda mais gritante do que hoje em dia lá em 1931, quando foi lançado o primeiro livro da turma do Sìtio do Pica-Pau Amarelo. Apesar disso, Reinações de Narizinho ainda merece meu respeito pela forma libertária de apresentar as personagens femininas: Dona Benta, a avó sábia e independente, Narizinho, a menina que sobe em árvores e desvenda o mundo de igual para igual com o primo Pedrinho, e, claro, a atrevida e desbocada Emília. Provavelmente foi depois de conhecer as aventuras dessa boneca de pano atrevida que comecei a questionar a autoridade dos adultos.

Bônus: Menino Maluquinho, do Ziraldo, Marcelo Marmelo Martelo, da Ruth Rocha, e Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado.

Autores Para Adultos Que Também Têm Obras Para Crianças

Érico Verissimo: No total, o escritor consagrado por obras como O Tempo e O Vento e Olhai Os Lírios no Campo, escreveu seis livros para o público infantil. Meu preferido é O Urso com Música na Barriga, uma história encantadora de como tratar com as diferenças. Um dos livros virou filme: As Aventuras do Avião Vermelho.

Bônus: O Mistério do Coelho Pensante e A Mulher Que Matou os Peixes, de Clarice Lispector, As Gêmeas de Moscou, de Luis Fernando Verissimo.

Para Crianças Moderninhas (Com Famílias Que Querem Estimular Esse Lado Libertário)

Por Meio da Música: A coleção Rock Para Pequenos, foi idealizada pelos donos da editora independente brasileira Ideal. O casal Felipe Gasnier e Maria Maier convidaram a escritora Laura D. Macoriello para selecionar os “personagens” dos três volumes e o designer Lucas Dutra para ilustrar os três livros. De Chuck Berry a Rita Lee, as obras buscam agradar roqueirinhos e roqueirões.

Pela igualdade de gênero: A escritora e ilustradora Pri Ferrari criou o livro Coisa de Menina, onde questiona os padrões de comportamentos impostos às crianças de ambos os sexos.  “Por que ainda dizem por aí que certas coisas não são apropriadas para as mulheres”, questiona a autora na apresentação da obra.

Voos Literários

Serão os cartunistas visionários?

Flávia Cunha
7 de fevereiro de 2017

Uma das minhas tirinhas favoritas é a da personagem Mafalda, criada pelo argentino Quino e publicada originalmente entre os anos de 1964 e 1973. A fanpage da personagem no Facebook conta com quase 7 milhões de curtidas, um número respeitável em se tratando de um conteúdo altamente reflexivo. Mafalda, a menina com uma visão de mundo questionadora, que odeia sopa e ama os Beatles, encanta principalmente a leitores da América Latina e Europa.

Lá por 2015, ganhou uma exposição em São Paulo que teve milhares de visitantes. E qual será a razão da continuidade de seu sucesso durante tanto tempo? Arrisco dizer que seja o fato de Mafalda dar voz a angústias infelizmente ainda presentes nos dias atuais, apesar de suas histórias passarem-se na década de 1960. Para mim, uma das frases mais marcantes da personagem é “Essa é a borracha de apagar ideologias”, ao referir-se ao cassetete de um policial. Provavelmente, é o que ainda pensam muitos dos jovens que foram às ruas em protestos e sofreram repressão da polícia, em diferentes estados brasileiros.

Outros integrantes do universo criado por Quino que me chamam especialmente a atenção é a tartaruguinha Burocracia, um símbolo do que há de pior no poder público e suas lentas engrenagens, e a pequena Liberdade, bem menor que o restante dos personagens.

No contexto brasileiro, segue muito atual a tirinha As Cobras, de Luis Fernando Verissimo, apesar do escritor ter parado com a sua produção no já distante ano de 1997, após sua criação na época da ditadura militar no Brasil. Além da dupla de cobrinhas do título, impagáveis em suas reflexões marcadas pela fina ironia de Verissimo contra o poder estabelecido, o personagem Queromeu, o corrupião corrupto, é  a prova de que a corrupção brasileira está longe de ser uma novidade.

Para quem ficou nostálgico, em 2010 foi lançado pela editora Objetiva o livro As Cobras – A Antologia Definitiva, ainda disponível em formato digital nos sites das principais livrarias. A versão impressa dá para conseguir nos sebos online.

(Dedico esse texto ao meu saudoso pai, que me ensinou a ler nas entrelinhas e levar a sério – sem perder o senso de humor – o conteúdo de HQs e cartuns. E agradeço a consultoria do jornalista e amigo geek Eduardo da Camino.)

Para ir além:

Mafalda – Todas as Tiras (edição comemorativa dos 50 anos da personagem) – Martins Editora