Com a voz mansa acompanhada de um violão e um pandeiro, Paulinho da Viola canta, sorrindo, que
Solidão é lava que cobre tudo
Mas não é sorrindo que eu concordo. É concordando que me entristeço ao perceber a semelhança. Estamos sozinhos. A solidão, a lava, cobriu tudo e nos deixou petrificados.
Treze pessoas afirmaram, no último final de semana, que não nos deixarão sozinhos. Querem uma chance para provar que não estão mentindo, querem nosso voto para comandar o Brasil. Eu acredito que a democracia seja o único caminho para o restabelecimento de um sistema político saudável e, principalmente, para alcançarmos a justiça social. Por isso, quero acreditar em uma dessas pessoas.
Aliás, gostaria de acreditar em todos os candidatos e candidatas à presidência da República. Mas é difícil. Estamos sozinhos há muito tempo. Sozinhos, desempregados, miseráveis, sem esperança e com o gosto amargo do abandono na boca.
[A ] Amargura em minha boca,
porém, não é exclusividade, é sintoma social de refluxo de desespero, medo, cansaço e insegurança. Desesperança. Natural que nos sintamos assim diante dos rumos que o Brasil vem tomando. Milhões de pessoas sem emprego; cortes na saúde e educação; problemas gravíssimos na área da segurança; sem contar a crise política e institucional do país. É natural, portanto, que nos sintamos assim. Mas não é saudável. Essa combinação é muito perigosa porque permite que esses sentimentos tomem conta de decisões que deveriam ser racionais. É essa dormência no pensamento que torna sedutores candidatos como Jair Bolsonaro (PSL), que
Sorri seus dentes de chumbo,
ou dos anos de chumbo, que seja. Ele e seu vice, General Mourão (PRTB), saudosos da Ditadura e com o discurso cheio de frases prontas e inflamadas, prometem o que não podem cumprir; falam o que não deveriam dizer. Iludem. De novidade, o meme ambulante não tem nem o preconceito. Mas a mesma dormência que faz com que parte da população deposite sua confiança em Bolsonaro também favorece paixões que nos cegam por conveniência. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, está sendo achincalhado por parte da esquerda e por ter escolhido Kátia Abreu (PDT) como vice – a rainha da motosserra para alguns, em alusão ao vínculo com o agronegócio. A mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff de forma incondicional e, por isso, foi expulsa do MDB. Aliás, a mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff, que escolheu Michel Temer (MDB) como vice.
A decisão de Ciro Gomes foi pragmática, pode ser boa ou ruim, mas não se pode negar que ele não teve escolha depois de o PT inviabilizar sua coligação com o PSB e o deixar sozinho.
Solidão [é] palavra cavada no coração
de Ciro Gomes, cuja candidatura tem apenas o apoio do obscuro AVANTE e terá de sobreviver ao seu temperamento para levar uns votinhos daqui e outros dali. Ciro se mantém em um muro conveniente, sem se posicionar sobre assuntos polêmicos ou que demandem atenção ideológica. Afinal, a centro-esquerda está fragmentada e o PT deixou muito claro que está pensando em si, apenas. Lançou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril, e indicou Fernando Haddad como vice. Mas todos sabemos que essa candidatura não será autorizada e que Haddad será o candidato de fato, com Manuela D´Ávila (PCdoB) como vice.
Faz sentido que o coro por Lula Livre siga eleição adentro, é legítimo que seja assim. Assim como faz sentido, do ponto de vista estratégico, o acordo com o PCdoB, porque estender a possibilidade de candidatura de Lula dá força à chapa. Mas não é transparente com o eleitor. Simplesmente não é.
O candidato é Lula, mas não é Lula, é Haddad; o candidato a vice-presidente é Haddad, mas é Manuela, que foi confirmada como candidata pelo seu partido, mas depois desistiu e agora é a vice do vice. É a dança da convenção.
Do lado de cá, do lado dos que só assistem, o povo espera uma resolução,
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão por tudo. Desilusão porque, no final das contas, continuamos sozinhos. No final das contas, parece que nada muda. O discurso de Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, continua o mesmo engodo. Na convenção em que foi indicado, disse que vai “devolver aos brasileiros a dignidade que lhes foi roubada.” Ele fala como se o seu partido não tivesse parte nesse roubo. Ele ainda criticou quem usa “o ódio como combustível de manipulação eleitoral”, logo ele, que convidou Ana Amélia Lemos (PP) para ser sua vice, a mesma que “confundiu” Al Jazeera com Al Qaeda e acusou a petista Gleisi Hoffmann de violar a Lei de Segurança Nacional ao fazer o que ela chamou de “pedido para o Exército Islâmico atuar no Brasil”. A mesma que aplaudiu violência na caravana promovida por Lula pelo interior do Rio Grande do Sul. “Botaram para correr aquele que foi lá, levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, levantar o rebenque é mostrar onde estão os gaúchos”, disse. Parece piada, mas é a mais pura realidade da política brasileira. Isso sem contar o apoio do “centrão” – que bem poderia ser direitão -, aquele bloco de partidos cuja foto está no dicionário ao lado da palavra fisiologismo.
Desilusão, desilusão Danço eu dança você Na dança da [convenção]
Na dança da convenção e convenções. Marina Silva (Rede) se uniu, justamente, ao seu antigo partido, o PV, e na dança das convenções se apresenta contra tudo e contra todos. No primeiro evento após sua candidatura ter sido oficializada, disse que “discursos extremistas que prometem saídas fáceis para uma crise complexa crescem na sociedade brasileira, alimentando-se de nossa insegurança e de nossa revolta. Já vimos esse filme antes e sabemos como ele acaba”, disse.
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Bem, Marina está certa. Paulinho da Viola também, não podemos esquecer do passado. Mas é aí que Marina erra o pulo, afinal, ela fez parte desse passado. Como ministra de Lula, como candidata à presidência pelo PSB, ao dar apoio a Aécio Neves (PSDB). Ela também atuou nesse filme. O mesmo vale para Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central durante o governo Lula e Ministro da Fazenda nos últimos dois anos.
Paulinho da Viola diz, com entusiasmo, que
Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura Quem beber daquela água não terá mais amargura
Apesar da análise amarga, permaneço otimista em encontrar a fonte de água pura que me curará da amargura. Escolho acreditar na democracia, escolho acreditar em um desses 13 candidatos. Os que listei acima são os melhores colocados nas pesquisas mais recentes, mas há outros candidatos na disputa. Abaixo, veja a lista dos candidatos e candidatas à presidência.
Na tempestade, o bote do eleitor de esquerda é Lula
Igor Natusch
26 de abril de 2017
Ex-presidente Lula participa da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Promovi uma pequena enquete pelo Twitter na semana passada. Meu objetivo: entender um pouco melhor a disposição dos setores mais à esquerda para um voto conveniente nas eleições de 2018 (caso elas aconteçam, é claro). Abaixo, o enunciado e as respostas:
Algumas ressalvas. É evidente que se trata, acima de tudo, de um estudo de bolha – afinal, a imensa maioria das pessoas que tiveram contato com a enquete ou eram meus amigos e seguidores, ou eram pessoas próximas a esses que tiveram a chance de ver a enquete por meio de algum retweet. Um círculo pouco extenso e, portanto, de pouco ou nenhum valor científico. As opções também não foram as ideais: minha ideia inicial era ter cinco opções, com a candidatura do PSOL separada dos votos nulos. Porém, a ferramenta do Twitter infelizmente limita a quatro o número de alternativas – e, como para mim os nomes de Lula, Marina e Ciro eram fundamentais, fui forçado a juntar o partido com a opção de não votar em nenhum dos candidatos. Isso gera problemas óbvios para a leitura, como o fato de eu não saber exatamente quantos votariam nulo no cenário proposto. Ainda assim, acho que dá para tirar algumas reflexões usando essa enquetezinha como suporte.
A amostragem não é de todo desprezível, e a bolha no caso quase ajuda, pois a maioria dos meus seguidores são identificados com ideários progressistas e, portanto, mais pretensos a buscar opções de centro-esquerda em um cenário tão polarizado como deve ser o do ano que vem.
Ideologia fragmentada
O cenário que se desenha, a gente bem sabe, é de centro-esquerda fragmentada. É um momento de queda de hegemonia do PT, que durante décadas praticamente monopolizou o voto viável para esse nicho, ao menos em escala federal. Há um vácuo evidente nesse protagonismo, que será mais ou menos acentuado na medida em que Lula – única figura petista (e da centro-esquerda) cujas chances de vencer estão acima de debate – tiver ou não a oportunidade de concorrer.
Um exemplo é Ciro Gomes. Sem Lula, é um candidato a ser levado em conta; com o barbudo no páreo, perde muito de sua força, não sendo absurdo supor que possa deixar de lado sua convicção de momento e aceite concorrer como vice em uma chapa PT-PDT.
Talvez até mais do que uma briga pelo Planalto, o lado esquerdo do cenário político vê o pleito como uma chance de tomar a dianteira entre seus iguais – acima de tudo, se Lula não estiver na disputa.
Para o eleitor, a coisa é bem outra. Trata-se de lidar com um cenário desesperador – onde João Dória aparece como fenômeno midiático, Jair Bolsonaro cresce no submundo das redes sociais e não faltam Alckmins e Aécios aguardando o momento mais adequado para colocar o bloco na rua. Direitos históricos dos trabalhadores estão sendo profundamente visados, outros que vinham sendo construídos estão sob sério risco diante de um verdadeiro levante obscurantista, e tudo isso enquanto minorias seguem oprimidas por movimentações cada vez mais hostis, no Executivo e no Congresso.
Em resumo, ninguém parece pensar nas urnas como forma de legitimar um possível nome forte para o futuro à esquerda: o negócio é apagar incêndio, e rápido. A pequena amostra que temos até aqui mostra isso: o voto por convicção ou identificação ideológica fraqueja, diante de uma escolha cada vez mais clara por alguém que evite o pior. A quantidade de frases nessa direção, na enquete e no dia a dia, que tenho ouvido é testemunho claríssimo disso.
Esse cenário é de Lula
O discurso de que votar é uma escolha entre o criticável e o inaceitável vem sendo há tempos o mote das campanhas petistas – foi assim na reeleição de Dilma Rousseff, qualquer um há de lembrar. Num cenário onde os sonhos ruins de todos os progressistas viram realidade em frequência quase diária, reforçar esse discurso torna-se muito mais fácil. Ainda mais para uma figura como Lula.
Além de ter construído uma imagem quase messiânica em torno de si, o ex-presidente tem sido igualmente eficiente em construir, na imaginação de enormes contingentes, a narrativa de pai dos pobres perseguido por uma direita rancorosa e uma investigação injusta, determinada a destruí-lo.
Some-se a essa conjunção de fatores o já bastante consolidado ‘mito do gestor’: a convicção tácita e crescente de que o problema dos políticos é justamente serem políticos, e que é importante colocar no poder figuras que vejam o Executivo como um espaço de eficiência e objetividade. Sem desperdícios e sem perder tempo com discussões de fundo. Sem o debate conceitual, a esquerda perde muito do seu potencial, e a maré não está nem um pouco para esse tipo de discussão. Lula, com sua figura e seu discurso, é talvez o único político da “velha guarda” praticamente imune a esse tipo de colocação – praticamente.
Não é surpreendente (embora seja digno de nota) que muitos setores críticos ao modelo petista de governo federal estejam dispostos a engolir todas as críticas e reconduzir Lula ao Planalto. Há uma certeza (sustentava inclusive em pesquisas de opinião de escala nacional) de que, se ele concorrer, ele pode ganhar, somada a uma impressão não-expressa, mas presente, de que os outros não podem. E, ao menos para grande parte, sua vitória parece muito menos apavorante que a alternativa. Não que o voto convicto esteja inviável, mas vê-se na maioria das mentes submisso a uma narrativa de urgência que, pouco ou muito real que seja, é suficientemente convincente para ditar todas as decisões.
Queiramos ou não, Lula já é o nome forte do lado esquerdo do ponteiro. E isso já está consolidado.
A pergunta de um milhão de dólares: Lula conseguirá concorrer?
Que ele deseja, não há dúvida; sua situação com a lei, no entanto, pode facilmente impedi-lo. Poucos desejam que ele concorra – e isso não se aplica apenas à centro-direita, mas igualmente aos mais diferentes setores de esquerda que se opõem, por lógica político-eleitoral ou divergência ideológica, ao modelo petista de gestão e construção de alianças. Mas o eleitorado que teme as alternativas conservadoras e/ou liberais que estão na mesa demonstra claramente sua disposição de votar no barbudo, com uma convicção que pode ser pouco calorosa, mas não dá qualquer sinal de que possa arrefecer.