Igor Natusch

Na tempestade, o bote do eleitor de esquerda é Lula

Igor Natusch
26 de abril de 2017
Ex-presidente Lula participa da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Promovi uma pequena enquete pelo Twitter na semana passada. Meu objetivo: entender um pouco melhor a disposição dos setores mais à esquerda para um voto conveniente nas eleições de 2018 (caso elas aconteçam, é claro). Abaixo, o enunciado e as respostas:

https://twitter.com/igornatusch/status/854020659072180224

Algumas ressalvas. É evidente que se trata, acima de tudo, de um estudo de bolha – afinal, a imensa maioria das pessoas que tiveram contato com a enquete ou eram meus amigos e seguidores, ou eram pessoas próximas a esses que tiveram a chance de ver a enquete por meio de algum retweet. Um círculo pouco extenso e, portanto, de pouco ou nenhum valor científico. As opções também não foram as ideais: minha ideia inicial era ter cinco opções, com a candidatura do PSOL separada dos votos nulos. Porém, a ferramenta do Twitter infelizmente limita a quatro o número de alternativas – e, como para mim os nomes de Lula, Marina e Ciro eram fundamentais, fui forçado a juntar o partido com a opção de não votar em nenhum dos candidatos. Isso gera problemas óbvios para a leitura, como o fato de eu não saber exatamente quantos votariam nulo no cenário proposto. Ainda assim, acho que dá para tirar algumas reflexões usando essa enquetezinha como suporte.

A amostragem não é de todo desprezível, e a bolha no caso quase ajuda, pois a maioria dos meus seguidores são identificados com ideários progressistas e, portanto, mais pretensos a buscar opções de centro-esquerda em um cenário tão polarizado como deve ser o do ano que vem.

Ideologia fragmentada

O cenário que se desenha, a gente bem sabe, é de centro-esquerda fragmentada. É um momento de queda de hegemonia do PT, que durante décadas praticamente monopolizou o voto viável para esse nicho, ao menos em escala federal. Há um vácuo evidente nesse protagonismo, que será mais ou menos acentuado na medida em que Lula – única figura petista (e da centro-esquerda) cujas chances de vencer estão acima de debate – tiver ou não a oportunidade de concorrer.

Um exemplo é Ciro Gomes. Sem Lula, é um candidato a ser levado em conta; com o barbudo no páreo, perde muito de sua força, não sendo absurdo supor que possa deixar de lado sua convicção de momento e aceite concorrer como vice em uma chapa PT-PDT.

Talvez até mais do que uma briga pelo Planalto, o lado esquerdo do cenário político vê o pleito como uma chance de tomar a dianteira entre seus iguais – acima de tudo, se Lula não estiver na disputa.

Para o eleitor, a coisa é bem outra. Trata-se de lidar com um cenário desesperador – onde João Dória aparece como fenômeno midiático, Jair Bolsonaro cresce no submundo das redes sociais e não faltam Alckmins e Aécios aguardando o momento mais adequado para colocar o bloco na rua. Direitos históricos dos trabalhadores estão sendo profundamente visados, outros que vinham sendo construídos estão sob sério risco diante de um verdadeiro levante obscurantista, e tudo isso enquanto minorias seguem oprimidas por movimentações cada vez mais hostis, no Executivo e no Congresso.

Em resumo, ninguém parece pensar nas urnas como forma de legitimar um possível nome forte para o futuro à esquerda: o negócio é apagar incêndio, e rápido. A pequena amostra que temos até aqui mostra isso: o voto por convicção ou identificação ideológica fraqueja, diante de uma escolha cada vez mais clara por alguém que evite o pior. A quantidade de frases nessa direção, na enquete e no dia a dia, que tenho ouvido é testemunho claríssimo disso.

Esse cenário é de Lula

O discurso de que votar é uma escolha entre o criticável e o inaceitável vem sendo há tempos o mote das campanhas petistas – foi assim na reeleição de Dilma Rousseff, qualquer um há de lembrar. Num cenário onde os sonhos ruins de todos os progressistas viram realidade em frequência quase diária, reforçar esse discurso torna-se muito mais fácil.  Ainda mais para uma figura como Lula.

Além de ter construído uma imagem quase messiânica em torno de si, o ex-presidente tem sido igualmente eficiente em construir, na imaginação de enormes contingentes, a narrativa de pai dos pobres perseguido por uma direita rancorosa e uma investigação injusta, determinada a destruí-lo.

Some-se a essa conjunção de fatores o já bastante consolidado ‘mito do gestor’: a convicção tácita e crescente de que o problema dos políticos é justamente serem políticos, e que é importante colocar no poder figuras que vejam o Executivo como um espaço de eficiência e objetividade. Sem desperdícios e sem perder tempo com discussões de fundo. Sem o debate conceitual, a esquerda perde muito do seu potencial, e a maré não está nem um pouco para esse tipo de discussão. Lula, com sua figura e seu discurso, é talvez o único político da “velha guarda” praticamente imune a esse tipo de colocação – praticamente.

Não é surpreendente (embora seja digno de nota) que muitos setores críticos ao modelo petista de governo federal estejam dispostos a engolir todas as críticas e reconduzir Lula ao Planalto. Há uma certeza (sustentava inclusive em pesquisas de opinião de escala nacional) de que, se ele concorrer, ele pode ganhar, somada a uma impressão não-expressa, mas presente, de que os outros não podem. E, ao menos para grande parte, sua vitória parece muito menos apavorante que a alternativa. Não que o voto convicto esteja inviável, mas vê-se na maioria das mentes submisso a uma narrativa de urgência que, pouco ou muito real que seja, é suficientemente convincente para ditar todas as decisões.

Queiramos ou não, Lula já é o nome forte do lado esquerdo do ponteiro. E isso já está consolidado.

A pergunta de um milhão de dólares: Lula conseguirá concorrer?

Que ele deseja, não há dúvida; sua situação com a lei, no entanto, pode facilmente impedi-lo. Poucos desejam que ele concorra – e isso não se aplica apenas à centro-direita, mas igualmente aos mais diferentes setores de esquerda que se opõem, por lógica político-eleitoral ou divergência ideológica, ao modelo petista de gestão e construção de alianças. Mas o eleitorado que teme as alternativas conservadoras e/ou liberais que estão na mesa demonstra claramente sua disposição de votar no barbudo, com uma convicção que pode ser pouco calorosa, mas não dá qualquer sinal de que possa arrefecer.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil