Igor Natusch

Jair Bolsonaro nos ameaça. Quem ele pensa que é?

Igor Natusch
30 de setembro de 2018
Mulheres protestam contra o presidenciável Jair Bolsonaro no centro do Rio

Jair Bolsonaro é um golpista e uma figura nefasta para o Brasil. Suas últimas falas (em especial esse absurdo inominável de só aceitar o resultado das urnas se ele for eleito) deixam claro que ele não deseja servir à democracia, mas sim sequestrá-la. Bolsonaro é a pura vulgaridade política, no sentido mais grotesco de preconceito, ódio e despreparo, mas nem é disso que estamos falando: o que pega, aqui, é a declaração clara de que deseja usar o processo democrático apenas como ponte – e se a ponte não servir, a democracia que se lasque.

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Seu desprezo pelas regras do jogo é um insulto a quem tenta construir uma democracia, ou ao menos algo perto disso, no Brasil. Nenhuma condenação é pouca para seus disparates. É dever de quem preza nossa ainda frágil tentativa de democracia enfrentar essa figura funesta e sua candidatura, deixando claro o engodo e o suicídio político que ela representa.

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Antes dessas falas, repudiar Bolsonaro ainda poderia, para alguns, parecer uma questão de preferência política. A partir delas, em especial, essa posição torna-se impossível sem uma dose considerável de desapego à realidade. Nada – muito mesmo o antipetismo, essa versão caricatural e fascista que o ódio aos pobres e/ou diferentes toma em nosso país – justifica jogar ao fogo o pouco de representatividade que temos, o muito de liberdade e coesão social que ainda precisamos construir. Há outros candidatos, há outras formas de combater o petismo, se isso é mesmo tão importante. Votar Bolsonaro, em termos de solução, equivale a incendiar o prédio porque não se consegue consertar um vazamento no terceiro andar.

Mas é ainda mais que isso.

Bolsonaro não é apenas uma ameaça conceitual: é concreta. Ele ameaça a nós todos. Sem disfarces. De modo arrogante – pois o que é dizer que “não pode falar pelos comandantes militares” caso Fernando Haddad vença, senão arrogância e disposição golpista? Ele diz que devemos nos ajoelhar não ao resultado das urnas, mas à vontade dele, Bolsonaro, e de mais ninguém. Isso é um insulto a todos nós – inclusive a seus eleitores, mesmo que esses não percebam. Me elejam, ou vou tocar o terror.

Quem Bolsonaro pensa que é, para falar com o Brasil inteiro desse jeito?

O fascismo é um ideário de morte. Celebrar a vida, e a liberdade de existir que é inerente ao viver, é um poderoso ato de resistência. E o Brasil, liderado pelas mulheres (nossa grande força transformadora, desde sempre e mais do que nunca), disse no último sábado que a morte se enfrenta vivendo, e que não vamos – nós, o que recusamos a ameaça personificada em Jair Bolsonaro – nos encolher em um canto, com medo da morte.

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O resultado das urnas ninguém sabe qual será. Pode ser inclusive a eleição de Jair Bolsonaro, por que não? Se a nação brasileira optar por jogar-se no abismo, assim será. Mas a liberdade não é algo que se entregue de mão beijada ao valentão que grita mais alto. Cabe enfrentar a ameaça,  lutar até o fim para vencê-la e tentar sair mais fortes disso tudo.

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Derrotar Bolsonaro nas urnas, é claro, não resolve problema algum. O Brasil seguirá cindido, talvez mais do que nunca, e as inúmeras angústias que alimentam esse flerte coletivo com a autodestruição seguirão existindo e exigindo respostas. Reconstruir as pontes incendiadas nos últimos anos será uma tarefa imensa, talvez até irrealizável. Mas nenhuma solução, por mais difícil e dolorosa que seja, poderá nascer do que esse cidadão diz, pensa e faz. Bolsonaro não é um candidato comum: é um opressor e oportunista que deseja, de forma tosca e às nossas custas, transformar-se em tirano.

Não existe neutralidade possível diante da infâmia. Que todas as vozes e bandeiras alinhadas com a busca da democracia sigam se erguendo e, juntas, derrotem essa figura vulgar de volta à irrelevância da qual jamais deveria ter saído.

Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

Igor Natusch

Nada de bate-boca – o negócio é mostrar que Bolsonaro não manja nada

Igor Natusch
1 de agosto de 2018

É difícil acertar o tom de sobriedade quando se fala de Jair Bolsonaro. Por um lado, é fundamental demonstrar, de forma séria e enfática, os riscos que sua candidatura traz à claudicante democracia brasileira, bem como à sociedade como um todo. Porém, não seria sábio ignorar que é justamente dessa oposição que o candidato do PSL tira muito de sua força: o confronto é seu espinafre, é no bate-boca que ele se fortalece, e qualquer contestação a ele serve para reforçar, junto a seu eleitorado cativo, a ideia de todos-contra-ele que é o coração de sua tentativa de chegar à presidência.

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Aos que prezam pelo básico em termos de liberdade e direitos fundamentais, a omissão diante de Bolsonaro pode ser trágica. E ir para o confronto direto não ajuda, já que o tensionamento é justamente o que sua candidatura mais deseja. O que fazer, então?

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Quem assistiu ao Roda Viva com Bolsonaro, programa exibido pela TV Cultura na última segunda-feira, teve a chance de tirar algumas pistas. Não acho que a sabatina tenha tido o poder de mudar posições arraigadas: quem sente ojeriza a Bolsonaro saiu ainda mais nauseado, quem o apoia e enxerga nele a vocalização de seus medos e intolerâncias só enxergou motivos para ampliar sua idolatria. De fato, boa parte do programa foi um desperdício nesse sentido, com inúmeras questões voltadas às coisas horrendas que o candidato defende – terreno onde ele se move com desenvoltura, soltando inúmeras frases de efeito para o delírio de seu público cativo. Não há novidade possível nessa abordagem: o deputado fará a sua cena habitual, ganhará aplausos delirantes de seu fandom e ainda poderá usar a repulsa dos oponentes como mecanismo de confirmação. Não é com essa munição que se estoura o balão bolsonarista – com a ressalva, é claro, de que derrubar o candidato Bolsonaro não é, e nem precisa ser, a meta primeira dos jornalista que eventualmente o entrevistem.

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A trilha que surge, a partir das declarações públicas de Bolsonaro, aponta para outro alvo, em outra direção: a linha do meio

Os indecisos

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Porque é inegável que existe uma legião de brasileiros, tomados pelos mais diferentes tipos de angústia, que não odeiam Bolsonaro por definição, mas também não morrem de amores por ele. Talvez nem mesmo o conheçam. Talvez só tenham ouvido falar e, no momento, nutrem não mais que uma pequena antipatia, ou uma simpatia igualmente imprecisa. Em quem esses eleitores votarão – e mais, de que maneira vão escolher, a partir de quais diretrizes e bandeiras decidirão seu voto?

Foi curioso ver o fenômeno de redes sociais tentando abrir o discurso em alguns momentos. Sua expressão ficava tensa, a voz gaguejava, perdia-se toda a desenvoltura tão bem exercida quando o assunto é soltar frases de baixo nível para agradar o eleitorado cativo. Alguns momentos (como a pífia leitura sobre mortalidade infantil e o constrangedor desconhecimento sobre a situação dos trabalhadores do campo) seriam dignos de uma comédia, não fossem o fato apavorante de virem de um candidato à presidência do Brasil.

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Se a interpretação exige um mínimo de conteúdo, o personagem Bolsonaro começa a sorrir amarelo, como um ator pouco competente que esquece as falas segundos antes de entrar em cena. Esse é seu calcanhar de aquiles, a kryptonita que pode derrubá-lo: a sua absoluta falta de conhecimento sobre qualquer coisa que seja relevante para o futuro do país.

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As pessoas querem respostas fáceis, sim. Mas não tão fáceis que nem como respostas consigam convencer. Tire de Bolsonaro seus espantalhos e a tendência é que não sobre muita coisa.

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Menosprezar o candidato do PSL a essa altura do campeonato seria, por certo, uma tolice absoluta. Mas também não nos ajudará em nada achar que a criatura é imbatível – algo que, definitivamente, não é. Esse mesmo Bolsonaro fracassou em obter o apoio do centrão, tão necessário para dar a ele valiosos cabos eleitorais e significativos segundos de rádio e TV. Esse mesmo Bolsonaro enfrenta grandes dificuldades para fechar um vice, algo inusitado para alguém supostamente tão próximo da vitória – nem mesmo Janaína Paschoal, a cada vez mais caricata responsável pelo pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, empolgou-se com a ideia de subir no palanque ao lado do mito.

Sua força nas redes sociais é inegável, e sua capacidade de virar centro de todas as discussões relacionadas a direitos fundamentais é para lá de perigosa. Mas ainda está para ser visto até que ponto isso vira apoio na hora da verdade, o quanto isso é capaz de manter viva uma candidatura que estará praticamente ausente das mídias tradicionais, que vai precisar demais das manchetes para não ficar acorrentada às correntes de Whatsapp.

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É preciso expor Bolsonaro aos que, ainda incertos sobre o voto em 7 de outubro, seguem ao alcance sinistro do grito mais alto, da resposta simples ao problema complexo

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Deixar claro que Bolsonaro é feito de vento, e que seus apoiadores, na grande maioria, apenas repetem memes e frases feitas, sem refletir sobre as implicações do que estão dizendo. E me parece fundamental fazer isso com serenidade e frieza – pois a exaltação ou, por outro lado, o deboche são armas que só servem ao culto bolsonarista, independente de quem as esteja empunhando. Para a maioria das pessoas, ironia soa como arrogância, e arrogância desperta imediata antipatia. É preciso fazer o que os jornalistas na bancada do Roda Viva conseguiram poucas vezes fazer, mas sempre com bom resultado: tirar a discussão da gritaria e do bate-boca, reconduzi-la ao embate de ideias. Porque, de ideias, Bolsonaro é um deserto. E quanto mais deserto ele parecer, menos convincente sua figura conseguirá ser.

Pode ser que não dê certo. Afinal, é uma luta dura, e nós já estamos atrasados. Mas é preciso tentar, com firmeza e de forma incansável. A opção é sentar na pracinha e chorar, ou ficar torcendo pelo acomodar das melancias na carroça política nacional – algo que, como temos visto, até pode acontecer, mas está bem longe de ser uma aposta segura.

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Igor Natusch

Bolsonaro entrou na mira – e é melhor Jair se acostumando

Igor Natusch
10 de janeiro de 2018
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro durante o adiamento da votação de processo contra Jean Wyllys (Wilson Dias/Agência Brasil)

Não tem sido uma semana boa para Jair Bolsonaro e seus defensores nas redes sociais. Já começou delicada, com reportagem sobre a rapidez inusitada com que a família do deputado federal somou imóveis a seu patrimônio, alguns em pechinchas sinceramente difíceis de acreditar. Continuou com a lista de perguntas não respondidas pelo parlamentar, além do recebimento mensal de auxílio-moradia quando é notório que Bolsonaro tem imóvel em Brasília para morar. Tentando neutralizar a maré negativa, tentou o presidenciável mencionar o dinheiro que devolveu à Câmara Federal – só para, logo em seguida, ver nas manchetes os mais de R$ 770 mil que ele diz ter entregue, mas que nunca efetivamente repassou. Agora, a Folha de S. Paulo manda um editorial que, digamos, longe está de ser conciliador em direção ao provável candidato presidencial.

Os protestos contra as “fake news” foram muitos, além de uma verdadeira corrente-para-frente de passadores de pano. Mas, parafraseando os próprios apoiadores de Bolsonaro, eu diria: é melhor Jair se acostumando. Porque não é nada difícil prever que a carga sobre ele está só começando, e tende a ficar ainda mais cerrada daqui para frente

 

Entre tantas outras coisas, política é questão de timing – e isso vale tanto para o momento de tomar posição no cenário quanto, eventualmente, para atacar. Desde o fim do ano passado já é claro que setor significativo do poder financeiro e da mídia não quer Bolsonaro, desenhando o pré-candidato como um dos extremos a combater (o outro sendo Lula). Manobra que, por óbvio, abre a trilha para um terceiro nome, supostamente mais conciliador que ambos e capaz de unir as duas pontas e pacificar o país. É algo que tende a ganhar contornos mais visíveis daqui para frente – especialmente porque ninguém que faça diferença parece, no momento, disposto a divergir dessa estratégia e endossar Bolsonaro em sua empreitada presidencial.

Temos um paradoxo, aqui. Bolsonaro é o segundo nas intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas; mesmo assim, nenhuma grande figura política se aproxima ou busca articulação. O único até agora foi Onyx Lorenzoni, cujo destaque é apenas regional e que há tempos briga (sem sucesso) por supremacia dentro da própria sigla, o DEM. Praticamente ninguém que leva sua carreira política a sério no Brasil quer tocar a candidatura Bolsonaro, por um singelo motivo: porque sente que, ao menos no atual momento, ele é uma figura tóxica.

Quando falo em “tóxica”, não estou me referindo exatamente às ideias reacionárias e doentias, ao discurso odioso, ou mesmo à escancarada incompetência parlamentar do pré-candidato. Muito mais importante que isso é a falta absoluta de estofo no que de fato interessa. Bolsonaro é um ignorante total em economia – se duvida, basta assistir esse vídeo de uma entrevista com Mariana Godoy, onde a incapacidade dele fica impossível de contornar.

Suas tentativas de vender a si mesmo como alguém sintonizado com as necessidades dos investidores, aqui e lá fora, foram grandes fracassos. E não vai ser o raquítico fundo partidário do PSL, partido vampirizado da vez, que vai colocar na rua uma campanha eleitoral efetivamente capaz de vencer.

 

Aí está, em resumo, o ponto decisivo que faz a candidatura de Bolsonaro esfriar: ele não é, nunca foi e possivelmente não conseguirá ser o candidato do poder financeiro. E isso é mais que suficiente para inviabilizar todo o resto

 

Bolsonaro só tem a seu favor o potencial viral, o encanto do outsider. Não entende nada de um dos temas centrais do cenário brasileiro atual, e é intelectual e politicamente incapaz de articular com quem entende. Não deve ser menosprezado de forma alguma, mas tampouco deve ser alçado a um status de quase imbatível que ele, claramente, não foi capaz (ainda, pelo menos) de atingir. A pose que adota é a de um fenômeno irresistível, mas o fato é que Bolsonaro está bem menos forte do que gosta de dar a entender.

 

Não há como cravar coisa alguma no cenário atual, mas a tendência, hoje, é que candidatura chegue ao período eleitoral bem mais anêmica (política e financeiramente) do que precisaria, em um partido nanico e com setores significativos atuando concretamente para não oferecer a ela qualquer chance de sucesso

 

Pesquisas são importantes, mas não são apenas elas que decidem para onde a grana vai. São retrato de um momento, de possibilidades ainda não concretizadas; indicam, sim, mas não garantem nada. E se o homem que se destaca nelas é incapaz de garantir qualquer coisa a quem alavanca campanhas no Brasil, não é de se duvidar inclusive que sua corrida pelo Planalto acabe ficando só na promessa, trocada por um alvo mais fácil de atingir, como uma reeleição na Câmara ou um novo cargo no Senado. Afinal, sua pífia atuação parlamentar tem sido, há décadas, seu ganha-pão, e perder a Presidência não deve render muitas palestras e consultorias a alguém como Bolsonaro, se é que vocês me entendem.

Se o jogo é, como deduzo, delimitar dois radicais para surfar entre eles, Bolsonaro pode preparar o lombo. Lula já está emparedado; em poucas semanas, a tendência é de que se confirme sua condenação em segunda instância. Saindo o barbudo do combate, o radical a ser abatido passa a ser Bolsonaro. E suspeito que só a imagem de mito de redes sociais, sem qualquer suporte real e palpável por trás, pode ser insuficiente para segurar a onda.

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil