Geórgia Santos

Facebook entre censura e responsabilidade

Geórgia Santos
26 de julho de 2018

O Facebook removeu de sua plataforma 283 contas brasileiras que, segundo comunicado oficial, violaram as políticas da empresa. As 196 páginas e 87 perfis eram vinculados à direita e, na maioria dos casos, ao Movimento Brasil Livre (MBL). Não foi por esse motivo, no entanto, que foram desativadas. Em nota divulgada ontem, a rede social garante que, após rigorosa investigação, detectou o uso de contas falsas com o propósito de espalhar desinformação.

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Essas Páginas e Perfis faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação.

(Garantindo um ambiente autêntico e seguro, por Nathaniel Gleicher, líder de Cibersegurança)

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No comunicado, o líder de Cibersergurança da empresa, Nathaniel Gleicher, afirma que o trabalho de retirar essas contas do ar faz parte de uma ação permanente de agir contra pessoas “mal intencionadas” que violam as Políticas de Autenticidade e Padrões da Comunidade do Facebook.

Algumas das páginas e perfis desativados são conhecidos do grande público pelo hábito de difundir informação falsa e/ou manipular essas informações. Em outras palavras, são contas conhecidas por divulgar fake news como Jornalivre, Diário Nacional e Movimento Brasil 200.

Não é segredo que há uma rede organizada com o propósito de difundir a desinformação, mas os números surpreenderam inclusive quem estuda o tema.  O Monitor do Debate Político no Meio Digital, criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), acompanha páginas de direita e esquerda desde 2016 com o objetivo de identificar a difusão de fake news. Nesses dois anos, o grupo mapeou 20 páginas que produziam, em média, 126 postagens por dia e somavam 150 milhões de interações somente no ano passado.

Em comunicado no Facebook, o grupo explica que essa desproporção sugere que o Facebook identificou a criação de uma rede de páginas que, provavelmente, seria usada durante a eleição. 

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Das que já estavam em atividade e eram relevantes, caíram a página do Jornalivre e do Diário Nacional. Como o Facebook não retira páginas que divulgam notícias falsas, mas apenas páginas administradas por perfis falsos, é provável que todas as páginas tinham sido criadas com contas falsas. Um dos perfis que supostamente administrava a página do Jornalivre também caiu, o que sugere que era falsa.

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Ficou bastante claro que o Facebook está “se vacinando” para evitar que aconteça no Brasil o que houve nos Estados Unidos. Afinal, a criação de uma rede virtual – mas bem real – para espalhar notícias falsas foi uma das estratégias utilizadas pela Alt-Right durante a campanha de Donald Trump. No Brasil, a rede de fake news já está bem articulada e financiada. E o Facebook já se prepara para combater isso. Nesta semana, no texto “Protegendo as Eleições no Brasil”, a empresa afirma  estar comprometida “em conter a disseminação de conteúdo de baixa qualidade e garantir que as pessoas saibam identificar fontes de notícias confiáveis.”

Uma pena que tenha demorado tanto a agir, já que há muito anos o Facebook se manteve omisso com relação a conteúdos falsos e, inclusive, ofensivos. Sempre  sob a justificativa de ser contrário à censura – o que é algo bastante diferente apesar do que o MBL diz.

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A resposta do MBL . mais informações falsas

O empresário Flávio Rocha, que financiava o Movimento Brasil 200 e, até poucos dias atrás era candidato à presidência da República pelo PRB, afirmou no Twitter que a ação do Facebook era “uma violência” e que  “nem no tempo da ditadura se verificava tamanho absurdo.” Já o MBL divulgou comunicado reconhecendo que várias das contas desativadas eram ligadas ao movimento e prometeu “tomar providências.” O texto diz ainda que o MBL e outras páginas vinculadas a direita estão sofrendo “censura” e “perseguição ideológica”.

O mais interessante da história é que o MBL reage com mais desinformação e distorção. Em um post no Facebook, por exemplo, o grupo diz o seguinte: “Facebook admite que exclusão de perfis não tem nada a ver com “fake news” E agora imprensa? Vão pedir desculpas pelo “erro”?” Isso é de uma desonestidade intelectual sem fim. O motivo de a rede social ter desativado as páginas diz respeito à violação das políticas da empresa, mas isso não exclui o fato de essas mesmas páginas divulgarem informações falsas. Tanto que a justificativa da empresa, por escrito, é o “propósito de espalhar desinformação.” Até porque, se o critério fosse a veracidade das informações, a página do MBL não resistiria à devassa.

A situação é tão absurda que, logo após o Facebook remover as páginas e perfis de sua plataforma, o MBL postou o seguinte:

O valor das ações da empresa realmente teve queda na Bolsa de Nova York, mas em função do balanço da empresa divulgado também na quarta-feira, que mostra que o Facebook não atingiu as projeções dos analistas e frustrou investidores. 

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Entre censura e responsabilidade

Após tantas reclamações de censura por parte do Facebook, recorri a um livro que considero fundamental no debate sobre liberdade de expressão: Free Speech – Ten Principles for a Connected World, de Timothy Garton Ash (Liberdade de Expressão – Dez princípios para um mundo conectado, em tradução livre). A obra de quase 400 páginas é um tratado sobre a liberdade de se expressar em um mundo conectado.

Primeiro, o que aconteceu com essas 283 páginas e perfis não é censura. Não que a censura seja exclusividade de governos, ela pode acontecer em instituições privadas. Mas neste caso, há um contrato em jogo. Quando se cria um conta no Facebook, “assinamos” um contrato em que concordamos com as políticas da empresa. Assinalar aquele quadradinho que quase sempre passa batido é dar poder a empresa para tomar esse tipo de decisão. Da mesma forma que não podemos publicar a gravura de uma mulher nua, ou fotos em que os mamilos apareçam.

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Ou seja, essas páginas violaram o contrato e, por isso, foram desativadas

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Mas não significa que o debate sobre censura e responsabilidade não seja importante. Eu, particularmente, acredito que as “grandes potências privadas”, como diz Garton Ash, devem, sim, assumir responsabilidades públicas e com o público. Não podem ser omissas diante da desinformação. E na lista incluo Google, Twitter, Amazon, Apple e, é claro, o Facebook. Essas empresas são, de certa forma, donas de espaços públicos. E fazem mais do que simplesmente oferecer a plataforma para debate. Elas determinam como se debate, com quem e sobre o que. 

Mas qual o limite entre a responsabilidade e a censura? Como se assume essa responsabilidade sem  impor, a exemplo de regimes totalitários, o que é ou não verdade? Como fazer isso? Se o Facebook desativar páginas com base no critério das fakes news, é uma boa notícia? Não sei. Não tenho respostas pra isso, apenas mais perguntas.

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“So the good sword of truth will only be kept sharp if it is constantly tried against the axes and bludgeons of falsehood.” 

“Assim a boa espada da verdade só será mantida afiada se for constantemente testada contra os machados e golpes da falsidade.”

(Garton Ash, 2016, p.75)

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Fiquei satisfeita com a retirada de páginas e perfis que tenham o propósito de desinformar. Espero que seja uma política perene, e não apenas preventiva, já que a eleição está virando a esquina. E também espero que renda um debate frutífero sobre como equilibrar liberdade e responsabilidade neste mundo conectado. Afinal, a liberdade de expressão é um teste constante sobre como viver em uma sociedade que é, por essência, diversa e conflituosa.

 

Geórgia Santos

Vamos aproveitar a Copa com leveza

Geórgia Santos
2 de julho de 2018

Por que eu gosto tanto da Copa? A verdade é que eu não sei. Responder que eu gosto de futebol não é suficiente, porque eu não fico assistindo a Champions League, por exemplo, com exceção das finais e olhe lá. Aliás, não assisto muita coisa além dos jogos do Grêmio. Não sei porque gosto tanto da Copa. Mas gosto muito. E aproveito muito.

A primeira Copa de que tenho lembrança é a de 1994. Eu criança, lembro bem dos braços do Bebeto indo de um lado para outro a cada comemoração de gol, balançando aquele nenê invisível mas que todos víamos; está gravado na minha memória o rabinho estranho no cabelo  de Roberto Baggio; quem não recorda do “Vai que é sua, Taffarel!”, e daquela roupa escandalosa do goleiro? Também não preciso do Youtube para lembrar do Galvão pulando, com Pelé pendurado no pescoço, enquanto gritava “Cabô! Acabou! É Tetra! É Tetra!”. Lembro dos meus pais, geralmente discretos, pulando e celebrando e chorando. Não só eles, mas a família inteira. Os adultos pareciam entorpecidos – provavelmente estavam, eu é que não conhecia os efeitos do álcool. Mas não era só o álcool.

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Levei 20 anos para perceber aquela celebração de 94 não era como qualquer outra, mas era o desabafo de um jejum de mais de duas décadas

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Mas foi a Copa do Mundo de 1998 que me marcou. Até a final de 98, tudo o que eu conhecia em Copas era vitória. Brasil era tetra, como o Galvão não nos deixava esquecer. Nós éramos os últimos campeões do mundo, os únicos a vencer o torneio por quatro vezes. Nós éramos o Brasil. Eu não sabia o que era perder até 12 de julho de 1998.

Há 20 anos, eu pedi pra o meu pai o “V” da vitória, o xodó dos torcedores brasileiros. Era uma espécie de luva em látex para os dedos indicador e do meio, o famoso pai de todos. Era muito legal. Não ganhei, meu pai comprou um genérico, de pano, na loja de R$1.99, que era uma novidade. Ficava caindo da minha mão, porque era enorme, mas eu adorava. Pedi uma camisa da seleção, não levei. Minha mãe tinha ganho uma camiseta do Guga falsificada, igual a que ele usava em Roland-Garros, mas era horrível.  Nem aí, usei sempre. Pintei a cara com tinta guache, que secava e craquelava; enrolava o corpo em uma bandeira mal pintada; amarrava uma bandana, também no Guga, na cabeça e era só alegria. Tudo estava bem. Tinha até me conformado com a ausência do Romário.

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Aí apareceu o Zidane e eu descobri o que era perder na Copa

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Eu chorei, chorei muito. Meus pais me abraçavam, com dó. Tenho quase certeza que achavam quase divertido, embora minha cara fosse de cortar o coração. Havia uma obra nos fundos da casa e foi lá que me refugiei, aos prantos, sentada entre os tijolos. Era um pouco de drama, sim, muito antes de Neymar, mas eu estava profundamente triste. Eu não conseguia entender como o todo poderoso Brasil estava naquela situação. Como não ganhamos? Nós não ganhamos sempre? Aos dez anos, era complicado entender o tempo, não sabia o que eram 24 anos, não conseguia assimilar a dimensão daquele hiato.  

Desde aquela Copa da França, ganhamos o penta em 2002 e é isso. Em 2006, a seleção dos sonhos foi parada pela França (de novo) nas quartas de final. Em 2010 eu não sei o que aconteceu, é uma Copa que foi completamente apagada da minha memória. Já a de 2014 eu adoraria esquecer, apagar dos meus neurônios  a lembrança dolorosa do famigerado 7 a 1. E agora estamos aqui, em 2018. Estamos há 16 anos sem ganhar e eu, finalmente, compreendo a dormência do jejum de mais de uma década. 

Bah, mas como eu gosto da Copa do Mundo. Não sei porque gosto tanto da Copa. Mas gosto muito. E aproveito muito. É um momento para exorcizar demônios; para torcer;  se apaixonar;  gritar; abraçar; beijar; curtir; sorrir; cantar. É um momento para encarnar o espírito do canarinho pistola, o melhor mascote de todos os tempos; para esquecer do trabalho; esquecer dos problemas; esquecer da política; esquecer da dor.

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Vamos aproveitar a Copa com leveza. É uma válvula de escape com prazo de validade e ele já está chegando

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Não percam tempo reclamando do nosso melhor jogador, falando de alienação, xingando a geração belga, dizendo que os uruguaios são melhores que a gente, que o Messi não joga nada, que a posse de bola matou o futebol, que o Tite é chato. Aproveitem a Copa com leveza. Já nos tiraram tanto, não vamos deixar que nos tirem o prazer de torcer.

Foto de capa: Joosep Martinson – FIFA/FIFA via Getty Images

 

Geórgia Santos

A Copa do Mundo e a perspectiva das coisas

Geórgia Santos
27 de junho de 2018

Talvez a gente dê muita importância à Copa do Mundo. Não sei mensurar o valor adequado a se dispensar a esse tipo de evento.

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Para poucos, não significa absolutamente nada;

Para alguns, redenção;

Para tantos, é desafogo;

Para outros, paixão;

Para muitos, apenas entretenimento;

Para quem gosta muito de futebol, é tudo isso junto;

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Eu gosto muito de futebol. Eu adoro assistir à Copa do Mundo. Eu adoro ver o Brasil em campo. Eu adoro ver a seleção canarinho erguer a taça – estou com saudades, inclusive. Azar. Eu adoro assistir ao efeito que esse torneio causa nas pessoas.

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Especialmente porque tudo é uma questão de perspectiva

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Se, para um brasileiro pentacampeão, erguer a taça é um dever. Para um panamenho, a vitória é outra. É a primeira vez que o Panamá participa da Copa do Mundo e o seu torcedor soube aproveitar a honra como poucos. Tanto é assim que, no jogo contra a Inglaterra, o gol do zagueiro Baloy foi celebrado como se já não tivesse levado seis gols do adversário. O pé direito de Felipe Baloy foi a redenção do estreantes, que comemoraram o gol como se fosse um título.

Photo by Maja Hitij – FIFA/FIFA via Getty Images)

Baloy chorou, foi abraçado pelos companheiros, abraçado pela torcida, abraçado pela família e entrou para a história como o estreante mais velho a marcar em Copas – 37 anos e 120 dias.

Algo parecido aconteceu com o Peru, de volta à Copa depois de 36 anos. Já eliminado, venceu a Austrália por 2 a 0. O último gol dos peruanos em um Mundia foi marcado em 1982, na Espanha. A última vitória aconteceu quatro anos antes, na Argentina. Foi somente agora, em 2018, na Rússia, que o desafogo chegou nos pés de Carrillo e Guerrero.

E além da redenção e desafogo dos panamenhos e peruanos, temos a paixão dos argentinos, que comoveu até mesmo os maiores rivais; a alegria dos senegaleses; o contentamento dos islandeses; a esperança dos iranianos; o desolamento dos alemães; o conforto dos sul-coreanos; o temor dos mexicanos; o susto dos portugueses; a fé dos nigerianos; a tranquilidade dos belgas; a surpresa dos croatas; e a lista segue.

Mas daqui a pouco tem Brasil e, de minha parte, Brasil em campo é tudo isso junto. É uma questão de perspectiva.

(Photo by Jamie Squire – FIFA/FIFA via Getty Images)

Geórgia Santos

Dia de amor em tempos de cólera

Geórgia Santos
12 de junho de 2018

As caixas de comentários de portais de notícias quaisquer fazem parecer que estamos presos em um romance de realismo fantástico. Exceto a parte do amor e com cólera a sobrar. E definitivamente sem a poesia de García Márquez. Em Baioque, Chico Buarque canta que odeia e adora numa mesma oração. Nós também, eu acho. O problema é que entre a possiblidade de expressão de ira e a devoção, ficamos com a primeira. E abraçamos e acariciamos e protegemos e resguardamos o direito de expressar esse ódio como se nossa alma se alimentasse disso, dependesse disso. Sem que percebamos, as redes sociais tornam-se receptáculos de toda a sorte de fel, sem destinatário e destinado a todos.

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Mas tem um dia em que o amor parece suplantar  o ódio na internet

Hoje

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Tudo indica que os tempos de cólera descansam e o Dueto transforma em amor e paz. Sim, é uma data instituída por um publicitário que queria aquecer o mercado no mês de junho. Azar. Colou. E se há quem se renda ao consumismo, há quem celebre o amor. Aquele amor que consta nos autos, signos e búzios. Aquele amor que está num anúncio, num cartaz ou no espelho. Aquele amor abençoado pelo evangelho e protegido pelos orixás. Aquele amor dos autos, teses, tratados e dados oficiais. Aquele amor de bulas e dogmas. Aquele amor de karma, carne, lábios e novela. Aquele amor que acredita em ciganas, profetas e conselhos. Aquele amor que desafia projetos, mapas e a ciência. Amor seguro, pichado no muro.

Não sei se sei falar de amor, mas Chico Buarque me ajuda. E nessa ajuda ele atualizou o Dueto e, com alento, garante que amor e paz também estão no Google, no Twitter, no WhatsApp, Instagram, Snapchat. No Face. E se o destino insistir em provar o contrário, danem-se minhas palavras e as dele. Hoje é dia de amor e paz.

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Geórgia Santos

Não aprendemos a valorizar trabalho

Geórgia Santos
1 de maio de 2018

Fiz essa foto aí de cima em Cartagena, na Colômbia. São dezenas das famosas bolsas multicoloridas conhecidas trançadas pelo povo Wayuu, grupo da península de La Guajira. Impossível não ficar hipnotizada com algo tão vivo, tão bonito. Comprei uma amarela de tom profundo, que não aparece na imagem. Não tenho certeza absoluta de quanto paguei, mas se não me falha a memória, entre R$ 20 e R$ 50 – ainda aposto no menor valor.  De porte de minha bolsa nova, fiz algumas fotografias e segui andando.

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Mas o que a imagem de capa não mostra é a cena retratada abaixo

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Eu, tão encantada com as bolsas, não fui capaz de trocar duas palavras com essa senhora. Ela fazia um trabalho manual impecável e, segundo minha memória, com agilidade impressionante. Era natural, ela fazia com facilidade algo que seria extremamente difícil pra mim – isso se eu conseguisse fazer. E eu não só não troquei duas palavras com ela como ainda pechinchei para comprar uma bolsa extremamente barata, possivelmente com uma margem de lucro mínima. Pechinchei para comprar um produto que em sites de compra brasileiros chega a custar R$400.

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Esse é só um exemplo do nosso descaso com o trabalho e a proporcional obsessão por bens

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O desespero por consumo, de fato, já fez um senhor estrago na sociedade brasileira. Nós não aprendemos a valorizar o trabalho, mas o produto. Aceitamos pagar milhões por um apartamento, mas choramos quando um pintor decente cobra quaisquer cem reais.  Gastamos uma fortuna em aparelhos eletrônicos mas não admitimos “pagar bem” a um eletricista. A situação é tão absurda que, no Brasil, metade dos trabalhadores recebe MENOS que o salário mínimo, pouco mais de R$700.

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Se considerados os 5% brasileiros com menores salários, a renda média cai para apenas R$ 73 mensais

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Lamento, senhores, mas isso não é o reflexo de um país que valoriza o trabalho. E olha que sequer mencionei os mais de 12 milhões de desempregados. Em meio a reflexões como essas, lembro dos muitos amigos que foram para o exterior à procura de emprego. Eu ficava impressionada com o fato de que pessoas com ensino superior – às vezes com pós-graduação – viajavam para a Europa ou Estados Unidos para trabalharem em ofícios que sequer seriam cogitados no Brasil. Até que um deles me disse: “Porque o salário é bom, e o salário é bom não apenas por ser um país desenvolvido, mas porque eles valorizam o trabalho. Todo trabalho.”

Uau, aquilo me atingiu como um soco no estômago. Sem perceber, eu estava reproduzindo uma lógica de alienação, atribuindo menor valor a trabalhos não intelectuais. Eu era parte do sistema e sequer havia me dado conta.

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Marx e o trabalho

É difícil falar do trabalho sob o ponto de vista sociológico sem citar Karl Marx – mesmo para mim, uma reformista. O filósofo entendia o trabalho como a atividade fundamental e central da humanidade. E como ele considerava o homem um ser social, estabeleceu que a divisão do trabalho determina as relações dos indivíduos entre si.

A partir do conceito de alienação, ele desenha uma teoria em que o trabalhador, pela lógica capitalista, se tornaria estranho ao produto de sua atividade e, como consequência,  o produto se consolidaria como uma espécie de poder independente. O conceito de alienação do trabalho de Marx é bastante complexo, assim como todo O Capital, mas é um ponto de partida interessante para repensarmos a nossa relação com o trabalho.

Marxista ou não, é difícil negar que há uma supervalorização do produto em detrimento da mão-da-obra. Ou vamos esquecer das constantes denúncias de exploração e trabalho análogo ao escravo? Vamos esquecer que 90% da população brasileira recebe menos de R$3mil?  Que 22% da população vive abaixo da linha da pobreza?

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Vamos fingir que não há famílias inteiras que tem uma renda inferior ao preço da nossa calça jeans?

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Sem contar que, no Brasil, só consideramos trabalhador aquele esta no chão de fábrica, como se isso fosse menor ou menos importante. Perdemos inclusive a noção de pertencimento em uma sociedade em que a elite é formada por pessoas que não percebem que não pertencem à elite, mas são exploradas por ela. Que esse Dia do Trabalhador não nos deixe esquecer. 

Geórgia Santos

Coração bobo

Geórgia Santos
2 de abril de 2018

Meu coração tá batendo como quem diz: não tem jeito. Canta Alceu Valença e canto eu. Ele canta que o coração dos aflitos pipoca dentro do peito. Canto eu que o coração dos aflitos encolhe dentro do corpo. Coração bobo. Encolhe a cada palavra de ódio, encolhe toda vez que alguém perde a razão, encolhe sempre que a empatia se apaga, encolhe quando o absurdo se torna a verdade de alguns.

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O coração dos aflitos pipoca dentro do peito

O coração dos aflitos encolhe cada vez mais

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É como se a gente não conseguisse fugir do destino de que já não há mais coração. A gente se ilude dizendo: já não há mais coração. Canta Alceu Valença e canto eu. Já não há. Não pode haver diante do absurdo que se torna a verdade de alguns. Ontem mesmo, o procurador da República Deltan Dallagnol escreveu no Twitter sobre o que ele chamou de “Dia D da luta contra a corrupção na Lava Jato.” Nada fora do comum. É prerrogativa de ofício e ele já havia se posicionado sobre o tema da prisão em segunda instância. “Uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além.” A derrota seria a concessão do habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma novidade. Inclusive concordo que o precedente é perigoso, embora considere que a prisão em segunda instância talvez seja o precedente uma vez analisado o texto da constituição. Mas ele continua: “O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país.”

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Um procurador da República discorre sobre uma questão jurídica e espera que ela se resolva não com a análise de legislação do Estado laico em que vive, mas com oração, com jejum, com torcida. O absurdo que se torna a verdade de alguns está normalizado. Já não há coração que aguente. Não pode haver.

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Pouco tempo depois, o juiz federal Marcelo Bretas respondeu: “Caro irmão em Cristo, como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei em oração, em favor do nosso país e do nosso povo.” Assim, em alguns minutos, duas autoridades transformaram uma discussão jurídica absolutamente válida em uma disputa entre o bem e o mal. Por meio da narrativa, mistura-se religião ao judiciário – para além da questão do aborto. O absurdo que se torna a verdade de alguns é reforçado. Já não há coração inteiro. Não pode haver.

O colunista da Veja, Ricardo Noblat, solta o balão de ensaio e escreve que um “ministro muito próximo do presidente Michel Temer duvida que haja eleições em outubro próximo.” Já não há coração. Não pode haver. Os amigos de Michel Temer são presos e a resposta do Planalto é que não passa de conspiração. Já não há coração. Não pode haver. Tiro, relho, racismo, hipocrisia. Já não há coração. Não pode haver.

A desesperança me toma e, como já não há mais coração, penso que talvez aquele de quem não falamos o nome deva mesmo ser o próximo presidente do Brasil. Quem sabe assim o fundo do poço não chegue mais depressa e mais depressa podemos sair de lá.

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Mas não. Esse papo de que já não há mais coração é uma ilusão

A gente se ilude

Canta Alceu Valença e canto eu

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A letra que sugere uma desilusão amorosa é uma homenagem ao Clube Náutico Capibaribe, que por anos demoliu o coração do torcedor pernambucano. Mesmo diante de derrotas, porém, os aflitos sempre voltam para casa. É assim comigo. A desesperança é só da boca pra fora, é só um desabafo de um coração cansado.

Eu continuo acreditando nas pessoas, continuo acreditando na democracia representativa, no Estado de bem-estar social, na liberdade de expressão, religião e associação, nos Direitos Humanos, na igualdade.

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Coração bobo, bobo, bobo, bobo, bola, bola, bola de balão

A gente se ilude dizendo: já não há mais coração

 

Imagem: Pixabay

Geórgia Santos

Guardem as flores, meninos – estejam ao nosso lado

Geórgia Santos
8 de março de 2018

Dia 8 de março é um dia poderoso e um tanto curioso. Mulheres são mimadas, paparicadas. Recebemos flores, um carinho aqui e acolá, um chocolatinho no restaurante, um abraço dos colegas de trabalho, mensagenzinhas pré-fabricadas e poeminhas medíocres espalham-se pelo Facebook. Obrigada. É gentil. Mas parem, não tem mais graça.

Não, não estou mal-humorada, apenas cansada. Exausta, eu diria. O Dia Internacional da Mulher não é uma data para celebrar nossa sensibilidade, nosso cuidado, nosso amor inato; não é uma data para celebrar nossa beleza, nossa vaidade, nossa feminilidade; não é uma data para agradecer a quem cuida da casa, dos filhos, da louça, da roupa, das plantas.

A ideia de um Dia da Mulher surgiu entre o final do século 19 e início do século 20, entre movimentos socialistas e operários, justamente no contexto das lutas femininas por melhores condições de vida e trabalho e pelo direito ao voto. Em 1975, o 8 de março foi adotado como Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidos com o objetivo de celebrar conquistas sociais, políticas e econômicas. Mas principalmente para lembrar o quanto ainda precisamos lutar. E aqui estamos nós, em 2018 e dadas as devidas proporções, lutando por melhores condições de vida e trabalho.

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Por isso, meninos, guardem as flores por hoje e estejam ao nosso lado

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Homens e mulheres são diferentes, sim, mas possuem as mesmas capacidades e habilidades. Homens não são superiores. Mulheres não são superiores. Homens e mulheres são equivalentes e precisam ser tratados como tal. O feminismo busca isso e tem espaço para todos os gêneros nesse movimento que, mesmo múltiplo e com muitas vertentes, luta por justiça e igualdade. E unidade é particularmente importante em um mundo em que as pessoas acreditam que ser feminista é sinônimo de recalque.

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“Feminismo é discurso de mulher macho recalcada, que fica se fazendo de vítima. Mulher tem as mesmas oportunidades que os homens e essas feministas ficam querendo botar as mulheres contra os homens”, dizia um comentário infame na nossa rede social favorita

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Vamos aos fatos

Dados do Fórum Econômico Mundial indicam que, no ritmo atual, precisará de um século para acabar com a disparidade entre homens e mulheres. Levará cem anos para que alcançar a igualdade de gênero tanto nas tarefas domésticas quanto no trabalho ou política. Precisa de mais motivos?

No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres tem nível de escolaridade mais alto, mesmo assim, recebem salários menores. Em média, 76,5% do salário dos homens. Ainda não se convenceu?

A cada dez minutos uma mulher é assassinada pelo parceiro (ou ex) no mundo. No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas apenas por ser mulher.

Então não, não estou mal-humorada, apenas cansada. Exausta, eu diria. O Dia Internacional da Mulher não é uma data para celebrar futilidades, é um dia para lembrar de todas as mulheres que sobreviveram à invisibilidade e foram rebeldes e desobedientes o suficiente para mostrar ao mundo que nós podemos fazer qualquer coisa. Porque nós podemos.

 

Foto: Pixabay

Geórgia Santos

Entenda por que esporte é lugar de política, sim

Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2018

Tiago Leifert escreveu, em artigo para a revista GQ, que “Evento esportivo não é lugar de manifestação política”. Foi profundamente infeliz. Simples assim. Em apenas um texto, o jornalista ignora o significado de política e cidadania e, ao mesmo tempo, nega a História.

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“Olhando por todos os lados, não vejo motivos para politizar o esporte”

(Tiago Leifert)

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Estas 12 palavras são um resumo justo da ignorância que o texto inteiro transmite. Imediatamente após ler, minha memória foi inundada por imagens que todos já vimos em algum momento de nossas efêmeras e insignificantes existências.

(Ullstein Bild / Getty Images)

A amizade entre o medalhista olímpico Jesse Owens e o alemão Luz Long fez cair o queixo de Adolf Hitler. Owens foi o atleta negro que ganhou quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. Luz o abraçou diante de milhares de pessoas, entre elas milhares que acreditavam na superioridade dos arianos. Entre elas Adolf Hitler. Aquele abraço foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse em um evento esportivo daquela magnitude.


(Riccardo Gazzaniga /Arquivo / San Francisco Globe)

Uma das cenas mais emblemáticas da história da Olimpíada foi protagonizada no México, em 1968. Tommie Smith e John Carlos, atletas dos 200m rasos que ficaram com as medalhas de ouro e bronze, respectivamente, ergueram os punhos fechados durante a execução do hino nacional. O gesto havia sido consagrado pelo movimento dos Panteras Negras, que combatia a discriminação racial nos Estados Unidos na década de 60. Eles foram expulsos daquela edição dos jogos, condenados pela imprensa e por parte da população branca americana. Ainda assim, foram e são considerados heróis na luta pelos direitos civis dos negros norteamericanos. Aquele gesto foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse um evento esportivo daquela magnitude.

(Arquivo/Clube dos Cinco)

No Brasil, a Democracia Corinthiana revolucionou o futebol em plena Ditadura Militar. Decisões importantes eram tomadas por meio do voto igualitário dos membros do clube, inclusive decisões sobre a liberdade para expressar opiniões políticas. O movimento foi liderado por Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon. Entre 1980 e 1984, o clube adotou a autogestão, quitou suas dívidas e ainda deixou U$ 3 milhões em caixa. A Democracia Corinthiana foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo daquela magnitude.

(Divulgação / Libretos)

Mais próximo, quem não lembra da Coligay, do Grêmio, a primeira torcida formada exclusivamente por homossexuais. Era pura ousadia em plena Ditadura. Em 1977, Volmar Santos fundou a falange que chamava atenção por dar um grito de liberdade em um meio que, até hoje, é extremamente homofóbico e machista. O jornalista Léo Gerchmann relatou a história desses caras incríveis no livro “Coligay – Tricolor e de todas as cores”. A Coligay foi um ato político e não teria o mesmo significado se não fosse parte de um evento esportivo de tamanho magnitude.

E estes foram apenas os que lembrei de memória. Sem falar em Colin Kaepernik, jogador da NFL que se ajoelhou durante a execução do hino dos EUA como forma de protesto pela forma como os negros são perseguidos e mortos pela polícia do país. O jornalista acha que foi um erro, porque o atleta está desempregado. Pelo menos a revista para a qual ele escreve não concorda.

                                                                                                                                                                                                                                                                                      (Reprodução)

Leifert fala que não acha “justo justo ele (o atleta) hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais”. Ai. Política não é uma causa pessoal, por mais que nossos representantes nos façam acreditar que seja. Política é algo maior que partidos ou tendências ideológicas pessoais. Política está relacionada justamente com a vida em sociedade da qual o indivíduo e o esporte fazem parte. Falando de um regime democrático, política garante que todos expressem suas diferenças e conflitos sem que isso seja um problema.

Os eventos esportivos atingem milhares de pessoas e precisam ser usados com a responsabilidade que grandes audiências trazem. Isso pode ser negativo? Pode. No Brasil, já tivemos o péssimo exemplo da ditadura interferindo no Campeonato Brasileiro. O livro “Onde a Arena vai mal, um time no nacional”, de Daniel Araújo dos Santos, conta a história de como os militares utilizavam o Brasileirão como manobra para atrair adeptos ao partido que estava no poder. Sem falar no uso da Seleção Brasileira de 1970 para promover o regime. Por essas e outras, o esporte precisa estar aberto à resistência, assim como todas as esferas públicas da vida em sociedade em uma democracia.

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Leifert diz:

“Acho também que temos de respeitar os espaços destinados à diversão, senão nosso mundo vai ficar ainda mais maluco”

“Tem muita coisa contaminada por aí. Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão”

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O nome disso é alienação, amigo

Geórgia Santos

30 coisas que aprendi com o Retorno de Saturno

Geórgia Santos
19 de fevereiro de 2018

O Retorno de Saturno acontece quando o planeta completa sua órbita ao redor do sol e volta ao mesmo lugar do céu em que estava no momento do nosso nascimento. É uma p* de uma piração cósmica que interfere nas nossas vidas entre as idades de 27 e 33 anos. Segundo astrólogos, é a transição crucial da infância para a vida adulta.

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Em outras palavras, o Retorno de Saturno é o período em que amadurecemos – à força

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Raramente é um ciclo tranquilo. Pelo contrário. Está muito associado a comportamentos destrutivos como o consumo excessivo de álcool e drogas. Lembra do Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Cobain e Amy Winehouse? Então, todos morreram com 27 anos. Tenso.

Eu não morri aos 27, mas foi uma tortura psicológica. Emagreci, engordei, fumei muito, parei, bebi, parei, casei, estudei, fumei mais, viajei, chorei, morri de medo, deprimi. Houve coisas boas, casei com meu amor, viajei, me diverti. Mas o drama da vida real não terminava. Era como se eu estivesse presa no Feitiço do Tempo, mas com mais frustração e letargia. Mas eu sobrevivi. Sobrevivi e entendi.

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Era o momento de decidir o que eu queria levar para a vida. Espiritual, emocional e fisicamente. E o que deixar para trás

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Amanhã eu faço 30 anos, então aqui estão 30 coisas que eu aprendi com o Retorno de Saturno

 

1. As coisas não mudam a menos que a gente faça mudar. É fundamental compreender isso desde cedo. Se a gente não alterar determinados padrões de comportamento, os resultados serão sempre os mesmos. A soma de 2 + 2 sempre será quatro;

2. Amar é fundamental para a sobrevivência de qualquer ser humano. Ame diariamente e diga em voz alta. Pessoalmente, por telefone, por escrito. Apenas diga. Sempre. E isso inclui amor próprio;

3. Se emagrecer 10 quilos em um mês com alguma dieta maluca, eles voltarão em dobro no verão seguinte;

4. NÃO precisa ter o corpo de uma Angel da Victoria Secrets para merecer atenção e se sentir bonita;

5. É importante sempre ter um docinho em casa, pois a fúria de uma vontade súbita de comer doce é incontrolável e pode estragar o dia. Mas em pouca quantidade;

6. Refrigerantes são um atraso. É sério. Só vale manter em casa uma lata de tônica para o gim e uma lata de coca-cola para acompanhar uma Fernet. Só;

7. A mentira nunca é permanente. Mas a verdade brutal às vezes machuca. Portanto não esqueça de Cazuza e suas mentiras sinceras;

8. Lágrimas são combustível. Chore bastante, sempre que sentir vontade. Jamais reprima um choro, não importa aonde estiver. Choro é liberdade;

9. Não há lugar melhor que a nossa casa;

10. Vinho é vida. Faz bem para a pele e faz bem para a alma;

11. Meditar todos os dias alivia a carga de estresse. Autoconhecimento e concentração ajudam em absolutamente todas as esferas da nossa vida em níveis inacreditáveis. O simples fato de parar para respirar no meio da loucura do dia-a-dia já tem o potencial para mudar o curso das coisas;

12. Tudo passa. Esse período é como a adolescência, tudo é muito dolorido, as reações muito viscerais, mas com o passar de alguns meses ou anos, tudo não passa de um borrão quase infantil. Acredite;

13. Os produtos naturais são infinitamente melhores que os químicos. A natureza fornece tudo o que a gente precisa para cuidar do cabelo, da pele e da casa. #Gogreen

14. Uma camiseta branca, um jeans e um tênis é tudo o que se precisa para vestir bem . Ah, e um batom vermelho;

15. Desapego é importante para seguir em frente. Faça revisões periódicas e doe as roupas que não são usadas há mais de um ano. Há quem precise delas – e muito;

16. O nosso mundo é desenhado pra que a gente acredite na necessidade de consumir tudo ao mesmo tempo agora. Simplesmente não é verdade. Provavelmente a gente tenha o suficiente para viver por anos e anos e anos e anos;

17. Viajar é fundamental. Escapar para a praia ou para o interior pelo menos a cada dois meses ajuda a colocar as ideias no lugar, fugir da violência e da pressa;

18. Não há a menor necessidade de guardar papeis velhos, recibos antigos ou contas de luz de 1912. Isso só acumula sujeira e energia e atrasa a nossa vida. É coisa de mãe, eu sei, mas uma casa organizada reflete em uma mente organizada. É muito mais fácil viver em um ambiente livre;

19. Ajudar os amigos é importante, mas jamais negligencie sua saúde mental para isso. Algumas pessoas não querem ser ajudadas e os seus próprios dramas são grandes o suficiente;

20. Comer menos carne clareia a mente. Além, é claro, de os puns ficarem menos fedorentos;

21. É vital sempre ter um remédio para dor de cabeça na bolsa. Sempre;

22. Ser gentil com todos torna a vida bem mais fácil;

23. Sorrir bastante, todos os dias, é contagiante e melhora o astral. Mesmo nos dias em que tudo parece ruim;

24. É importante ter coragem para mudar o que está errado e se afastar de quem nos faz mal;

25. Jamais trabalhe com quem não gosta de você. Um ambiente hostil pode destruir o espírito e autoconfiança de qualquer pessoa;

26. Escolha sempre a felicidade e a realização ao dinheiro. Um alto salário é atraente, óbvio, mas se não vier acompanhado de orgulho pelo ofício, não de nada vale. É fugaz;

27. Todo mundo tem (muita) celulite. E a Anitta tá aí pra não me deixar mentir;

28. As mulheres são seres extremamente resilientes. Resistem a provações inimagináveis para um homem;

29. Cinema e música curam quase tudo;

30. Nós somos responsáveis por quase tudo o que acontece em nossas vidas. Encontrar um terceiro culpado é cômodo, quase sempre óbvio, quase sempre o terceiro culpado existe, de fato. Mas reconhecer que a nossa vida é fruto das nossas escolhas é ações é a consequência dura e do amadurecimento.

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Foto: Arquivo Pessoal

Geórgia Santos

Entre o Bolsa Família e uma Louis Vuitton

Geórgia Santos
5 de fevereiro de 2018

Há muitos anos são ouvidos brados retumbantes de quem é contra o Bolsa Família. Esse programa criminoso que ajuda os miseráveis a saírem da pobreza extrema, que absurdo, vejam só.

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“Onde já se viu, dar dinheiro a alguém sem que mereça”

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“As pessoas recebem esse dinheiro pra não ter que trabalhar. O povo tá sustentando vagabundo”

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“Não dá pra dar o peixe, tem que ensinar a pescar” (minha favorita)

 

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Esses são apenas três dos “argumentos” que recheiam caixas de comentários Facebook afora. Não vou entrar no mérito dos programas de mobilidade social, em cujo potencial eu acredito. Muito menos me dedico a comentar sua apropriação política, que não vem ao caso. Minha intenção é abordar o tema sob o ponto de vista humanitário.

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Você sabe o valor do Bolsa Família?

O benefício é pago de diferentes maneiras, dependendo da composição do grupo familiar e da faixa de renda. Não é um programa perfeito, mas ajuda as pessoas a superarem a linha da miséria. Há várias categorias dentro do Bolsa Família, mas para facilitar o entendimento, falemos do teto. O maior benefício possível de receber é de R$ 364,00.

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Uma família com baixo nível de renda, com CINCO crianças e DOIS adolescentes vinculados ao benefício , recebe R$ 364,00

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E isso é uma ofensa aos brasileiros, aos que se dizem cidadãos de bem e não admitem pagar pelo sustento dos outros com seus impostos, mesmo que sonegados. Compreendo perfeitamente o fato de que há pessoas que não acreditam em programas deste tipo, que não enxergam benefícios no assistencialismo, que não percebem vantagens em um auxílio como este. Compreendo mesmo, sem ironia. O indivíduo é formado por múltiplas variáveis e não sou do tipo que acredita em ideologia certa, por mais que defenda o lado que considero mais adequado à nossa realidade. Mas não compreendo como alguém pode ser desconectado da realidade a ponto de acreditar que R$364,00 é dinheiro suficiente para acomodar uma família inteira. Uma família numerosa, esquecida e marginalizada pela desigualdade cruel que assola o Brasil.

 

Hoje, quase 30% de toda a renda do Brasil está na mão de apenas 1% da população. A Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada pelo economista francês Thomas Pektty, ainda aponta que é a mais concentração no mundo. Em termos práticos, relatório da Oxfam indica que CINCO pessoas tem patrimônio equivalente ao da METADE DA POPULAÇÃO brasileira mais pobre.

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CINCO pessoas tem patrimônio equivalente ao de CEM MILHÕES

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Nessa linha, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que metade dos trabalhadores ocupados (formais) tem renda menor que um salário mínimo. A média salarial dessa fatia da população era, em 2016, de R$ 747,00, abaixo dos R$ 880,00 estipulados para o ano. Na outra ponta do espectro social há apenas 889 MIL pessoas, que compõem a fatia dos mais abonados e recebem, em média, R$ 27 mil por mês.

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É nessa faixa privilegiada em que se encontram os magistrados do país

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Segundo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), um juiz substituo recebe R$ 27.500 mensais, para falar apenas do salário mais baixo. É uma categoria distinta, especialmente diante da desigualdade colossal que mancha de sangue e suor a nossa sociedade. Mas não para por aí, os juízes (assim como parlamentares e outros membros dos três poderes) tem direito a um benefício chamado auxílio-moradia.

Assim como fiz com o Bolsa Família, falemos de teto. O valor máximo do benefício é de R$ 4.377, 37, número que, segundo a pesquisa já mencionada do IBGE, supera o salario de 92% da população brasileira. O benefício é um reembolso das despesas com moradia que começou com a mudança da capital brasileira para Brasília. Supondo-se que os deputados só teriam imóveis em suas cidades de origem, criou-se um dispositivo que suprisse os gastos com moradia em Brasília. Em seguida foi ampliado para outros poderes. Hoje, 17 mil juízes recebem auxílio-moradia.

Entre eles está o juiz Sérgio Moro, símbolo da justiça em sua cruzada contra a corrupção. O magistrado tem imóvel próprio em Curitiba e ainda assim recebe o teto de auxílio que, segundo ele, supre a falta de reajuste. O salário base de Moro é de R$ 28.948,00, além de gratificações.

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Mesmo assim, o cidadão de bem não se incomoda com os R$4.377,37 de auxílio-moradia, o valor de uma bolsa modelo Speedy 30 da Louis Vuitton 

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Moro não está fora da lei. O recebimento do benefício é absolutamente legal e é um direito dele. Mas está longe de ser justo e todos sabemos disso. Eu sei disso e ele sabe disso. Ainda assim, diante da injustiça que nos é esfregada na cara diariamente, falta indignação, e a única explicação que parece fazer sentido é a ilusão de uma meritocracia que ignora pontos de partida e a ofensa com uma possível mobilidade de classes. “Os juízes trabalham duro, estudaram, se prepararam, passaram em concurso, tem pilhas e pilhas de processos para análise. Quem recebe o Bolsa Família é vagabundo, não faz nada, só quer saber de mamar nas tetas do governo. Tem é que trabalhar.” É isso? O engraçado dessa história é que as tetas são as mesmas para os dois.

No final das contas, o brasileiro se ofende com o Bolsa Família mas não se importa em pagar uma Louis Vuitton para os magistrados.

Foto capa: Pixabay

Foto Sérgio Moro: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil