Voos Literários

Jornalismo feminista na década de 1960

Flávia Cunha
27 de junho de 2017

A Arte de Ser Ousada é o título de um livro em homenagem à Carmen da Silva, uma das precursoras do pensamento feminista na imprensa brasileira. Isso lá na década de 1960, na revista Claudia. Nascida na cidade gaúcha de Rio Grande, Carmen morou no Uruguai e na Argentina antes de ir para o Rio de Janeiro, onde fez história com a coluna A Arte de Ser Mulher.

Ao invés de conselhos recatados e do lar, a jornalista nadou contra a maré da época e enfrentou preconceitos para lutar a favor da igualdade da mulher perante o homem. Se, hoje em dia, a mulherada que defende o feminismo já é hostilizada, imaginem naquela época. Essa é uma de suas frases célebres:

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“Chega de ser barco à deriva, seja a protagonista de sua própria vida!”

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É bom frisar que a revista Claudia foi inovadora na época de seu lançamento, em 1961, justamente por trazer uma proposta feminista.  O número de lançamento, com tiragem de 150 mil exemplares, trazia entre seus textos Não, isto não tolero!, em que as leitoras eram aconselhadas a reagir “com firmeza, mas com doçura” aos defeitos do marido.

A coluna de Carmen da Silva surgiu em 1963 e foi publicada até sua morte, em 1985. Dizia essa mulher forte a suas leitoras:

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O que lhes proponho, em verdade, é radicalmente oposto às tradições em que foram educadas, aos preconceitos vigentes, à mitologia criada em torno do chamado ‘eterno feminino’, concebido em termos um tanto rococós de puerilidade, fragilidade, artifício e submissão. (…)”.

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Para quem não conhece muito o trabalho dessa jornalista, sugiro a visita ao site mantido pela professora do programa de Pós-Graduação em Letras da Furg, Núbia Hanciau. Já o livro que dá o título ao meu texto, pode ser comprado aqui. O texto Histórias Híbridas de Uma Senhora de Respeito traz outros detalhes sobre a carreira da jornalista.

A luta por igualdade proposta pelo feminismo ainda é muito atual, infelizmente. Mas a história de mulheres inspiradoras como Carmen da Silva trazem um alento para esse nosso século 21, tão turbulento e belicoso.

Para quem, como eu, acredita que lugar de mulher é onde ela quiser, fica o convite para o Festival NosOutras, que vai acontece em Porto Alegre, no dia 6 de julho. O evento traz atrações femininas, como a banda instrumental As Aventuras. Fazer parte da produção desse evento feminista e independente me dá a sensação de que a trajetória de mulheres como Carmen da Silva não foi em vão.

 

Glow

Clitóris ou Ovário?

Fernanda Ferrão
22 de junho de 2017
Clipe música Lalá da cantora Karol Conka Clipe música Lalá da cantora Karol Conka

Se quiser, clique e leia ouvindo: Karol Conka – Lalá

Sabe o boquete? Sabe, né? Já parou para pensar que não existe uma palavra equivalente para sexo oral em mulheres? A Karol Conka pensou. A rapper paranaense de 30 anos é uma das mulheres símbolo do que chamamos de terceira onda do feminismo. O último lacre foi lançado na primeira semana de junho: a música Lalá. O termo foi criado pela própria Karol.

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Sexo oral feminino é ‘lalá’

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É claro que o clipe foi lançado acompanhado de “””””””polêmica”””””””. Afinal, tem muita gente para dar pitaco em todo e qualquer assunto relacionado ao feminino. A equipe que criou o vídeo lindo que acompanha a música é composta apenas por mulheres. O vídeo tem quase dois milhões e meio de visualizações.

Camila Cornelsen e Vera Egito dividiram a direção. Camila teve sua conta extinta e foi bloqueada do Instagram depois de postar 01 minuto do vídeo em seu perfil. Vera, em conversa com a Dani Arrais, do Don’t Touch My Moleskine, disse:

“Na celebrada música brasileira – poderia dizer de todo o mundo também – o sujeito do desejo é masculino e o objeto desse desejo é feminino tradicionalmente. Mas agora a moça bonita que vem, não passa. Ela fica e fala do que está afim. Deixa claro também quais são suas vontades, preferências, e toma o eu lírico do tesão pra si. Karol é essa mulher inteligente, de personalidade, independente e corajosa. Ela é linda também. Provavelmente o rosto mais simétrico que eu já filmei, impressionante. Linda em qualquer enquadramento. Mas já é tempo do atributo da beleza não ser mais o principal ao se falar de uma mulher. Especialmente uma mente criativa como Karol Conká. Foi de uma honra e de uma felicidade enormes realizar esse trabalho para ela. Especialmente ao lado da Camila Cornelsen, minha mana fotógrafa inspiração e apoio pro meu trabalho e pra minha vida. ‘Direitos de prazer iguais’, clama Karol. É isso aí. Celebremos esses novos tempos. Não tem retrocesso. Desse lugar de fala a gente não sai mais.”. Punto y basta.

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Nos dias seguintes ao lançamento, Karol postou frames e imagens do clipe sempre lembrando o quanto tem sido atacada apenas por falar de um assunto que incomoda aqueles que estão acostumados a dominarem todos os cenários: os homens.

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Eu poderia falar muitas outras coisas sobre este assunto, falar das conversas que tenho com amigas, sempre cheias de relatos de homens que não conhecem o corpo feminino e de como o pudor imposto pela sociedade faz com que essas mulheres que reclamam dos homens muitas vezes nem saibam instruí-los. Porém, deixo aqui apenas a íntegra da letra escrita por Conka. Te juro que vais entender do que estamos falando! #melambelá

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Lalá – Karol Conka

Lá lá lá

Moleque mimado bolado que agora chora
Só porque eu mandei ajoelhar
Fazer um lalá por várias horas

Ele disse por aí que era o tal
Pega geral e apavora
Seduzi pra conferir
E percebi que era da boca pra fora

Dá pra perceber que existem vários
Falam demais, fingem que faz
Chega a ser hilário
Mal sabe a diferença de um clitóris pra um ovário
Dedilham ao contrário
Egoístas criando um orgasmo imaginário

Pouco importa pra ele se você também tá satisfeita
Esses caras ainda não aprenderam que 10 minutos é desfeita
Nem a bomba que toma não aguenta o molejo da lomba
Se desmonta, tem medo e no final só me desaponta

Já fico arrependida
Seca, desacreditada e fria
Desse jeito desanima
Quero ser bem atendida

O que me anima é a habilidade na lambida
Malícia, muita saliva enquanto eu queimo uma sativa

Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe, me dê uma lambida lá

É inacreditável, eles ficam sem ação
Quando a gente sabe o que quer e já mete a pressão
Tem que saber fazer se não gera contradição
Direitos de prazer iguais, mais compreensão

Isso daqui não tá de enfeite
Dá um jeito, se ajeite
Sem ser fake, então vai se deite
Se eu quero, respeite

O clima deixa de ser quente, confundiu minha mente
Falam de mais, quando chega na hora a ação não é equivalente
Nem vem, sou apenas mais uma com experiência e sabe quem tem
Vejo vários convencidos achando que no final mandou bem

Minhas amigas concordam também
Vocês podem ir mais além
Sem dedicação espantam um harém

Curvem-se, encostem os lábios na flor
Quebra esse tabu, isso não é nenhum favor

O que me anima é a habilidade na lambida
Malícia, muita saliva
Enquanto eu queimo uma sativa

Lá lá lá
Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe
Me dê uma lambida lá
Lá lá lá
Lá lá lá, me lambe lá
Lá lá lá, me lambe, me lambe
Me dê uma lambida lá

Voos Literários

Diretas Já, feminismo e literatura

Flávia Cunha
13 de junho de 2017

No último final de semana, aconteceram manifestações pelas Diretas Já em diversas cidades brasileiras. Em São Paulo, o protesto realizado nesse domingo teve um enfoque diferente: colocar em pauta os direitos das mulheres. A ideia partiu da escritora Clara Averbuck, sobre quem já escrevi aqui.

Eu respeito o trabalho literário da Clara e também sua coragem em se posicionar politicamente em um período de tanto ódio nas redes sociais e fora delas. A trajetória pessoal de escritores e outras personalidades nem sempre é admirável. Mas existem muitas mulheres que fizeram a diferença e servem de exemplos para todos com suas histórias de vida.

Em homenagem ao ato feminista pelas Diretas Já, selecionei cinco biografias de mulheres poderosas de diferentes áreas. Inspirem-se!!

 Carmen Miranda – A trajetória da pequena notável é contada com maestria por Ruy Castro em Carmen, Uma Biografia.

Clarice Lispector – A obra Clarice, é uma referência para os amantes da literatura, mostrando a vida e obra da escritora pela visão do norte-americano Benjamin Moser.

Frida Kahlo – O livro mostra a intimidade da pintora que transformou sua vida em arte. Frida – A Biografia foi escrita por Hayden Herrera.

Janis Joplin – A roqueira transgressora pela visão da irmã na obra Com Amor, Janis Joplin, de Laura Joplin.

Elis Regina – A cantora Elis Regina têm mais de uma obra dedicada à sua trajetória. Indico Elis, Uma Biografia Musical, escrita pelo gaúcho Arthur de Faria.

Vós Ativa

Manifesto por mais questionamentos vindos de mulheres

Colaborador Vós
8 de junho de 2017

Por Natália Pegoraro – RP, Empreendedora e sócia na empresa O Amor é Simples 

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Por que até em ambientes que estimulem a troca de conhecimento a gente se cala

Há sete anos, a ONU lançou sete Princípios de Empoderamento das Mulheres. De lá pra cá, o que mudou?—?no mundo e em nós mesmas?

2017 e nós ainda estamos lutando por um espaço em eventos públicos. Kara Alaimo, professora de Relações Públicas e colunista da Bloomberg, traz dados que beiram o absurdo sobre a dominância masculina em painéis e palestras até quando o tema em questão é sobre nós. E o artigo é de abril deste ano.

É lindo ver movimentos crescentes para que a gente consiga, simplesmente, dividir o espaço. Mas até aí, infelizmente, nenhuma novidade.

Presença feminina em público: muito além de um lugar no palco

Levei quase 30 anos e precisei atravessar o oceano para um curso me fazer entender mais a fundo um fato que me perseguiu a vida inteira: o medo de questionar em público. De fazer perguntas e ‘aparecer’. Num grande resumo: de ser julgada pelo meu interesse.

Via: Huffington Post. (mesmos desafios, menores salários e mais rótulos. Bem-vindo ao nosso universo)

Começou no colégio e meu pânico generalizado de sofrer bullying. Mas quando percebi, era assim desde sempre. Quanta pergunta, comentário, exemplo pertinente eu queria compartilhar e… Silêncio de novo. É complexo ver a série de fatores que a gente considera na hora de executar um simples gesto: é medo de ser julgada pela roupa, pelo tom de voz, pelo cabelo, unhas, entonação e até, veja bem, pelo conteúdo da fala.

Mas eu não via um padrão.

Existe pergunta errada?

Faz 3 semanas que voltei de uma experiência que transformou minha vida pessoal e profissional, o MIT Global Entrepreneurship Bootcamp, que aconteceu em Brisbane/AU.

Mais de 6.000 aplicações de todo o planeta, 120 empreendedores selecionados de mais de 40 países?—?gente incrível e inspiradora, sem contar o time de mentores, professores e painelistas (mais homens que mulheres, cadê a novidade?). Ainda quero fazer um texto só sobre isso: após dormir 15h nos seis dias mais produtivos da minha vida, tem muito insight que preciso colocar pra fora.

Dia após dia, hora após hora, minha cabeça borbulhava e eu perdi a conta de quantas perguntas deixei de fazer em público. Ah, não é relevante. Ah, deixa pra lá. Ah, tô com vergonha.

Via: Government Executive. Nossa personalidade é muito mais julgada que a dos homens; e isso não significa um elogio.

E foi só num papo após o curso, com uma brilhante empreendedora indiana, que a ficha caiu: menos de 20% das perguntas foram feitas por mulheres em um curso praticamente 50/50. Não é uma simples diferença, é um abismo. E, na minha vida, é assim desde sempre: na reunião de trabalho, no universo acadêmico, até na reunião de família.

Durante toda a minha vida eu não estava sozinha. E só agora criei consciência da tristeza dessa dimensão: até em um ambiente que deveria ser menos hostil, mais acolhedor e incentivador da colaboração, a gente se cala. Por quê?

Sua vida, que histórico tem?

Só posso falar por mim?—?até porque pesquisei e não encontrei nenhum estudo que traga algum dado mais concreto nesse sentido: no fundo, meu modus operandi sempre foi um machismo bem intrínseco lá no fundindo de mim: o medo de ser tachada de todo o estereótipo que já sentimos na pele mesmo assim.

“Quando um garoto se afirma, ele é chamado de “líder”. No entanto, quando uma menina faz o mesmo, ela corre o risco de ser considerada “mandona”.

Já começa na infância, como mostra uma das campanhas educativas mais legais sobre o assunto, a #banbossy, que quer empoderar as meninas desde cedo, despertando um sentimento legítimo de liderança.

#questionemais

Tem silêncios piores, mais dolorosos e problemáticos, eu sei. E vitórias maiores para alcançar.

Mas, justamente por isso, vamos começar a questionar mais em público? A dominar um espaço com nosso conteúdo, indo além da nossa mera presença como espectadoras?

Eu criei como desafio pessoal deste ano fazer todas as perguntas em público que eu estiver afim e julgar pertinente. Quero me testar, analisar e ver que diferente Natalia vem depois disso.

Parafraseando este grande movimento, vamos juntas? 🙂

Voos Literários

Maravilha de Feminismo

Flávia Cunha
2 de maio de 2017

O que um livro sobre a Mulher Maravilha, personagem clássica de HQs, faz na seção de Ciências Sociais de uma livraria na Califórnia? Foi essa intrigante questão que me trouxe a editora-chefe do Vós, a jornalista Geórgia Santos. Em uma pesquisa a respeito da obra The Secret History of Wonder Woman (A História Secreta da Mulher Maravilha, em tradução livredescobri o motivo, até então desconhecido para mim: a criação da super-heroína teve influência do movimento feminista e das sufragistas, que lutaram pelo direito de voto feminino.

“Nunca tinha parado para pensar no ambiente social em que a super-heroína foi criada, o que é desvendado pelo livro escrito pela historiadora (e jornalista) norte-americana Jill Lepore”

Meu amor à Mulher Maravilha nada tem a ver com literatura ou feminismo, duas outras paixões da minha vida. Na verdade, remete ao meu desejo infantil (não realizado) por uma fantasia da personagem, com aquele emblemático shortinho de estrelas. Depois de adulta, desenvolvi uma saudável obsessão pela personagem, o que faz com os mais chegados sempre lembrem de mim quando encontram algo a respeito da MM.

Nunca tinha parado para pensar no ambiente social em que a super-heroína foi criada, o que é desvendado pelo livro escrito pela historiadora (e jornalista) norte-americana Jill Lepore. Conforme a publicação, a personagem foi criada por um psicólogo excêntrico, chamado William Moulton Marston, que atuava como uma espécie de consultor pela editora DC Comics.

O comunicado à imprensa na época do lançamento, em 1941, tem um tom extremamente arrojado e feminista

“A Mulher Maravilha foi concebida pelo Dr. Marston para estabelecer entre as crianças e os jovens um padrão de feminilidade forte, livre e corajosa; para combater a idéia de que as mulheres são inferiores aos homens, e para inspirar as meninas a terem autoconfiança para conquistas no atletismo, nas ocupações e nas profissões monopolizadas por homens, porque a única esperança para a civilização é a maior liberdade, desenvolvimento e igualdade das mulheres em todos os campos da atividade humana.”

 

A obra ainda não tem tradução para o português (alô, editoras!!). Para quem se interessou, aqui é possível saber mais a respeito do livro. Para quem domina o inglês, tem um texto ótimo do The Economist, a respeito do que eles intitulam como as estranhas raízes de um ícone norte-americano. 

E confesso que depois de saber mais detalhes a respeito dos bastidores da criação da Mulher Maravilha, minha porção intelectual ficou mais tranquila em gostar tanto desse ícone da cultura pop.

 

 

 

Geórgia Santos

Sobre o BBB17 e a normalização da brutalidade

Geórgia Santos
10 de abril de 2017

Vamos lá, podem me chamar de esquerdopatafeminazi ou de alguma outra atrocidade delirante, mas dedo na cara não é a norma e hematoma não é marca de amor. O que aconteceu no BBB17 é a normalização da brutalidade.

Nesta semana, um dos assuntos mais comentados no país foi a agressão protagonizada por Marcos Harter durante o Big Brother Brasil. Na cena assistida por milhões de pessoas, o médico é flagrado agredindo sua namorada, Emily, verbal e fisicamente. Visivemelmente agressivo e descontrolado, ele aponta o dedo para o rosto da companheira de casa, aperta o braço e belisca a jovem de maneira bruta. Eu não acompanho o programa mas, segundo informações de quem o faz, existia um padrão de constrangimento que vinha se perpetuando entre o casal.

Por bem, após analisar as imagens e, segundo Tiago Leifert, “ouvir especialistas”, a Globo decidiu expulsar Marcos do programa. A polícia foi até a casa do BBB e tomou depoimento de todos os envolvidos no caso. Ficou comprovada a agressão.

Agora veja bem, não sou eu, não é uma esquerdopatafeminazi, não é uma louca mentirosa que está dizendo. A polícia confirmou a agressão.

     Dito isso, acho que algumas coisas precisam ser discutidas:

  1. O que é agressão?

Segundo relatos da imprensa, Emily ficou bastante impactada com a decisão e tentou justificar a ação de Marcos, afirmando que ele “estava muito nervoso”. Após a saída, ela repetiu que sabia que ele jamais tinha a intenção de machucá-la. Na mesma linha, inúmeros telespectadores ficaram consternados com a saída do “brother”, afirmando que não houve agressão e que aquilo não passava de uma discussão normal de marido e mulher e que as pessoas (leia-se feministas) estavam exagerando e que ela também era culpada.

Não, amigos e amigas. Não é normal.

Isso apenas mostra o tamanho da nossa ignorância com relação ao que é aceitável em um relacionamento, seja amoroso ou não. Não precisa de tapa na cara ou um chute para se configurar agressão, que pode ser física (e aqui se inclui a sexual) ou psicológica.

Nesse caso, houve violência física, comprovada pelos hematomas deixados no braço da vítima após ela ser apertada e beliscada; e violência psicológica, que inclui constrangimento, humilhação e manipulação, insultos, entre outras coisas. Todas observadas na imagem quando ela foi praticamente “embretada” em um canto como se fosse um animal assustado.

Então, não, não é uma briga normal de casal. E se tu vês isso com naturalidade, eu sugiro que procure ajuda, sendo homem ou mulher.

  1. Qual o limite?

Nós já definimos agressão, mesmo que superficialmente, então talvez essa pergunta pareça relativamente mais fácil de responder. Mas não é. O limite dentro de um relacionamento abusivo pode ser uma linha bastante borrada e difícil de identificar. Quando Emily tentou defender o agressor, uma das colegas de casa replicou “Talvez tu gostasse tanto dele que tu não estivesse enxergando”, disse a advogada Vivian sobre o nível da agressão. Ou seja, o limite não estava claro.

Aparentemente, nem para a TV Globo, que não considerou as imagens perturbadoras o suficiente para caracterizar como agressão. Precisou esperar a polícia.

O lance é que nós vivemos em uma sociedade machista – e o fato de tantas pessoas acharem aquela briga normal prova isso – e o discurso vigente torna essa tarefa mais difícil. Mas É possível identificar alguns sinais e entender o limite que não deve ser cruzado.

O movimento Mexeu com uma, mexeu com todas produziu um material bastante elucidativo e que pode ajudar muita gente.

É fácil encontrar justificativas para a agressividade em uma sociedade em que a brutalidade é normalizada, mas elas são todas vãs. Então, não permita que nenhuma dessas coisas aconteça a você ou a alguém que você conheça.

Tão série

Mês das Mulheres – The Good Wife

Geórgia Santos
18 de março de 2017

 

O nome não parece ter a ver com empoderamento feminino, afinal, a premissa da “boa esposa” é herança da sociedade machista. Mas The Good Wife é o oposto disso. Ao longo de sete temporadas, a advogada Alicia Florrick (Julianna Margulies) se afasta daquilo que todos esperam dela: o estereótipo de bela, recatada e do lar.

Evolução da “boa esposa”

No primeiro episódio da primeira temporada, vemos uma Alicia pálida, mal vestida e com cara de dona de casa suburbana. Vemos uma esposa humilhada enquanto fica ao lado do marido, o procurador-geral que teve um caso com outra mulher e se envolveu em um escândalo de corrupção. Isso faz com que ela precise/queira mudar sua vida: ela volta a advogar e toma as rédeas da própria vida. Encontra um antigo amor dos tempos de faculdade, começa a trabalhar no escritório do bonitão e está armada a cama. Só precisamos deitar.

A trama tem tudo que a gente precisa pra não desgrudar os olhos da televisão: crimes, política, intrigas, sexo, affairs, mentiras, traições, mais crimes, mais intrigas e mais crimes. E sexo. E mentiras. E mais traições.

 

Com o passar do tempo, Alicia e a série amadurecem o suficiente para que fiquemos viciados na história dessa mulher poderosa que é uma mãe-dona-de-casa-que-trabalha-fora-e-é-casada-mas-não-é-e-ama-dois-caras-ao-mesmo-tempo-mas-não-tem-certeza-e-está-crescendo-profissionalmente-mas-talvez-não-saiba-lidar-bem-com-isso-ou-saiba. Ufa. Eu sei que ficou grande, mas na série também é assim, tudo ao mesmo tempo agora.

Mulheres poderosas

E não é somente Alicia. Temos Diane Lockhart (Christine Baranski), uma advogada fodona e Democrata até a alma, constantemente lutando contra os conservadores e pelos direitos da mulher, como regularização do aborto. Temos Kalinda Sharma (Archie Panjabi), uma mulher misteriosa e independente que não deixa que ninguém diga como viver a vida.

Então, se tu ainda não viu, corre pra assistir The Good Wife. A série está disponível no Netflix e vale cada clicada. É uma história de empoderamento e emancipação, uma história crua e real sobre os degraus que a mulher precisa subir ou escalar para conseguir ser vista. Eu não vou dar spoiler, mas se tu não te importa com isso, dá uma olhada neste texto da Time sobre o último episódio da série e entenda a evolução de uma personagem que estava em busca de si.

A série acabou, mas o nosso amor, não. Dá uma olhada no recap da primeira temporada e me diz se não é de viciar?

Igor Natusch

É sempre uma boa ideia votar em uma mulher – agora, mais do que nunca

Igor Natusch
9 de março de 2017

Se alguém eventualmente tem dúvidas de que as mulheres ainda precisam lutar, e muito, pela igualdade plena no Brasil, uma simples observação de nossas casas legislativas traz elementos incontestáveis nessa direção. No Congresso, apenas 55 dos 513 deputados federais são mulheres, o que dá pouco mais de 10% do total. No Senado, a situação é ligeiramente menos ruim, com 12 senadoras em uma casa de 81 representantes, quase 15%. Ainda assim, um desequilíbrio brutal, já que as mulheres são 51,4% da população brasileira. De acordo com o TSE, menos mulheres foram eleitas prefeitas em 2016, no comparativo com 2012 – mais um dado que demonstra, com clareza, como as mulheres estão sub-representadas em nosso sistema político. Votamos muito, muito pouco em mulheres no Brasil.

Muito disso, é claro, vem da permanência de algumas ideias no subconsciente do brasileiro. A mais forte delas, uma suposta incapacidade feminina em tomar as rédeas de empreendimentos coletivos e da própria vida – o que, na mente preconceituosa de muitos, deveria forçar a mulher a um papel de submissão aos homens. A resposta, caso assim não haja, será violenta. Ou alguém tem notícias de um homem defensor de Direitos Humanos no Congresso que seja tão brutalmente perseguido quanto Maria do Rosário – alvo de ataques misóginos por parte até de colegas parlamentares? Alguém imagina Michel Temer, mesmo com a popularidade cada vez mais baixa, sendo vítima de montagens ultrajantes e gritos de guerra sexistas como os que Dilma Rousseff teve que vivenciar até o impeachment, e que possivelmente enfrente ainda hoje por aí? Os ataques a essas e várias outras mulheres em posições de poder político trazem em si um elemento extra, também visível no baixo número de eleitas: o de que a mulher não deve estar lá, de que o lugar dela não é ali. Uma situação, diga-se, que ainda surge em outras esferas de poder, como o Judiciário. Como esperar que os direitos delas sejam devidamente apreciados em um panorama como esse?

As unidades da Casa da Mulher Brasileira, planejadas para serem espaços de acolhimento nas principais cidades do País, sofrem para sair do papel. A aplicação efetiva da lei do feminicídio vai se tornando uma possibilidade cada vez menos concreta. A mudança nas proibições ao aborto, então, nem se fala. Há uma cruzada conservadora em curso no país, e boa parte das ideias que alimentam essa chama são contrárias a qualquer esforço emancipatório feminino: desejam a mulher silenciada, submissa, aceita nos espaços de decisão apenas para dar amém aos homens, jamais para contestá-los. É um cenário grave. E muito embora o voto não seja quase nada sem as mobilizações crescentes da sociedade civil em nome dos direitos das mulheres, ele também cumpre o seu papel.

Vivemos tempos de absurdo na política brasileira, onde um auto-intitulado Partido da Mulher tem dois representantes em Brasília, entre titulares e suplentes (ambos homens) e a presidente nacional afirma categoricamente que a sigla não se identifica com as lutas feministas. Ainda assim (e justamente por isso), reforçar o potencial eleitoral das mulheres é uma necessidade urgente, caso nossa busca seja a de uma sociedade onde homens e mulheres ganhem o mesmo salário, trabalhem durante o mesmo período, tenham o mesmo acesso a direitos e esferas de atuação social e política. Você vota em mulheres, leitor(a)? Se não vota, ou nunca votou, recomendo pensar a respeito. Porque os números que você digita na urna, mesmo cobertos das melhores intenções, podem estar enchendo as assembleias e prefeituras de homens, brancos, heterossexuais e de bom poder aquisitivo – pessoas que não viram criminosos por nenhum desses motivos, mas que são provavelmente bem menos sensíveis aos seus problemas (ou os da sua mãe, irmã, avó, prima, namorada, esposa, amante, vizinha ou amiga) do que você gostaria.

Foto: Cintia Barenho

Geórgia Santos

Feminismo versus Machismo

Geórgia Santos
8 de março de 2017

Dia Internacional da Mulher. Um dia escolhido para celebrar a força das mulheres e homenageá-las e parabenizá-las e exaltá-las. Mais do que isso, um dia escolhido para lembrar a luta que cada mulher trava todos os dias para conquistar seus direitos e espaços em uma sociedade em que o machismo é tão enraizado que sequer percebemos os padrões que reproduzimos.

Hoje pela manhã, cometi a asneira (que é quase sadismo) de das uma espiada no que estava sendo dito nos comentários de sites de notícia. Abri uma matéria do G1 sobre os desafios do Gênero em 2017 e dei de cara com isso:

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“Tem que proibir aborto sim. Não quer filhos, fecha as pernas” (Fernando)

“O Problema é que essas feminazis querem dar sem limites” (Daniel)

“Quando percebo que a cidadã é feminista eu me afasto, por que sei que tem a cabeça pequena, eu gosto de mulher feminina.” (Anônimo)

“Abriu as pernas tem que assumer (sic)” (Celso)

“Pra finalizar, criticar um machista, sendo feminista, é igual a criticar um bandido por roubar e fazer a mesma coisa…..” (Anônimo)

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São apenas cinco comentários, mas os problemas contextuais são tantos que mal sei por onde começar. Mas acho importante usar esse espaço pra debater algumas coisas.

O assunto em questão era o aborto. Eu entendo que não seja um tema que se restrinja à agenda feminista, afinal, envolve o conceito de onde começa a vida, a chamada bioética, a religião e mais uma série de variáveis. Eu, particularmente, sou a favor da regularização do aborto, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso são alguns absurdos saltam aos olhos:

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  1. 1. Os comentários responsabilizam única e exclusivamente a mulher pela ocorrência da gravidez;
  1. 2. Comparam feministas, que nada mais são que mulheres que lutam por direitos iguais, com nazistas;
  1. 3. Falam de feministas como mulheres masculinizadas, exclusivamente. Feminista também pode usar batom vermelho, saia rodada e salto alto. E também pode ser masculina se quiser, ninguém tem nada com isso;
  1. 4. Mesclam a luta pela regularização do aborto a um dos mais antigos estereótipos a que as mulheres livres sexualmente são associadas: putas;
  1. 5. Por fim, o maior de todos os problemas, achar que feminismo é o mesmo que machismo.

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Diferença entre machismo e feminismo

Machismo é um conceito que se baseia na supervalorização do homem em detrimento da mulher. Machismo é quando uma mulher é desvalorizada ou prejudicada ou preterida pelo simples fato de ser mulher. Quando alguém comenta que uma mulher não serve pra determinada função, é machismo.

Feminismo é um movimento social e político que nasceu no final do século XIX com o objetivo de conquistar o acesso a direitos iguais entre homens e mulheres. Quando alguém fala que uma mulher deveria ganhar o mesmo salario que o homem que exerce a mesma função, é feminismo.

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Percebe a diferença? O machista acha que o homem é melhor que a mulher, a feminista quer que homens e mulheres sejam tratados da mesma forma

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Sociedade machista

Somos tão machistas que temos a ousadia de manchar o feminismo com o sufixo “nazi”, uma expressão que lembra o pior da espécie humana. Somos tão machistas que temos a audácia de responsabilizar a mulher por uma gravidez. Somos tão machistas que temos a cara de pau de pagar 30% a menos às mulheres, pelo simples fato de falta de pênis. Somos tão machistas que odiamos a namorada do nosso amigo só porque ela existe pra ele. Somos tão machistas que acreditamos no fato de que mulher gordinha não presta. Somos tão machistas que levamos adiante a história de que mulher bem sucedida deu pra alguém. Somos tão machistas que nem percebemos que somos machistas.

Mas deu, né.

Reporteando

Sobre ser mulher no jornalismo

Renata Colombo
7 de março de 2017

Não é fácil ser mulher no jornalismo, por mais que a gente queira acreditar que não há diferenças de tratamento, de salários e coisa e tal. Especialmente quando se chega ao assunto do assédio a que somos submetidas constantemente.

Qual de nós, repórteres, nunca ouviu uma daquelas piadas infames na redação?

“Que espetáculo, hein fulaninha”

Quem nunca teve que conviver com a preferência da fonte pela jornalista mulher?

“Se é pra ela, eu conto tudo”

Quem nunca levou cantada de entrevistado e teve que sair de uma saia justa?

“Da próxima vez, em vez de um café te levo para tomar um vinho”

Falemos um pouco, verdadeiramente, sobre como é ser mulher em mais um universo machista e masculino. E aí não me refiro só ao ambiente jornalístico, a redação em si, mas a todos por onde a profissão transita, com destaque para o político e policial.

“Tua missão passa a ser não somente acompanhar os flagrantes, entrevistar e gravar, mas também tentar ser invisível”

Não existe coisa mais constrangedora do que repórter chegando em operação policial ou delegacia. Tua missão passa a ser não somente acompanhar os flagrantes, entrevistar e gravar, mas também tentar ser invisível. Sério, a gente se sente das duas uma: um ET ou um bife daqueles bem suculentos. Não é nem um pouco confortável. E olha que cobrir operação, perseguição, pode ser bastante interessante, principalmente para quem está em início de carreira.

Mulheres e o poder

Mas vamos, neste dia da mulher, à situação “mais mais” dentre as constrangedoras: ser repórter em Brasília. Político em Brasília se acha Deus – ou melhor, tem certeza que é. E nesta condição, a maioria daqueles homens, com todo aquele poder, pensa que pode olhar ou falar o que quiser e da maneira que quiser para as repórteres que circulam pelos corredores do poder. Não é raro ministros, senadores e deputados convidarem jornalistas para sair. Não é raro agirem como quem tem a resposta que tu queres e, por isso, acreditam que podem pedir o que quiserem em troca.

Só sei que em tempos de empoderamento feminino vale sempre lembrar que podemos, sim, responder e dizer não.

E aproveitando o gancho, neste dia 8 de março vai rolar um tuitaço de um grupo muito legal de jornalistas que luta contra essas “gracinhas” ridículas da profissão. Procura lá #jornalistascontraoassedio que tu vai encontrar reflexões bem interessantes.

Na minha modesta opinião, o problema não é receber flores nesta data, mas elas não serem entregues diariamente.