Gil do Vigor, ex-participante do reality Big Brother, virou um caso de sucesso no meio editorial brasileiro. Recentemente, o livro lançado pelo economista ficou na lista dos mais vendidos da Amazon Brasil. O fato provocou a alegria dos fãs e a ira de alguns intelectuais.
Mas por que há ressentimento de parte da elite intelectual brasileira?
Para começar, o livro foi lançado em tempo recorde, pouco depois de Gilberto Nogueira sair do programa. e consagrar-se com o apelido Gil do Vigor. Sendo assim, o conteúdo da biografia seria raso ou escrito por um ghost writer enquanto o nordestino estava no ar na TV Globo. Apesar dessas ponderações me parecerem pertinentes, o êxito das vendas pode ser a verdadeira razão para criar um certo despeito dos críticos.
Porém, me pergunto se não seria o caso de apenas ficarmos felizes por tamanho interesse em um livro em um país reconhecidamente com baixos índices de leitura. De qualquer forma, Tem que vigorar despertou minha curiosidade e resolvi ler a biografia em questão.
Gil do Vigor – o livro
A obra é curta, com 128 páginas, com muitas fotos da infância e adolescência de Gilberto e sua família. Também conta com imagens de um ensaio fotográfico realizado especialmente para a publicação. No que se refere ao conteúdo, a linguagem é simples e direta, como era de se esperar de uma biografia destinada ao grande público.
Apesar dessa aparente superficialidade, há uma subversão permeando todo o conteúdo do livro. Isso porque o biografado tem uma trajetória que suscita a admiração dos libertários e pode despertar incômodo nos conservadores. Gil – negro, gay, religioso, nordestino e com uma infância miserável – conseguiu superar as adversidades através da educação. Mesmo com a fama instantânea conquistada após a participação no reality show, segue focado no projeto de fazer um doutorado nos Estados Unidos. Além disso, assumiu sua homossexualidade em rede nacional e permanece com sua crença cristã, defendendo que as religiões acolham pessoas LGBTQIA+.
Para completar os aspectos positivos que encontrei durante a leitura, há temas complexos abordados, com menções à economia, psicologia, política e saúde mental. Um dos trechos mais sensíveis diz respeito ao relacionamento de Gil com seu pai, um ex-dependente químico que agrediu sua mãe e transformou a vida familiar em um ambiente muito difícil para todos. O relato não esconde o ressentimento e a mágoa, mas há a ponderação necessária de que o vício em drogas é um problema de saúde pública e assim deve ser tratado.
Posicionamento político
E se ainda restava alguma dúvida que um defensor da educação e da ciência seria contrário ao atual governo, confiram a explicação para o bordão “O Brasil tá lascado”:
Encrencado; 2. País precisando de ajuda; 3. No programa, quando falei com a Lumena, era em relação à realidade do Brasil mesmo. Economia, educação, arte, esporte… Numa crise como a que vivemos, cortam verba justamente da educação. E isso é um absurdo, vira um poço sem fundo. Os recursos do país são escassos e, sem administração competente, a gente pode dizer que “o Brasil tá lascado”; 4. É um período de crise, um período complicado. Para sair da era lascada, temos que ter uma liderança firme, competente, centrada na ciência, em valores democráticos e no desenvolvimento sustentável. “
Por isso, se você está em uma busca de uma leitura leve para tentar superar o obscurantismo e o luto coletivo do Brasil da pandemia, essa pode ser uma boa opção. Mas fique à vontade para odiar a futilidade de um livro escrito por um ex-Big Brother. Só não vale criticar sem ler, pois daí é apenas preconceito literário.
Confira um trecho inédito da biografia de Júpiter Maçã
Flávia Cunha
11 de setembro de 2018
Não costumo falar de lançamentos literários nesse espaço, por julgar que outros canais já fazem esse trabalho. Porém, na caso da biografia Júpiter Maçã: A Efervescente Vida & Obra (Plus Editora), assinada pelos jornalistas Cristiano Bastos e Pedro Brandt, tive que abrir uma exceção.
Primeiro porque um dos autores, o Cristiano, foi meu colega de faculdade, lá na Famecos-PUCRS, onde tivemos aulas junto com figuras como o Carlinhos Carneiro (Bidê ou Balde e Império da Lã) e Chico Bretanha (Groove James e Império da Lã), antes mesmo dessa dupla dedicar-se à música. E os dois estavam entre os participantes de um baita show organizado no Bar Ocidente para um dos eventos de lançamento da biografia de Júpiter Maçã.
Também contribuiu o fato de que o Cristiano é um biógrafo muito competente, vide seu trabalho memorável em Gauleses Irredutíveis (em parceria com Alisson Avila e Eduardo Müller) e Julio Reny – Histórias de Amor e Morte(Prêmio Açorianos de Literatura, na categoria especial). Por fim, mas não menos importante, está o fato do livro sobre esse o multifacetado cantor, compositor e multi-instrumentista ser o primeiro lançamento da Plus Editora, uma iniciativa nova mas que tem entre seus sócios, pessoas com muita experiência na área cultural, como Roger Lerina e Roque Jacoby.
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Nas conversas que tive online com o Cristiano Bastos para concretizar esse post, fiquei sabendo em primeira mão, como se fala no jargão jornalístico, de uma nova biografia escrita por ele, a ser lançada pela Plus Editora no ano que vem
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O biografado será Nelson Gonçalves, gaúcho de Santana do Livramento, que completaria 100 anos em 2019 e o livro ainda não tem título definitivo mas pode chamar-se Metralha (com subtítulo ainda não definido) ou A Vida de Nelson Gonçalves – O Cantor do Brasil. As origens no Rio Grande do Sul de um dos maiores cantores e compositores brasileiros foi investigada pelo jornalista em matéria para a revista Aplauso, que pode ser lida aqui.
Voltando à biografia de Júpiter Maçã, o livro aborda a trajetória de Flávio Basso (1968-2015), músico gaúcho que integrou as bandas TNT e Cascavelletes e, em carreira solo, lançou discos com os pseudônimos Woody Apple, Júpiter Maçã e Jupiter Apple.
O material de divulgação destaca que a obra mostra “a vida dele do nascimento à morte, passando por suas vitórias (uma irregular, porém cultuada carreira de rockstar – quase incomparável no Brasil) e tragédias (alcoolismo, paranoia, a morte precoce de seu único filho) com riqueza de detalhes, revelações e informações inéditas, e ainda farto material fotográfico (são, ao todo, quase 70 registro fotográfico, a maior parte raro ou inédito).”
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Para ilustrar esse texto, segue um trecho inédito da biografia, selecionado pelo Cristiano Bastos e que apresenta a persona dylanesca chamada Woody Apple, adotada por Flavio Basso após o fim dos Cascavelletes e antes dele tornar-se Júpiter Maçã
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O biógrafo sugere que a leitura do texto seja feita ao som de Saudades do Brasil, canção que ilustra essa fase da carreira do músico e que tem um caráter político declarado.
Woody Apple
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Com bastante tempo livre, Flávio Basso passou a compor um novo repertório, que vinha rascunhando desde sua última temporada no TNT. Pesquisador da carreira dos Beatles, ele sabia da influência que o cantor americano Bob Dylan tinha exercido em John Lennon, cujo primeiro e mais notório desdobramento é a canção “You’ve got to hide your love away”, do disco Help!, de 1965. Se Dylan ajudou os Beatles a expandirem sua poética, o quarteto de Liverpool foi uma inspiração importante para ele eletrificar sua sonoridade, um bate-bola musical no qual ambas as partes saíram vitoriosas – e, no caso do folk singer, uma mutação que parte de sua plateia assistiu atônita.
Ícone do revival da música folk dos Estados Unidos, considerado a voz de sua geração por conta de letras que refletiam tanto angústias existenciais quanto o estado das coisas em seu país em meados dos anos sessenta, Bob Dylan lançou, em março de 1965, um álbum divisor de águas em sua trajetória: Bring It All Back Home. Depois de quatro LPs essencialmente acústicos, o cantor produziu um disco no qual metade das músicas é apresentada ao violão e a outra metade com acompanhamento de banda elétrica. Bring It All Back Home causou a revolta dos puristas que viam nele um símbolo de rendição do cantor ao stablishment, uma traição imperdoável. Para pessoas ligadas à tradição folk, especialmente os mais velhos, as bandas de rock eram um produto alienante feito para o consumo das massas, de mérito artístico questionável, direcionado especialmente aos adolescentes. Mais do que o disco propriamente dito, a participação de Dylan no Newport Folk Festival, em 25 de julho de 1965, foi um episódio ainda mais emblemático para a polêmica gerada pela eletrificação de sua música.
O prestigioso evento dedicado à música folk, do qual Bob Dylan participara nos dois anos anteriores, testemunhou a estreia, em cima do palco, do singer-songwriter com banda elétrica – que contava, na ocasião, com dois parceiros importantes nessa nova fase, o organista Al Kooper e o guitarrista Mike Bloomfield. Cabelos desgrenhados, óculos escuros, guitarra em punho, Dylan escandalizou público e muitos de seus colegas músicos com seu set – parte dele, vale ressaltar, foi mostrado na primeira metade do show, em formato acústico, sem grandes estranhamentos. As letras das composições mais recentes, para desgosto de muitos de seus antigos fãs, traziam influência da literatura beat e do surrealismo, ao contrário do pragmatismo realista e crítico associado ao folk – uma música que, em suma, canta as agruras da vida do trabalhador simples, seja um camponês do interior ou um proletário na cidade grande. Para piorar, a nova persona artística de Robert Allen Zimmerman (nome de batismo do cantor-compositor) ostentava um ar de petulância, em contrapartida à imagem de jovem tímido e eloquente que o identificava até então. Mas, ao contrário do que seus detratores previam, essa transformação de folkie para rocker – “Judas”, Dylan foi xingado, logo depois, em apresentação na Inglaterra – alcançou um novo público, ainda maior, e mostrou-se tão inspirada e influente quanto a fase voz e violão do artista nascido em Duluth, Minnesota, em 1941.
E foi essa figura revolucionária que, naquele começo de anos noventa, tornou-se a principal referência musical de Flávio Basso. Desempregado, com o casamento em crise e pai de uma criança pequena, o cantor gaúcho sentia a necessidade de expurgar suas vivências de jovem adulto, tudo aquilo que lhe angustiava nos últimos anos. O fim dos Cascavelletes significou, simbolicamente, o fim de sua adolescência, a perda da inocência, o término de uma festa que, durante alguns anos, parecia não ter fim. Blusão de flanela, sapatos batidos, cabelos compridos, violão debaixo do braço e gaita de boca pendurada no pescoço: o Flávio daqueles dias levava uma existência um tanto quanto beatnik, com (pouco) dinheiro emprestado de familiares, vivendo um dia após o outro. O futuro era incerto, a insatisfação, uma constante, mas a inspiração, pelo menos, era garantida. Foi um período fértil, de muito aprendizado. “Eu ouvia o [álbum de Bob Dylan] Highway 61 Revisited e tentava entender as letras, jogar com aquilo tudo e também escrever junto. Eu pensei: poesia é isso”, Flávio refletiu em entrevista, 20 anos depois, para a revista digital Bastião.
Leo Felipe, fundador do bar Garagem Hermética, casa noturna que seria de extrema importância para Flávio Basso dali a algum tempo, relata em seu livro A Fantástica Fábrica uma cena ocorrida na loja Boca do Disco, de propriedade do folclórico e rabugento Getúlio Costa: “A tarde já caia e a loja era iluminada apenas por uma lampadinha fraca pendendo de um fio no forro. Não havia mais contraluz quando vi o planeta em transformação saindo com o [disco] Planet Waves embaixo do braço. Tive um impulso de sugerir pra trocar pelo Blood On The Tracks, mas fiquei frio. Inútil tentar interferir no curso dos astros”.
Partindo de audições de álbuns de Bob Dylan e de outros artistas associados ao folk, Flávio foi, gradualmente, moldando seu novo estilo. Fitas cassetes guardadas por Rachel revelam esse processo. Nelas estão rascunhos de músicas nas quais o músico ainda tateava este novo universo. Especialmente nas letras, ele soa um tanto perdido, cantando temáticas que têm mais a ver com quem o inspirava do que com suas próprias vivências. Nunca muito ligado em política, Flávio tentou abordar o assunto: “Eu digo não ao presidente / Eu voto não pra toda política / Eu voto não pra todas as religiões / Eu só voto sim para a humanidade no topo se autogovernando”, dizia uma das canções.
Em outra, ele colocava a natureza como uma força redentora: “Vem terremoto, vem tremer o chão onde piso, a terra vai me engolir / Venha maremoto, venha inundar meu paraíso, a água purifica / Venha mulher, vem me abraçar, rir e chorar, nossos corpos nus igual marionetes no meio da rua, o mundo vai acabar / Vem tempestade, venha molhar meus sentimentos, eu quero ser batizado”. A vida on the road também foi tema: “Enquanto espero o trem pra me mandar, que saudades, agora eu já estou longe / O jeito é esquecer você e a cidade, um pé no chão, violão nas costas, andando pelo campo, sem chorar e sem encher / Sem voltar e sem perder, vou andar por onde quero, mas voltar eu quero mais”.
Compositor prolífico, Flávio Basso logo amadureceu as novas ideias musicais e decidiu gravar um punhado de recentes canções. Financiado pelo pai, o músico reservou horários noturnos no estúdio da Isaec. Lá, com o auxílio do técnico de gravação Edu Coelho, ele deu início à aventura solo. Flávio construiu as músicas sozinho, cantando e tocando guitarra, violão, baixo, teclados, gaita de boca e bateria. A única contribuição externa foi a participação de músicos de um quarteto de cordas em uma das composições. “A capacidade de organização dele era incrível. O Flávio chegava no estúdio sabendo o que queria. Isso me chamou muito a atenção. As composições estavam prontas, bem arranjadas”, lembra Edu. Esse nível de organização permitiu que uma música fosse registrada a cada visita ao estúdio. “Gravamos tudo em uns 10 dias”, detalha o técnico.
O resultado dessas sessões pode ser considerado o primeiro – ainda que nunca lançado – álbum solo de Flávio Basso. A influência de Bob Dylan em algumas faixas é perceptível, assim como, novamente, a dos Beatles – especialmente da fase do começo do namoro da banda inglesa com o folk, ou seja, o disco Help!. E se o amor, em diferentes manifestações, foi tema cantado pelo músico gaúcho ao longo da carreira, ele nunca soou tão romântico quanto ali. Um romantismo, evidentemente, ao estilo do compositor, com certa dose de malícia.
Há algum tempo, tenho observado nas redes sociais ataques a artista plástica Frida Kahlo (1907-1954), que também ficou conhecida na área literária pelo grande sucesso editorial de seu diário, recentemente relançado pela editora José Olympio. O curioso das críticas à Frida é que elas partem tanto de setores mais conservadores da sociedade quanto de vertentes do feminismo.
Dos grupos posicionados mais à direita no espectro político, a popularidade da pintora é questionada com insultos inaceitáveis como “peluda” e “feia”, quando, por exemplo, houve o lançamento de uma Barbie em homenagem à artista mexicana.
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Da parte das feministas, as críticas são para um certo “glamour” em torno do amor de Frida pelo marido Diego Rivera. O casamento tem fortes indícios de ter sido uma relação abusiva por parte do pintor.
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Para os caretas que xingam a aparência física dessa artista notável, dou um conselho: pesquisem mais a respeito dela e terão argumentos mais válidos para suas críticas. Spoiler: Ela era comunista e chegou a ter um envolvimento afetivo (e sexual) com Trótski, um dos principais líderes e organizadores da Revolução Russa. Que bafo, amigos do MBL! Isso sim é argumento para falar mal dela, né?
Para as manas do feminismo, fica meu apelo para levarem em conta que, mesmo que Frida tenha vivido uma relação abusiva, isso não a impede ter sido uma pintora genial e dona de um estilo próprio. Ao contrário do que algumas das críticas dizem, ela também trabalhou em prol da justiça social, seja por meio da militância ou de sua arte. Também não apaga o fato de que não ter se rendido a convenções e de ter tido personalidade suficiente para se vestir de uma forma “diferente” e de bancado uma aparência considerada “exótica” para os padrões da época em que viveu.
Uma de suas frases mais famosas de Frida refere-se justamente à aparência física:
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“A beleza e a feiura são uma miragem, pois os outros sempre acabam vendo nosso interior.”
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E, encerro esse texto com essa reflexão da pintora, que tem tudo a ver com a sua arte:
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“Eu costumava pensar que era a pessoa mais estranha do mundo, mas então pensei, há muita gente no mundo, tem que existir alguém como eu, que se sinta bizarra e danificada da mesma forma que eu me sinto. Consigo imaginá-la, e imagino que ela também deve estar por aí, pensando em mim. Bom, eu espero que se você estiver por aí e ler isso, saiba que, sim, é verdade, eu estou aqui e sou tão estranha quanto você.”
No último final de semana, aconteceram manifestações pelas Diretas Já em diversas cidades brasileiras. Em São Paulo, o protesto realizado nesse domingo teve um enfoque diferente: colocar em pauta os direitos das mulheres. A ideia partiu da escritora Clara Averbuck, sobre quem já escrevi aqui.
Eu respeito o trabalho literário da Clara e também sua coragem em se posicionar politicamente em um período de tanto ódio nas redes sociais e fora delas. A trajetória pessoal de escritores e outras personalidades nem sempre é admirável. Mas existem muitas mulheres que fizeram a diferença e servem de exemplos para todos com suas histórias de vida.
Em homenagem ao ato feminista pelas Diretas Já, selecionei cinco biografias de mulheres poderosas de diferentes áreas. Inspirem-se!!
Carmen Miranda – A trajetória da pequena notável é contada com maestria por Ruy Castro em Carmen, Uma Biografia.
Clarice Lispector – A obra Clarice, é uma referência para os amantes da literatura, mostrando a vida e obra da escritora pela visão do norte-americano Benjamin Moser.
Frida Kahlo – O livro mostra a intimidade da pintora que transformou sua vida em arte. Frida – A Biografia foi escrita por Hayden Herrera.
Janis Joplin – A roqueira transgressora pela visão da irmã na obra Com Amor, Janis Joplin, de Laura Joplin.
Elis Regina – A cantora Elis Regina têm mais de uma obra dedicada à sua trajetória. Indico Elis, Uma Biografia Musical, escrita pelo gaúcho Arthur de Faria.