Reporteando

O vencedor já é o ódio

Évelin Argenta
8 de outubro de 2018
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.”

A frase, dita pela ex-presidente Dilma Rousseff, é tão confusa que mais parece uma premonição. Sairemos todos perdedores desse processo eleitoral. O único vencedor será o ódio, o sentimento de ódio que já se mostra em cada esquina.

A presença do ex-capitão Jair Bolsonaro, do PSL, no pleito desse ano (e alcançando níveis altíssimos de aceitação) é o principal sintoma de um fenômeno que não é brasileiro e, sim, mundial. Vivemos a era do individualismo, do neopopulismo, do antiglobalismo, expresso no seu maior ícone, Donald Trump.

O ódio que se espalha pelo mundo e – na Europa e nos Estados Unidos – tem como alvo os imigrantes e os refugiados, no Brasil é canalizado internamente. O ódio tupiniquim é pelo seu próprio povo, pelos jovens pobres da periferia, pelo movimento feminista, pelos intelectuais de esquerda. O ódio legitimado pelo candidato de extrema-direita é, em parte, uma reação de quem perdeu as garantias e o status nos últimos anos. Como no trumpismo, o bolsonarismo usa o ódio e o rancor como orgulho e afirmação.

É esse sentimento já existe, independentemente do vencedor. Na vitória de Bolsonaro, a legitimação da homofobia, misoginia, machismo, racismo e intolerância. Na vitória de Haddad, a desconfiança, o boicote por parte de outros setores, a instabilidade política por mais quatro anos, o revanchismo.

O que acontece com ódio depois da eleição? Na rua, simplesmente ser é perigo. Ser jovem, gay e querer caminhar (somente caminhar com seu fone de ouvido) pode ser perigoso se você estiver sozinho. Ter um adesivo contrário ao candidato do momento faz você correr um grande risco de levar uma fechada numa grande avenida e ter que ouvir coisas do tipo “comunista tem que andar de ônibus”. Andar com sua filha pequena numa praça e pedir que os manifestantes parem de gritar palavrões ao defenderem o dito candidato pode resultar em tiros para o alto. Ser judeu e amanhecer com um símbolo nazista pintado no portão da sua casa.

As histórias acima poderiam ser fictícias, numa espécie de exercício de futurologia, mas todas elas são reais e aconteceram na mesma semana em três estados diferentes.

Seja quem for o presidente, no Congresso aumentamos ainda mais o conservadorismo com o reforço  das bancadas evangélica, ruralista e da bala (a famosa Boi, Bíblia e Bala, BBB), o que deixa o país na mesma encruzilhada de sempre. Acabamos com a velha política e colocamos o que no lugar dela?

Serão quatro anos de um país que não se assusta em ter um ex-militar que tirou do armário o conservadorismo de quem anseia um líder que se guia pelos princípios dos tempos da ditadura. Como dizia Pedro Aleixo, então vice-presidente às vésperas do Ato Institucional -5, “o problema não é a lei ou os que governam. O problema é o guarda da esquina.”

Voos Literários

Por que tanto ódio a Frida Kahlo?

Flávia Cunha
5 de junho de 2018

Há algum tempo, tenho observado nas redes sociais ataques a artista plástica Frida Kahlo (1907-1954), que também ficou conhecida na área literária pelo grande sucesso editorial de seu diário, recentemente relançado pela editora José OlympioO curioso das críticas à Frida é que elas partem tanto de setores mais conservadores da sociedade quanto de vertentes do feminismo.

Dos grupos posicionados mais à direita no espectro político, a popularidade da pintora é questionada com insultos inaceitáveis como “peluda” e “feia”, quando, por exemplo, houve o lançamento de uma Barbie em homenagem à artista mexicana.

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Da parte das feministas, as críticas são para um certo “glamour” em torno do amor de Frida pelo marido Diego Rivera. O casamento tem fortes indícios de ter sido uma relação abusiva por parte do pintor.

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Para os caretas que xingam a aparência física dessa artista notável, dou um conselho: pesquisem mais a respeito dela e terão argumentos mais válidos para suas críticas. Spoiler: Ela era comunista e chegou a ter um envolvimento afetivo (e sexual) com Trótski, um dos principais líderes e organizadores da Revolução Russa. Que bafo, amigos do MBL! Isso sim é argumento para falar mal dela, né?

Para as manas do feminismo, fica meu apelo para levarem em conta que, mesmo que Frida tenha vivido uma relação abusiva, isso não a impede ter sido uma pintora genial e dona de um estilo próprio. Ao contrário do que algumas das críticas dizem, ela também trabalhou em prol da justiça social, seja por meio da militância ou de sua arte. Também não apaga o fato de que não ter se rendido a convenções e de ter tido personalidade suficiente para se vestir de uma forma “diferente” e de bancado uma aparência considerada “exótica” para os padrões da época em que viveu.

Uma de suas frases mais famosas de Frida refere-se justamente à aparência física:

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“A beleza e a feiura são uma miragem, pois os outros sempre acabam vendo nosso interior.”

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E, encerro esse texto com essa reflexão da pintora, que tem tudo a ver com a sua arte:

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“Eu costumava pensar que era a pessoa mais estranha do mundo, mas então pensei, há muita gente no mundo, tem que existir alguém como eu, que se sinta bizarra e danificada da mesma forma que eu me sinto. Consigo imaginá-la, e imagino que ela também deve estar por aí, pensando em mim. Bom, eu espero que se você estiver por aí e ler isso, saiba que, sim, é verdade, eu estou aqui e sou tão estranha quanto você.”

 

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Para saber mais: Frida, a biografia  – autor Hayden Herrera