Geórgia Santos

Sobre o BBB17 e a normalização da brutalidade

Geórgia Santos
10 de abril de 2017

Vamos lá, podem me chamar de esquerdopatafeminazi ou de alguma outra atrocidade delirante, mas dedo na cara não é a norma e hematoma não é marca de amor. O que aconteceu no BBB17 é a normalização da brutalidade.

Nesta semana, um dos assuntos mais comentados no país foi a agressão protagonizada por Marcos Harter durante o Big Brother Brasil. Na cena assistida por milhões de pessoas, o médico é flagrado agredindo sua namorada, Emily, verbal e fisicamente. Visivemelmente agressivo e descontrolado, ele aponta o dedo para o rosto da companheira de casa, aperta o braço e belisca a jovem de maneira bruta. Eu não acompanho o programa mas, segundo informações de quem o faz, existia um padrão de constrangimento que vinha se perpetuando entre o casal.

Por bem, após analisar as imagens e, segundo Tiago Leifert, “ouvir especialistas”, a Globo decidiu expulsar Marcos do programa. A polícia foi até a casa do BBB e tomou depoimento de todos os envolvidos no caso. Ficou comprovada a agressão.

Agora veja bem, não sou eu, não é uma esquerdopatafeminazi, não é uma louca mentirosa que está dizendo. A polícia confirmou a agressão.

     Dito isso, acho que algumas coisas precisam ser discutidas:

  1. O que é agressão?

Segundo relatos da imprensa, Emily ficou bastante impactada com a decisão e tentou justificar a ação de Marcos, afirmando que ele “estava muito nervoso”. Após a saída, ela repetiu que sabia que ele jamais tinha a intenção de machucá-la. Na mesma linha, inúmeros telespectadores ficaram consternados com a saída do “brother”, afirmando que não houve agressão e que aquilo não passava de uma discussão normal de marido e mulher e que as pessoas (leia-se feministas) estavam exagerando e que ela também era culpada.

Não, amigos e amigas. Não é normal.

Isso apenas mostra o tamanho da nossa ignorância com relação ao que é aceitável em um relacionamento, seja amoroso ou não. Não precisa de tapa na cara ou um chute para se configurar agressão, que pode ser física (e aqui se inclui a sexual) ou psicológica.

Nesse caso, houve violência física, comprovada pelos hematomas deixados no braço da vítima após ela ser apertada e beliscada; e violência psicológica, que inclui constrangimento, humilhação e manipulação, insultos, entre outras coisas. Todas observadas na imagem quando ela foi praticamente “embretada” em um canto como se fosse um animal assustado.

Então, não, não é uma briga normal de casal. E se tu vês isso com naturalidade, eu sugiro que procure ajuda, sendo homem ou mulher.

  1. Qual o limite?

Nós já definimos agressão, mesmo que superficialmente, então talvez essa pergunta pareça relativamente mais fácil de responder. Mas não é. O limite dentro de um relacionamento abusivo pode ser uma linha bastante borrada e difícil de identificar. Quando Emily tentou defender o agressor, uma das colegas de casa replicou “Talvez tu gostasse tanto dele que tu não estivesse enxergando”, disse a advogada Vivian sobre o nível da agressão. Ou seja, o limite não estava claro.

Aparentemente, nem para a TV Globo, que não considerou as imagens perturbadoras o suficiente para caracterizar como agressão. Precisou esperar a polícia.

O lance é que nós vivemos em uma sociedade machista – e o fato de tantas pessoas acharem aquela briga normal prova isso – e o discurso vigente torna essa tarefa mais difícil. Mas É possível identificar alguns sinais e entender o limite que não deve ser cruzado.

O movimento Mexeu com uma, mexeu com todas produziu um material bastante elucidativo e que pode ajudar muita gente.

É fácil encontrar justificativas para a agressividade em uma sociedade em que a brutalidade é normalizada, mas elas são todas vãs. Então, não permita que nenhuma dessas coisas aconteça a você ou a alguém que você conheça.

Geórgia Santos

Eu quero Porto Alegre de volta (mas tenho medo de ser baleada dentro de casa)

Geórgia Santos
20 de fevereiro de 2017
Porto Alegre, RS - 15/01/2017 Domingo na Redenção Local: Parque Farroupilha (Redenção) Foto: Joel Vargas/PMPA

Eu quero Porto Alegre de volta. Vivo em Porto Alegre há 12 anos e vivo bem. Foi a cidade que escolhi e que me acolheu. Sempre me senti à vontade na capital gaúcha, provavelmente por ser uma espécie de híbrido entre uma cidade pequena e uma cidade grande. É uma metrópole, claro, com milhões de habitantes, trânsito intenso e uma cena cultural bastante importante. Mas também é aquele tipo de cidade em que a gente vive encontrando conhecidos pelas ruas, em que nada é segredo, igualzinho ao que acontece no interior.

A adaptação não foi fácil, mas também não foi o bicho. Eu saí de um município de 7 mil habitantes, tateando, mas me senti em casa quando cheguei à cidade grande. Eu não tinha medo. Porto Alegre me tem, eu pensei. Hoje, isso mudou.

“Um carro entra na contramão, dois homens armados saem do veículo apontando duas pistolas na direção de dois caras que estavam na calçada. Meu instinto treinado por um pai delegado não teve dúvidas: “gurias, pro chão””

É meu aniversário e eu estava a celebrar com duas amigas. Bebíamos um bom vinho branco argentino, um torrontés, e conversávamos sobre coisas boas e ruins enquanto destilávamos no calor que nem o ar condicionado era capaz de aplacar. Nesse meio tempo, eu olho pela janela, que estava aberta na altura dos meus olhos, e vejo uma cena que já não é mais inusitada. Um carro entra na contramão, dois homens armados saem do veículo apontando duas pistolas na direção de dois caras que estavam na calçada. Meu instinto treinado por um pai delegado não teve dúvidas: “gurias, pro chão”.

Perdendo Porto Alegre

Estávamos ali, nós três, jogadas no chão durante a celebração do meu aniversário. Com medo de sermos baleadas dentro de casa. Porto Alegre não me tem mais

Como disse, já se vão 12 anos da minha relação com essa capital e eu sou muito feliz aqui. Mas sim, agora eu tenho medo. Muito medo. Porto Alegre foi abandonada por quem tinha que cuidar dela e a consequência é que a estamos entregando a quem não merece. Somente neste final de semana, 40 pessoas foram assassinadas no Estado, 12 somente na capital.  A situação é insustentável. Não se trata de uma sensação de insegurança, ela é real.

Eu quero Porto Alegre de alegre de volta.