O dia a que Luiz Inácio Lula da Silva se refere é o dia em que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu anular as condenações do ex-presidente petista na Operação Lava Jato. Como se não bastasse, o ministro Gilmar Mendes resolveu retomar a discussão sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. No dia seguinte.
Depois de anos, Lula convocou uma coletiva para falar justamente sobre a anulação das condenações. Mas ao contrário do que muitos esperavam, o tom não foi de raiva, ódio ou ressentimentoNo pronunciamento desta quarta-feira (10), Lula mostrou uma face humana, conciliadora, que dialoga com os mais pobres, que se solidariza com os parentes dos mortos pelo coronavírus. O discurso do petista se opõe frontalmente ao de Jair Bolsonaro. Na forma e no conteúdo. Contrasta com a posição raivosa que, infelizmente, estamos habituados a ouvir. Eleva o nível do debate político e deixa de lado grosserias, ameaças, termos chulos. Mas nao se exime de críticas, pelo contrário. Acerta Bolsonaro na jugular e defende a vacina.
Lula não fala em 2022, não diz se será ou não candidato, afinal, essa decisão faz com que ele possa disputar as eleições, mas a disputa está lançada e parece que Bolsonaro entendeu o recado.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Foi forte o sextou do último dia 8 de novembro. Dá para dizer, inclusive, que foi o mais longo sextou de 2019: começou ainda na quinta-feira, com a decisão sobre a prisão em segunda instância no STF, e estendeu-se pelo menos até o domingo, quando os informes do golpe na Bolívia surgiram para azedar novamente nosso noticiário. Um momento que, é claro, teve na concretização do Lula Livre seu momento de maior euforia.
A noite da sexta-feira passada foi, para boa parte desse povo que tentamos resumir com o termo “esquerda”, um gigantesco desafogo. Festiva, alcoólica, eufórica, transante. Esperançosa, acima de tudo. Diante de tantas tristezas e decepções com a política, a chance de um momento como esse foi a senha para a celebração – uma alegria represada que libertou-se, ao menos temporariamente, dos muros cada vez mais sólidos de uma amargura generalizada.
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Porque é isso, não é?
Está faltando alegria e sobrando amargura no Brasil
E isso está nos envenenando
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Corta para a morte estúpida e deprimente da engenheira agrônoma Júlia Barbosa de Souza, 28 anos, que levou um tiro na cabeça dentro do carro em Sorriso (MT) no último sábado. Seu assassino, Jackson Furlan, não estava cometendo um assalto ou algo assim: simplesmente se irritou porque achou que o carro onde Júlia estava com o namorado estava lento demais. Resolveu o problema iniciando uma perseguição e, finalmente, metendo bala em desconhecidos, que sequer moravam na cidade.
A caminhonete dirigida por Jackson trazia um adesivo a favor da reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Em suas redes sociais, postagens favoráveis ao agora presidente eram fáceis de encontrar. E isso é, sim, significativo.
Jair Bolsonaro não é, ao menos até onde se sabe, um assassino. Não foi ele quem apertou o gatilho que fulminou Júlia. Mas ele é um dos responsáveis por criar o cenário aterrador onde crimes horríveis e sem sentido como esse se tornam muito mais possíveis.
Estamos mergulhados em uma política do ressentimento. O ódio aos petistas/esquerdistas não é inédito, mas foi instrumentalizado de forma a tornar-se uma poderosa (e eficiente) arma política, capaz de eleger presidente uma figura abjeta como Bolsonaro. O problema é que esse sentimento ruim transbordou. Contaminou relações familiares, amizades, convivências do dia a dia. Transformou nossos dias em confronto. Deixou todo mundo infeliz.
O rancor gera votos, mas também multiplica a angústia. É uma batalha permanente contra o inimigo, gigantesco e ao mesmo tempo quase invisível, que se esconde em todos os cantos, em todas as pessoas. Nesse cenário de infelicidade coletiva, toda divergência é drástica, toda vitória é cruel, todo rompimento é brutal e definitivo. Qualquer frustração pode ser a gota d’água, e qualquer engarrafamento pode ser um motivo para matar.
Para os que odeiam Lula e tudo que ele representa, sua soltura foi a senha para uma noite de amargura. Para quem o apoia e sofreu com sua prisão, porém, foi a largada para um fim de semana de euforia. E me desculpem a franqueza, mas não é por acaso que Lula aparece em público abraçando os netos, beijando a namorada, citando longas listas de gratidão. Não é por ele ser um santo, um anjo que lança gotas de bondade sobre os meros mortais: é por entender, até de forma intuitiva, que era por isso que seu público ansiava. Que todos queriam, no fundo, um motivo para sorrir.
Muito se falou no discurso pesado de Lula contra os opositores, e ele de fato se fez presente. Mas acho mais importante pensar sobre a alegria intensa e genuína que sua soltura causou – uma alegria de grupo, dos seus para os seus. Se o ressentimento virou o fiador de um governo de trevas, talvez seja preciso alegrar-se mais, sextar mais, insistir no brilho no olho contra todas as desgraças que se empilham para apagá-lo. Não pelo bem do político da vez, mas pelo nosso próprio.
Nesta semana, Lula Livre. Vamos falar da decisão do Supremo Tribunal Federal que, por 6 votos a 5, decidiu contra a prisão após condenação em segunda instância e impactou diretamente o caso do ex-presidente Lula, que foi solto no dia seguinte à votação do STF.
Apesar de a decisão apenas ratificar o que sempre esteve na Constituição, não agradou ao ex-juiz Sérgio Moro, antes algoz de Lula, hoje ministro da Justiça. O desfecho tampouco foi uma notícia para o presidente Jair Bolsonaro, que admitiu que, sem a ajuda de Moro, o cenário político poderia ser outro.
O Supremo passou um ano discutindo uma cláusula pétrea da Constituição, mas o mais impressionante é que foi uma votação apertada; amplamente contestada por alguns setores da sociedade e seguida por inúmeras informações falsas. E é disso que a gente vai falar no programa de hoje, do STF enquanto espaço político. Participam Geórgia Santos, Flávia Cunha e Igor Natusch.
Com Lava-Jata enfraquecida, STF e Congresso se unem no contra-ataque
Igor Natusch
8 de agosto de 2019
Se há algo que aproxima a operação Lava-Jato do atual governo, é a disposição de usar o conflito como estratégia de legitimação e fidelidade. É apenas a partir deste ângulo que a intempestiva decisão de transferir o ex-presidente Lula de Curitiba para o presídio do Tremembé, em São Paulo, ganha motivação e significado.
Diante do enfraquecimento da aura de santidade em torno da operação, disparada pelos diálogos obtidos pelo The Intercept Brasil, a decisão da juíza federal Carolina Lebbos recoloca a figura odiada de Lula no centro do noticiário. Como elemento central da brincadeira, ficava no ar a possibilidade de colocá-lo em uma cela coletiva, ao invés da sala especial de Curitiba. Um aceno nada sutil aos anseios sádicos da ala que sempre sonhou em ver o ex-presidente em uma cela superlotada de um penitenciária comum. Ao frustar a realização (mesmo que apenas imaginária) dessa tara, o STF colaria em si mesmo a etiqueta de aliado de Lula, logo inimigo da Lava-Jato, logo inimigo do Brasil.
Esse parece ser o plano. Se o plano deu ou está dando certo, são outros quinhentos.
A movimentação mais significativa parece ter vindo do Congresso Nacional. O repúdio uniu parlamentares e senadores, de oposição e de centro, e recebeu um endosso emblemático do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Fazer uma pausa na votação dos destaques da Reforma da Previdência para que uma delegação de deputados pudesse falar com o presidente do STF, Dias Toffoli, é de uma simbologia muito forte.
Nada é mais importante no Congresso do que aprovar a reforma – mas enfrentar a decisão da Lava-Jato mostrou-se ainda mais importante do que isso. E ganhou, a partir do intervalo trazido por Maia, um caráter institucional.
Se a Câmara dos Deputados decidiu comprar essa briga, certamente não foi por solidariedade, ou porque acham o Lula bonito.
Ao enfrentamento explícito do Congresso, sucedeu-se uma demonstração quase afrontosa do Supremo. Um placar de 10 a 1 contra a transferência, vindo de um tribunal pressionado e dividido como o STF, é muito significativo, ainda mais em tema tão delicado e com rapidez de poucas horas. E que não surge da mera convicção de que a medida fosse equivocada. Quem poderá ignorar as recentes revelações do Intercept Brasil e veículos parceiros, mostrando ações do procurador Deltan Dallagnol para investigar, de forma ilegal, ministros do STF?
Se a ideia da Lava-Jato era demonstrar força e capacidade de enfrentamento, o efeito parece não ter sido o desejado. O que ficou evidente, isso sim, foi o enfraquecimento da operação, pelo menos diante de seus antagonistas.
A classe política, que passou anos no córner e viu muitas de suas principais figuras atrás das grades, ensaia uma reação. O STF, atacado tanto nos bastidores quanto à luz do dia, deixa claro que está disposto a dobrar a aposta. Pressionados pela opinião pública até então apaixonada pela Lava-Jato, esses núcleos evitavam reagir aos excessos da operação; agora, que o desgaste de Moro, Dallagnol e cia. é notório e crescente, unem-se para o contra-ataque. E nem o nome de Lula (figura cuja defesa pública, até há pouco tempo, era impensável para esses grupos) tem o mesmo poder de intimidação de antes.
Não é uma simples reação de corruptos contra o braço forte da Justiça. É um posicionamento coletivo na disputa pelo poder. E que se torna possível agora, que a Lava-Jato não parece mais tão imbatível quanto antes.
A estratégia de manter-se no ataque o tempo todo é eficiente para direcionar leituras e narrativas, mas não é livre de limites. Um deles é um tanto óbvio: quanto mais numerosas as frentes de batalha, mais difícil é manter a intensidade da artilharia.
A Operação Tremembé certamente amplia o fosso entre os defensores da Lava-Jato e os que criticam suas práticas, e isso favorece quem extrai seu poder justamente dessa oposição inconciliável. Mas o episódio também marca a primeira vez que uma ação da força-tarefa é enfrentada de forma coletiva, enfática e eficiente. E talvez o apoio da torcida não seja mais suficiente para garantir a vitória em casa.
No episódio desta semana do Bendita Sois Vós, a jornalista Geórgia Santos conversa com os também jornalistas Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol sobre Democracia em Vertigem, o documentário de Petra Costa sobre a escalada da crise política brasileira.
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Mais do que uma análise da produção, há um debate sobre os erros e acertos da cineasta no que tange aos fatos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, e a eleição de Jair Bolsonaro
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Também em pauta está o documentário Brasil em Transe, do jornalista Kennedy Alencar para a BBC. Uma produção que se propõe a explicar os anos que antecedem o atual momento do Brasil.
No Sobre Nós, Raquel Grabauska e Juçara Gaspar interpretam o poema Traduzir-se, de Ferreira Gullar, do livro Na Vertigem do Dia.
O episódio desta semana foi sugerido pela ouvinte Beatriz Costa. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
No último episódio do ano, os jornalistas do Bendita Sois Vós perguntam o que aprendemos em 2018 e fazem uma retrospectiva dos principais acontecimentos. Foi um ano intenso em que testemunhamos, perplexos, a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Em seguida, a prisão do ex-presidente Lula. Greve dos caminhoneiros, Copa do Mundo, incêndio no Museu Nacional, Bolsonaro esfaqueado, eleições, Bolsonaro eleito presidente, e agora João de Deus culpando o todo poderoso pelos crimes dos quais é acusado.
Participam da conversa os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol.
No Sobre Nós desta semana, Raquel Grabauska e Angelo Primon trazem Luis Fernando Veríssimo.
Essa foto me choca. Parece impossível que alguém seja capaz de dizer isso, quanto mais escrever com tinta em pedra. Não é algo que se apague com água e sabão, nem do muro nem da memória de quem ouve e de quem diz. Ainda assim, foi dito e escrito no período que sucedeu a morte de Eva Perón, em 1952, então primeira-dama da Argentina.
Fui lembrada desse episódio na semana passada, enquanto visitava o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde Evita descansa não em paz. À época, os inimigos políticos do General Juan Domingo Perón picharam uma parede com a frase “Viva el cancer”, celebrando a morte da chamada líder espiritual da argentina e heroína dos descamisados.
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Celebrar a morte de alguém que faleceu vítima de uma doença devastadora
Vibrar diante de tragédias pessoais
Alegrar-se com a miséria de adversários
Já viu algo parecido?
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As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são exclusivas. Só acontece comigo, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são universais, assim como a maldade se encontra em qualquer lugar. As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são fruto de seu tempo. Antigamente não era assim, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são atemporais, assim como a mesquinhez se encontra em qualquer momento.
Nós éramos assim antes, em 1952, e somos assim agora, em 2018
Brasil afora, militares marcham com orgulho. Também há milhares de crianças e adolescentes com seus uniformes escolares para celebrar o sete de setembro em desfiles tão coloridos quanto antiquados. Nas roupas tingidas de verde e amarelo, o orgulho de carregar a pátria no peito com um eventual azul, a alegria de celebrar sua história que começa como Brasil em 1822. Os desfiles variam em tamanho e em vontade. Ao lado dos jovens orgulhosos, há os sonolentos que preferiam estar em casa, a dormir. Há os que não tem ideia do que se passa. Há quem faça ideia mas não considera importante. Há os patriotas. Há os cínicos. Há os que não se importam e está tudo muito bem. Quem nunca? Eu participei de vários. Várias e várias vezes. Quase nunca por vontade, diga-se. Minha categoria era uma mescla dos sonolentos com os cínicos e os que não se importam.
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Já são 196 anos do grito de Dom Pedro, que bradou “Independência ou morte!” – de trás de um arbusto e durante uma diarreia
A isso, pode-se somar a insegurança, os graves problemas na área da educação, o salário de fome dos professores, o abandono da cultura, as filas da saúde, os direitos ameaçados dos trabalhadores e os escândalos de corrupção que são empilhados em nossa memória
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Aliás, por falar em memória, também ela anda esquecida neste país que insiste em esquecer do passado e flerta com o autoritarismo ao negar a Ditadura enquanto horror. E então, são 196 anos de que? Não ignoro que há o que se comemorar. O Brasil se desenvolveu de forma importante em diversos setores e é considerada uma das nações mais importantes do mundo. Ainda assim, a sensação, agora, é de desesperança. A sensação é que a barbárie vence a razão.
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O que aconteceu com Jair Bolsonaro é inadmissível. Simples assim. Sem “mas”, sem “porém”, sem condicionantes de qualquer ordem. E enquanto candidato à presidência, o ataque a ele é um ataque à democracia e à liberdade
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Em boa nota, os concorrentes de Bolsonaro na corrida presidencial manifestaram votos de solidariedade e suspenderam atividades públicas de campanha. De um jeito torto, parecia que o tom da campanha finalmente melhoraria no sentido de que os valores democráticos prevaleceriam. Mas a boa nota é curta. Rapidamente o tom virou e as redes sociais foram inundadas com aquilo que há de pior. O presidente do PSL disse que “agora é guerra”; o candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, fez acusações levianas indicando que o PT e PSOL estariam por trás do ataque; teorias da conspiração que insinuavam que a facada seria uma armação; questionou-se o sangue; questionou-se a faca. Jornalistas histéricos davam informações desencontradas enfeitadas por pirotecnia. E assim, de maneira irresponsável, a agenda ideológica do candidato se mesclava ao mérito do golpe que ele recebeu. E então, são 196 anos de que?
Com a voz mansa acompanhada de um violão e um pandeiro, Paulinho da Viola canta, sorrindo, que
Solidão é lava que cobre tudo
Mas não é sorrindo que eu concordo. É concordando que me entristeço ao perceber a semelhança. Estamos sozinhos. A solidão, a lava, cobriu tudo e nos deixou petrificados.
Treze pessoas afirmaram, no último final de semana, que não nos deixarão sozinhos. Querem uma chance para provar que não estão mentindo, querem nosso voto para comandar o Brasil. Eu acredito que a democracia seja o único caminho para o restabelecimento de um sistema político saudável e, principalmente, para alcançarmos a justiça social. Por isso, quero acreditar em uma dessas pessoas.
Aliás, gostaria de acreditar em todos os candidatos e candidatas à presidência da República. Mas é difícil. Estamos sozinhos há muito tempo. Sozinhos, desempregados, miseráveis, sem esperança e com o gosto amargo do abandono na boca.
[A ] Amargura em minha boca,
porém, não é exclusividade, é sintoma social de refluxo de desespero, medo, cansaço e insegurança. Desesperança. Natural que nos sintamos assim diante dos rumos que o Brasil vem tomando. Milhões de pessoas sem emprego; cortes na saúde e educação; problemas gravíssimos na área da segurança; sem contar a crise política e institucional do país. É natural, portanto, que nos sintamos assim. Mas não é saudável. Essa combinação é muito perigosa porque permite que esses sentimentos tomem conta de decisões que deveriam ser racionais. É essa dormência no pensamento que torna sedutores candidatos como Jair Bolsonaro (PSL), que
Sorri seus dentes de chumbo,
ou dos anos de chumbo, que seja. Ele e seu vice, General Mourão (PRTB), saudosos da Ditadura e com o discurso cheio de frases prontas e inflamadas, prometem o que não podem cumprir; falam o que não deveriam dizer. Iludem. De novidade, o meme ambulante não tem nem o preconceito. Mas a mesma dormência que faz com que parte da população deposite sua confiança em Bolsonaro também favorece paixões que nos cegam por conveniência. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, está sendo achincalhado por parte da esquerda e por ter escolhido Kátia Abreu (PDT) como vice – a rainha da motosserra para alguns, em alusão ao vínculo com o agronegócio. A mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff de forma incondicional e, por isso, foi expulsa do MDB. Aliás, a mesma Kátia Abreu que apoiou Dilma Rousseff, que escolheu Michel Temer (MDB) como vice.
A decisão de Ciro Gomes foi pragmática, pode ser boa ou ruim, mas não se pode negar que ele não teve escolha depois de o PT inviabilizar sua coligação com o PSB e o deixar sozinho.
Solidão [é] palavra cavada no coração
de Ciro Gomes, cuja candidatura tem apenas o apoio do obscuro AVANTE e terá de sobreviver ao seu temperamento para levar uns votinhos daqui e outros dali. Ciro se mantém em um muro conveniente, sem se posicionar sobre assuntos polêmicos ou que demandem atenção ideológica. Afinal, a centro-esquerda está fragmentada e o PT deixou muito claro que está pensando em si, apenas. Lançou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril, e indicou Fernando Haddad como vice. Mas todos sabemos que essa candidatura não será autorizada e que Haddad será o candidato de fato, com Manuela D´Ávila (PCdoB) como vice.
Faz sentido que o coro por Lula Livre siga eleição adentro, é legítimo que seja assim. Assim como faz sentido, do ponto de vista estratégico, o acordo com o PCdoB, porque estender a possibilidade de candidatura de Lula dá força à chapa. Mas não é transparente com o eleitor. Simplesmente não é.
O candidato é Lula, mas não é Lula, é Haddad; o candidato a vice-presidente é Haddad, mas é Manuela, que foi confirmada como candidata pelo seu partido, mas depois desistiu e agora é a vice do vice. É a dança da convenção.
Do lado de cá, do lado dos que só assistem, o povo espera uma resolução,
Resignado e mudo
No compasso da desilusão
Desilusão por tudo. Desilusão porque, no final das contas, continuamos sozinhos. No final das contas, parece que nada muda. O discurso de Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, continua o mesmo engodo. Na convenção em que foi indicado, disse que vai “devolver aos brasileiros a dignidade que lhes foi roubada.” Ele fala como se o seu partido não tivesse parte nesse roubo. Ele ainda criticou quem usa “o ódio como combustível de manipulação eleitoral”, logo ele, que convidou Ana Amélia Lemos (PP) para ser sua vice, a mesma que “confundiu” Al Jazeera com Al Qaeda e acusou a petista Gleisi Hoffmann de violar a Lei de Segurança Nacional ao fazer o que ela chamou de “pedido para o Exército Islâmico atuar no Brasil”. A mesma que aplaudiu violência na caravana promovida por Lula pelo interior do Rio Grande do Sul. “Botaram para correr aquele que foi lá, levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, levantar o rebenque é mostrar onde estão os gaúchos”, disse. Parece piada, mas é a mais pura realidade da política brasileira. Isso sem contar o apoio do “centrão” – que bem poderia ser direitão -, aquele bloco de partidos cuja foto está no dicionário ao lado da palavra fisiologismo.
Desilusão, desilusão Danço eu dança você Na dança da [convenção]
Na dança da convenção e convenções. Marina Silva (Rede) se uniu, justamente, ao seu antigo partido, o PV, e na dança das convenções se apresenta contra tudo e contra todos. No primeiro evento após sua candidatura ter sido oficializada, disse que “discursos extremistas que prometem saídas fáceis para uma crise complexa crescem na sociedade brasileira, alimentando-se de nossa insegurança e de nossa revolta. Já vimos esse filme antes e sabemos como ele acaba”, disse.
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado
Bem, Marina está certa. Paulinho da Viola também, não podemos esquecer do passado. Mas é aí que Marina erra o pulo, afinal, ela fez parte desse passado. Como ministra de Lula, como candidata à presidência pelo PSB, ao dar apoio a Aécio Neves (PSDB). Ela também atuou nesse filme. O mesmo vale para Henrique Meirelles (MDB), presidente do Banco Central durante o governo Lula e Ministro da Fazenda nos últimos dois anos.
Paulinho da Viola diz, com entusiasmo, que
Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura Quem beber daquela água não terá mais amargura
Apesar da análise amarga, permaneço otimista em encontrar a fonte de água pura que me curará da amargura. Escolho acreditar na democracia, escolho acreditar em um desses 13 candidatos. Os que listei acima são os melhores colocados nas pesquisas mais recentes, mas há outros candidatos na disputa. Abaixo, veja a lista dos candidatos e candidatas à presidência.
Lula segue preso, mas habeas corpus o fez mais pré-candidato do que nunca
Igor Natusch
9 de julho de 2018
É possível analisar a lambança em torno da não-soltura do ex-presidente Lula, pedida pelo desembargador Rogério Favreto e protelada de todas as formas até ser inviabilizada, por diferentes ângulos. Na esfera do Direito, para citar apenas o mais óbvio, tivemos um fiasco épico para o Judiciário, que se vê com as entranhas expostas e mais esculachado publicamente do que nunca. Mas me parece mais interessante o aspecto político, porque é de política que estamos falando – de uma guerra política, melhor dizendo, centralizada em um pré-candidato fortíssimo mesmo atrás das grades.
Que as circunstâncias em torno do habeas corpus são, no mínimo, peculiares é algo muito difícil de ignorar. Assim como não há como deixar para lá o passado político de Favreto – ex-filiado ao Partido dos Trabalhadores, integrante de governos petistas, único voto a favor do processo contra Sergio Moro pelo levantamento do sigilo na famosa conversa entre Lula e Dilma. Ingênuo também seria pensar que isso não foi levado em conta na hora de ingressar com o pedido de soltura, no timing quase exato para que fosse Favreto, e nenhum outro, a apreciá-lo. Até na pouco sólida alegação de um suposto fato novo – a dificuldade do pré-candidato Lula de conceder entrevistas a veículos de imprensa – se escancara o aspecto absolutamente político em torno do pedido. Se Favreto decidiu pela própria consciência ou em tabelinha com os impetrantes, no fundo, pouco importa: a manobra é política, seja o desembargador jogador ativo ou mero instrumento na obtenção do gol.
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E que golaço, convenhamos. Menos de dois dias depois do Brasil ser eliminado da Copa do Mundo, toda a atenção midiática do Brasil estava à disposição. Corações e mentes, paixões e ódios irracionais dirigidos imediatamente à carceragem de Curitiba. Soltarão Lula? Eis o que todos se perguntavam.
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E aí o outro time entrou em campo
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Sergio Moro, super-herói da moralidade, surgiu mais rápido que o trovão para, em pleno gozo de férias, trazer uma inovação daquelas: um despacho absolutamente maluco, que ninguém saberá dizer a que tipo de figura jurídica se refere, questionando a autoridade de Favreto e admitindo, de forma tão insólita quanto imprudente, que se aconselharia com o relator no TRF-4, João Gebran Neto, sobre o que fazer.
Temos um juiz de primeira instância, em momento no qual não tem jurisdição nem na própria vara (está de férias, por Deus), dizendo que um desembargador em plantão não tem competência para expedir habeas corpus – aquela que é, convenhamos, a mais óbvia de suas competências. Admitindo que, por fora de todos os procedimentos legais, consultou integrantes da mesma instância para decidir como derrubar um habeas corpus que o incomodava e no qual sequer era coator (afinal, refere-se à juíza da execução de pena de Lula). E sendo em seguida confirmado pelo próprio Gebran, que – sempre alerta e à disposição da Justiça, mesmo nas tardes de folga! – chama para si a decisão de soltura tomada por outro desembargador, alegando que ele é relator do caso. Algo deveras questionável, já que, se há fato novo, a decisão de urgência cabe ao desembargador de plantão. E um habeas corpus do tipo, certo ou errado que seja, só pode ser anulado por decisão do colegiado, ou de instância superior. Ou ao menos assim era, nos tempos em que o ordenamento jurídico valia alguma coisa.
Por fim, a pá de cal. Thompson Flores, presidente do TRF-4, ergue-se em plena folga para, com a autoridade dos grandes árbitros, revogar a decisão de Favreto e coloca ordem na bagunça. Qual o mecanismo que dá a um desembargador, pelo simples fato de ser presidente, poder para revogar a decisão de um colega em pleno exercício do plantão, ninguém sabe direito qual seja. Nunca, na história do Judiciário brasileiro, se ouviu falar que a presidência de um tribunal seja uma instância recursal no próprio tribunal. Mas é o presidente, ora pois: que bom que alguém colocou as coisas em seus devidos lugares!
Não importa muito, a essa altura. O golaço narrativo – de placa, no ângulo – o time dos pró-Lula já pode comemorar.
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Temos, antes de tudo, um recorde: um habeas concedido em período de plantão, não cumprido por aqueles legalmente obrigados a tal e revogado, com velocidade de Usain Bolt e grande criatividade jurídica, durante o mesmo período de plantão. Temos também a narrativa, que já existe há tempos, mas a petição acolhida por Favreto tinha como interesse reforçar: Lula é um preso político, e sua prisão é objetivo, não consequência. E, por fim, o texto nas entrelinhas, ou o canto da sereia, se preferirem: se a candidatura de Lula causa tanto horror, aí sim é que ela não pode ser deixada para trás.
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Um recado para os colegas de trincheira, sem dúvida. E uma leitura que Moro, Gebran e Thompson Flores não tiveram pudores de fortalecer.
Com sua pressa quase maníaca em garantir que o ex-presidente não ficasse solto um segundo sequer, os três escancararam não apenas a vaidade, a visão justiceira do Direito e a falta de respeito pelos procedimentos que, há tempos, consomem o Judiciário brasileiro. Deixaram claro que, quando o assunto é manter Lula fora de cena e o PT longe do poder, nenhum prazo é muito curto, nenhuma ausência é distante demais. Quem ainda achar que são isentos cumpridores da lei, depois da pataquada de domingo, pode retirar sua carteirinha de sócio master do Clube Velhinha de Taubaté no guichê mais próximo.
Numa batalha tão profunda entre narrativas, deixar o adversário nu é uma moeda política valiosa. As chances de Lula concorrer seguem escassas, mas agora ele é – inclusive, e especialmente, no campo simbólico – mais pré-candidato do que nunca.