No último episódio do ano, os jornalistas do Bendita Sois Vós perguntam o que aprendemos em 2018 e fazem uma retrospectiva dos principais acontecimentos. Foi um ano intenso em que testemunhamos, perplexos, a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Em seguida, a prisão do ex-presidente Lula. Greve dos caminhoneiros, Copa do Mundo, incêndio no Museu Nacional, Bolsonaro esfaqueado, eleições, Bolsonaro eleito presidente, e agora João de Deus culpando o todo poderoso pelos crimes dos quais é acusado.
Participam da conversa os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol.
No Sobre Nós desta semana, Raquel Grabauska e Angelo Primon trazem Luis Fernando Veríssimo.
Quando alguém começa a contagem regressiva e a mãe puxa aquela música cafona do “Adeus ano velho”, eu olho pra baixo e vejo, escorrendo pelo meu corpo, 365 dias de energias pesadas que frequentaram os mesmos lugares que eu e viram as mesmas pessoas e coisas que eu vi. Aos meus pés, uma poça daquele líquido imaginário, ácido e ao mesmo tempo extremamente amargo, corre em direção a um bueiro, espero eu, distante.
Finalmente, à meia noite, olho para cima. E o que acontece a partir daí é quase sobrenatural. Meu sorriso fica distendido, sorvo um ansioso gole de espumante e, em um colapso, não controlo o choro que vem de uma vereda familiar.
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É o universo que, em um rompante de generosidade, não somente permite que eu continue existindo como me oferece a oportunidade de viver mais doce, em um ano mais doce
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E assim, bem assim, os abraços e beijos trocados transformam-se em prova irrefutável de que tudo vai ficar bem. E vale qualquer disparate para a acidez que a falta de otimismo possa anunciar. Escolhe-se cuidadosamente a cor da roupa íntima, da roupa, das fitas, não se come galinha porque o bicho anda para trás, lentilha dá dinheiro, e por aí vai. Há quem pule ondas do mar ou use folhas de louro na carteira para dar sorte. Outros comem três grãos de uva. Ou sete. Essa é a minha preferida. A uva. Como três. Como sete. Bebo espumante. Bebo vinho. Ai, a uva. Docinha.
Acho que é uma daquelas coisas que nos levam à melhor lembrança da melhor idade. Quando eu era criança, o melhor de tudo traduzia-se em uva. Eu só comia uva e sorvete de uva, ou picolé de uva. Bebia suco de uva, Fanta uva – e beberia vinho se não fosse a pouca idade. Preferia as roupas roxas e nas festinhas de aniversário, só queria os balões cor-de-uva. Uvada, torta de uva, vinho doce, chiclete de uva.
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Ai, mas o sorvete
“Sorvete de uva, sorvete de uva, sorvete de uva”
É quase uma oração
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Na minha concepção, o que havia de melhor no mundo só poderia ter vindo de uma parreira. E o melhor melhor do mundo era o produto da parreira congelado e cremoso.
Desejo, então, do fundo da minha infância, um ano novo de uva. Ou de sorvete de uva. Desejo que peguem uma colher e façam uma bolinha. Pode ser no copinho ou casquinha. Vale até pingar na roupa. Só não deixem derreter. Aproveitem o sabor do universo e tenham um 2018 mais doce.