Reporteando

O vencedor já é o ódio

Évelin Argenta
8 de outubro de 2018
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.”

A frase, dita pela ex-presidente Dilma Rousseff, é tão confusa que mais parece uma premonição. Sairemos todos perdedores desse processo eleitoral. O único vencedor será o ódio, o sentimento de ódio que já se mostra em cada esquina.

A presença do ex-capitão Jair Bolsonaro, do PSL, no pleito desse ano (e alcançando níveis altíssimos de aceitação) é o principal sintoma de um fenômeno que não é brasileiro e, sim, mundial. Vivemos a era do individualismo, do neopopulismo, do antiglobalismo, expresso no seu maior ícone, Donald Trump.

O ódio que se espalha pelo mundo e – na Europa e nos Estados Unidos – tem como alvo os imigrantes e os refugiados, no Brasil é canalizado internamente. O ódio tupiniquim é pelo seu próprio povo, pelos jovens pobres da periferia, pelo movimento feminista, pelos intelectuais de esquerda. O ódio legitimado pelo candidato de extrema-direita é, em parte, uma reação de quem perdeu as garantias e o status nos últimos anos. Como no trumpismo, o bolsonarismo usa o ódio e o rancor como orgulho e afirmação.

É esse sentimento já existe, independentemente do vencedor. Na vitória de Bolsonaro, a legitimação da homofobia, misoginia, machismo, racismo e intolerância. Na vitória de Haddad, a desconfiança, o boicote por parte de outros setores, a instabilidade política por mais quatro anos, o revanchismo.

O que acontece com ódio depois da eleição? Na rua, simplesmente ser é perigo. Ser jovem, gay e querer caminhar (somente caminhar com seu fone de ouvido) pode ser perigoso se você estiver sozinho. Ter um adesivo contrário ao candidato do momento faz você correr um grande risco de levar uma fechada numa grande avenida e ter que ouvir coisas do tipo “comunista tem que andar de ônibus”. Andar com sua filha pequena numa praça e pedir que os manifestantes parem de gritar palavrões ao defenderem o dito candidato pode resultar em tiros para o alto. Ser judeu e amanhecer com um símbolo nazista pintado no portão da sua casa.

As histórias acima poderiam ser fictícias, numa espécie de exercício de futurologia, mas todas elas são reais e aconteceram na mesma semana em três estados diferentes.

Seja quem for o presidente, no Congresso aumentamos ainda mais o conservadorismo com o reforço  das bancadas evangélica, ruralista e da bala (a famosa Boi, Bíblia e Bala, BBB), o que deixa o país na mesma encruzilhada de sempre. Acabamos com a velha política e colocamos o que no lugar dela?

Serão quatro anos de um país que não se assusta em ter um ex-militar que tirou do armário o conservadorismo de quem anseia um líder que se guia pelos princípios dos tempos da ditadura. Como dizia Pedro Aleixo, então vice-presidente às vésperas do Ato Institucional -5, “o problema não é a lei ou os que governam. O problema é o guarda da esquina.”

Eleições

Educação . Capacitação, ensino integral e até mentiras aparecem entre as propostas

Geórgia Santos
5 de outubro de 2018

A situação da educação brasileira é alarmante. Talvez sempre tenha sido. E segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2017, divulgado pelo Ministério da Educação no início do ano, a perspectiva não é boa. Há muitas pessoas longe da sala de aula. Os professores não tem formação adequada, para se ter uma ideia, apenas 27,1% têm a formação necessária para ensinar Sociologia no Ensino Médio. Sem contar que não são remunerados adequadamente. Aprender a ler e escrever continua sendo um desafio enorme, com altos índices de analfabetismo funcional, e a interpretação e compreensão de textos ainda é um problema. Sem falar no alto índice de jovens inativos, que não trabalham nem estudam.

De maneira geral, o desempenho da educação é muito baixo. E a EC95, que congela os investimentos por 20 anos, não ajuda em nada

Por isso, analisamos os planos de governo dos candidatos à presidência na esperança de encontrar alguma solução para o problema. São poucas as respostas. 

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Alvaro Dias (Podemos) – Plano de metas 19+1: para refundar a República!

Com relação à educação, o candidato do Podemos garante 100% de alunos no Ensino integral até 2022;  web-educação e capacitação de professores; além do projeto 200 gênios para Universidades. Nenhuma das propostas, no entanto, vem acompanhada de uma explicação de viabilidade nem de informações complementares.

Em um anexo aos prefeitos, Alvaro Dias promete tornar o FUNDEB “permanente e priorizar a educação infantil e o ensino fundamental.”

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Cabo Daciolo (Patriota) – Plano de nação para a colônia brasileira

Daciolo promete investir 10% do PIB em educação para aumentar o repasse de recursos aos estados e municípios. O candidato do Patriota toca na questão da acessibilidade. Segundo o texto, somente 27% das escolas estão preparadas para receber alunos portadores de deficiência. Ele garante aumentar o índice para 50% no segundo ano de governo.

O programa de Daciolo ainda propõe implementar políticas “a fim de reduzir a evasão escolar, diminuir a incidência da reprovação, melhorar a qualidade do ensino, as condições de trabalho dos professores, aumentar o acesso à educação pública e implementar a educação básica em tempo integral nas escolas de todo o país.” O candidato também promete elevar o  piso salarial dos trabalhadores em educação. Também não explica como fará isso.

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Ciro Gomes (PDT) – Diretrizes para uma estratégia nacional de desenvolvimento para o Brasil

O programa de governo de Ciro Gomes mostra um planejamento para aumentar os investimentos na área da educação, a começar pela revogação da EC95, que limita os gastos por 20 anos. 

O candidato do PDT pretende universalizar o acesso de 4 a 17 anos; eliminar o analfabetismo escolar (combate absoluto); melhorar a qualidade, mensurada através dos resultados do IDEB e PISA; elevar a média de anos de estudo da população; garantir a permanência e a conclusão na idade adequada; reduzir a evasão, problema grave no ensino médio.

Para viabilizar esses objetivo, Ciro afirma a necessidade de uma base nacional comum curricular; o desenho do novo Fundeb; um processo adequado de formação e seleção de professores; capacitação contínua de gestores e professores; e regras de desenvolvimento profissional dos professores, com melhoria das condições de trabalho e incentivos. Além de um processo bem estruturado de avaliação dos resultados. 

A partir dessa base, o pedetista promete reabrir a discussão sobre a melhoria e implementação da base nacional comum curricular, com ampla participação de professores e alunos; envio de proposta do novo Fundeb ao Congresso até março de 2019, ampliação da rede de ensino Infantil, Fundamental e Médio. Por essas diretrizes, “as creches deverão oferecer permanência em período integral; pelo menos 50% das escolas destinadas ao ensino fundamental II (11 a 14 anos) e ao ensino médio deverão ofertar cursos em período integral; e além do apoio direto, o Governo Federal apoiará estados e municípios para a obtenção de recursos junto a organismos internacionais de financiamento.”

Ciro, em uma proposta extensa e bastante detalhada sobre como fazer, ainda propõe a ampliação da rede de escolas para alfabetização e ensino de jovens e adultos, também com apoio do Governo Federal.

Eymael (DC) – Carta 27: diretrizes gerais de governo para construir um novo e melhor Brasil

Eymael, do Democrata Cristão, pretende priorizar a educação como “vetor fundamental para o desenvolvimento do País, avanço social e cidadania plena.”

Entre outras ações, propõe o “Ensino Inclusivo; Sociedade do conhecimento: acesso em todo o país, no plano escolar, ao uso de equipamentos de informática, internet e banda larga;  Ampliação da oferta de cursos técnicos e profissionalizantes; Promover o ensino integral no ensino fundamental; ampliação de vagas nos cursos superiores nas Universidades Federais;  Introduzir, no ensino fundamental, a disciplina Educação Moral e Cívica; valorização das carreiras em educação no Serviço Público Federal, atraindo talentos para o setor; pleno incentivo a municipalização do ensino fundamental.”

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Fernando Haddad (PT) – O Brasil feliz de novo

O programa de governo do candidato do PT traz uma lista de conquistas alcançadas na área da educação durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, especialmente do primeiro, já que Fernando Haddad foi ministro da educação. Entre elas, destaca-se o Programa Universidade Para Todos (ProUni) O candidato garante que, no próximo governo, “devolverá à educação prioridade estratégica”. 

O plano se orienta pelas seguintes diretrizes: forte atuação na formação dos educadores e na gestão pedagógica da educação básica, na reformulação do ensino médio e na expansão da educação integral; concretização das metas do Plano Nacional de Educação; institucionalização do Sistema Nacional de Educação; criação de novo padrão de financiamento, visando progressivamente investir 10% do PIB em educação; implementação do Custo-Aluno-Qualidade (QAQ) e institucionalização do novo FUNDEB.

Na educação infantil, na perspectiva da educação integral, Haddad promete retomar a colaboração com municípios para ampliação das vagas em creches. Também investirá na ampliação da oferta de educação de tempo integral, sobretudo nas regiões mais vulneráveis. Será dado novo tratamento à Educação de Jovens e Adultos – EJA.

No ensino fundamental, promete realizar ajustes na Base Nacional Comum Curricular, em diálogo com a sociedade, para retirar “as imposições obscurantistas” e alinhá-la às Diretrizes Nacionais Curriculares e ao PNE. O governo de Haddad ainda promete vai implementar uma forte política nacional de alfabetização.  “A meta é garantir que todas as crianças, adolescentes e jovens de 4 a 17 anos estejam na escola e que aprendam.”

O candidato do PT ainda prevê a inclusão digital e tecnológica das crianças brasileiras, introduzindo, desde o primeiro ano do ensino fundamental, com a infraestrutura necessária, o trabalho com as linguagens digitais.

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Geraldo Alckmin (PSDB) – Diretrizes gerais

O candidato do PSDB afirma que “o Brasil precisa se tornar um país mais justo, onde a igualdade de oportunidades seja assegurada pela educação pública de qualidade.”Para isso, Alckmin propõe investimento na educação básica de qualidade e traça como meta crescer 50 pontos em 8 anos no PISA.

“A revolução na educação básica requer um sério investimento na formação e qualificação dos professores. Vamos transformar a carreira do professor numa das mais prestigiadas e desejadas pelos nossos jovens.”

Geraldo Alckmin também promete que  “as crianças estejam plenamente alfabetizadas até 2027.” Além disso, prevê o fortalecimento do ensino técnico e tecnológico e o estímulo das parcerias entre universidades, empresas e empreendedores.

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Guilherme Boulos (PSOL) – Programa da coligação Vamos sem medo de mudar o Brasil

Guilherme Boulos apresenta como diretriz “a certeza de que uma sociedade democrática somente é possível com educação pública, universal, gratuita, laica e de qualidade.” O candidato do PSOL defende a democratização da educação que, segundo ele, exige a “implementação de políticas direcionadas à ampliação do acesso, à garantia de permanência e à conclusão da formação com êxito em todas as etapas e modalidades educacionais.”

A primeira medida do governo será encaminhar para consulta popular a revogação da Emenda Constitucional no 95, que limita os gastos na área por 20 anos. “Em seguida, serão revogadas a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular, sendo reaberto o debate sobre os dois temas de forma ampla e participativa.”

Boulos ainda prevê implementar o Sistema Nacional de Educação; regulamentar o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), como exige a lei do PNE. O programa ainda prevê nova distribuição de recursos para as escolas, nova política de avaliação e regulação do setor privado da educação. Além de garantir capacitação e melhor remuneração aos professores.

O programa do PSOL, em todas as áreas, prevê a redução da desigualdade e o fim do preconceito, por isso, prevê ações específicas para mulheres, negros e a comunidade LGBT.

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Henrique Meirelles (MDB) – Pacto pela confiança!

Meirelles reconhece que uma criança pobre não tem condições de “competir em igualdade de condições com uma criança rica”.  Por isso, prevê a criação de oportunidades iguais para todos por meio da educação de qualidade desde os primeiros anos escolares. “O desenvolvimento de nossas crianças no período de 0 a 5 anos de idade é determinante para a sociedade que teremos no futuro, dado o impacto que essa fase tem na capacidade de aprendizagem e na formação da inteligência.”

O candidato do MDB traça um diagnótico do ponto de vista econômico, que é o seu forte, destacando que o Brasil gasta 6% do PIB em educação, “mas a realidade é que nossas crianças que vão à escola pouco aprendem.”

Meirelles foca na educação infantil que, segundo ele,  é a principal política de investimento em capital humano e a que tem a maior taxa de retorno. Por isso, ele propõe a criação do “Pró-Criança, oferecendo, nos moldes do Prouni, a todas as famílias atendidas pelo Bolsa Família o direito de optar por colocar seus lhos em creches particulares.”

Ele ressalta que é preciso dar condições materiais às famílias, “treinamento e condições de trabalho aos professores” e “afastar qualquer possibilidade de ideologização do ensino”, sugerindo apoio ao projeto Escola Sem Partido, que sugere que há doutrinação nas escolas sem qualquer embasamento concreto além de teorias da conspiração.

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Jair Bolsonaro (PSL) – O caminho da prosperidade

O candidato do PSL afirma que a educação está à beira do colapso e em uma série de gráficos confusos aponta uma série de acusações sem embasamento ou prova alguma. Segundo Jair Bolsonaro, “conteúdo e método de ensino precisam ser mudados. Mais matemática, ciências e português, SEM DOUTRINAÇÃO E SEXUALIZAÇÃO PRECOCE.” Assim, em caixa alta. Em nenhum momento, porém, explica como aconteceria a doutrinação e sexualização, pelo menos não com provas ou indícios, apenas com uma retórica conspiratória. Em 2011, foi elabora um material para promover a não-discriminação por orientação sexual nas escolas. Político como Bolsonaro classificaram como “Kit Gay”, dizendo que “ensinava as crianças” a praticarem a homossexualidade (?). No entanto, o material nunca foi distribuído e tampouco se tratava de uma cartilha sexual. Então surgiu o boato de outro livro de educação sexual que seria adotado pelas escolas, o que se comprovou mentiroso também – embora não houvesse problema algum. 

Ele promete “dar um salto de qualidade na educação com ênfase na infantil, básica e técnica, sem doutrinar.” De novo, falando em doutrinação, uma clara alusão ao movimento Escola Sem Partido, que parte do princípio que há “doutrinação marxista” nas escolas públicas. As supostas doutrinação e sexualização não passam, porém, de uma cortina de fumaça pra o fato de que não há propostas.

Bolsonaro não propõe, apenas diz que  “precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), impedindo a aprovação automática e a própria questão de disciplina dentro das escolas.”

A única proposta é a educação à distância que, segundo ele,  “deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática.” Também fala em integrar sistemas de educação do governo federal, estadual e municípios. “Com base em avaliações técnicas, a Integração permitirá diagnósticos precisos, quer no desempenho dos estudantes ou na qualificação dos professores.”

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João Amoêdo (Novo) – Mais oportunidades, menos privilégios

O candidato do Novo defende “educação de qualidade e conhecimento para que as crianças e os jovens possam construir seu futuro em um mundo em transformação.”

No longo prazo, pretendo “subir o Brasil 50 posições no ranking do PISA” e “universalizar o acesso das crianças às creches”

João Amoedo tem um plano que estabelece parcerias do governo e da iniciativa privada, além de se basear na meritocracia. Pretende priorizar a educação básica na alocação de recursos; gestão profissional na direção das escolas; programa de bolsas em escolas particulares; consórcios intermunicipais para gestão da educação; “reconhecer e valorizar, na distribuição de recursos do FUNDEB, os estados, municípios e as escolas que melhorarem o aprendizado dos alunos”; base curricular da formação dos professores direcionada à metodologia e à prática do ensino, não a fundamentos teóricos.

 

João Goulart Filho (PPL) – Distribuir a renda, superar a crise e desenvolver o Brasil

O candidato do PPL promete uma reforma educacional. “Para que a educação cumpra um papel transformador no processo de desenvolvimento, trabalharemos para que o ensino superior seja prioritariamente público. Para isso, os 10% do PIB para a educação estabelecidos em lei serão destinados, prioritariamente, à educação pública.” Também de compromete em investir para melhorar a remuneração dos professores.

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Marina Silva (Rede) – Brasil justo, ético, próspero e sustentável

Antes de falar em educação, a candidata da Rede garante que “criança é prioridade absoluta”. Por isso, as metas de Marina Silva incluem “a ampliação da oferta de creches para crianças de 0 a 3 anos dos atuais 30% para 50% em todo o país e a universalização da educação infantil na faixa etária  de 4 a 5 anos, em cumprimento às metas do Plano Nacional de Educação (PNE). “

Marina ainda pretende atuar ao lado de Estados e Municípios para regulamentar o Sistema Nacional de Educação, além de dar continuidade às políticas de implementação da Base Nacional Comum Curricular para a educação infantil e o ensino fundamental.

O plano da Rede dá destaque ao problema do analfabetismo.  Marina ainda promete investir em infraestrutura adequada, salas de aula e locais de convivência e apoio didático, como quadras esportivas e bibliotecas.A candidata ainda destaca a criação de políticas de prevenção e combate a todas as formas de bullying , violência e discriminação “para promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, orienta- ção sexual (LGBTIs), condição física, classe social, religião e quaisquer outras formas de discriminação.”

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Vera (PSTU) – 16 pontos de um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista

A candidata do PSTU diz que educação não pode ser mercadoria. “Para isso, é preciso estatizar as escolas e universidades privadas,” garantindo educação em todos os níveis. Vera afirma que é preciso investir de forma maciça, “revertendo o que hoje vai para o pagamento da dívida aos banqueiros para essas áreas sociais.”

Igor Natusch

Jair Bolsonaro nos ameaça. Quem ele pensa que é?

Igor Natusch
30 de setembro de 2018
Mulheres protestam contra o presidenciável Jair Bolsonaro no centro do Rio

Jair Bolsonaro é um golpista e uma figura nefasta para o Brasil. Suas últimas falas (em especial esse absurdo inominável de só aceitar o resultado das urnas se ele for eleito) deixam claro que ele não deseja servir à democracia, mas sim sequestrá-la. Bolsonaro é a pura vulgaridade política, no sentido mais grotesco de preconceito, ódio e despreparo, mas nem é disso que estamos falando: o que pega, aqui, é a declaração clara de que deseja usar o processo democrático apenas como ponte – e se a ponte não servir, a democracia que se lasque.

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Seu desprezo pelas regras do jogo é um insulto a quem tenta construir uma democracia, ou ao menos algo perto disso, no Brasil. Nenhuma condenação é pouca para seus disparates. É dever de quem preza nossa ainda frágil tentativa de democracia enfrentar essa figura funesta e sua candidatura, deixando claro o engodo e o suicídio político que ela representa.

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Antes dessas falas, repudiar Bolsonaro ainda poderia, para alguns, parecer uma questão de preferência política. A partir delas, em especial, essa posição torna-se impossível sem uma dose considerável de desapego à realidade. Nada – muito mesmo o antipetismo, essa versão caricatural e fascista que o ódio aos pobres e/ou diferentes toma em nosso país – justifica jogar ao fogo o pouco de representatividade que temos, o muito de liberdade e coesão social que ainda precisamos construir. Há outros candidatos, há outras formas de combater o petismo, se isso é mesmo tão importante. Votar Bolsonaro, em termos de solução, equivale a incendiar o prédio porque não se consegue consertar um vazamento no terceiro andar.

Mas é ainda mais que isso.

Bolsonaro não é apenas uma ameaça conceitual: é concreta. Ele ameaça a nós todos. Sem disfarces. De modo arrogante – pois o que é dizer que “não pode falar pelos comandantes militares” caso Fernando Haddad vença, senão arrogância e disposição golpista? Ele diz que devemos nos ajoelhar não ao resultado das urnas, mas à vontade dele, Bolsonaro, e de mais ninguém. Isso é um insulto a todos nós – inclusive a seus eleitores, mesmo que esses não percebam. Me elejam, ou vou tocar o terror.

Quem Bolsonaro pensa que é, para falar com o Brasil inteiro desse jeito?

O fascismo é um ideário de morte. Celebrar a vida, e a liberdade de existir que é inerente ao viver, é um poderoso ato de resistência. E o Brasil, liderado pelas mulheres (nossa grande força transformadora, desde sempre e mais do que nunca), disse no último sábado que a morte se enfrenta vivendo, e que não vamos – nós, o que recusamos a ameaça personificada em Jair Bolsonaro – nos encolher em um canto, com medo da morte.

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O resultado das urnas ninguém sabe qual será. Pode ser inclusive a eleição de Jair Bolsonaro, por que não? Se a nação brasileira optar por jogar-se no abismo, assim será. Mas a liberdade não é algo que se entregue de mão beijada ao valentão que grita mais alto. Cabe enfrentar a ameaça,  lutar até o fim para vencê-la e tentar sair mais fortes disso tudo.

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Derrotar Bolsonaro nas urnas, é claro, não resolve problema algum. O Brasil seguirá cindido, talvez mais do que nunca, e as inúmeras angústias que alimentam esse flerte coletivo com a autodestruição seguirão existindo e exigindo respostas. Reconstruir as pontes incendiadas nos últimos anos será uma tarefa imensa, talvez até irrealizável. Mas nenhuma solução, por mais difícil e dolorosa que seja, poderá nascer do que esse cidadão diz, pensa e faz. Bolsonaro não é um candidato comum: é um opressor e oportunista que deseja, de forma tosca e às nossas custas, transformar-se em tirano.

Não existe neutralidade possível diante da infâmia. Que todas as vozes e bandeiras alinhadas com a busca da democracia sigam se erguendo e, juntas, derrotem essa figura vulgar de volta à irrelevância da qual jamais deveria ter saído.

Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil

Reporteando

O feminismo na vanguarda contra o fascismo

Évelin Argenta
26 de setembro de 2018

A socióloga e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Esther Solano, avalia que o ódio virou uma moeda de troca importante no campo político atual.  Segundo ela existe um uso eleitoral do ódio, já que o “ódio potencializado” é um caminho às urnas.  A pesquisadora espanhola é autora de estudos sobre o que pensam os eleitores do capitão reformado do Exército e deputado federal, Jair Bolsonaro.  Ao comentar seu novo livro “O ódio como política”, lançado pela editora Boitempo, Esther ainda falou sobre o “risco real” de fascismo no Brasil e na vanguarda da luta das mulheres contra esse sistema. Confira a entrevista. 

*Originalmente a conversa foi veiculada pela Rádio CBN.  A entrevista foi realizada em parceria com os jornalistas Roberto Nonato e Kennedy Alencar. 

 

Estamos em uma fase onde o ódio está cada vez mais presente na sociedade?

O que o livro quis fazer é justamente chamar atenção para essa presença de ódio como uma moeda de troca importante no campo eleitoral e no campo político. Vivemos no Brasil em uma sociedade que se constrói muito na ideia do ódio, do machismo, do racismo, da desigualdade. O que vemos hoje é uma politização do discurso de ódio, uma “eleitorização” do discurso de ódio e ódio polarizado, pois ele é um bom caminho para as urnas.

 

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) é que mais recorre a esse tipo de discurso. O que explica o crescimento desse discurso de ódio e da extrema-direita no Brasil?

Eu sempre digo que a candidatura da extrema-direita brasileira, de forma geral, se constrói sobre três “antis”. A primeira delas é a politização da antipolítica, que é aquele sentimento de “são todos iguais, todos corruptos”. A segunda é a negação do petismo e da esquerda. Existe um discurso muito forte de combate á esquerda e ao campo progressista e intelectual. E, por fim, há uma reação muito forte aos movimentos identitários, onde ganhou força o discurso antifeminista, movimento negro, movimento LGBT, colocando esses movimentos como culpados pela diferenciação social tão grande que existe nas relações sociais no Brasil.

 

Antes de passar por governos alinhados socialmente à esquerda, o Brasil passou por governos alinhados social e economicamente à direita.  Por que esses discursos de ódio não surgiram antes? Existe um fator econômico no ódio?

Sem dúvida. Existe hoje um realinhamento de uma força neoconservadora e intolerante no campo dos valores e uma força econômica liberal ou ultraliberal. A candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) é altamente simbólica nisso. Ele é um personagem construído nessa ideia dos valores, da família cristã, do militarismo, mas atrás da candidatura dele está o Paulo Guedes, que é uma pessoa que simboliza esse liberalismo ,a privatização e esse capitalismo mais selvagem. Existe um casamento obviamente oportunista aí. Só que as pessoas não são conscientes disso. Quando você pergunta para eleitores da extrema-direita sobre economia, ele não é consciente desse discurso neoliberal que está por trás, já que ele é tratado de forma escondida, às escuras.

 

Essa percepção vai além do Brasil em uma espécie de onda global?

Se dúvida. Globalmente existe um ressurgimento dessa extrema direita e isso é uma coisa que, efetivamente, você vê em países da Europa, América Latina e Estados Unidos. A diferença no Brasil e o que me preocupa bastante é que normalmente nos países europeus a retórica dessa extrema-direita se constrói com base no inimigo externo, no imigrante ou no refugiado. No Brasil existe uma peculiaridade. Essa retórica na extrema-direita se constrói com base em um inimigo interno. Então aqui a luta é contra o jovem negro da periferia, contra a feminista, contra o professor, contra a pessoa da esquerda. Existe uma violência contra o próprio brasileiro que é considerado como um “não cidadão de bem”

 

Nos últimos tempos a palavra fascismo vem sendo dita com uma frequência muito grande. Em alguns momentos , até, corre-se o risco de esvaziar a palavra de significado. Existe um risco real de fascismo no Brasil?

Sem dúvida. E nesse caso é importante contextualizarmos o que significa fascismo. Muitas pessoas confundem fascismo com uma certa política adotada em determinado momento histórico, fundamentalmente na Europa. Mas o fascismo na sua concepção política e filosófica mais ampla é o silenciamento, aniquilamento do outro que é considerado diferente. É uma política que mobiliza o ódio, que utiliza o ódio como mobilizador para fazer política. Então quando você tem candidatos que são abertamente xenofóbicos, misóginos, que dizem que “bandido bom é bandido morto”, esse é um discurso claramente fascista. O que não quer dizer que todo mundo que vote nesse tipo de pessoa seja fascista. Há pessoas que votam por outros fatores, como a descrença na política. Mas essa tendência política pode, sim, ser nomeada dessa forma.

 

Se o candidato Jair Bolsonaro for eleito, esse movimento terá no presidente da república o seu líder. No entanto, se ele perder a eleição quem ficaria nesse grupo de direita?  A senhora vê uma retomada desse eleitorado pelo PSDB ou pelo João Amoêdo, do Partido Novo?

Por um lado existe um certo paradoxo, pois você tem uma “bolsonarização” da esfera pública. Se o Bolsonaro não foi eleito o que fica capilarizado na esfera pública é esse discurso de ódio, da intolerância, do antipetismo, da moralização do debate público. Agora, ele é um candidato que não tem um partido político com estrutura, é isolado politicamente. Eu não vejo nesse momento uma estrutura político-partidária, institucional que consiga capitalizar esse discurso de ódio a ponto de você ter, de fato, uma estrutura forte ou competitiva como você tem na França. Mas isso é secundário, pois quando você já tem essa bolsonarização do debate na sociedade é questão de tempo para eles encontrarem outros tipos de canalizações. Temos que atacar esse discurso no campo social para que ele não extrapole o campo político.

 

Nos últimos dias vimos o crescimento de um movimento muito forte de mulheres que se opõem ao candidato Jair Bolsonaro. É um movimento que surgiu na internet, mas que já vem sendo usado de forma partidária por outros candidatos. Já havíamos presenciado algo parecido na história recente? Qual a dimensão desse movimento fora das redes sociais?

Já tivemos movimentos parecidos encabeçados por mulheres quando elas encabeçaram a oposição ao Eduardo Cunha, na questão da descriminalização do aborto. Uma coisa muito importante é que a internet tem sido um ambiente muito colonizado ultimamente pelo pensamento feminista. Houve o movimento #meuprimeiroassedio, #agoraéquesãoelas, etc. Esse movimento Mulheres Contra Bolsonaro ele é extraordinário por vários fatores. Primeiro que o voto feminino vai ser determinante nessa eleição, também pelo fato de as mulheres serem claramente atacadas pelo discurso de ódio (estamos na linha de frente dessa luta) e também em função de outros grupos terem se juntado a isso. Temos agora os LGBT Contra Bolsonaro, Negros Contra Bolsonaro, Evangélicos Contra Bolsonaro. Você vê que no campo do social, do coletivo e das ruas o feminismo é muito forte. Ele tem potencial para criar uma frente contra o fascismo. Acho que a onda de feminismo brasileira é a vanguarda da luta contra o fascismo. Somos nós, mulheres, que temos mais dificuldades para entrar na política. Então acho simbólico que sejam as mulheres a tomar a frente desse movimento.

Ouça a entrevista na íntegra

 

Igor Natusch

Nada de bate-boca – o negócio é mostrar que Bolsonaro não manja nada

Igor Natusch
1 de agosto de 2018

É difícil acertar o tom de sobriedade quando se fala de Jair Bolsonaro. Por um lado, é fundamental demonstrar, de forma séria e enfática, os riscos que sua candidatura traz à claudicante democracia brasileira, bem como à sociedade como um todo. Porém, não seria sábio ignorar que é justamente dessa oposição que o candidato do PSL tira muito de sua força: o confronto é seu espinafre, é no bate-boca que ele se fortalece, e qualquer contestação a ele serve para reforçar, junto a seu eleitorado cativo, a ideia de todos-contra-ele que é o coração de sua tentativa de chegar à presidência.

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Aos que prezam pelo básico em termos de liberdade e direitos fundamentais, a omissão diante de Bolsonaro pode ser trágica. E ir para o confronto direto não ajuda, já que o tensionamento é justamente o que sua candidatura mais deseja. O que fazer, então?

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Quem assistiu ao Roda Viva com Bolsonaro, programa exibido pela TV Cultura na última segunda-feira, teve a chance de tirar algumas pistas. Não acho que a sabatina tenha tido o poder de mudar posições arraigadas: quem sente ojeriza a Bolsonaro saiu ainda mais nauseado, quem o apoia e enxerga nele a vocalização de seus medos e intolerâncias só enxergou motivos para ampliar sua idolatria. De fato, boa parte do programa foi um desperdício nesse sentido, com inúmeras questões voltadas às coisas horrendas que o candidato defende – terreno onde ele se move com desenvoltura, soltando inúmeras frases de efeito para o delírio de seu público cativo. Não há novidade possível nessa abordagem: o deputado fará a sua cena habitual, ganhará aplausos delirantes de seu fandom e ainda poderá usar a repulsa dos oponentes como mecanismo de confirmação. Não é com essa munição que se estoura o balão bolsonarista – com a ressalva, é claro, de que derrubar o candidato Bolsonaro não é, e nem precisa ser, a meta primeira dos jornalista que eventualmente o entrevistem.

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A trilha que surge, a partir das declarações públicas de Bolsonaro, aponta para outro alvo, em outra direção: a linha do meio

Os indecisos

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Porque é inegável que existe uma legião de brasileiros, tomados pelos mais diferentes tipos de angústia, que não odeiam Bolsonaro por definição, mas também não morrem de amores por ele. Talvez nem mesmo o conheçam. Talvez só tenham ouvido falar e, no momento, nutrem não mais que uma pequena antipatia, ou uma simpatia igualmente imprecisa. Em quem esses eleitores votarão – e mais, de que maneira vão escolher, a partir de quais diretrizes e bandeiras decidirão seu voto?

Foi curioso ver o fenômeno de redes sociais tentando abrir o discurso em alguns momentos. Sua expressão ficava tensa, a voz gaguejava, perdia-se toda a desenvoltura tão bem exercida quando o assunto é soltar frases de baixo nível para agradar o eleitorado cativo. Alguns momentos (como a pífia leitura sobre mortalidade infantil e o constrangedor desconhecimento sobre a situação dos trabalhadores do campo) seriam dignos de uma comédia, não fossem o fato apavorante de virem de um candidato à presidência do Brasil.

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Se a interpretação exige um mínimo de conteúdo, o personagem Bolsonaro começa a sorrir amarelo, como um ator pouco competente que esquece as falas segundos antes de entrar em cena. Esse é seu calcanhar de aquiles, a kryptonita que pode derrubá-lo: a sua absoluta falta de conhecimento sobre qualquer coisa que seja relevante para o futuro do país.

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As pessoas querem respostas fáceis, sim. Mas não tão fáceis que nem como respostas consigam convencer. Tire de Bolsonaro seus espantalhos e a tendência é que não sobre muita coisa.

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Menosprezar o candidato do PSL a essa altura do campeonato seria, por certo, uma tolice absoluta. Mas também não nos ajudará em nada achar que a criatura é imbatível – algo que, definitivamente, não é. Esse mesmo Bolsonaro fracassou em obter o apoio do centrão, tão necessário para dar a ele valiosos cabos eleitorais e significativos segundos de rádio e TV. Esse mesmo Bolsonaro enfrenta grandes dificuldades para fechar um vice, algo inusitado para alguém supostamente tão próximo da vitória – nem mesmo Janaína Paschoal, a cada vez mais caricata responsável pelo pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, empolgou-se com a ideia de subir no palanque ao lado do mito.

Sua força nas redes sociais é inegável, e sua capacidade de virar centro de todas as discussões relacionadas a direitos fundamentais é para lá de perigosa. Mas ainda está para ser visto até que ponto isso vira apoio na hora da verdade, o quanto isso é capaz de manter viva uma candidatura que estará praticamente ausente das mídias tradicionais, que vai precisar demais das manchetes para não ficar acorrentada às correntes de Whatsapp.

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É preciso expor Bolsonaro aos que, ainda incertos sobre o voto em 7 de outubro, seguem ao alcance sinistro do grito mais alto, da resposta simples ao problema complexo

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Deixar claro que Bolsonaro é feito de vento, e que seus apoiadores, na grande maioria, apenas repetem memes e frases feitas, sem refletir sobre as implicações do que estão dizendo. E me parece fundamental fazer isso com serenidade e frieza – pois a exaltação ou, por outro lado, o deboche são armas que só servem ao culto bolsonarista, independente de quem as esteja empunhando. Para a maioria das pessoas, ironia soa como arrogância, e arrogância desperta imediata antipatia. É preciso fazer o que os jornalistas na bancada do Roda Viva conseguiram poucas vezes fazer, mas sempre com bom resultado: tirar a discussão da gritaria e do bate-boca, reconduzi-la ao embate de ideias. Porque, de ideias, Bolsonaro é um deserto. E quanto mais deserto ele parecer, menos convincente sua figura conseguirá ser.

Pode ser que não dê certo. Afinal, é uma luta dura, e nós já estamos atrasados. Mas é preciso tentar, com firmeza e de forma incansável. A opção é sentar na pracinha e chorar, ou ficar torcendo pelo acomodar das melancias na carroça política nacional – algo que, como temos visto, até pode acontecer, mas está bem longe de ser uma aposta segura.

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Igor Natusch

Sim, precisamos falar sobre Bolsonaro. Mas sem perda de tempo

Igor Natusch
20 de junho de 2018
O deputado Jair Bolsonaro durante sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que instaurou nesta terça-feira (16) processo por quebra de decoro contra o deputado Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A oposição a Jair Bolsonaro nas redes sociais costuma dividir-se em dois posicionamentos fundamentais. De um lado, estão os que denunciam com indignação crescente as manifestações absurdas e o flagrante desconhecimento de fatos básicos, descrevendo o candidato do PSL com os termos mais enfáticos (quando não agressivos) que estejam à mão. No outro flanco, estão grupos que criticam essa postura, acreditando que cada comentário a respeito de Bolsonaro, mesmo negativo, acaba projetando ainda mais sua figura – o que explicaria não apenas sua popularidade, mas a quantidade crescente de pessoas dispostas a entregar seu voto a ele, já suficientes para elevá-lo ao patamar de figura de frente na eleição presidencial que se avizinha.

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Pessoalmente, concordo bem mais com a primeira leitura do que com a segunda. Mas também penso que é preciso pensar um pouco mais na estratégia, para não desperdiçar munição e acabar acertando no alvo errado.

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Os eleitores de Bolsonaro não são todos iguais. Se fossem, seu teto eleitoral já teria sido alcançado há tempos – o que, convenhamos, é bem diferente do que diferentes pesquisas de intenção de voto têm nos apontado. Se o candidato cresce nos levantamentos, é porque pessoas que antes não levavam seu nome em conta agora o conhecem e enxergam nele uma opção.

Verdade que, com muitos defensores da aterradora candidatura de Bolsonaro, não adianta discutir. São eleitores não apenas cativos, mas obstinados: diante de um cenário político que se esfarela e de um mundo onde enxergam apenas absurdos e riscos pessoais, enxergam na figura do outsider a implosão necessária de um sistema que desprezam, em nome do resgate de um passado melhor que só existe em suas imaginações. Para outros, especialmente ativos nas redes sociais, Bolsonaro é a trollagem perfeita, a desculpa para uma risada debochada e destrutiva. Não interessam os resultados da molecagem: ela vai incomodar os oponentes, e isso basta. São diferentes tipos de desajuste, mas que encontram na figura do candidato não só uma personificação de sua inadequação mas, também, uma chance de ter a última palavra. Esses estão, por assim dizer, fora do alcance: votarão Bolsonaro, e já era.

Mas nem todo mundo é tão sólido em sua opção. Muita gente está chegando agora: pessoas que sentem um profundo desconforto diante de uma política que não compreendem, de ameaças contra as quais se sentem indefesas, de decisões que sempre parecem prejudicá-las e sobre as quais não têm qualquer influência. Sentem que tudo vai mal, e que precisa acontecer alguma coisa, senão tudo ficará pior. Já buscaram super-heróis em diferentes cantos da política e, de uma forma ou de outra, se decepcionaram com eles. Agora, enxergam em Bolsonaro alguém que é, ao menos em aparência, inimigo de todos eles. Em um Brasil onde tudo é desencanto, e na falta aparente de opção melhor, Bolsonaro se fortalece, em uma espécie de manifestação coletiva de desagrado.

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É esse movimento de sedução, essa inclinação coletiva para o abismo, que pode – e deve – ser enfrentada. Com uma postura que fale a esses desencantos, mas que seja capaz de acolhê-los onde possível, sem simplesmente ridicularizá-los e fechar a porta. E que demonstre, da forma mais clara possível, o engodo que Bolsonaro deixa explícito a cada frase, cada posicionamento.

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Bolsonaro não resiste a um debate de ideias. E sabe disso. Todos em torno dele sabem.

É por isso que foge de situações onde será questionado e confrontado: porque seus arremedos de ideia são tão paupérrimos que qualquer argumentação coerente o deixaria nu em questão de minutos, pronto para ser esquecido como a fraude grosseira que de fato é. Quer falar sozinho, porque falando sozinho poderá sempre dizer que deu a última palavra. E é precisamente isso que não pode ter, que não podemos permitir que tenha em hipótese alguma.

A tentação de resumir o espectro político oposto em um ou dois aspectos simples e refutáveis é grande, mas nem sempre traz resultados positivos – isso quando não cria problemas ainda maiores. A verdade é que, hoje, ninguém sabe bem qual é o teto de Jair Bolsonaro. Cabe aos que se opõem a ele (e ao caldo grosseiro e trágico de fascismos, rancores, intolerâncias e incompetências que ele traz consigo) impedir que esse teto cresça.

Deixá-lo falando sozinho, se um dia foi opção, já deixou de ser há tempos: agora, é preciso forçá-lo a falar conosco. E derrotá-lo, o que só é possível (não garantido, mas possível) nesse corpo-a-corpo.

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Igor Natusch

Bolsonaro entrou na mira – e é melhor Jair se acostumando

Igor Natusch
10 de janeiro de 2018
Brasília - O deputado Jair Bolsonaro durante o adiamento da votação de processo contra Jean Wyllys (Wilson Dias/Agência Brasil)

Não tem sido uma semana boa para Jair Bolsonaro e seus defensores nas redes sociais. Já começou delicada, com reportagem sobre a rapidez inusitada com que a família do deputado federal somou imóveis a seu patrimônio, alguns em pechinchas sinceramente difíceis de acreditar. Continuou com a lista de perguntas não respondidas pelo parlamentar, além do recebimento mensal de auxílio-moradia quando é notório que Bolsonaro tem imóvel em Brasília para morar. Tentando neutralizar a maré negativa, tentou o presidenciável mencionar o dinheiro que devolveu à Câmara Federal – só para, logo em seguida, ver nas manchetes os mais de R$ 770 mil que ele diz ter entregue, mas que nunca efetivamente repassou. Agora, a Folha de S. Paulo manda um editorial que, digamos, longe está de ser conciliador em direção ao provável candidato presidencial.

Os protestos contra as “fake news” foram muitos, além de uma verdadeira corrente-para-frente de passadores de pano. Mas, parafraseando os próprios apoiadores de Bolsonaro, eu diria: é melhor Jair se acostumando. Porque não é nada difícil prever que a carga sobre ele está só começando, e tende a ficar ainda mais cerrada daqui para frente

 

Entre tantas outras coisas, política é questão de timing – e isso vale tanto para o momento de tomar posição no cenário quanto, eventualmente, para atacar. Desde o fim do ano passado já é claro que setor significativo do poder financeiro e da mídia não quer Bolsonaro, desenhando o pré-candidato como um dos extremos a combater (o outro sendo Lula). Manobra que, por óbvio, abre a trilha para um terceiro nome, supostamente mais conciliador que ambos e capaz de unir as duas pontas e pacificar o país. É algo que tende a ganhar contornos mais visíveis daqui para frente – especialmente porque ninguém que faça diferença parece, no momento, disposto a divergir dessa estratégia e endossar Bolsonaro em sua empreitada presidencial.

Temos um paradoxo, aqui. Bolsonaro é o segundo nas intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas; mesmo assim, nenhuma grande figura política se aproxima ou busca articulação. O único até agora foi Onyx Lorenzoni, cujo destaque é apenas regional e que há tempos briga (sem sucesso) por supremacia dentro da própria sigla, o DEM. Praticamente ninguém que leva sua carreira política a sério no Brasil quer tocar a candidatura Bolsonaro, por um singelo motivo: porque sente que, ao menos no atual momento, ele é uma figura tóxica.

Quando falo em “tóxica”, não estou me referindo exatamente às ideias reacionárias e doentias, ao discurso odioso, ou mesmo à escancarada incompetência parlamentar do pré-candidato. Muito mais importante que isso é a falta absoluta de estofo no que de fato interessa. Bolsonaro é um ignorante total em economia – se duvida, basta assistir esse vídeo de uma entrevista com Mariana Godoy, onde a incapacidade dele fica impossível de contornar.

Suas tentativas de vender a si mesmo como alguém sintonizado com as necessidades dos investidores, aqui e lá fora, foram grandes fracassos. E não vai ser o raquítico fundo partidário do PSL, partido vampirizado da vez, que vai colocar na rua uma campanha eleitoral efetivamente capaz de vencer.

 

Aí está, em resumo, o ponto decisivo que faz a candidatura de Bolsonaro esfriar: ele não é, nunca foi e possivelmente não conseguirá ser o candidato do poder financeiro. E isso é mais que suficiente para inviabilizar todo o resto

 

Bolsonaro só tem a seu favor o potencial viral, o encanto do outsider. Não entende nada de um dos temas centrais do cenário brasileiro atual, e é intelectual e politicamente incapaz de articular com quem entende. Não deve ser menosprezado de forma alguma, mas tampouco deve ser alçado a um status de quase imbatível que ele, claramente, não foi capaz (ainda, pelo menos) de atingir. A pose que adota é a de um fenômeno irresistível, mas o fato é que Bolsonaro está bem menos forte do que gosta de dar a entender.

 

Não há como cravar coisa alguma no cenário atual, mas a tendência, hoje, é que candidatura chegue ao período eleitoral bem mais anêmica (política e financeiramente) do que precisaria, em um partido nanico e com setores significativos atuando concretamente para não oferecer a ela qualquer chance de sucesso

 

Pesquisas são importantes, mas não são apenas elas que decidem para onde a grana vai. São retrato de um momento, de possibilidades ainda não concretizadas; indicam, sim, mas não garantem nada. E se o homem que se destaca nelas é incapaz de garantir qualquer coisa a quem alavanca campanhas no Brasil, não é de se duvidar inclusive que sua corrida pelo Planalto acabe ficando só na promessa, trocada por um alvo mais fácil de atingir, como uma reeleição na Câmara ou um novo cargo no Senado. Afinal, sua pífia atuação parlamentar tem sido, há décadas, seu ganha-pão, e perder a Presidência não deve render muitas palestras e consultorias a alguém como Bolsonaro, se é que vocês me entendem.

Se o jogo é, como deduzo, delimitar dois radicais para surfar entre eles, Bolsonaro pode preparar o lombo. Lula já está emparedado; em poucas semanas, a tendência é de que se confirme sua condenação em segunda instância. Saindo o barbudo do combate, o radical a ser abatido passa a ser Bolsonaro. E suspeito que só a imagem de mito de redes sociais, sem qualquer suporte real e palpável por trás, pode ser insuficiente para segurar a onda.

Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Samir Oliveira

Essa vitória é nossa – Bolsonaro é condenado a pagar multa por ofensas à população LGBT

Samir Oliveira
9 de novembro de 2017

O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) foi condenado esta semana a pagar uma multa de R$ 150 mil por dano moral coletivo contra a população LGBT. A decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirma a sentença que já havia sido proferida em primeira instância em 2015. A indenização irá para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), criado pelo Ministério da Justiça.

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Essa vitória é nossa! É do movimento LGBT e de todos aqueles que lutam por um mundo mais justo e sem ódio

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A ação foi movida pelos grupos Diversidade, Arco Íris e CaboFree após declarações homofóbicas do deputado em 2011, durante entrevista ao programa CQC. Bolsonaro disse que jamais teria um filho gay porque seus filhos tiveram uma “boa educação” e acusou as paradas do orgulho LGBT de promoverem os “maus costumes”, contra Deus e a preservação da família.

Naquela época, Bolsonaro se gabava de nunca haver sido condenado. Agora já conta com a terceira condenação só este ano. A primeira foi uma multa de R$ 10 mil por ter dito que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não mereceria. E a segunda foi uma indenização de R$ 50 mil por comentários racistas contra a população quilombola.

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Bolsonaro pode não estar morrendo pela boca – tendo em vista que sua retórica odiosa infelizmente encontra apelo em setores expressivos da sociedade -, mas está pagando muito caro por ela

As três multas impostas pela Justiça já somam R$ 210 mil

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Na sentença que o condenou em primeira instância pelas declarações ao CQC, a juíza considerou que a liberdade de expressão não está acima da garantia de direitos a populações oprimidas. Ou seja: que liberdade de expressão não é o mesmo que liberdade de opressão. E a imunidade parlamentar do deputado não se aplica a este caso, em que ele estava emitindo uma opinião pessoal.

É significativo que Bolsonaro esteja sendo condenado justamente por estimular o ódio contra três grupos extremamente vulneráveis da sociedade: mulheres, negros e negras e a população LGBT. Por mais moroso que possa ser o processo judicial, as sentenças demonstram que esse tipo de discurso violento não encontra lugar na nossa Constituição.

Vivemos uma conjuntura muito dura, com o crescimento de setores semi-fascistas que preferem inventar pedófilos em museus do que derrubar um governo corrupto que compra apoio descarado no Congresso para se manter no poder. O movimento LGBT vem jogando um papel central neste enfrentamento, ocupando as ruas na linha de frente contra o conservadorismo. Afinal são as nossas vidas que estão diretamente em risco com este tipo de discurso de ódio.

As condenações do Bolsonaro são um bem-vindo sopro de alívio em meio a tantos retrocessos. É melhor ele Jair abrindo o bolso!

Igor Natusch

Lula e Bolsonaro estão distantes. A quem interessa colocá-los como iguais?

Igor Natusch
1 de novembro de 2017
Brasília - Eduardo Bolsonaro, e o pai, Jair Bolsonaro após o Conselho de Ética da Câmara arquivar duas representações (12/17 e 13/17) contra o deputado por quebra do decoro (Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agencia Brasil)

A mais recente pesquisa Ibope pintou um quadro favorável ao ex-presidente Lula. Líder em todos os cenários, o petista parece não sofrer grande desgaste junto a seu eleitorado cativo e até mesmo ganha gordura nesse momento desnorteante que vive a política brasileira. Na estimulada, tem 35% das intenções de voto, contra 13% do pré-candidato mais próximo, Jair Bolsonaro; na espontânea, de valor ainda mais acentuado nesse momento em que não há campanha eleitoral declarada, o resultado sorri ainda mais para o barbudo, com 26% dos consultados citando seu nome, quase o triplo dos 9% que citam Bolsonaro.

Assim sendo, é um exercício curioso passar os olhos pelas manchetes que alguns dos principais portais de notícias do Brasil deram para esse levantamento. “Ibope aponta segundo turno entre Lula e Bolsonaro em 2018“, diz o Uol, exatamente o que é ressaltado também pela Veja. “Lula e Bolsonaro liderariam eleição presidencial em 2018“, aponta o site da revista Exame, quase nos mesmos termos indicados pelo Terra.

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Cresce no imaginário do eleitorado a ideia de que temos dois extremos. À direita, como sabemos, surge o discurso odioso e tóxico de Bolsonaro; no córner esquerdo, o combatente é Lula. Mesmo que a pesquisa Ibope aponte o ex-presidente muito à frente do deputado, sinal claro de que não há, no momento, um embate cabeça a cabeça entre ambos.

Porque nos falam, então, de um confronto direto que os números não mostram?

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Embora o discurso do pré-candidato petista oscile entre promessas vagas de democratização da mídia e afagos surpreendentes naqueles que tiraram Dilma Rousseff do poder, materializar nele um dos extremos do rompimento político que vivemos é interessante para alguns setores. Para ele próprio, que vende a si mesmo como única chance de evitar a tragédia de um governo de extrema-direita; para Bolsonaro, que também se beneficia desse maniqueísmo nós-contra-eles; mas acima de tudo para quem quer emplacar uma terceira via, um candidato pacificador que não é radical nem por um lado, nem pelo outro. Uma opção de centro, mesmo que ela não seja tão centrista assim.

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Há uma desonestidade flagrante nessa construção de antagonismos

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Amando ou detestando Lula e sua visão de política, ninguém poderá negar que foi presidente de medidas significativas, cujos reflexos durarão ainda por muito tempo. É figura que já demonstrou grande capacidade de articulação, ainda recebe grande respeito internacional e, de qualquer modo, tem o triplo de intenções de voto de seu suposto antagonista. Bolsonaro, por sua vez, é um deputado federal de contribuição no máximo medíocre, com pouquíssimos projetos e que só se destaca pela desenvoltura com que vocifera discursos de ódio. Sua tentativa de se tornar mais palatável em uma viagem aos EUA foi um fracasso, e suas tentativas canhestras de aprofundar o discurso – como nas citações cheias de chutes e equívocos sobre o nióbio, antigo delírio dos ultranacionalistas – seriam cômicas, não indicassem profunda tragédia caso um despreparado desse quilate alcance mesmo a Presidência do Brasil.

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Bolsonaro, além de ser uma figura rasteira, ainda é uma incógnita do ponto de vista eleitoral

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No retrato de momento (que pode mudar, evidentemente, mas que no momento assim se materializa), está bem atrás de um Lula que não dá sinais de desgaste em seu carisma. Sem o petista, o Ibope indica um empate absoluto entre Bolsonaro e Marina Silva – ou seja, a confiar no levantamento, nem em um cenário teoricamente mais favorável o deputado se destaca na multidão. Alçado à condição de atual nome forte na batalha contra tudo de supostamente horrível que a esquerda traz em si, Bolsonaro ganha um protagonismo superior ao indicado por sua intenção atual de voto. E não precisa ser gênio para perceber que o potencial de criar um círculo vicioso a partir daí não é nada desprezível.

Se a aposta de certos setores é cindir o cenário político como quem separa o Mar Vermelho e, no corredor criado, lançar o suposto pacificador da vez (seja Dória, Huck, Alckmin ou qualquer outro), podemos dizer que é uma aposta de risco considerável.

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Talvez a única coisa que aproxime de fato Lula e Bolsonaro seja estarem simbolicamente do lado de fora da política atual, um por ser outsider, outro por ser perseguido por ela

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Para que esse mesmo núcleo político, tão rejeitado, consiga vender um de seus apadrinhados como opção razoável em um cenário de tempestade, vai precisar conjurar essa mesma aula de distanciamento – o que será, ao mesmo tempo, um esforço de mago e de camaleão. Não é inviável, mas não é fácil.

Enquanto isso, para vender a imagem de que Lula é batível tanto como candidato quanto – e talvez principalmente – como entidade, vamos legitimando alguém que traz um discurso venenoso capaz de inviabilizar de vez qualquer tipo de saúde política no país. Pelo jeito, a tempestade não é mesmo para chegar ao fim.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Igor Natusch

A intolerância crescente dá fôlego ao sonho eleitoral da extrema-direita

Igor Natusch
20 de setembro de 2017

FATO 1

Depois de ter sua encenação proibida em Jundiaí (SP) por meio de uma insólita antecipação de tutela para não macular o “sentimento do cidadão comum” (seja lá o que for isso, juridicamente falando), houve quem quisesse que a peça “O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu”, que coloca uma mulher trans no papel principal, fosse proibida também em Porto Alegre. Felizmente, o juiz Jose Antonio Coitinho não embarcou nessa canoa furadíssima e, em uma decisão no geral bastante sábia, rechaçou completamente, no último dia 19, um pedido de suspensão da peça – que recorria, é claro, ao batidíssimo e nada jurídico argumento de “afronta aos costumes religiosos”.

A peça, desde já um sucesso, teve que ser transferida da acanhada Pinacoteca Rubem Berta para o Teatro Bruno Kiefer, bem mais amplo e capaz de acomodar a todos que desejam assisti-la. Os ingressos estão esgotados para as duas sessões. Pena, pois realmente gostaria de assisti-la.

FATO 2

O juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, achou justo atender pedido de um grupo de psicólogos (alguns deles claramente identificados com grupo religiosos e políticos antipáticos à população LGBT) e decidiu que o Conselho Federal de Psicologia não pode “proibir” profissionais de “promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual”, caso pacientes “voluntariamente venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade”. Um bonito jogo de palavras que, por ignorância ou má intenção, esconde o óbvio: uma resolução de mais de 18 anos, que impede psicólogos de tratar homossexualidade como doença, foi invalidada na base do canetaço. Ainda cabe recurso à liminar, e nos resta esperar que instâncias superiores revoguem essa sandice.

FATO 3

Pesquisa CNT-MDA mostra Jair Bolsonaro com 10,9% de intenções de voto na pesquisa espontânea para a Presidência da República, situação em que o entrevistador apenas pergunta em quem a pessoa deseja votar. Como sabemos, esse é o voto teoricamente mais consolidado, o menos vulnerável ao noticiário e aos acontecimentos em geral, o menos aberto a qualquer tipo de argumentação. Em fevereiro, ele tinha 6,5% nessa modalidade. O mesmo pré-candidato que declarou que os organizadores da mostra Queermuseu “deveriam ser fuzilados” – logo depois dourou a pílula e disse que era “força de expressão”, mas ainda assim deixou bem claro o seu grau de tolerância com manifestações artísticas de temática LGBT.

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De posse desses dados, aparentemente disparatados, que trilhas nos surgem?

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Acho que todos falam, basicamente, de um encorajamento de posturas francamente intolerantes. Não que jamais tenhamos tido pessoas indo à Justiça para impedir a visibilidade de outras, ou mesmo que não tenham inclusive vencido em alguns casos. Mas agora temos uma onda, um processo onde uma ousadia autoritária encoraja a outra, onde um movimento intolerante não devidamente combatido serve de estímulo a outra intolerância, ainda mais estridente e desavergonhada. Estivéssemos razoavelmente saudáveis, enquanto sociedade, e ninguém cogitaria seriamente que uma exposição inteira fosse fechada aos gritos de que há “pedofilia” em algumas ilustrações, tampouco veríamos turbas comemorando a proibição de uma peça teatral.

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São movimentos que ganham força na medida em que a intolerância se espalha, quando cada vez mais parece que a solução não deve ser dialogada, mas sim imposta, se possível com a eliminação física do problema. Quando nada parece seguro, as respostas fáceis e verticais parecem cada vez mais tentadoras – e quando elas se mostram possíveis, fica muito difícil controlar o vagalhão

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Por outro lado, todos sabemos que o pré-candidato mencionado acima é uma espécie de meme ambulante, uma figura que conjuga de forma cada vez mais visível tanto a imagem de outsider, supostamente sem “rabo preso” como os políticos mais tradicionais, quanto de pessoa que não tem medo de dizer o que pensa, que não dá folga a vagabundos, que vai botar ordem na casa da forma mais simples e radical possível – todos argumentos intangíveis e sem grande base racional, mas que caem como uma luva em um momento tão cheio de incertezas, medos e cisões.

Segundo a mesma pesquisa da CNT-MDA, Bolsonaro perde para Lula em um eventual segundo turno, mas venceria tanto Dória quanto Alckmin – um sinal claro de que a polarização política, ainda que siga muito importante para impulsionar o virtual candidato da extrema direita, não é tão decisiva assim para o seu voo solo.

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Há mais coisas envolvidas em Bolsonaro do que pode parecer – e elas são do conjunto da sociedade e de sua fragmentação, bem mais do que originadas no medo irracional do barbudo comunista que pode voltar à presidência

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Esse é o cenário que torna possível que, estatisticamente, mais de um décimo dos brasileiros esteja disposto a votar em Bolsonaro, independente de qualquer coisa. E que dá à sua candidatura uma relevância crescente e que, racionalmente, não pode ser ignorada. Daí a dizer que a vitória da extrema-direita em 2018 é um fato consumado ou mesmo a hipótese mais provável vai uma longa distância, cujas circunstâncias pretendo desdobrar em um post futuro. Por enquanto, fica o alerta: são as rachaduras em nossa convicção democrática que estão alimentando a intolerância, e é essa intolerância triunfante que dá fôlego à candidatura bolsonarista. É um cenário de sonhos reacionários possíveis, tanto no Judiciário quanto no dia a dia, e certamente também na frente da urna. Mudar o cenário só é possível a partir dessa compreensão.

Foto: Divulgação