Reportagens Especiais

A Filha Perdida

Colaborador Vós
18 de janeiro de 2022

Por Tatiane de Sousa*

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O filme A Filha Perdida, adaptação de Maggie Gyllenhaal do romance homônimo de Elena Ferrante e disponível na Netflix desde o final do dezembro, aborda de modo nada sutil a intensidade da relação entre mães e filhas, uma pedida a reflexão sobre essa ligação tão arrebatadora, transformadora e indelével. A proposta não serve apenas para quem passa pela maternidade como para todas as mulheres como filhas. 

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Na trama, a protagonista Leda relembra as emoções vividas com as filhas quando ainda eram pequenas a partir da observação de uma jovem às voltas com sua pequena durante o veraneio. As cenas observadas mostram uma mãe sufocada pela necessidade de atenção permanente da criança. Diante dos cuidados, a personagem acaba por anular seus desejos enquanto espera por dias mais tranquilos. Apesar do amor que sente pela criança, parece que não há espaço para o desempenho do papel materno com satisfação. Os flashbacks de Leda mostram igualmente uma mãe oprimida e dividida entre as possibilidades profissionais e os desejos como mulher, e as obrigações maternas.

A personagem principal da trama está em férias, sozinha e conversa eventualmente com as filhas de 23 e 25 anos pelo telefone. Apesar de os diálogos aparentarem uma relação normal, de cumplicidade e preocupação mútua, Leda se prende à culpa de não ter sido mais presente na infância das meninas. O título “A Filha Perdida”, aponta mais na direção do rompimento que se dá na relação da mãe com as filhas do que na perda física da coadjuvante com a criança que acontece durante determinado ponto da trama.

Para entender um pouco mais sobre essa relação, vale lembrar o livro A Relação Mãe e Filha, (Ed. Campus), da psicanalista Malvine Zalcberg. A autora aponta que, mesmo quando há a intervenção paterna constituída no Complexo de Édipo, as dificuldades da filha de separar-se da mãe existem. Principalmente quando a mãe confunde os cuidados com o dom do seu amor e oferece à filha algo sufocante, alimentando-a em demasia, impedindo que a filha chegue a formular uma demanda em função de alguma falta ressentida. Sem falta, não há como fazer emergir um desejo próprio. O livro interpreta estas dificuldades que expressam uma ligação profunda entre mãe e filha e têm como efeito o ressentimento e a ambivalência da filha em relação à figura materna, conjuntura emocional já constatada e balizada por Lacan com o neologismo “hainamoration”, isto é, haine (ódio) énamoration (enamoramento) para demonstrar o que se passa em uma menina que ama e odeia sua mãe: um processo catastrófico e devastador.

No filme o sofrimento mostrado está todo na mãe responsável pelo rompimento. Mas o telefonema no final a uma das filhas mostra que, afinal, apesar das culpas, tudo ficou bem. A culpa materna não se justifica com filhas felizes e capazes de construir suas vidas.

Em dado momento da trama, Leda, que se dedica à carreira e impõe-se a separação das filhas, diz ao marido ser uma ameaça falar que deixará as crianças com sua progenitora caso ela não volte. Para o pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott, “para toda mulher, há sempre três mulheres: ela mesma, sua mãe e a mãe de sua mãe” (WINNICOTT apud ZALCBERG, p. 6). É nas dificuldades dessa relação – da “catástrofe” e da “devastação à mascarada” – que cada menina construirá o seu caminho como mulher, em um processo de invenção e criação da feminilidade. De qualquer modo, a construção de uma mãe satisfeita é fundamental para a construção de uma filha capaz de criar sua individualidade e feminilidade. O rompimento no entanto, não precisa ser dramático como em um filme para apresentar um final esperançoso ou feliz, digno de um romance.

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Parafraseando a própria personagem , “não são apenas as coisas inefáveis a que me refiro, mas as inesperadas.”

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*Jornalista, pós graduada em comunicação e marketing pela Unisinos. Profissional inquieta sempre aberta a novos desafios na reportagem, produção e assessoria de comunicação. Atualmente, consultora de comunicação no Tesouro do Estado. Na vida, mãe de adolescentes full time. Para descontrair, brinco de escrever e cozinhar.

PodCasts

Cantinho da Leitura #8 Como abordar a diversidade sexual com as crianças

Geórgia Santos
25 de junho de 2021

No oitavo episódio do podcast Cantinho da Leitura, como abordar o tema diversidade sexual com as crianças. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infanto-juvenis e colunista do Vós. O Cantinho da Leitura agora tem o apoio da Cia das Letrinhas.

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A gente precisa falar sobre diversidade sexual com as crianças, justamente para que esse tema deixe de ser um tabu
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E também para que os adultos do futuro não caiam em erros recorrentes da atualidade como estereótipos de gênero ou modelos únicos de família. A nossa convidada para comentar o assunto deste episódio é Renata dos Anjos, ativista, coordenadora da ONG Mães pela Diversidade no RS e mãe da Flora, uma mulher cis lésbica.

A dica de leitura para os adultos é Sexualidade, Gênero e Diversidades, uma coletânea de artigos de diversos autores da editora Casa do Psicólogo. Nas sugestões de leitura para as crianças, Olívia tem dois papais, escrito por Marcia Leite, editora Cia das Letrinhas; Meu Maninho é uma menina, de autoria de João Paulo Hergesel, da editora Jogo de Palavras; Olívia não quer ser princesa, de autoria de Ian Falconer, da editora Globinho; De Cadu a Duda – A história com final feliz de uma garota trans, escrito por Dani Balam, da editora Cartola.

PodCasts

Todo dia Oito #1 Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses

Geórgia Santos
8 de março de 2021
Todo dia Oito. Todo dia oito, uma história. Todo dia oito, uma mulher
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No primeiro episódio do podcast, Carolina, a escritora que adorava valsas vienenses. Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra, favelada, mãe solo de três, escritora brilhante, publicada e traduzida em 14 idiomas. A mulher alta, de pele escura, sorriso quase desconfiado e lenço na cabeça que ousou revelar a realidade do racismo e da desigualdade no Brasil.

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QUEM FAZ

Pesquisa: Flávia Cunha

Roteiro: Geórgia Santos e Flávia Cunha

Direção Artística: Raquel Grabauska

Apresentação e edição: Geórgia Santos

Locução: Andrea Almeida, como Carolina Maria de Jesus;

Raquel Grabauska, como Clarice Lispector;

Participação especial de Cléber Grabauska como Paulo Mendes Campos

Trilha sonora original: Gustavo Finkler

 

PodCasts

Cantinho da Leitura #4 Política também pode ser coisa de criança

Geórgia Santos
26 de fevereiro de 2021

No quarto episódio do podcast Cantinho da Leitura, política também pode ser coisa de criança. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.

A política está em todos os lugares. E o tema é cada vez mais comum nas conversas dos adultos, principalmente depois da eleição de 2018 e da polarização decorrente. As crianças ficam por perto e começam a fazer perguntas. Como explicar o que faz
um presidente? O que é democracia? O que é comunismo? Pois a literatura infantil pode ajudar nessa missão.

Nas sugestões de leitura para crianças, “Esopo – Liberdade para as fábulas”, de Luiz Antonio Aguiar, que é um lançamento da BrinqueBook;  “A democracia pode ser assim”, organizado por Flavio Aguiar Og Doria, do selo Boitatá, da Boitempo Editorial; o polêmico “Comunismo para crianças”, de Bini Adamczak, Editora 3 Estrelas; “A anarquia explicada aos nossos filhos”, do escritor catalão José Antonio Emmanuel, lançado no Brasil pela Edições Barbatana. Para os adultos, “Democracia”, de Charles Tilly, lançado no Brasil pela Editora Vozes; e “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, da Zahar.

PodCasts

Cantinho da Leitura #3 A importância da literatura infantil antirracista

Geórgia Santos
29 de janeiro de 2021
O terceiro episódio do podcast Cantinho da Leitura trata da literatura infantil antirracista. A jornalista Geórgia Santos conversa com Flávia Cunha, jornalista, mestre em Literatura pela UFRGS, produtora editorial de livros infantojuvenis e colunista do Vós.
Para alguns especialistas, a partir dos dois anos de idade já é possível identificar racismo, ou comportamentos racistas, em crianças criadas em lares preconceituosos. Outros estudos indicam que crianças com quatro anos tendem a julgar brancos como mais ricos e bem-sucedidos. Isso mostra que, quanto mais cedo falarmos sobre o assunto, melhor.  
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Nas sugestões de leitura, “Pequeno Manual Antirracista”, Djamila Ribeiro, editora Companhia das Letras; “Amoras”, do Emicida, editora Companhia das Letrinhas; “Minha mãe é negra, sim!” de Patrícia Santana, Mazza Edições; “Meu crespo é de rainha”, Bell Hooks, editora Boitempo, selo boitatá; e “Racismo Estrutural”, de Silvio Almeida, editora Jandaíra.
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O episódio ainda traz um trecho da entrevista do professor Silvio Almeida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em que ele explica de que forma o racismo está vinculado a todos os aspectos da vida em sociedade.
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Voos Literários

Como parar o tempo

Flávia Cunha
31 de julho de 2019

Um aplicativo de celular que simulava o envelhecimento a partir de fotos atuais dos usuários movimentou as redes sociais nesse mês de julho. Deixando de lado a discussão sobre invasão de privacidade virtual, o saldo que fica é de muitos jovens horrorizados com as rugas e papadas que terão (ou não) com o passar dos anos. 

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Mas o que existe por trás do pavor de ficar velho?

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Em uma sociedade em que o padrão é a juventude eterna, resolver não se submeter a padrões estéticos acaba sendo um ato de rebeldia. Isso acontece atualmente com a Xuxa, apresentadora por quem sempre nutri uma complacente aversão. Acontece que a Rainha dos Baixinhos resolveu deixar que a passagem do tempo ficasse explícita no seu rosto. E tem chovido haters criticando a aparência de Xuxa, desde o cabelo muito curto até as rugas, normais em uma mulher de 56 anos. Ao entrar na brincadeira do aplicativo de envelhecimento, a apresentadora deu uma alfinetada nos críticos ao comentar:

Gente… resolvi não fazer mais fotos com filtros…. essa sou eu … pelo menos é assim que muita gente me vê “.Ao perceber como o envelhecimento provoca um desconforto em muitas pessoas, fui em busca de três livros que podem nos provocar reflexões sobre o assunto.

Em Como Parar o Tempo, do escritor britânico Matt Haig, nos deparamos com a trajetória de Tom, um homem de mais de 400 anos com a aparência de 40. Como isso é possível? Ele é um tipo de ser humano que envelhece mais lentamente do que o normal. O que poderia ser a felicidade de muitas pessoas obcecadas com a própria imagem, para Tom transforma-se em uma maldição. Perseguido a partir da época da Inquisição por acreditarem que sua juventude eterna era obra de bruxaria, o personagem chega ao século 21 extremamente abatido mentalmente, mostrando que a vitalidade e a vontade de viver precisam ir muito além da aparência. Em determinado momento da narrativa, o personagem Tom, desiludido com tudo, nos brinda com o seguinte raciocínio a respeito da humanidade: 

“Ocorreu-me que seres humanos não vivem além dos cem anos porque simplesmente não aguentavam. Psicologicamente, quero dizer. Você se acaba. Não há você o suficiente para seguir em frente. Você fica muito entediado com a própria mente. Com o modo como a vida se repete. Como, depois de um tempo, não há mais sorriso ou gesto inédito. Não há mudança na ordem do mundo que não ecoe outras mudanças na ordem do mundo. E as notícias param de ser novidade. A palavra ‘novidade’ torna-se uma piada. É tudo um ciclo. Um ciclo rodando lentamente para baixo. E sua tolerância pelos seres humanos, fazendo os mesmos erros de novo e de novo e de novo e de novo outra vez, começa a desaparecer.”

Mas será que é apenas a aparência que amedronta as pessoas em geral a respeito da velhice? Um dos medos mais comuns é da solidão e do abandono por parte de parentes e amigos. O enredo de Enquanto a Noite Não Chega, do brilhante escritor gaúcho Josué Guimarães, mostra esse temor em uma situação-limite. Os protagonistas dessa história são um casal de idosos em uma cidade fantasma. Todos os seus filhos e demais familiares já faleceram. O povoado em que moram foi abandonado ao longo dos anos pelos demais habitantes, restando apenas eles e o coveiro. O trabalho que esse terceiro personagem ainda tem a executar é um grande incômodo para os velhinhos:

Dom Eleutério ficou sério, ruminando em silêncio os seus pensamentos. Tornou a balançar a cadeira desconjuntada. Comentou, como se não desse muita importância ao que dizia: 

– Não gostei da conversa dele ontem de noite, a querer saber como vai a saúde da gente, se a chuvinha do outro dia não gripou ninguém aqui em casa, a dizer que na nossa idade qualquer grau acima ou abaixo na temperatura pode ser muito perigoso. 

– Ele não é médico – disse ela, retomando o crochê.

– E nem padre para andar mexericando coisas. Se ele voltar hoje com a mesma conversa vou apontar a porta da rua e dizer que é a serventia da casa, que fique lá pelo seu cemitério, que é sua obrigação, e nos deixe em paz.”

O que resta, depois do medo do abandono e de doenças, é a incógnita da Morte. Por mais fé e teorias que possamos ter, ninguém realmente sabe o que acontece lá “do outro lado”. No romance Fim, de Fernanda Torres, a morte é o lugar comum. O grande mérito do enredo é mostrar como cada personagem encontra o final de sua vida de uma forma diferente, pelas escolhas que fez ao longo de sua própria trajetória. 

Torçamos para que, quando atingirmos o término de nossas existências, NÃO tenhamos um obituário parecido como esse descrito no livro de Fernanda Torres:

O filho de Sílvio Motta Cardoso Filho, Inácio, comunica o falecimento de seu malquisto pai,  infiel marido, abominável avô e desleal amigo. Peço perdão a todos os que, como eu, sofreram ultrajes e ofensas, e os convido para o tão aguardado sepultamento.”

E para encerrar esse texto falando de vitalidade, luta e resistência, necessárias em qualquer faixa etária, selecionei trechos de uma carta de Caio Fernando Abreu ao amigo e também escritor José Marcio Penido: 

Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vaflejo? não estou certo): ‘caminante, no hay camino, se hace camino al andar’ […] Zézim, vamos lá. Sem últimas esperanças. Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias. E nenhuma, fora de viver cada vez mais plenamente, mais confortáveis dentro do que a gente, sem culpa, é.”

Voos Literários

Carta ao Além (ou Sobre ser de Exatas e respeitar a Arte)

Flávia Cunha
4 de junho de 2019

Peço licença aos meus leitores para fazer uma homenagem muito pessoal ao meu pai. Diferente do que fiz nesse texto, em que havia uma certa pretensão ao ficcional, dessa vez foi uma singela carta ao Além, originalmente publicada no meu perfil pessoal no Facebook. Uma forma de lidar com o luto mas também de alertar meus amigos nessa rede social sobre como meu pai, mesmo sendo de direita, era uma pessoa a favor das Artes e das Ciências Humanas. Nesses tristes tempos em que vivemos, penso que talvez algumas pessoas mais conservadoras possam fazer reflexões, a partir desses relatos, sobre como o atual governo está tendo atitudes descabidas e absurdas.

Pai,

hoje seria teu aniversário e eu fico aqui me perguntando como tu estaria com 73 anos se ainda estivesse nesse plano. Sabe, pai, é difícil pra pessoas como nós, sem fé, lidar com a morte. Acho que pra ti também era, tu só prefiria não conversar a respeito.

Mas deixa eu te contar, véinho, que desde da tua partida, lá em 2015, eu resolvi escrever sobre umas lembranças aqui no Facebook. Tem gente que já me comentou que acha isso legal, então vou aproveitar o teu aniversário pra dividir com outras pessoas mais uma história nossa.

Mas primeiro, pai, tenho que te comentar que infelizmente a política brasileira tá de mal a pior. Mesmo tu, antipetista, ia concordar comigo que é um vergonha um governo ser contra professores universitários. Tu acredita, pai, que o atual presidente do Brasil declarou que os cursos de humanas não servem pra nada?

Daí eu lembrei de uma história tua pra contar pra quem nos lê aqui. De quando teus amigos engenheiros ficavam perplexos quando te viam lendo um livro de literatura ou tu comentava a respeito de alguma obra literária.

Jamais vou esquecer do teu tom, entre o irônico e o espantado, ao concluir o relato, dizendo: “Flá, me perguntaram pra que serve ler Umberto Eco ou Saramago. Acredita?”

O que esses teus amigos não sabiam, a exemplo do atual presidente, é que conhecimento não se coloca na balança pra ver o que vale mais.

E é por isso que eu sempre tive orgulho de ti, um engenheiro tão respeitoso com as Artes e com os artistas.

No dia do teu aniversário, acho que a maior homenagem que posso fazer é contar o quanto aprendi contigo sobre a área de Humanas mesmo tu tendo uma formação na área de Exatas. O quanto falamos sobre Hemingway. O quanto foi legal participar contigo de um clube de leitura sobre Fitzgerald. E quantos livros trocamos de presente ao longo da nossa convivência.

Por isso, pai, eu sigo por aqui lutando com as armas que tu me deu: estudo, comprometimento profissional e amor pelo que se faz. Transformei tudo isso em uma pequena empresa que leva teu sobrenome. Espero que tu de alguma forma saiba que tudo isso é pra ti.

Um beijo com saudade da tua filha.”  

Imagem:  Escada do Conhecimento, Universidade de Balamand (Líbano)/Reprodução Internet

Voos Literários

Batalha literária da Copa . Uruguai x Portugal

Flávia Cunha
30 de junho de 2018

Na segunda batalha do Voos Literários, vamos a dois competidores com trajetórias bem distintas  – assim como Uruguai e Portugal em Copas do Mundo – mas que tem curiosas relações com suas respectivas nacionalidades. No gramado, o Uruguai levou a melhor em 2018. Mas como será no papel? Inspirada pelas oitavas de final da Copa do Mundo, proponho uma espécie de super trunfo de livros dos países classificados nessa fase da competição. Para a escolha das obras, criei o seguinte critério: escritores contemporâneos e ainda em atividade. Vamos às duas competidoras dessa batalha.

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Representante do Uruguai . Carmen Posadas, 64 anos

Minibiografia .  Começou sua carreira como escritora com livros infantojuvenis e consagrou-se na literatura adulta, tendo recebido diversos prêmios ao longo de sua trajetória.  Nascida em Montevideu, também tem cidadania espanhola, após muitos anos morando na Europa. Sua obra é apreciada por leitores de língua espanhola de diferentes países e já foi traduzida para 21 idiomas.

Livro escolhido para essa batalha . As Moscas Azuis, lançado em 1996

Motivo da escolha . É o primeiro romance dessa grande escritora. Além disso, tem um enredo bem interessante. O protagonista, um homem decidido a suicidar-se acaba envolvido na tentativa de resolver a trama de um assassinato.

Bônus . Carmen Posadas também é reconhecida como articulista, tendo ganho em 2017 o prêmio Rei da Espanha de Jornalismo pelo artigo Sonhar em Espanhol.

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Representante de Portugal, José Mario Silva, 46 anos

Minibiografia . Apesar de ter nascido em Paris, o escritor foi levado pelos pais com poucos meses de vida para morar em Portugal, onde segue residindo. Licenciado em Biologia, trabalha como jornalista desde 1993.  Publicou poesias e contos.

Livro escolhido para essa batalha . Efeito Borboleta e outras histórias, de 2010

Motivo da escolha . Ganhei um exemplar dessa obra durante uma aula do professor Luis Augusto Fischer, na UFRGS, em 2013, ano em que ele foi escolhido como patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Desde então, tem um lugar especial na minha biblioteca pessoal.

Bônus . Apenas os minicontos no fim do livro já valem a leitura. Entre eles, destaco meu preferido:

“Noções de geometria afectiva

Os triângulos amorosos nunca são equiláteros.”

Voos Literários

Batalha literária da Copa . França x Argentina

Flávia Cunha
30 de junho de 2018

Inspirada pelas oitavas de final da Copa do Mundo, proponho uma espécie de super trunfo de livros dos países classificados nessa fase da competição. Para a escolha das obras, criei o seguinte critério: escritores contemporâneos e ainda em atividade. Vamos às duas competidoras dessa batalha.

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Representante da França  .  Marie NDiaye, 51 anos

Minibiografia . Filha de uma francesa e de um senegalês, publicou seu primeiro livro em 1985. Tem uma vasta obra de livros adultos e alguns infantojuvenis. Também é dramaturga e foi uma das roteiristas do filme Minha Terra África, de 2010.

Livro escolhido para essa batalha  .  Três Mulheres Fortes, publicado em 2010

Motivo da escolha . Com esse título, não tem como não chamar a atenção de uma feminista. Mas a verdade é que retratar o sexo feminino sem pudores e em situações-limite é o ponto forte dessa obra.

Bônus . O livro foi vencedor do Prêmio Gouncourt em 2009, uma dos mais respeitados da França.

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Representante da Argentina  .  Samanta Schweblin, 40 anos

Minibiografia . Nascida em Buenos Aires, a escritora resgata o realismo fantástico na literatura argentina e é considerada sucessora de Julio Cortázar. Também integra listas dos escritores contemporâneos mais promissores em língua espanhola.

Livro escolhido para essa batalha . Pássaros na Boca, o primeiro da autora publicado no Brasil

Motivo da escolha . Apesar do peso da comparação com Cortázar pode ser uma maldição, os 18 contos da obra fazem jus à herança literária. Um mundo insólito repleto de estranhezas é o universo dessa obra. Para quem gosta de mergulhar na realidade paralela do realismo fantástico, é uma boa pedida.

Bônus . O livro é vencedor do prêmio Casa de Las Américas, o mais prestigiado em língua espanhola.

Voos Literários

Dica de leitura: Canção de Ninar, por Lu Thomé

Flávia Cunha
26 de junho de 2018

Muita gente por aí reclama do conteúdo do que vê postado pelas redes sociais. Pois eu tenho o privilégio de cultivar uma “bolha” de alto nível, com assuntos culturais sempre em destaque. Por isso, é comum haver indicações de leituras com texto muito bem escritos passando constantemente pelas minhas atualizações.

Foi assim que tive acesso a essa resenha da jornalista e coordenadora editorial Lu Thomé, uma figura querida, competente e reconhecida no meio literário do Rio Grande do Sul. O livro indicado por ela é forte e trágico: Canção de ninar, de Leila Slimani. Ainda não tive oportunidade de ler, mas fiquei bastante curiosa após o relato de uma profissional da área:

As opiniões se dividem a respeito deste livro. Vi leitores apaixonados. Vi críticos implacáveis. O estilo de Slimani é seco, pontual, enfiando o dedo direto em uma ferida aberta e purulenta. Uma vez me disseram que meus textos são como um trem andando no trilho. Veloz, curto, com socos em intervalos constantes. Se uma escritora pode representar isso com perfeição é Slimani. As frases curtas, o estilo direto, a crueza que conta a cada linha sem grandes descrições ou voltas. Ela não emprega tempo ou esforços para preparar o terreno. Não precisa disso. E constrói um narrador em terceira pessoa que é implacável com todos – até mesmo com as crianças. Não é um texto para qualquer leitor, e não porque seja rebuscado ou sofisticado. Pelo contrário: é mundano, é simples, é direto no ponto máximo que a literatura permite. Mas algo mais sintomático ocorre: é uma narrativa forte que encontrará – inevitavelmente – mais eco nas mães (e eu não escrevo mulheres aqui de forma proposital). É mais do que um exercício de empatia: é um espelho na nossa cara, refletindo nossas escolhas, nossos problemas, nossos embates, nossa solidão, nossas possibilidades, nossas loucuras e – especialmente – nossas culpas. Porque só quem já ouviu um “Como é que tu consegue?” sabe todo o universo que está envolvido nesta simples, direta e bruta pergunta. Um livro sobre os conflitos sociais, os problemas domésticos, o peso da rotina, o mercado de trabalho opressivo. Mas, essencialmente, um grande livro sobre a maternidade.

Sinopse: Apesar da relutância do marido, Myriam, mãe de duas crianças pequenas, decide voltar a trabalhar em um escritório de advocacia. O casal inicia uma seleção rigorosa em busca da babá perfeita e fica encantado ao encontrar Louise: discreta, educada e dedicada, ela se dá bem com as crianças, mantém a casa sempre limpa e não reclama quando precisa ficar até tarde. Aos poucos, no entanto, a relação de dependência mútua entre a família e Louise dá origem a pequenas frustrações – até o dia em que ocorre uma tragédia. Com uma tensão crescente construída desde as primeiras linhas, Canção de ninar trata de questões que revelam a essência de nossos tempos, abordando as relações de poder, os preconceitos de classe e entre culturas, o papel da mulher na sociedade e as cobranças envolvendo a maternidade. Publicado em mais de 30 países e com mais de 600 mil exemplares vendidos na França, Canção de ninar fez de Leïla Slimani a primeira autora de origem marroquina a vencer o Goncourt, o mais prestigioso prêmio literário francês.

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