Reportagens Especiais

A Filha Perdida

Colaborador Vós
18 de janeiro de 2022

Por Tatiane de Sousa*

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O filme A Filha Perdida, adaptação de Maggie Gyllenhaal do romance homônimo de Elena Ferrante e disponível na Netflix desde o final do dezembro, aborda de modo nada sutil a intensidade da relação entre mães e filhas, uma pedida a reflexão sobre essa ligação tão arrebatadora, transformadora e indelével. A proposta não serve apenas para quem passa pela maternidade como para todas as mulheres como filhas. 

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Na trama, a protagonista Leda relembra as emoções vividas com as filhas quando ainda eram pequenas a partir da observação de uma jovem às voltas com sua pequena durante o veraneio. As cenas observadas mostram uma mãe sufocada pela necessidade de atenção permanente da criança. Diante dos cuidados, a personagem acaba por anular seus desejos enquanto espera por dias mais tranquilos. Apesar do amor que sente pela criança, parece que não há espaço para o desempenho do papel materno com satisfação. Os flashbacks de Leda mostram igualmente uma mãe oprimida e dividida entre as possibilidades profissionais e os desejos como mulher, e as obrigações maternas.

A personagem principal da trama está em férias, sozinha e conversa eventualmente com as filhas de 23 e 25 anos pelo telefone. Apesar de os diálogos aparentarem uma relação normal, de cumplicidade e preocupação mútua, Leda se prende à culpa de não ter sido mais presente na infância das meninas. O título “A Filha Perdida”, aponta mais na direção do rompimento que se dá na relação da mãe com as filhas do que na perda física da coadjuvante com a criança que acontece durante determinado ponto da trama.

Para entender um pouco mais sobre essa relação, vale lembrar o livro A Relação Mãe e Filha, (Ed. Campus), da psicanalista Malvine Zalcberg. A autora aponta que, mesmo quando há a intervenção paterna constituída no Complexo de Édipo, as dificuldades da filha de separar-se da mãe existem. Principalmente quando a mãe confunde os cuidados com o dom do seu amor e oferece à filha algo sufocante, alimentando-a em demasia, impedindo que a filha chegue a formular uma demanda em função de alguma falta ressentida. Sem falta, não há como fazer emergir um desejo próprio. O livro interpreta estas dificuldades que expressam uma ligação profunda entre mãe e filha e têm como efeito o ressentimento e a ambivalência da filha em relação à figura materna, conjuntura emocional já constatada e balizada por Lacan com o neologismo “hainamoration”, isto é, haine (ódio) énamoration (enamoramento) para demonstrar o que se passa em uma menina que ama e odeia sua mãe: um processo catastrófico e devastador.

No filme o sofrimento mostrado está todo na mãe responsável pelo rompimento. Mas o telefonema no final a uma das filhas mostra que, afinal, apesar das culpas, tudo ficou bem. A culpa materna não se justifica com filhas felizes e capazes de construir suas vidas.

Em dado momento da trama, Leda, que se dedica à carreira e impõe-se a separação das filhas, diz ao marido ser uma ameaça falar que deixará as crianças com sua progenitora caso ela não volte. Para o pediatra e psicanalista Donald Woods Winnicott, “para toda mulher, há sempre três mulheres: ela mesma, sua mãe e a mãe de sua mãe” (WINNICOTT apud ZALCBERG, p. 6). É nas dificuldades dessa relação – da “catástrofe” e da “devastação à mascarada” – que cada menina construirá o seu caminho como mulher, em um processo de invenção e criação da feminilidade. De qualquer modo, a construção de uma mãe satisfeita é fundamental para a construção de uma filha capaz de criar sua individualidade e feminilidade. O rompimento no entanto, não precisa ser dramático como em um filme para apresentar um final esperançoso ou feliz, digno de um romance.

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Parafraseando a própria personagem , “não são apenas as coisas inefáveis a que me refiro, mas as inesperadas.”

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*Jornalista, pós graduada em comunicação e marketing pela Unisinos. Profissional inquieta sempre aberta a novos desafios na reportagem, produção e assessoria de comunicação. Atualmente, consultora de comunicação no Tesouro do Estado. Na vida, mãe de adolescentes full time. Para descontrair, brinco de escrever e cozinhar.

Voos Literários

5 coisas que podem ser um problema na adaptação de “A Amiga Genial” para a TV

Flávia Cunha
15 de maio de 2018

O anúncio de que os 4 livros da série napolitana “A Amiga Genial” vão virar um programa da HBO me deixou com sentimentos contraditórios. Fiquei feliz de poder reviver o enredo intenso e visceral criado pela misteriosa escritora italiana Elena Ferrante, mas deu aquele medinho de fã de que a adaptação estrague a magia criada no universo literário.

Por isso, listei 5 coisas que podem ser um problema na adaptação da obra (sem spoilers):

1 – Como a série vai dar conta das milhares de páginas dos quatro livros?

O anúncio mais recente informa que serão 4 temporadas com 8 episódios. Ainda assim, como contar tudo (ou quase tudo) que está nos enredos de  A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Foge e de Quem Fica e História da Menina Perdida? Não é à toa que as obras são um sucesso mundial com milhões de exemplares vendidos, o enredo é extremamente envolvente e o texto é muito bem escrito.

2 – As atrizes escolhidas conseguirão interpretar de forma competente a complexa amizade das duas protagonistas?

Seja com Lenu e Lila crianças, adolescentes ou adultas, a relação entre elas é constituída por uma intrincada mistura de sentimentos que considero difíceis de transpor para um seriado. Outro desafio será o de manter o ritmo e a sintonia a cada troca dos pares de atrizes, com a mudança de faixa etária das personagens.

3 – A grande gama de personagens secundários será mantida?

Os 4 livros focam-se na história das protagonistas, mas não seria a mesma coisa sem os amigos e familiares das duas. Resta saber se os produtores serão fiéis aos livros ou “passarão a faca” nas histórias paralelas que dão um sabor especial à tetralogia.

4 – O clima da periferia de Nápoles conseguirá ser transposto para a série?

Nápoles é fundamental para a história criada por Elena Ferrante. É um personagem à parte, eu diria. Menos mal que o seriado está sendo gravado em dialeto napolitano. O que justifica sua demora em estrear (informações divulgadas recentemente dão conta de que o lançamento será até março de 2019).

5 – As tramas paralelas que envolvem temas complexos como feminismo e política serão conservadas no roteiro?

Os livros de Elena Ferrante podem ser lidos em várias camadas. A história principal de Lenu e Lila pode ser interpretada como um “novelão”, em que as pessoas brigam, reconciliam-se, casam-se, etc. Porém, um dos grandes méritos das 4 obras é justamente conseguir conciliar as relações humanas com movimentos políticos e sociais a partir da perspectiva italiana.

Independente do resultado, compartilho com quem é fã de Elena Ferrante a ansiedade em ver de uma vez esse seriado pronto. Vamos logo, HBO!!