Raquel Grabauska

Dois dentes moles

Geórgia Santos
16 de novembro de 2018

Eu escrevi semana passada sobre o terror que foi levar meus filhos ao teatro. Escrevi esses tempos sobre a fada do dente. Nesta semana, tudo se misturou. Benjamim, meu filho mais velho, tem 7 anos. Para seu desespero, nunca teve um dente mole. Precisou arrancar dois, pois os permanentes nasceram antes de caírem os de leite.

Todos os colegas com os dentes moles, banguelinhas. Menos ele. Mil perguntas dele sobre o porquê disso. Mil explicações nossas sobre a diferença das pessoas (e aí a mãe já aproveita para dar todos os discursos sobre respeito, diversidade… pobre criança!). Pois bem, amoleceu o primeiro dente, finalmente. E o segundo. E amoleci eu. E ele. Amolecemos todos. Isso nos aproximou de um jeito que nem pensei que podia, pois já tinha sentido todo o amor do mundo, não sei como pode caber mais ainda.

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Sete anos. Dente mole. Outra fase. Ele está crescendo

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Depois do chilique no teatro na semana passada, fiquei pensando no que significava minha profissão. Se meu modo de apresentar as coisas para meus filhos era acertado. Aquelas dúvidas que a gente tem por não existir manual para criar filhos. Pois bem…

No dia do primeiro dente mole, fui ficar com ele na hora de dormir. Já estava bem emocionada, vendo ele deitado, meu bebê que cresceu, que está crescendo, que vai crescer mais e sair de casa, e… (disfarça as lágrimas pra não ter que explicar todo esse pensamento pra ele). Ele me diz: tu pode fazer uma música da fada do dente? E um pouco depois: e uma peça também?

Pronto. Amoleci, derreti, desintegrei de amor. Claro que posso, filho. Todas as minhas dúvidas sumiram naquele instante. Me dei conta de que tá tudo bem. Que teremos fases, as dele e as minhas. E as nossas. E tá tudo bem se ele não quiser ir no teatro.

Raquel Grabauska

O drama da Feira do Livro

Raquel Grabauska
9 de novembro de 2018

Desde que foram concebidos os guris estiveram no palco. Criei espetáculos com eles na barriga, apresentei até 15 dias antes do parto, voltei a apresentar quando tinham três meses. Crianças de cochia. Familiarizados com a arte, com o palco, com a movimentação do ofício da mãe.

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Agora, tenta ir numa peça com eles!!!!!

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Fui na Feira do Livro. Para convencer a entrar no auditório, quase rolou chantagem. Da minha parte, é claro. Quando o espetáculo começou, os ouvidos doíam que iam explodir. Sendo que o era no mínimo mil vezes mais baixo do que qualquer grito deles.

O mais velho tinha um livro nas mãos. Isso foi ajudando. Um pouco olhava o livro, um pouco a peça. Lá pelas tantas, via algo bem legal no livro e eu tinha que fazer um delicado “psssssst!” para os mil comentários sobre o que ele tinha visto. O mais novo teve a ideia genial de levar um boneco de Lego.

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Claro, quando o mais velho estava concentrado na peça, o boneco maldito caiu arquibancada abaixo. Mas não todo o boneco. Só o capacete. Preto. No paralelepípedo. Embaixo da arquibancada.

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Adivinhem quantos dois segundos demorou para o choro? O pai das crianças já estava embaixo da arquibancada procurando. Eu tentando manter alguma dignidade. A peça lá no palco. Aí mais velho fala: “mamãe, o papai não pode ir ali! Eles avisaram que não podia ir! Se caísse algo era pra chamar alguém de azul!” E explica pra ele. O pai embaixo. O irmão chorando. A peça acabou.

Alguns bons samaritanos do público, entendendo o drama, ajudaram a procurar. A equipe de produção TODA ajudou a procurar. Quando as lágrimas já estavam secas e ele quase conformado, nós já indo embora, o pai achou. Super pai, super herói. Me deu vontade de acender fogos de artifício.

Enquanto isso,  filha da minha amiga que não é do teatro, depois de assistir a peça toda, estava olhando os livros.

Raquel Grabauska

Dia de praça

Raquel Grabauska
2 de novembro de 2018

Hoje fui para uma praça com os meus filhos. Com a cidade violenta, isso que era um hábito diário, virou artigo de luxo. Mas não é disso que quero falar. Os guris estão com 4 e 7 anos. Então já são mais independentes. Consegui sentar algo em torno de 28 segundos sem ter que atender nenhum deles. Quase deu para tomar um gole de água!

Fomos cedo, então tinha todo o espaço só para eles. Para eles, as manhas, as brincadeiras de dois irmãos capetas. Cúmplices. Inimigos. E inseparáveis com a chegada de uma terceira criança que ameaça a qualquer um dos dois. Não importa o quão brabos estejam um com o outro, é só sentir que o outro está sendo ameaçado por um intruso que toda a briga desaparece. O sentimento de proteção que brota de um pro outro é umas das coisas mais fortes e lindas que já vi.

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Seguindo pela praça, tem um casal desesperado. Um pai e uma mãe correndo atrás de UMA criança, não estão dando conta

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O menino deve ter perto de dois anos, não acordou em um bom dia. Chora porque quer ir no balanço ocupado (o único dos seis balanços que está ocupado), chora porque alguém olhou pra ele, chora por… E corre. E os dois correm atrás dele. Duas irmãs brincam enquanto a mãe está no telefone. As três estão tranquilas, quase nem percebem que tem mais gente por ali. E vão chegando pessoas. E entre um joelho esfolado de um filho e a vergonha do outro por ter caído do balanço, vou olhando aquelas crianças todas e reconhecendo as fases pelas quais já passei como mãe. Estranho ver isso como num filme.

Os primeiros passos, o bebê que come areia, as primeiras quedas, a disputa pelo balanço, a corrida pro colo em busca de proteção… Estamos todos fazendo a mesma coisa, deixando essas crianças crescerem. Eles vão crescer. Cabe a nós estarmos presentes.

Igor Natusch

A isenção de Sergio Moro: outro mito que vai para o espaço

Igor Natusch
1 de novembro de 2018

Há dois anos, o juiz Sergio Moro era enfático: jamais entraria para a vida política.

“Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. É uma atividade importante, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, estou em outra realidade, outro perfil. Então, não existe jamais esse risco.” Sérgio Moro, em entrevista concedida ao Estado de São Paulo.

Muita coisa muda em dois anos. Nesta quinta-feira, Sergio Moro aceitou convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir uma espécie de super-ministério, reunindo as pastas de Justiça e Segurança Pública. Não só entrou na política, como aderiu imediatamente (e “muito honrado”, como ele mesmo coloca em nota oficial) ao primeiro governo federal que apresentou convite. Embora não seja, é claro, um governo qualquer – e essa simples constatação faz toda, absolutamente toda a diferença.

Para o governo Bolsonaro, escalar Sergio Moro traz benefícios claros. Menos de uma semana depois de ganhar a eleição, o recém-eleito já sofre abalos em apoio e popularidade, graças a decisões esdrúxulas como fundir Meio Ambiente e Agricultura, convidar pessoas enroladas com a Lei para ministérios e a possível criação de um insólito Ministério da Família, com ninguém menos que Magno Malta no timão. Contestado até por setores econômicos, dos quais depende decisivamente para evitar turbulências, Bolsonaro ganha uma injeção de popularidade muito bem-vinda ao colocar a boa aceitação da Lava-Jato no coração de seu ministério. A medida pode criar efeitos indesejados a médio prazo, mesmo porque demitir um ministro como Moro é quase impossível. Mas isso pouco importa no momento – em especial para o próprio núcleo do governo, que dá claros sinais de que não está preocupado em planejar muito adiante o que quer que seja.

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Nada disso, porém, pesa da mesma forma para o próprio Sergio Moro

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Acima de tudo, está definitivamente legitimado o discurso de atuação política na Lava-Jato. Ou alguém lembra de juízes da operação Mãos Limpas, na Itália, entrando no ministério de Silvio Berlusconi? Poderá alguém esquecer que os vários supostos erros de condução de Moro – a divulgação inacreditável de áudios de uma presidente em mandato, as articulações em plenas férias para evitar a soltura de Lula – foram sempre para um lado, sempre prejudiciais a uma esfera específica, e que (vejam só a surpresa) essa esfera calha de ser justamente a oposta ao presidente agora eleito?

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Será possível ignorar que, em plena campanha deste ano, Moro levantou sigilo sobre as delações de Antonio Palocci, que o próprio Ministério Público Federal declarou inúteis – e haverá quem, diante de indicações de que o convite de Bolsonaro ao juiz foi feito ainda antes das urnas, seja incapaz de unir os pontos e chegar a uma conclusão?

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Moro afirma que se afastará imediatamente das atividades da Lava-Jato, de forma a evitar “controvérsias desnecessárias”. Tarde demais: sua isenção já foi para o espaço, transformada em cargo político em um governo de inclinações ideológicas indisfarçáveis.  

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Ao aceitar o convite do futuro presidente, Sergio Moro não apenas lançou sombras sobre seu presente, mas cristalizou um discurso que há muito paira sobre sua atuação na Lava-Jato: a de que foi perseguidor e não juiz, atuando como braço de uma guerra política e não como guardião das leis.

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Mesmo os que defendiam a isenção do super-herói de Curitiba ficam sem argumentos diante da quase confissão simbólica que ele acaba de cometer. O conflito de interesse é cristalino, tão óbvio que colocá-lo em dúvida é pedir para passar vergonha.

Graças à obsessão pessoal de Sergio Moro contra Lula, o ex-presidente foi alijado da disputa eleitoral – e, como recompensa, o justiceiro foi convidado (mesmo antes do pleito acontecer) para ocupar um cargo ministerial na chapa mais obviamente beneficiada pela ausência do barbudo. Valendo dizer que a própria esposa de Moro comemorou abertamente a vitória de Bolsonaro, pouco antes do marido ganhar uma privilegiada oportunidade de emprego junto ao novo chefão do Brasil. Questionem o quanto desejarem essa leitura, mas ela é óbvia demais para ser ignorada – e certamente será majoritária em vários lugares, em especial fora do Brasil. Afinal, a Lava-Jato não é exatamente uma campeã de popularidade na mídia internacional, e Lula construiu muito bem a imagem de injustiçado e vítima de lawfare.

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Só um alienado age e pensa política ignorando a esfera internacional. E só um aloprado – ou alguém movido pela vaidade – poderá achar que ninguém vai estranhar que o juiz que prendeu Lula ganhe um super-ministério no governo do rival.

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O guerreiro contra a corrupção e que enfrentava de forma destemida o sistema ficou, definitivamente, nas séries do Netflix: na vida real, alinhou-se na primeira chance que teve com a ala política que favoreceu, dando fortes elementos para argumentar que sua atuação sempre foi movida por simpatias.

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E quem poderá dizer que, daqui para frente, deixará de tê-las?

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Diz-se que, envaidecido pelos aplausos das massas, Moro já cogita inclusive a Presidência da República. Mas as urnas ainda nem esfriaram do pleito deste ano, e 2022 ainda é uma ponte muito distante. Pisando nas nuvens, Sergio Moro talvez não perceba que é como a mulher de César: mais até do que ser honesto, precisa parecer sê-lo. E é precisamente isso que foi comprometido hoje, de forma que pode ser decisiva mais adiante.

Foto original: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil. Montagem: Vós

Geórgia Santos

O fim da História

Geórgia Santos
31 de outubro de 2018

Em O Fim da História, Gilberto Gil disse que não acredita que o tempo venha comprovar ou negar que a História possa se acabar. Na poesia, tanto pode findar quanto pode ficar. “Basta ver que um povo derruba um czar e derruba de novo quem pôs no lugar.”

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Mas e se o tempo vier a comprovar que a História se pode negar?

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A exemplo do que fez durante toda a eleição, o presidente eleito do Brasil disse, nas primeiras entrevistas após o resultado, que a população brasileira está começando a entender que não houve ditadura no país. Jair Messias Bolsonaro ainda relativizou a censura aos meios de comunicação do período do regime militar. O “mito” disse que algumas reportagens eram censuradas apenas para evitar o envio de mensagens cifradas para grupos que ofereciam resistência às autoridades. Segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura”.

Ao longo de duas décadas, entre 1964 e 1985, houve suspensão de direitos políticos; não havia eleições para presidente; o Congresso foi fechado; houve restrições à liberdade de imprensa e manifestação; perseguição à oposição; censura à classe artística; exílio forçado; e uma série de outras atrocidades. Os relatos de tortura colhidos pela Comissão da Verdade são assustadores. Choques elétricos, afogamentos, pau-de-arara, cadeira do dragão, estupros, tortura com animais fazem parte de um triste rol de performances desempenhadas pelos militares brasileiros por mais de 20 anos. Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura.”

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Pessoas foram torturadas. Pessoas desapareceram. Pessoas foram assassinadas

Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura”

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O presidente eleito ignora os livros de História para eleger as memórias de um torturador como obra de cabeceira. A Verdade Sufocada – A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça (2006)  foi escrito por Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI, um dos órgãos mais atuantes na repressão política durante a ditadura militar no Brasil. Para historiadores, sociólogos e cientistas políticos, não se pode considerar que o livro ofereça precisão histórica. Dr. Tibiriçá, como era conhecido, foi o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira pela prática de tortura durante o regime, em 2008. Mas, segundo Bolsonaro, “o período militar não foi uma ditadura.” 

O problema em negar a História é que ela é cíclica. Quando se nega a história, ela volta a acontecer. Quando normalizamos autoritarismo e tortura, volta a História e reescreve o capítulo cujo título era pra ser “Nunca Mais”. “Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, “Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, e assim por diante. Tanto faz.

Raquel Grabauska

Um dia depois do primeiro turno

Raquel Grabauska
26 de outubro de 2018

Acordar triste e ter que explicar para o meu filho de sete anos os resultados das eleições. Eu estava até indo bem. Ele me fez umas 3500 perguntas. Quando expliquei que um dos motivos para não aceitar Bolsonaro era o fato de ele acreditar que mulher deve receber um salário menor por causa da gravidez, ele me disse:

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Mamãe, isso é um absurdo! A mulher engravida para dar vida para os homens!

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Eu deixei ele no colégio, dei tchau, andei 100 metros, desliguei o carro e chorei. Quero um mundo em que meu filho de sete anos não tenha que pensar nisso. Nem o teu filho. Nem o de ninguém. Que nenhuma criança ou adulto sofra por ser o que for. Cor, sexo, corpo, tamanho. Somos todos. Nossa diferença nos torna únicos. Por um mundo em que todos os iguais possam ser diferentes. É o que desejo para os meus filhos. Para os teus. Para os nossos.

Geórgia Santos

Nenhuma palavra é dita sem destino

Geórgia Santos
26 de outubro de 2018

Nenhuma palavra é dita à toa. Nenhuma palavra é dita sem destino. E as palavras de Jair Bolsonaro não são diferentes. Nos últimos anos, suas palavras ecoam pelo Brasil e encontram suas consequências pelo caminho. Encontram pessoas reais, que sofrem todos os dias em função do discurso que o “messias” insiste em reproduzir.

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Parece exagero?

Outros candidatos também cometem “atos falhos”?

É apenas brincadeira?

É fora de contexto?

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Se as palavras soltas ao vento não são suficientes para repensar o voto no candidato do PSL, proponho, então, que façamos todos um exercício de empatia: nomear os alvos. Preencha a lacuna com o nome de algum amigo ou parente e sinta na pele a força de uma palavra que encontra seu destino.

 

“Eu vou dar carta branca para a polícia matar.”

(Evento em Deerfield Beach, EUA, 8 de outubro de 2017)

Eu vou dar carta branca para a polícia matar o José.

Eu vou dar carta branca para a polícia matar o __________

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“Jamais iria estuprar você, porque você não merece … vagabunda!”

(RedeTV,  11 de novembro de 2003)

Jamais iria estruprar você, porque você não merece … Rafaela.

Jamais iria estuprar você, porque você não merece … _________

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O que o senhor faria se seu filho namorasse uma negra?

 “Ô, Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu.”

(CQC, TV Bandeirantes, 28 de março de 2011)

 “Eu fui num quilombola em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais.”

(Palestra no Clube Hebraica, abril de 2017)

Nem pra procriar o Marcelo serve mais.

Nem pra procriar a Leila serve mais.

 Nem pra procriar o ______ serve.

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 “Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”

(Palestra no Clube Hebraica, abril de 2017)

Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio a Marielle.

Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio a _______.

 

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo.”

(Playboy em junho de 2011)

Seria incapaz de amar o Pedro. Prefiro que o Pedro morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.

Prefiro que o _________  morra num acidente do que apareça com um homem por aí.

O senhor já deu uns sopapos em mulher alguma vez?

“Já. Era garoto lá em Eldorado, uma menina que forçou a barra pra cima de mim.”    

(CQC, TV Bandeirantes, 26 de março de 2012)

Já. Era garoto lá em Eldorado e a Alice forçou a barra pra cima de mim.

 Já dei sopapos em mulher, eu era garoto lá em Eldorado e a ___________forçou a barra pra cima de mim. 

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“Vamos fuzilar a petralhada!”

(Discurso no centro de Rio Branco, Acre, 1 de setembro de 2018)

Vamos fuzilar o mestre Moa.

Vamos fuzilar o _______

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“Vai haver uma limpeza como nunca houve antes nesse país. Vou varrer os vermelhos do Brasil. Ou vão embora ou vão pra cadeia”.

 

 “O cara lá que tem uma camisa minha comete lá um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?”

(TV UOL, 10 de outubro de 2018)

Geórgia Santos

Entre a imparcialidade e a conivência

Geórgia Santos
24 de outubro de 2018

A imparcialidade é uma espécie de véu que se espera que os jornalistas vistam, como aqueles véus usados por carolas para ir à igreja aos domingos –  nem translúcido, nem opaco. É possível enxergar a silhueta por baixo do pano, mas o tecido não é transparente o suficiente para identificar as feições de quem o veste. Assim é a imparcialidade, um véu que, de certa forma, protege o jornalista de se deixar levar por paixões e afinidades que possam atrapalhar uma abordagem objetiva. A ideia por trás do conceito de imparcialidade é não privilegiar ninguém ou nenhuma parte quando se aborda qualquer fato.  Mas esse véu também está diante dos olhos. Esse véu também nubla a visão.

Faço parte do grupo de pessoas que entende que a imparcialidade é impossível de ser atingida. Não acredito que seja possível para uma pessoa – mesmo que treinada para exercer o jornalismo – se despir totalmente de suas convicções ao escrever uma reportagem. Nossas preferências aparecem até mesmo na escolha das palavras. Em uma cobertura que envolva uma ação do Movimento dos Sem Terra (MST), por exemplo, a escolha entre “ocupação” ou “invasão” já é suficiente para perceber a forma como o jornalista vê o movimento.

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O que não significa que o profissional não deva aspirar a imparcialidade. Podemos não ser imparciais, mas ainda devemos buscar a objetividade, a equidade e a verdade, obviamente. Essa é uma busca que não termina. 

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A questão é que aspirar ser imparcial e justo no exercício do jornalismo é uma excelente forma de disciplina e uma ótima maneira de atingir excelência no trabalho, mas a obsessão com a imparcialidade pode transformar esse traço do jornalismo contemporâneo em conivência, especialmente quando se trata de política.

O Brasil vive o que se pode chamar, com tranquilidade, de a eleição mais turbulenta da história democrática do país, que começa em 1985, depois de duas décadas de Ditadura Militar. Há inúmeros aspectos atípicos que envolvem esse pleito, desde a instabilidade política que se desenhou com os protestos de 2013 e foi agravada com a saída de Dilma Rousseff até a personalidade caricata de candidatos que, entre outras coisas, jejuam no monte. Mas há outras questões.

Pela primeira vez há um candidato que defende abertamente o regime militar e a tortura, a ponto de atestar que “o erro da ditadura foi torturar e não matar” (entrevista à rádio Jovem Pan, junho de 2016). Pela primeira vez há um candidato declaradamente racista, que foi em um quilombo e disse que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais” (palestra no Clube Hebraica, abril de 2017). Ele ainda afirmou eu não “corria o risco” de um filho seu namorar uma mulher negra, porque, segundo ele, seus filhos foram “bem educados” (entrevista ao CQC, março de 2011). Pela primeira vez há um candidato claramente machista, que acredita que mulheres devem receber um salário menor que os homens em função do risco da gravidez (entrevista ao jornal Zero Hora, dezembro de 2014; entrevista ao programa SuperPop,  fevereiro de 2016). Pela primeira vez há um candidato assumidamente homofóbico, que disse ser  “incapaz de amar um filho homossexual”, que prefere que um filho seu “morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” ( entrevista à revista Playboy,  junho de 2011). Pela primeira vez há um candidato abertamente xenófobo, que disse que os imigrantes haitianos, senegaleses, iranianos, bolivianos e sírios são a “escória do mundo” (entrevista ao jornal Opção, setembro de 2015). Pela primeira vez há um candidato  que flerta com o autoritarismo a ponto de dizer que vai “acabar com todo o tipo de ativismo” e que afirma, com todas as letras, que a oposição “se quiser ficar aqui, vai ter se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para cadeia.”

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Ainda assim, nós, jornalistas, de maneira geral, vestidos com o véu da imparcialidade, hesitamos em dizer que se trata de um candidato de extrema-direita, racista, misógino, xenófobo e autoritário

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A busca pela imparcialidade, embora utópica, é muito importante. Mas não pode ser desculpa para tratar essa candidatura com equivalência. Não pode ser justificativa para não dar nome aos bois. Não pode ser motivo para ignorar o fato de que esse comportamento é inaceitável em uma democracia sadia. Até porque a excelência profissional não se esgota na neutralidade. No Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está claro, no Artigo 6º, que é dever do jornalista:

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“I – opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; “

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A imparcialidade não pode, portanto, ser utilizada para acobertar os riscos que uma candidatura desse tipo representa. Se a busca é a objetividade, o público precisa ser informado sobre o significado do atual momento político e a desinformação precisa ser confrontada com jornalismo de qualidade. Já em 1947, a Hutchins Commission percebeu que não é suficiente relatar o fato, é preciso relatar a verdade sobre o fato. E tratar essa candidatura como qualquer outra não é imparcialidade, é conivência.

Não é crime um jornalista assumir como pensa, muito menos motivo para demérito ou descrença. O exemplo clássico disso é Homenagem à Catalunha, de George Orwell, uma das maiores obras da reportagem política. No último capítulo, Orwell escreve: “Caso eu não tenha dito isso em algum lugar no início do livro, direi agora: cuidado com meu partidarismo, meus erros factuais e a distorção inevitavelmente causada por ter visto os eventos de apenas um ângulo”. Ele completa: “Não acredite em mim.” E por causa de sua transparência, acreditamos.

Raquel Grabauska

O monstro da fome

Raquel Grabauska
19 de outubro de 2018

Eu sempre tentei ser uma pessoa legal. Claro, tem vezes que a gente não consegue. Daí é a hora de ser legal com a gente, se perdoar, seguir em frente e tentar não cair no mesmo buraco outra vez. Quando temos filho, acerto e erro são, por vezes, desesperadores. A pressão que se cria é algo quase possível de entender ou sentir.

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Ver os filhos cometendo os teus mesmos erros, explicitando os teus próprios defeitos é um exercício difícil de amadurecimento, para todos

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Meu filho mais velho fica mega furioso quando está com fome. Normalmente ele é bastante calmo, mas vira uma fera, respondão, intratável, irracional. Igual a mim antes de ter ele. I-G-U-A-L! Hoje ele teve um mega ataque de fome: “vocês vão me matar de foooomeee!” E dizendo isso de verdade, sentindo de verdade. Eu sei. Eu era igual, igual, igual.  Quando deu a primeira garfada, o monstro desapareceu e ele voltou a sorrir e conversar normalmente.

Expliquei pra ele que era assim comigo também antes dele. Ele ficou surpreso: “como tu fez pra melhorar”. Eu ri e expliquei que quando nasce um filho, a gente esquece, muitas vezes, da gente, porque nosso instinto se volta todo para a cria. Expliquei que não entendia muito como, mas que tinha mudado. E ele: então sou teu milagre!

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Sim, meu milagre. Indescritível enxergar o meu humor nele. O sorriso. As caretas. Indescritível me enxergar nele. Isso sim é o verdadeiro milagre

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E depois de escrever, fui fazê-lo dormir. Do nada: mamãe, sabia que eu tenho uma marca de nascença que tu me deu? Eu já tava emocionada e perguntei: qual? Ele: a imaginação. A criatividade. Meu milagre. Meu milagre.

Raquel Grabauska

Dia das Crianças . O que elas fariam na presidência da República?

Geórgia Santos
12 de outubro de 2018

“Fazia tudo ficar mais barato. O Macdonalds viraria uma loja de brinquedos. E proibiria comida com agrotóxico no mundo todo. Eu quero ser presidente do mundo. “
Benjamin, 7 anos

Eu decretaria “o dia da bagunça!”
Tom, 4 anos

“Se eu fosse presidente eu ia tratar as pessoas bem e as meninas, mulheres iam ganhar a mesma coisa que meninos, homens. Também ia deixar as pessoas casarem com quem elas quisessem. Eu também vou dar dinheiro para as pessoa pobres”
Anita, 5 anos

“Se eu fosse o presidente,  eu iria investir em tecnologia nacional de extração e transformação de matérias primas,  além de computadores e softwares, também nacionais,  para não termos que pagar um centavo pro exterior nessa área.  E também eu iria investir na educação,  para ter mão de obra para fazer isso.”
Samuel, 13 anos

“Eu só faria coisas importantes para as pessoas. Água, comida e brincadeiras”
Nicolas, 4 anos

“Eu não roubaria dinheiro da merenda das crianças, eu acabaria com a pobreza, reforçaria a polícia, faria justiça, eu pagaria o salário dos trabalhadores, eu mandaria mais pessoas taparem os buracos das ruas, defenderia os direitos dos gays, dos negros e das mulheres, pararia o tráfico de drogas e investiria na educação e na cultura.”
Franco, 10 anos

“Eu melhoria a economia primeiro, cortando os salários de todos os políticos e depois iria pensar em causas sociais.”
Lucca, 13 anos

“Eu queria um país que não tivesse tênis de cadarço, porque eu não gosto de amarrar cadarço. E depois, eu ia acabar com essas brigas que um fica falando que um é ruim, que o outro não é bom pro Brasil. Eu ia chegar e falar assim, ó: olha aqui, agora eu sou a presidente do Brasil, vamos acabar com essa briga, porque isso aqui é só pra diversão.”
Alice, 7 anos

“ Eu ia tocar violão”
Peterson, 5 anos

“Eu ia fazer todo o bem pras pessoas.”
Gabriel, 7 anos

“Eu faria um país melhor. Sem falta de emprego, emprego pra todo mundo, digno. E comida pra todo mundo.”
Gabriela, 9 anos

“Quem poluísse o planeta, iria pra cadeia, porque não pode poluir. Deveria ser assim. Não pode poluir. Porque se polui, tu acaba te matando e mata todo mundo, porque uma hora acabam as coisas. E também acharia um jeito de criar meios de transporte que não gaste nada de energia elétrica e nem nada de poluir o planeta, porque energia elétrica vem da água, da natureza. ”
Arthur, 8 anos

“Ia ter sorvete grátis!”
Duda, 4 anos