Raquel Grabauska

Dois dentes moles

Geórgia Santos
16 de novembro de 2018

Eu escrevi semana passada sobre o terror que foi levar meus filhos ao teatro. Escrevi esses tempos sobre a fada do dente. Nesta semana, tudo se misturou. Benjamim, meu filho mais velho, tem 7 anos. Para seu desespero, nunca teve um dente mole. Precisou arrancar dois, pois os permanentes nasceram antes de caírem os de leite.

Todos os colegas com os dentes moles, banguelinhas. Menos ele. Mil perguntas dele sobre o porquê disso. Mil explicações nossas sobre a diferença das pessoas (e aí a mãe já aproveita para dar todos os discursos sobre respeito, diversidade… pobre criança!). Pois bem, amoleceu o primeiro dente, finalmente. E o segundo. E amoleci eu. E ele. Amolecemos todos. Isso nos aproximou de um jeito que nem pensei que podia, pois já tinha sentido todo o amor do mundo, não sei como pode caber mais ainda.

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Sete anos. Dente mole. Outra fase. Ele está crescendo

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Depois do chilique no teatro na semana passada, fiquei pensando no que significava minha profissão. Se meu modo de apresentar as coisas para meus filhos era acertado. Aquelas dúvidas que a gente tem por não existir manual para criar filhos. Pois bem…

No dia do primeiro dente mole, fui ficar com ele na hora de dormir. Já estava bem emocionada, vendo ele deitado, meu bebê que cresceu, que está crescendo, que vai crescer mais e sair de casa, e… (disfarça as lágrimas pra não ter que explicar todo esse pensamento pra ele). Ele me diz: tu pode fazer uma música da fada do dente? E um pouco depois: e uma peça também?

Pronto. Amoleci, derreti, desintegrei de amor. Claro que posso, filho. Todas as minhas dúvidas sumiram naquele instante. Me dei conta de que tá tudo bem. Que teremos fases, as dele e as minhas. E as nossas. E tá tudo bem se ele não quiser ir no teatro.

Raquel Grabauska

A Fada do Dente

Raquel Grabauska
20 de julho de 2018

A ansiedade aqui era pra ter um dente mole.

Dia sim, dia não: mamãe, quando eu vou ter um dente mole?

Pois bem, não teve. Nasceu ontem um dente permanente sem ter caído o dente de leite. A nossa super dentista havia pedido uma tomografia para ver se estava tudo bem. Nos enrolamos nos mil afazeres que pais e mães têm e deixamos para as férias da cria. O dia de fazer foi o dia que precisou.

Meus filhos amam ir na dentista. Pedem pra ir. Ela é mesmo incrível, paciente, carinhosa, respeitosa. Com eles e conosco. Explicou hoje que teria que ter espaço para o dente novo nascer. Que faria isso com calma. Que se ele não quisesse, ela não faria hoje, mas em algum momento precisaria. Conhecendo nosso filho, imaginamos que seria pior esperar. Ele passaria os dias pensando nisso e não iria relaxar. Afinal, ele entrou em férias essa semana – primeiras férias oficiais do colégio. Conversamos. Ele estava apavorado. Nós também. A dentista, comovida, distribuiu carinho e calmaria pra todos nós. Então, convencemos o moço.

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Dá pra comer sorvete depois. Pode ganhar brinquedo. Todas aquelas coisas que agente não deve fazer, fizemos. Nem sei mais o que prometeríamos. Ele aceitou relativamente fácil.

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Para não precisar fazer novamente o mesmo processo, removeu os dois dentinhos da frente. Anestesia. Ver aquela agulha na boca do meu filhote… e depois um alicate puxando o dente… quando ele parou de chorar, chorei eu. O choro trancado durante o processo, o choro de alívio por ter acabado, o choro de orgulho do meu menino valente. O choro de ver que ele cresceu.

Então ele perguntou se a Fada do Dente deixaria algo pra ele. Falei que ela deixa dinheiro. “Dinheiro é sem graça. Eu sei que ela vai deixar algo, porque tu é minha fada do dente”. A fada já passou e deixou duas lembrancinhas, afinal, foram dois dentes. A fada do dente verdadeira trabalhou lindamente hoje. Depois de tudo isso, tenho certeza que logo meu menino vai pedir para ir na dentista de novo. Obrigada querida dentista Cláudia, nossa fada do dente.

Raquel Grabauska

Fases

Raquel Grabauska
16 de fevereiro de 2018

Meus dois filhos andavam bem difíceis. Tudo era motivo pra briga, manha, choramingos mil. E sempre que eles saem do prumo, revejo como estamos por aqui. Se saímos da rotina, eles sentem. Se estamos tensos, eles sentem. Se … eles sentem. E se desorganizam. Há que se respirar fundo pra cessar o motivo inicial e recomeçar a funcionar com calma. Fácil não é.

No auge de um dia em que tive vontade de sair correndo a pé pra África, perguntei pro meu filho mais velho, que estava na 83 manhã da manhã (isso era perto das 9h!) o que estava acontecendo. Perguntei não, dei um mega discurso. Ele, que até então disparava um chilique por minuto, me disse:

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“Mamãe, tu tem que entender que eu tô numa fase muito difícil.”

Entre a vontade de rir e a certeza de que estava sendo enrolada, perguntei: qual fase?

“A fase dos dentes”

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Assim, sem enrolar, miar. Só lúcido, analítico. Sensível e conhecedor de si mesmo. Não vou dizer que foi um tapa de luva. Foi mesmo um mega soco com aquelas luvas de boxe que tu vê o atingido ir caindo pelo ringue lentamente até se espatifar no chão. Ele tem seis anos e dois dentes nascendo ao mesmo tempo. Lembrei de que ele sempre foi o bebê mais doce do mundo. Quando nasciam os dentes, era muito sofrimento, choro, irritação.

E naquele dia ele virou meu bebê novamente. E depois virou a pessoa mais madura que já vi. Se dar conta de um processo desses, conseguir assimilar e expressar, é para os grandes. Me senti pequena, inábil como mãe e completamente insensível. Pedi desculpas e ando conversando com a fada do dente…