No primeiro episódio do Bendita Sois Vós, jornalistas discutem “Que eleição é essa?” O programa é apresentado pela jornalista Geórgia Santos e conta com a participação de Evelin Argenta, Igor Natusch e Tércio Saccol em um debate sobre os aspectos atípicos das eleições, o fenômeno Bolsonaro e a ameaça autoritária.
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Essa eleição é, de fato, estranha. Até pouco tempo tinha candidato preso, candidato esfaqueado, candidato jejuando no monte. Por isso separamos algumas declarações de candidatos à presidencia da República, ou relacionados a eles, que exemplificam um pouco da anormalidade do pleito de 2018. Além disso, uma conversa com o cientista político Augusto de Oliveira, professor da PUCRS, sobre como e porquê surge o fenômeno Bolsonaro.
Falar de Bolsonaro implica discutir, ainda, viabilidade democrática. Afinal, o candidato ainda não afirmou que vai respeitar o resultado das eleições caso perca. Sem contar as declarações do vice do candidato do PSL, General Hamilton Mourão, que deixou clara a possibilidade de autogolpe em entrevista à GloboNews.
Como uma resposta também ao General Mourão, o Bendita Sois Vós traz uma verdade crua revelada por meio da arte. O quadro “SOBRE NÓS” é produzido por Raquel Grabauska, que é atriz, produtora, diretora e está à frente do grupo Cuidado Que Mancha. Toda a semana, um grupo de atores traz relatos reais sobre temas que nos tiram o sono. Na primeira edição, depoimentos de quem sofreu tortura durante a Ditadura Militar. O texto foi extraído dos relatórios da Comissão da Verdade e mostra a cara desse herói que mata.
* O Bendita Sois Vós, uma parceria do Vós com a Rádio Estação Web e vai ao ar todas quintas-feiras, das 19h às 20h. Clique aqui para saber como ouvir no seu celular e em aplicativos.
Meio ambiente . Dois candidatos não contemplam propostas para a área
Geórgia Santos
10 de setembro de 2018
É notório que o problema ambiental se agrava a cada dia que passa. Além do aquecimento global, há o excesso de consumo de plástico e péssimos hábitos sociais e alimentares. Mas a forma como os governos conduzem as políticas públicas voltadas para o meio ambiente é determinante para o nosso futuro. E a forma como os governos NÃO conduzem as políticas públicas voltadas para o meio ambiente é ainda mais importante.
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Por isso, decidimos explorar o conteúdo dos planos de governo dos candidatos à presidência da República – disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e compreender o nível de comprometimento de cada um e cada uma com as questões ambientais.
O plano de governo de Alvaro Dias (Podemos) tem 15 páginas e traça as principais diretrizes de um projeto com 19 metas. Até pelo tamanho, não é um texto com muitos detalhes sobre a forma como cada proposta será realizada. Uma das metas é voltada para o meio ambiente e se chama “Verde-água e saneamento 100%”.
No texto, o candidato propõe “preservação e aproveitamento integral dos biomas nacionais; proteção dos mananciais (replantio de matas em 3500 municípios); gestão produtiva dos cursos d’água e aquíferos; cumprimento do plano RenovaBio (créditos para descarbonização); e prioridade Saneamento RS 20 bilhões/ano em esgoto tratado.”
Alvaro Dias garante, ainda, que “o meio-ambiente não pode ser negligenciado e desenvolvimentos tecnológicos devem ser utilizados para a sua preservação.” São propostas gerais e genéricas, sem um plano focado nos problemas mais graves do Brasil como desmatamento para criação de gado e produção de soja, além da exploração de reservas naturais.
O plano de governo de Cabo Daciolo (Patriota) não contempla o meio ambiente. Mas faz questão de dizer, em caixa alta, que “BEM-AVENTURADA É A NAÇÃO CUJO DEUS É O SENHOR”. Salmos 33:12″ Ok.
O plano de governo de Ciro Gomes tem 62 páginas e lista o que são diretrizes gerais, mas não definitivas, de governo. É um projeto desenvolvimentista que tem no horizonte o fortalecimento do agronegócio, algo que, no Brasil, é um problema em si se considerarmos as atuais práticas de desmatamento e consumo de água para criação de animais e plantio de culturas sem rotação. De qualquer forma, é um dos planos mais completos e específicos no que tange ao meio ambiente e ainda prevê “prática de menores taxas de juros para aquelas que inovarem e preservarem o meio ambiente.”
No ítem “Desenvolvimento e Meio Ambiente”, o candidato dá detalhes do plano para a área ambiental reforçando que processos de desenvolvimento econômico, reindustrialização, agricultura e infraestrutura devem ocorrer de forma sustentável, preservando o meio ambiente. “A maior parte dos conflitos observados na Política de Meio Ambiente é fruto de uma oposição artificial entre dois conceitos originalmente interligados, a ecologia e a economia. Percebemos que não há falta de espaço, mas sim de ordenamento no uso e ocupação das terras.”
Ciro Gomes alerta para o fato de que os sistemas produtivos não precisam ocupar áreas vocacionadas a preservação, o que é um ponto importante para um candidato que tem Kátia Abreu (PDT) como candidata a vice, notória defensora do agronegócio e conhecida informalmente como a “rainha da motoserra”. Ele promete, então, avançar em “políticas de harmonização da preservação com a produção” por meio do desenvolvimento, no país, de agrotóxicos específicos e menos agressivos e ao incentivo à adoção de sistemas de controle alternativos na agricultura.
O projeto ainda prevê a redução da emissão dos gases de estufa até 2020, definidas pelo Acordo de Paris, e estímulo ao desenvolvimento de ecossistemas de inovação sustentável.
Outro ponto importante é a proposta de estimular setores que possam agregar mais valor à produção a partir parâmetros de sustentabilidade. Por exemplo, a indústria de móveis pode utilizar madeira de reflorestamento certificada e a indústria de cosméticos pode utilizar insumos vegetais em vez de químicos.
Em um plano de nove página, Eymael dedica um espaço ao “Meio Ambiente Sustentável”, em que promete “proteger o meio ambiente e assegurar a todos o direito de usufruir a natureza sem agredi-la”, além de “orientar as ações de governo, com fundamento no conceito de que a TERRA É A PÁTRIA DOS HOMENS.”
O plano de governo do candidato do PT tem 58 páginas e é um dos mais detalhados no que tange às propostas para os problemas ambientais, dedicando 13 paginas ao tema. Promete “garantir práticas e inovações verdes como motores de crescimento inclusivo.” No item 5 do programa, Lula propõe uma “Transição Ecológica para a nova sociedade do século XXI”. Esse item em específico contempla propostas para uma economia de baixo impacto ambiental e valor agregado por meio inovação; políticas de financiamento e Reforma Fiscal verde; infraestrutura sustentável para o desenvolvimento; soberania energética com foco na transição para a energia renovável; diversificação da matriz de transporte; gestão de resíduos e o fim dos lixões; e produção de alimentos saudáveis, com menos agrotóxicos etc.
O programa contempla uma proposta de país em que “as práticas, tecnologias e inovações verdes vão ajudar a criar mais e melhores empregos e serão novos motores de crescimento inclusivo”, com foco no longo prazo, em uma economia justa e de baixo carbono. Além de se comprometer a cumprir as diretrizes do Acordo de Paris.
De maneira geral, o projeto do candidato do PT, seja Lula ou Haddad, considera a área ambiental estratégica para questões de saúde, saneamento e infraestrutura. Dentre as principais propostas ainda estão a de reduzir o desmatamento e as emissões de gases do efeito estufa; a regulação do grande agronegócio para amenizar os danos socio-ambientais; promoção da agricultura familiar; e um programa de redução de agrotóxicos.Há, ainda, a promessa de adotar medidas concretas para diminuição dos impactos ambientais gerados pelo consumo de descartáveis, estimulando a mudanças de hábitos para redução de seu uso e/ou substituição por materiais biodegradáveis.
O texto do plano de governo do candidato do PT ainda foca nas conquistas dos governo anteriores de Lula e Dilma, em que houve redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estuda. Embora ignore que o agronegócio se fortaleceu nos moldes de sempre e que não houve uma política pública específica para a redução de agrotóxicos.
No texto de nove páginas, o candidato do PSDB garante que, nas Relações Exteriores, o Brasil vai defender valores como a democracia e os direitos humanos e os “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” (ODS), servirão como referências no relacionamento externo brasileiro. Geraldo Alckmin ainda garante que a gestão da Amazônia receberá atenção especial, uma vez que o “meio ambiente e o desenvolvimento sustentável são grandes ativos do Brasil.”
Um ponto importante do programa é a garantia do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris.
O plano ainda prevê que o Brasil deve liderar a economia verde e garante que a questão ambiental será tratada de forma técnica, “evitando a politização e a visão de curto prazo que pautaram os debates ambientais.” Infelizmente, essas palavras são códigos conhecidos de ambientalistas. Especialmente quando vem de uma candidatura que tem como vice Ana Amélia Lemos (PP), defensora ferrenha do agronegócio e barreira humana quando o assunto é o meio ambiente. Além disso, o partido de Alckmin representa uma série de problemas ao meio ambiente. Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária é um exemplo disso.
O programa de Guilherme Boulos é o mais extenso, com 228 páginas, e é um dos que mais se dedica ao tema do meio ambiente, recursos naturais, florestas e comunidades humanas. No item 10 do programa, Boulos fala de “Terra, Território e Meio Ambiente: um novo e urgente modelo de desenvolvimento.”
O plano dá muita importância à demarcação de terras indígenas, força da vice da chapa, Sônia Guajajara; reforma agrária e agroecológica; desmatamento zero e restauração das florestas com espécies nativas.
Boulos afirma, no plano de governo, que é possível e necessário zerar o desmatamento em uma década em todos os biomas e apresenta uma série de medidas para que isso aconteça, como aumento da fiscalização à atividade agropecuária e à grilagem de terra e o confisco de bens associados à crimes ambientais; estabelecimento de novas áreas protegidas; o uso da tributação para o estimulo à conservação; e incentivos financeiros para aumentar a produtividade. Além disso, a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal não mais concederão autorizações de desmatamento das florestas nativas brasileiras.
O programa ainda prevê a proteção das águas e sistemas hídricos; a defesa dos bens comuns e dos direitos da natureza; transição energética e produtiva, visando superar o uso dos combustíveis fósseis.
Boulos também se compromete a reduzir as emissões de gás e a restaurar 120 mil km2 de suas florestas até 2030, conforme previsto no Acordo de Paris.
O programa de 21 páginas indica que o governo patrocinará ações que visem à defesa das riquezas naturais e do meio ambiente – particularmente na Amazônia. Henrique Meireles afirma a importância da valorização da biodiversidade e ações de proteção ao patrimônio natural.
O candidato do MDB afirma que cumprirá com as diretrizes do Acordo de Paris, elevando a participação de bioenergia sustentável, incentivando o reflorestamento e estimulando o investimento em energias renováveis.
O plano de governo de Meirelles ainda prevê programas de redução do desmatamento na Amazônia; de recuperação de nascentes e de revitalização do Rio São Francisco; e a conversão de multas ambientais em novos recursos para serem usados em programas de conservação e revitalização do meio ambiente.
É importante lembrar, porém, que o governo de Michel Temer, do qual Meirelles fazia parte, foi extremamente nocivo ao meio ambiente e protagonizou retrocessos importantes, como o decreto extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), na Amazônia.
O plano de governo de Jair Bolsonaro tem 81 páginas e não contempla propostas ao Meio Ambiente. O candidato propõe, inclusive, terminar com o ministério da área e unir com o Ministério da Agricultura, tornando a questão ambiental secundária. “A nova estrutura federal agropecuária teria as seguintes atribuições: Política e Economia Agrícola (Inclui Comércio); Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural; Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar; Pesca e Piscicultura; Desenvolvimento Rural Sustentável (Atuação por Programas) Inovação Tecnológica.”
O plano de 23 páginas dá bastante destaque às questões do meio ambiente, ressaltando a “responsabilidade com as futuras gerações com foco na sustentabilidade”. Como a maioria dos programas, também dá um grande destaque ao agronegócio, mas o que chama de um agronegócio “moderno e indutor do desenvolvimento” com uma economia de baixo carbono.
João Amoêdo foca na questão de que é essencial combinar preservação ambiental com desenvolvimento econômico. No longo prazo, pretende universalizar o saneamento no Brasil e promover o que chama de conciliação definitiva entre conservação ambiental e desenvolvimento agrícola. O candidato do partido Novo também promete eliminar o desmatamento ilegal.
Dentre as principais propostas estão o saneamento e recuperação dos rios por meio de parcerias com o setor privado; aplicação do Código Florestal; avanço no cadastro ambiental rural; fim dos lixões também por meio de PPPs; ampliação da energia renovável na matriz energética e fim de subsídios à energia não-renovável.
O plano de João Goulart Filho tem 14 páginas e vincula, inicialmente, a questão ambiental à reforma agrária. O candidato se compromete a priorizar o processo de desapropriação de todas as terras que não cumprem, entre outras coisas, a preservação do meio ambiente.
O candidato ainda pretende rever o Código Florestal de forma a aumentar a proteção do meio ambiente e garantir a produção agropecuária, promovendo um desenvolvimento que supõe o uso racional dos recursos naturais, de forma a atender às necessidades crescentes da população e a respeitar o meio-ambiente. Segundo o programa, o capitalismo dependente brasileiro é vítima da exploração predatória não apenas da força de trabalho, mas também dos recursos naturais. Dentre as propostas estão o aumento da multa e da pena a crimes ambientais, o fim dos lixões e tratamento de esgoto. Além de fortalecer a transição para combustíveis menos poluentes.
A área do meio ambiente é especial para a candidata Marina Silva, que tem a sustentabilidade como bandeira pessoal há muitos anos. Tanto é assim que o tema aparece já no nome do plano de governo, “BRASIL JUSTO, ÉTICO, PRÓSPERO E SUSTENTÁVEL. O programa reforça a convicção de uma sociedade socialmente justa e ambientalmente sustentável, “que assuma o papel de líder global, principalmente no que diz respeito à qualidade de vida de sua população, ao uso inteligente dos recursos naturais.”
O plano de Marina, com relação ao meio ambiente, foca no bem-estar animal; ciência, tecnologia e inovação; cidades sustentáveis e urbanismo colaborativo; futuro com sustentabilidade, inovação e emprego; infraestrutura para o desenvolvimento sustentável; e liderança para uma economia de carbono neutro.
O plano de governo destaca que “em nenhum outro país as condições naturais para uma transição justa para uma economia de carbono neutro são mais evidentes do que no Brasil. Temos alta capacidade para gerar energia de fontes renováveis como biomassa, solar, eólica e hidrelétrica e detemos as maiores áreas de florestas entre os países tropicais, enorme biodiversidade e a segunda maior reserva hídrica do mundo.” A partir disso, Marina propõe o alinhamento das políticas públicas econômica, social, industrial, energética, agrícola, pecuária, florestal, e da gestão de resíduos e de infraestrutura.
Marina também se compromete a cumprir as diretrizes do Acordo de Paris por meio de uma estratégia de longo prazo de descarbonização da economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa até 2050.
O programa ainda prevê papel de liderança da Petrobras nos investimentos em energias limpas. “Criaremos um programa de massificação da instalação de unidades de geração de energia solar fotovoltaica distribuída nas cidades e comunidades vulneráveis.”
O programa de cinco páginas de Vera Lúcia, do PSTU, não aborda o meio ambiente em específico. Mas no item três, em que fala dos “Planos de obras públicas para gerar emprego e resolver problemas estruturais”, ressalta que o meio ambiente deve ser respeitado. Também, no item sete, vincula o tema à Reforma Agrária. “Defendemos a nacionalização e estatização do grande latifúndio e do chamado agronegócio sob o controle dos trabalhadores para que definam a sua produção de acordo com as necessidades do povo e em harmonia com o meio ambiente.”
O primeiro debate na televisão entre os candidatos à presidência da República, organizado e transmitido pela Rede Bandeirantes, deu o que falar. Houve a ladainha de sempre, é verdade, mas o costumeiro festival de desinformação ganhou uma nova roupagem. Neste ano, ficou por conta dos delírios de Cabo Daciolo, que concorre pelo Patriotas. O deputado federal surpreendeu a todos quando questionou Ciro Gomes, do PDT, sobre o plano da Ursal – União das Repúblicas Socialistas da América Latina, do qual, segundo ele, o pedetista faz parte.
A loucura de Cabo Daciolo deu vazão à ótima resposta de Ciro Gomes, que disse que a democracia, apesar de ser uma delícia, tem seus custos e a uma legião de memes maravilhosos. Além da Ursal, destacam-se obsessão com o “Glória a Deus”, a paranóia do comunismo, Iluminatti e uma suposta Nova Ordem Mundial que destruiria o Brasil e acabaria com as fronteiras. Bom, não seria nada mal uma seleção com Messi, Cavani, Suárez e Neymar, hein – para citar uma das maravilhosas pérolas que li por aí.
Nesta semana, Cabo Daciolo voltou aos holofotes. Divulgou um vídeo em sua página do Facebook em que, do alto de uma montanha, grita “Glória! Glória a Deus!” – super novidade. Em 15 minutos, ele associa a crise brasileira a problemas espirituais, diz que está ameaçado de morte pela “nova ordem mundial” e diz sua estratégia de campanha será a oração. Ah, ele vai ficar no monte jejuando. Galera gosta de jejuar no Brasil.
Mas enquanto a gente ri e ridiculariza este homem, ele serve como uma ótima distração pra os verdadeiros problemas desta campanha eleitoral. Depois de assistir ao debate, a primeira coisa que eu disse, foi:
Perto dele, Bolsonaro é bolinho!
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Imediatamente me dei conta do problema dessa frase. Quando aparece uma pessoa mentalmente desequilibrada – como parece ser o caso do Cabo Daciolo – e disposta a ridicularizar o processo eleitoral porque não tem nada a perder, a figura de Jair Bolsonaro (PSL) começa a parecer aceitável até mesmo para quem, inicialmente, não tinha intenção de votar nele. Não que isso vá fazer com que alguém que abomine as ideias de Bolsonaro, passe a gostar. Mas pode fazer diferença na balança dos indecisos, e isso é tudo o que ele quer.
Bolsonaro é um notório canastrão, isso não é novidade. Assim como também sabemos que é preconceituoso em diversos níveis. Mas a distração de Daciolo pode ser prejudicial para toda a campanha, porque a tendência é que a gente “passe pano” também para outros candidatos.
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Afinal, quando alguém estabelece uma linha de corte tão baixa, todos os concorrentes – mesmo com inúmeros problemas – passam a ser aceitáveis, uma ameaça menor
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Bem, eu usei alguns minutos para escrever este texto e é todo o tempo que vou gastar com Cabo Daciolo. Nem um minuto a mais. Meu tempo – e o do Brasil – é precioso demais. Espero que vocês façam o mesmo e não desperdicem tempo e energia com um balão de ensaio.
As perguntas-padrão de uma eleição seriam mais reveladoras
Geórgia Santos
31 de julho de 2018
Na noite de ontem, o programa Roda Viva recebeu o deputado Jair Bolsonaro (PSL), candidato à presidência da República. Confesso, eu estava muito curiosa por esse momento. Especialmente porque o político é conhecido por evitar esse tipo de encontro com jornalistas, com os quais mantém uma relação de hostilidade. E no ensejo das confissões, admito que fiquei frustrada. Não com ele, sua ignorância sempre aparece, mas com a entrevista em si.
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Não foi propriamente uma entrevista ruim, mas foi mais do mesmo
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Já no início, quando o apresentador do programa, Ricardo Lessa, pergunta sobre a realização pela qual ele gostaria de ser lembrado, Bolsonaro despeja a ladainha que todos conhecemos. “Nós cansamos da esquerda”, “[queremos um Brasil] que respeite a família, bem como as crianças em sala de aula”; “que jogue pesado na questão da segurança pública”; “que jogue pesado contra o MST”. De novo, pra mim, apenas o “sonho” que o candidato tem de tornar a economia brasileira plenamente liberal, já que até pouco tempo era um estatista.
Mas a ladainha que conhecemos seguiu programa afora. O começo da entrevista foi marcado por perguntas sobre a Ditadura Militar, por exemplo. Acho que é um tema que deve ser abordado, afinal de contas faz parte do nosso passado recente e o candidato já exaltou e defendeu o período mais que algumas vezes. Mas insistir por quase meia hora nisso, é escada pra ele.
Ele relativizou a tortura com o discurso padrão de que eram terroristas, disse que a maioria inventou que foi torturada para receber indenização, votos e poder; disse que sem a “revolução teríamos virado Cuba”; questionou o assassinato de Vladimir Herzog; disse que não foi golpe; e ainda flertou com a ideia de reeditar o período quando perguntou se “o clima não está muito parecido com aquela época.”
Em outras frentes, o candidato do PSL disse que é contra políticas afirmativas. Segundo ele, entrar em uma universidade, por exemplo, é questão de mérito e competência. “Se eles podem ser tão bons no Ensino Superior, e acho que sejam (sic), por que não estudam no Ensino Básico aqui atrás, pra que tenham melhor base e sigam carreira numa situação de igualdade?” Ele afirma que não há dívida a ser quitada com a população negra porque ele nunca escravizou ninguém. Aliás, foi mais longe. “Se for ver a história realmente, os portugueses nem pisaram na África, os próprios negros que entregavam os escravos”, disse ele, em um momento de profunda infelicidade.
Ao ser confrontado com os rótulos de homofóbico, misógino e racista, negou todos. Obviamente.
“Se eu sou racista tinha que tá (sic) preso. São calúnias, nada mais.”
“Onde que que eu sou homofóbico? A minha briga é contra o material escolar. […] não pode o pai chegar em casa e encontrar o Joãozinho de seis anos de idade brincando de boneca por influencia da escola.”
Felizmente, o jornalista Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo, corrigiu Bolsonaro ao lembrar que ele foi denunciado pelo crime de racismo. Ele relativizou (de novo), disse que apenas exagerou nas brincadeiras e que aquilo não é racismo. Quanto a não ser homofóbico, não foi corrigido, infelizmente, então nós fazemos isso aqui.
Bolsonaro tergiversou o tempo todo e reproduziu os discursos aos quais já estamos todos acostumados. Se defendeu sobre o receber auxílio-moradia dizendo que está na lei, ignorando a imoralidade de utilizar o benefício mesmo com imóvel próprio; disse que, no sétimo mandato, nunca integrou a Comissão de Orçamento, nem a de Saúde e que nunca integrou a maioria das comissões da Câmara dos Deputados porque “aquilo é um mundo”; disse que a última CPI que funcionou na Câmara foi há mais de 20 anos – aparentemente esqueceu de Eduardo Cunha; disse que evoluiu em suas contradições com relação à democracia; admitiu ter votado em Lula e elogiado Chávez, mas não admitiu ter mudado de opinião. Segundo ele, Chávez é que mudou e parou de elogiar os Estados Unidos (?). Em resumo, mais do mesmo.
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A falta de preparo do candidato à presidência apareceu no que chamo de perguntas-padrão do período pré-eleição. Ou seja, ao responder questões sobre pontos críticos que um eventual governo deverá enfrentar
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Inovação
O diretor de Inovação e Articulação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, perguntou qual seria o papel que o Ministério da Educação deveria desempenhar e se a Educação Superior pública deveria estar vinculada ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A resposta foi um festival de desconhecimento. Uma confusão. Primeiro, disse que não há pesquisa no Brasil, que é uma raridade; depois que é preciso “inverter a pirâmide” e investir em Educação Básica; em seguida, que a comunidade científica está em segundo plano no país; completou dizendo que “não interessa aonde vá ficar, tem que ser uma pessoa isenta e com conhecimento de causa”; terminou afirmando que “temos que investir e dar meios para que o pesquisador possa exercitar o trabalho. Se você quiser entrar na área da biodiversidade, você tem uma dificuldade enorme. Agora, tá cheio de gente tentando roubar a nossa biodiversidade.”
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Mortalidade infantil
Esse momento, na minha opinião, foi o mais revelador no que tange à falta de preparo – e noção. A jornalista Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico, questionou sobre as políticas que o candidato pretende propor para, entre outras coisas, a redução da mortalidade infantil, especialmente se houver redução de impostos. Bolsonaro não apenas demonstrou pouca familiaridade com o assunto como foi leviano ao, basicamente, culpar as gestantes. Ignorando o fato de que altos índices de mortalidade infantil estão associados à falta de saneamento básico.
“Mortalidade infantil. Tem muito a ver com os prematuros. É muito mais fácil um prematuro morrer do que um que cumpriu a gestação normalmente. Medidas preventivas de Saúde. [Jornalista: tem mais a ver com saneamento básico do que com prematuridade]. Não tem a ver. Olha só, tem um mar de problemas , tem que ver a questão, o passado daquela pessoa, signatário dela, alimentação da mãe, tem um montão de coisas, tô citando aqui um exemplo apenas. […] Muita gestante não dá bola pra saúde bucal, ou não faz exame de seu sistema unirnario com freqüência”, disse.
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Desemprego no campo
O candidato acredita que o desemprego no campo se dá em função da tecnologia e da fiscalização. Depois de dizer que “é difícil ser patrão no Brasil”, afirmou que o trabalhador deve ser treinado para fazer outra coisa, já que a mecanização deve substituir o trabalho braçal. Também defendeu que o governo não pode atrapalhar com legislação e fiscalização “absurdas”.
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Para mim, a candidatura de uma pessoa com um perfil tão belicoso é assustadora. Assusta que alguém se sinta tão à vontade para falar o que ele diz. Assusta que tantas pessoas apóiem alguém assim. Dito isso, acredito que esta seja uma campanha bastante emocional, o que explica parte desse apoio. Sua base é movida pelo “sentimento”, sentimento de medo, de cansaço, de necessidade de mudança – embora eu não entenda como alguém que é deputado há 27 anos possa ser mudança. Mas é justamente esse “sentimento” que torna inócua a insistência com alguns temas como o racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e Ditadura Militar.
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O eleitor de Bolsonaro concorda com ele, não se importa com esses temas ou não acredita que ele seja assim – atribuindo tudo às Fake News
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Isso prova que, mais do que nunca, o jornalismo responsável precisa entrar em campo. O candidato do PSL precisa ser exposto como o candidato despreparado que é, não pela maneira como ele pensa ou em função do que defende. Até porque, ele tem todo o direito de defender o que bem entender – e o dever de arcar com as consequências disso também.
E é nesse ponto que o programa Roda Viva falhou. À parte esses três momento que destaquei, sobre inovação, mortalidade infantil e desemprego – e talvez algum outro que me tenha escapado, foi uma entrevista pouco reveladora.
Faltou perguntar sobre plano de governo, sobre projetos para educação e saúde. Não ouvi nada a respeito de cultura, não tenho a menor ideia do que ele pensa a respeito. De política internacional, só sei que quer fazer comércio com todos os países. E para a segurança? Além do óbvio e de armar o “cidadão de bem”, não ouvi nada que fosse produtivo.
Não teve coordenador de campanha adversário como entrevistador, ele não foi interrompido constantemente, mas, de certa forma, o programa foi desenhado de maneira similar ao que recebeu Manuela Dávila. Por motivos diferentes, é claro. Afinal de contas, o candidato do PSL é cheio de contradições e precisa ser confrontado. De todo modo, ficou claro que o objetivo era constrangê-lo, pegá-lo no “contrapé”. Estratégia que, na minha opinião, só fortalece uma candidatura que atribuiu notícias ruins à manipulação da grande mídia.
Durante o programa, ele disse que “a imprensa quase toda é de esquerda no mundo, Trump sofreu com isso, são os Fake News.”
Ele deixou a cama pronta. Não podemos deixar o jornalismo deitar.
O candidato anti-LGBT perdeu na Costa Rica, mas suas ideias cresceram
Samir Oliveira
5 de abril de 2018
Foto: Fabricio Alvarado | Arquivo Pessoal
A Costa Rica acaba de sair do segundo turno de suas eleições presidenciais com um resultado que, por um lado, representa um alívio a todos os defensores dos direitos humanos, mas por outro acende um sinal vermelho de alerta permanente.
O candidato reacionário e anti-LGBT Fabricio Alvarado foi derrotado, mas suas ideias ganharam peso.
No pleito do dia 1 de abril o cantor evangélico e apresentador de TV Fabricio Alvarado ficou com 39,2% dos votos, sendo derrotado pelo jornalista e escritor Carlos Alvarado, que obteve 60,8% de apoio popular. A virada surpreendeu o país, invertendo o resultado do primeiro turno e contrariando a previsão das pesquisas de opinião, que demonstravam um cenário extremamente polarizado.
A Costa Rica é reconhecida como a democracia mais sólida da América Central. Talvez seja mais conhecida ainda por ser um dos poucos países do mundo sem Forças Armadas. Mas estas eleições trouxeram à tona outra faceta do país: o conservadorismo brutal de sua sociedade em temas como sexualidade e direitos humanos.
Estas duas questões transformaram-se no eixo do debate eleitoral. Apenas um mês antes do primeiro turno, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que a Costa Rica legalizasse o casamento civil igualitário. A decisão posicionou o assunto no centro de todas as campanhas. Enquanto o governista Carlos Alvarado, de centro-esquerda, celebrou a sentença, o oposicionista de direita afirmou que um eventual governo seu não respeitaria o julgamento e ainda retiraria o país deste importante organismo multilateral.
Fabricio Alvarado mobilizou os piores sentimentos do país com sua candidatura. Sob o pretexto de defender uma suposta “família natural”, foi totalmente contrário a qualquer concessão de direitos à população LGBT. Garantiu que sua primeira medida no governo seria a revogação de um decreto que protege servidores federais e usuários dos serviços públicos contra a discriminação.
Os pronunciamentos do presidenciável da direita beiraram as raias do crime ao defender a chamada “cura gay”, uma invenção reacionária do fanatismo neopentecostal.
“Estou de acordo em que as pessoas que queiram sair da homossexualidade devam ter um espaço onde sejam atendidas e restauradas”, declarou. Isso mesmo, o termo exato que ele utilizou foi este: restauração.
Fabricio Alvarado é uma espécie de Marco Feliciano costarriquenho. Ele chegou a dizer que a homossexualidade é uma invenção do Diabo. E o pior é que muita gente foi seduzida por sua retórica preconceituosa. “Quando o inimigo (o Diabo) consegue confundir sexualmente uma pessoa e desviar sua identidade sexual, o que está fazendo é destruir sua identidade em Deus”, declarou.
Felizmente o jogo virou no segundo turno e Carlos Alvarado viu sua votação aumentar de 21,7% para 60,8%. O candidato do governista Partido Ação Cidadã (PAC) representa a continuidade de um projeto de centro-esquerda desgastado e envolvido em denúncias de corrupção. Não faço aqui uma defesa de sua plataforma, que não empolga e definitivamente não representa qualquer novidade. Mas é preciso dizer que sua vitória foi uma vitória contra a homofobia e o preconceito. A derrota de Fabricio Alvarado simbolizou um levante da Costa Rica contra o crescimento da intolerância, tanto é que o índice de eleitores que compareceram às urnas aumentou do primeiro para o segundo turno.
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Mas o alerta que faço no título não é em vão
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Apesar de ter sido derrotado, Fabricio Alvarado garantiu uma sólida base social no país. Entrou na eleição como o único deputado de um partido pequeno, o Partido da Restauração Nacional (PRN), e saiu do pleito como o líder da segunda maior bancada no Congresso, com 14 parlamentares -à frente inclusive da bancada governista, que elegeu 10 deputados.
A vitória da homofobia e do preconceito no primeiro turno acendeu o sinal de alerta e a sociedade costarriquenha soube reagir à altura. Mas o crescimento estrondoso do PRN demonstra que o fundamentalismo religioso está a poucos passos do poder. E eles não vão desistir, por isso nós devemos seguir resistindo.
Um candidato às eleições enfrenta duras críticas e uma denúncia de um opositor. Parece atual? Pois saibam que a sinopse é a de um conto do livro Eu, Robô, escrito por Isaac Asimov lá em 1950.
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Esse clássico da ficção científica traz o texto Prova, em que um promotor que anseia tornar-se prefeito é acusado de ser um robô, no ano de 2032
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No contexto social criado por Asimov, os robôs são tão semelhantes fisicamente aos seres humanos que é bastante complexo fazer essa distinção, o que dificulta saber se o candidato em questão é ou não uma máquina. Não vou dar do final do conto, mas o mais interessante do enredo é a forma com que essa questão é apresentada.
No trecho abaixo, o candidato rival ao suposto robô fala para um cientista que é coagido a provar esse fato que o mais importante é fazer com que uma suposição pareça uma verdade:
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“– O senhor espera que ele lhe diga: “fulano é um robô porque quase nunca come com outras pessoas; porque nunca adormeceu no tribunal; porque, certa vez, quando olhei pela janela, de madrugada, ele estava sentado, lendo um livro; porque, quando dei uma busca na geladeira dele, não encontrei comida”?
– Se ele dissesse tal coisa, o senhor mandaria buscar uma camisa de força para ele. Mas ele lhe diz: “Ele nunca dorme; ele jamais come”. Então, o choque da afirmativa faz com que o senhor se esqueça de que tais afirmações são impossíveis de provar.”
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Só que a acusação, em vez de prejudicar o candidato, deu-lhe visibilidade. É o que o personagem explica, no trecho abaixo:
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“– Tudo o que vi até o momento é o seguinte: longe de ser um advogado metropolitano relativamente conhecido, mas um tanto obscuro, transformei-me em uma figura de fama mundial. Você é mesmo um ótimo publicitário.
– Mas você é um robô!
– É o que dizem – mas não provam.
– Já está provado de modo suficiente para os eleitores.”
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Pensando no contexto político brasileiro atual seria bom ou ruim ter um robô como ocupante de um cargo público? Se usarmos como base o discurso de uma das personagens do conto de Asimov, que é robopsicóloga, um político não-humano seria muito bom para a sociedade:
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“Se fosse criado um robô capaz de ocupar um alto cargo público, creio que seria o melhor administrador possível. Pelas Leis da Robótica, seria incapaz de causar mal a seres humanos, de praticar atos de tirania, de corrupção, de estupidez ou de preconceitos. E depois de servir durante um intervalo decente, sumiria, muito embora fosse imortal, porque seria impossível para ele magoar os seres humanos com o conhecimento de que foram governados.”
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Voltando à realidade brasileira, infelizmente os robôs que já existem não são éticos como os descritos nesse clássico da ficção científica. O que já está acontecendo de verdade é o uso dos chamados ciborgues, uma mistura de seres humanos e máquinas para influenciar as eleições. Como funciona? Empresas são contratadas para criar e gerenciar perfis falsos nas redes sociais. Longe de ser ficção, a realidade da política nacional e internacional criou um nada admirável mundo novo.