Eleições

LGBTI . Políticas para a área são ignoradas por seis dos 13 candidatos

Évelin Argenta
5 de outubro de 2018

Em 2018, comemora-se 40 anos do movimento LGBT no Brasil, mas o marco não é suficiente para que propostas que asseguram direitos à gays, lésbicas, bissexuais e pessoas trans sejam aprovadas no Congresso Nacional. Diante de conquistas por meio do Judiciário, somado ao avanço de pautas conservadoras no Congresso, alguns ativistas defendem aguardar uma renovação no Legislativo para investir na atuação pela aprovação das propostas.

Mas você sabe como a pauta LGBT é tratada pelos candidatos à presidência nos planos de governo? O Vós buscou nos 13 projetos protocolados no Tribunal Superior Eleitoral quais são as propostas de cada um dos presidenciáveis. E a resposta: seis planos não trazem nenhuma proposta para a população LGBT. O resultado do levantamento você confere abaixo.

.

Jair Bolsonaro – O caminho da prosperidade

Assim como nas pautas relativas ao público feminino, o presidenciável pelo PSL, Jair Bolsonaro não traz propostas para o grupo. As palavras gays, homossexuais ou as siglas LGBT e LGBTI (que inclui os Interssexuais, aqueles cujos corpos não se encaixam nas definições típicas de masculino ou feminino, como pessoas com genótipo masculino, mas corpo com aparência feminina) são sequer citadas.

.

Ciro Gomes – Diretrizes para uma estratégia nacional de desenvolvimento para o Brasil

O programa do candidato do PDT utiliza o termo LGBTI, que inclui intersexuais, alternadamente com LGBT. O programa afirma que o grupo, ao lado das mulheres, negros e pessoas com deficiência estará entre os contemplados com políticas afirmativas. As propostas, no entanto, não são detalhadas.

Os planos do PDT

– Criação de um Comitê Nacional de Políticas Públicas LGBT com representantes estaduais. Também propõe uma Secretaria Nacional de Políticas Públicas para a Cidadania da população LGBT, incluindo o amparo à seguridade de trabalho, emprego e renda à população LGBT e de ações afirmativas de combate à discriminação institucional de empresas e no ambiente de trabalho;

– Criação de meios para coibir ou obstar os crimes LGBTIfóbicos, definindo suas características, equiparando aos crimes por racismo, injúria e feminicídio, cada qual com sua especificidade;

– Garantia e ampliação da oferta de tratamentos e serviços de saúde para que atendam às necessidades especiais da população LGBT no SUS e suas especificidades, assim como o acolhimento dessa população em sua melhor idade (acima dos 60 anos);

– Consideração das transversalidades da população LGBTI e suas vulnerabilidades, tais como: situação de refúgio, conviventes com HIV/AIDS, LGBTIs negros e negras, em situação de rua, dentre outras, fomentando a ampliação das políticas públicas existentes e criação de políticas públicas de proteção e acolhimento à essas especificidades;

.

Marina Silva – Brasil justo, ético, próspero e sustentável

Muito criticada por não ter uma posição clara em relação à população LGBT,a candidata da Rede, Marina Silva, afirma que vai trabalhar no combate a qualquer tipo de discriminação, principalmente dentro das escolas. O programa de governo da candidata também usa o termo LGBTI, que inclui intersexuais. As propostas, no entanto, não são aprofundadas.

Os planos da REDE

– Criação de condições para garantir e ampliar a oferta de tratamentos e serviços de saúde integral adequados às necessidades da população LGBTI;

– Definição de políticas específicas para superar as desigualdades que atingem a população LGBTI;

– Investimentos em políticas de prevenção e combate à violência, priorizando ações específicas para frear o alto índice de homicídios e violência física contra LGBTIs, levando em conta as proposições do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT;

– A candidata promete acatar a resolução 175/13 do Conselho Nacional de Justiça que regulamentou a celebração de casamento civil de pessoas do mesmo sexo.;

– Em casos de adoção, o plano defende que seja oferecido tratamento igual aos casais adotantes, com todas as exigências e cuidados iguais para ambas as modalidades de união, homo ou heteroafetiva, atendendo à prioridade de garantir o melhor interesse da criança.

.

Geraldo Alckmin – Diretrizes gerais

O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, também usa o termo LGBTI, incluindo interssexuais nas propostas, mas não explicita exatamente quais as propostas para esse público. O plano do tucano traz uma única menção à políticas para população LGBTI

Os planos do PSDB

– Estabelecer um pacto nacional para a redução de violência contra idosos, mulheres e LGBTI e incentivar a criação de redes não-governamentais de apoio ao atendimento de vítimas de violência racial e contra tráfico sexual e de crianças.

Fernando Haddad – Plano Lula de governo

O programa do candidato do PT, Fernando Haddad (formulado e homologado no TSE quando p candidato da sigla ainda era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) usa o termo LGBTI+, que inclui intersexuais e outras identidades de gênero além das identidades lésbica, gay, bissexual, travesti e transexual.

Os planos do PT

-Promover o direito à vida, ao emprego e à cidadania LGBTI+, com prioridade para as pessoas em situação de pobreza.
– Criação de uma lei que responsabilize os crimes de ódio, entre os quais os praticados contra as pessoas LGBTI+ – criminalização da LGBTIfobia;

– Fortalecimento do Sistema Nacional LGBTI+ e instituir a Rede de Enfrentamento à Violência contra LGBTI+, articulando órgãos federais, estaduais e municipais para que implementem políticas de promoção da orientação sexual e identidade de gênero;

– Investimento na saúde integral LGBTI+ e implementará programas e ações de educação para a diversidade, enfrentamento ao “bullying” e reversão da evasão escolar;

– Fortalecimento de políticas de educação e cultura em Direitos Humanos, a partir de uma perspectiva não-sexista, não-racistae não-LGBTIfóbica;

– Criação do Programa Transcidadania, que garantiria bolsa de estudos a travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade, para que concluam o ensino fundamental e o médio, ‘articulado com formação profissional’.

.

Alvaro Dias – Plano de metas 19+1: para refundar a República!

Mais uma vez, o candidato do Partido Novo, João Amoêdo, não traz políticas públicas voltadas ao público LGBTI. O candidato foi um dos quatro que não citou a palavra mulher no seu plano de governo, conforme mostrou o Vós.

.

Henrique Meirelles – Pacto pela confiança!

O candidato do MDB é mais um dos presidenciáveis que não cita planos específicos para a população LGBT em seu plano de governo.

.

Guilherme Boulos – Programa da coligação Vamos sem medo de mudar o Brasil

O programa do candidato do PSOL, Guilherme Boulos, utiliza o termo LGBTI, que inclui intersexuais. Ao contrário dos demais candidatos, ele propõe políticas específicas de cuidado à população intersexual, ‘garantindo sua autonomia para tomar decisões sobre seus corpos, orientação das famílias e proteção a seus direitos’.

Os planos do PSOL

– Aprovação da Lei de Identidade de Gênero, que reforçaria o acesso à mudança em cartório, como garantido pelo STF em 2018;

– Vetar qualquer lei, aprovada por eventuais maiorias conservadoras no Congresso Nacional, que tenha por objeto restringir de alguma forma os direitos LGBTI;

– Manter o diálogo permanente com os movimentos sociais e de direitos humanos das pessoas LGBTI e promover formas de participação democrática dessa comunidade na elaboração de políticas públicas;

– Assumir a responsabilidade política que cabe ao presidente e à vicepresidenta da República na luta contra o preconceito, a discriminação, a exclusão e a violência contra a população LGBTI, não apenas através da ação de governo, mas também com o próprio exemplo, em suas atitudes individuais e discursos públicos;

– Promover que o Brasil assuma uma posição de liderança na defesa dos direitos LGBTI no cenário internacional, através de sua diplomacia, nos organismos e fóruns internacionais, nas relações bilaterais e nas políticas de concessão de asilo;

– Desenvolver uma política nacional de adoção que dê conta das necessidades das crianças e adolescentes sem família e inclua, como potenciais adotantes, os casais do mesmo sexo e as pessoas solteiras;

– Garantir o acesso universal às técnicas de reprodução humana assistida, sem discriminar as pessoas LGBTI;

– Desenvolver uma política nacional de prevenção da violência e dos crimes de ódio contra a população LGBTI – em especial, contra a população trans, que hoje é alvo privilegiado desses crimes;

– Prevenir e enfrentar o bullying e a violência LGBTI-fóbica e promover uma cultura de respeito e valorização da diversidade, através de educação permanente para os direitos humanos;

– Desenvolver um programa nacional de prevenção do abandono escolar e de reinserção no sistema educativo, em todos os níveis, das pessoas LGBTI; e ações afirmativas para o acesso e permanência delas na universidade;

– Criar programas de assistência, orientação e formação técnica e profissional especializada, para facilitar a inserção da população LGBTI e, em especial, das pessoas trans adultas no mercado de trabalho;

– Articular as políticas de assistência social e habitação para garantir o direito à moradia da população LGBTI, criando unidades de acolhimento;

– Promover a capacitação e o treinamento das polícias e demais forças de segurança (inclusive mudando os planos de estudo), para conscientizar seus integrantes a respeito da diversidade sexual e dos direitos das pessoas LGBTI;

– Promover a completa despatologização das identidades LGBTI, assim como o fim das “comunidades terapêuticas” e da pseudociência, das intervenções corporais indevidas em pessoas intersexo, das internações forçadas e dos tratamentos anticientíficos para a mal chamada “cura gay”;

– Criar plano de políticas públicas e metas para redução da transmissão do vírus do HIV, recuperando e reforçando campanhas e políticas específicas para a população LGBTI;

.
Vera Lúcia –16 pontos de um programa socialista para o Brasil contra a crise capitalista

O programa da candidata do PSTU, Vera Lúcia, utiliza o termo LGBT, que não inclui intersexuais. O projeto defende a despatologização da transexualidade, como definido nas alterações pela OMS (Organização Mundial de Saúde) da Classificação Internacional de Doenças de junho de 2018.

Os planos do PSTU

– Garantir ‘à população LGBT atendimento médico às suas demandas pelo SUS’, sem especificar quais;

– O projeto defende a criminalização da LGBTfobia;

– Garantir à população LGBT atendimento médico às suas demandas pelo SUS.

.

Cabo Daciolo – Plano de nação para a colônia brasileira

Mais uma vez, o candidato do Patriota, Cabo Daciolo, não traz políticas públicas voltadas ao público LGBTI. O candidato foi um dos quatro que não citou a palavra mulher no seu plano de governo, conforme mostrou o Vós. Recentemente em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Daciolo disse: “o homossexual está na mesma categoria de problemas que o alcoólatra, que o corrupto, o bandido, e isso tudo. Está no plano espiritual, se resolve com oração. Respeito todos eles.”

.

João Goulart Filho – Distribuir a renda, superar a crise e desenvolver o Brasil

O programa do candidato pelo PPL, João Goulart Filho, utiliza o termo LGBT, que não inclui intersexuais. Ele defende garantia de acesso de LGBTs a todos os ambientes, incluindo serviços públicos e privados, com garantia de atendimento de saúde, mas não detalha essas propostas.

Os planos do PPL

– Garantia de acessibilidade do cidadão LGBT a todos os ambientes, inclusive os que prestam serviços públicos e privados; nos concursos públicos e exercício de profissões;

– Combate à discriminação no serviço público quanto à população LGBT;

– Combate à intolerância religiosa em relação à diversidade de orientação sexual;

– Garantia de atendimento no serviço público de saúde para a população LGBT.

.

José Maria Eymael – Carta 27: diretrizes gerais de governo para construir um novo e melhor Brasil

Candidato pelo Democracia Cristã, o advogado José Maria Eymael apresentou um plano que tem como compromisso o cumprimento da Constituição e dos “valores éticos” da família. É mais um plano que sequer menciona a população LGBT, assim como fez no que diz respeito às mulheres.LGBT

Samir Oliveira

Um agradecimento aos intolerantes

Samir Oliveira
13 de setembro de 2018

É isso mesmo, vocês não estão lendo errado. Hoje, nesta coluna, eu quero agradecer a todos os intolerantes de plantão, especialmente ao candidato à presidência Jair Messias Bolsonaro, do PSL. Graças a ele a Companhia das Letras vai reeditar um livro que há anos estava esgotado no Brasil. Trata-se de Aparelho sexual e cia. O ataque que o candidato recebeu é inaceitável, porque coloca a disputa política no nível mais primitivo de enfrentamento. Bolsonaro e seus apoiadores estão aprendendo da pior maneira possível que adotar a violência como forma de fazer política é uma via de mão dupla. Este episódio, que rebaixa ainda mais a política brasileira – quando pensamos que isso não seria possível -, não muda a forma como o candidato do PSL vê o mundo, o que diz ou pensa. Pelo contrário: mesmo após ter sito vítima de violência, Bolsonaro segue incentivando o ódio, posando para fotos no leito do hospital fazendo referência a armamentos e tiros.

.

Bolsonaro é um mentiroso contumaz
Mente sem sentir
Mente sem corar
Mente em rede nacional a quem quiser ouvir

.

E o desespero de um Brasil em pedaços leva muita a gente a lhe dar ouvidos. Uma mentira recente foi dita em entrevista ao Jornal Nacional, quando apresentou o livro Aparelho sexual e cia como parte do suposto “kit gay” que seria distribuído nas escolas durante o governo de Dilma Rousseff. Esta mentira tem tantos lados que não sei nem por onde começar a desmentí-la.

O fato é que a menção ao livro resgatou sua popularidade, colocou a autora nos holofotes e fez com que a Companhia das Letras decidisse reeditá-lo. Por isso eu digo: obrigado, Bolsonaro. Desta vez, suas mentiras ao menos tiveram alguma utilidade.

O livro foi escrito pela francesa Helene Bruller e lançado em 2007 no Brasil. É uma obra publicada em mais de dez idiomas e com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos no mundo inteiro. A própria autora já declarou, em entrevista à Folha de São Paulo, que o pequeno Jair teria adorado o livro em sua juventudeMas o jovem Jair não leu este livro. E o adulto Bolsonaro deu um tiro no próprio pé ao espalhar mentiras a respeito da obra.

O  Ministério da Educação vem reafirmando, desde 2013, que nunca colocou este livro nas escolas. Aliás, o projeto de combate à homofobia nunca esteve voltado a crianças de seis anos de idade, como mente Bolsonaro. E, lamentavelmente, não saiu do papel porque Dilma Rousseff cedeu às pressões da bancada fundamentalista no Congresso. Em uma declaração profundamente infeliz, a presidente disse, à época,  que não cabe ao governo fazer “propaganda de opção sexual”.

Enquanto a velha esquerda se acanha e a nova direita avança, seguimos sem uma política nacional de combate à LGBTfobia nas escolas. Seguimos sendo o país que mais mata LGBTs no mundo. Seguimos expulsando jovens trans das salas de aula e empurrando essa população para as esquinas da noite. Seguimos apostando em muros ao invés de erguer pontes. Menos mal que, agora, os pais verdadeiramente preocupados com a educação sexual de seus filhos poderão comprar Aparelho sexual e cia na livraria mais próxima. Algo me diz que será um campeão de vendas. Um recado silencioso e potente de um Brasil que ainda resiste, apesar de tudo.

Samir Oliveira

O candidato anti-LGBT perdeu na Costa Rica, mas suas ideias cresceram

Samir Oliveira
5 de abril de 2018
Foto: Fabricio Alvarado | Arquivo Pessoal

A Costa Rica acaba de sair do segundo turno de suas eleições presidenciais com um resultado que, por um lado, representa um alívio a todos os defensores dos direitos humanos, mas por outro acende um sinal vermelho de alerta permanente.

O candidato reacionário e anti-LGBT Fabricio Alvarado foi derrotado, mas suas ideias ganharam peso.

No pleito do dia 1 de abril o cantor evangélico e apresentador de TV Fabricio Alvarado ficou com 39,2% dos votos, sendo derrotado pelo jornalista e escritor Carlos Alvarado, que obteve 60,8% de apoio popular. A virada surpreendeu o país, invertendo o resultado do primeiro turno e contrariando a previsão das pesquisas de opinião, que demonstravam um cenário extremamente polarizado.

A Costa Rica é reconhecida como a democracia mais sólida da América Central. Talvez seja mais conhecida ainda por ser um dos poucos países do mundo sem Forças Armadas. Mas estas eleições trouxeram à tona outra faceta do país: o conservadorismo brutal de sua sociedade em temas como sexualidade e direitos humanos.

Estas duas questões transformaram-se no eixo do debate eleitoral. Apenas um mês antes do primeiro turno, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que a Costa Rica legalizasse o casamento civil igualitário. A decisão posicionou o assunto no centro de todas as campanhas. Enquanto o governista Carlos Alvarado, de centro-esquerda, celebrou a sentença, o oposicionista de direita afirmou que um eventual governo seu não respeitaria o julgamento e ainda retiraria o país deste importante organismo multilateral.

Fabricio Alvarado mobilizou os piores sentimentos do país com sua candidatura. Sob o pretexto de defender uma suposta “família natural”, foi totalmente contrário a qualquer concessão de direitos à população LGBT. Garantiu que sua primeira medida no governo seria a revogação de um decreto que protege servidores federais e usuários dos serviços públicos contra a discriminação.

Os pronunciamentos do presidenciável da direita beiraram as raias do crime ao defender a chamada “cura gay”, uma invenção reacionária do fanatismo neopentecostal.

“Estou de acordo em que as pessoas que queiram sair da homossexualidade devam ter um espaço onde sejam atendidas e restauradas”, declarou. Isso mesmo, o termo exato que ele utilizou foi este: restauração.

Fabricio Alvarado é uma espécie de Marco Feliciano costarriquenho. Ele chegou a dizer que a homossexualidade é uma invenção do Diabo. E o pior é que muita gente foi seduzida por sua retórica preconceituosa. “Quando o inimigo (o Diabo) consegue confundir sexualmente uma pessoa e desviar sua identidade sexual, o que está fazendo é destruir sua identidade em Deus”, declarou.

Felizmente o jogo virou no segundo turno e Carlos Alvarado viu sua votação aumentar de 21,7% para 60,8%. O candidato do governista Partido Ação Cidadã (PAC) representa a continuidade de um projeto de centro-esquerda desgastado e envolvido em denúncias de corrupção. Não faço aqui uma defesa de sua plataforma, que não empolga e definitivamente não representa qualquer novidade. Mas é preciso dizer que sua vitória foi uma vitória contra a homofobia e o preconceito. A derrota de Fabricio Alvarado simbolizou um levante da Costa Rica contra o crescimento da intolerância, tanto é que o índice de eleitores que compareceram às urnas aumentou do primeiro para o segundo turno.

.

Mas o alerta que faço no título não é em vão

.

Apesar de ter sido derrotado, Fabricio Alvarado garantiu uma sólida base social no país. Entrou na eleição como o único deputado de um partido pequeno, o Partido da Restauração Nacional (PRN), e saiu do pleito como o líder da segunda maior bancada no Congresso, com 14 parlamentares -à frente inclusive da bancada governista, que elegeu 10 deputados.

A vitória da homofobia e do preconceito no primeiro turno acendeu o sinal de alerta e a sociedade costarriquenha soube reagir à altura. Mas o crescimento estrondoso do PRN demonstra que o fundamentalismo religioso está a poucos passos do poder. E eles não vão desistir, por isso nós devemos seguir resistindo.

Samir Oliveira

LGBTs no centro das decisões políticas – por que não?

Samir Oliveira
29 de março de 2018

Em maior ou menor escala, o mundo inteiro assiste a uma crise brutal da democracia representativa. No Brasil não é diferente. O sistema, a política, tem muito pouco de democráticos. Pergunte aos LGBTs. Ou alguém realmente acha que chamar o povo para apertar um botão a cada dois anos é democracia?

As instituições estão distanciadas do povo, que não é chamado a decidir sobre a aplicação de políticas públicas. Mais do que isso: seus dirigentes estão encastelados em privilégios e temem a participação cidadã.

Há algumas maneiras mais ou menos eficientes de furar os bloqueios impostos por nossa racionada democracia. Uma delas é a criação de conselhos – órgãos vinculados à administração pública e compostos por integrantes da sociedade civil, sem caráter remunerativo. Assim temos conselhos municipais, estaduais e federais dedicados a diversas áreas. Os exemplos mais estruturados são saúde, educação e cultura.

Estas entidades atuam de forma a assessorar o poder público, mas também têm a missão de fiscalizar as ações, denunciar irregularidades, cobrar medidas efetivas e acompanhar execuções orçamentárias. O trabalho dos conselhos promove um controle social indispensável sobre os governos. Limita um pouco a sensação de “cheque em branco” que muitos imaginam receber do povo após uma eleição.

Com o avanço das lutas por direitos civis no país, novos conselhos foram se fazendo necessários nas diversas esferas de poder – como de mulheres, idosos e negros e negras. Mas ainda há um avanço que precisa ser concretizado: a criação de conselhos de políticas para a população LGBT. São raros os municípios que possuem algum tipo de estrutura pública voltada para esta comunidade. Porto Alegre, que poderia utilizar o prestígio político de ser a Capital para tornar-se uma referência ao restante do Estado, não possui um conselho LGBT.

Essa lacuna não existe por acaso. O preconceito dos governantes acaba afastando qualquer possibilidade de criação destes conselhos, ainda que os argumentos utilizados para isso sejam outros.

Mesmo quando, após muita pressão, a comunidade LGBT conquista a aprovação de um conselho municipal, acaba tendo que se mobilizar para impedir que o órgão torne-se uma correia de transmissão do governo e tenha seu caráter fiscalizatório e independente esvaziado.

.

Resistindo às manobras

É o que ocorre neste momento em Pelotas, em que a prefeitura e entidades que apoiam o governo do PSDB na cidade tentam controlar a criação do Conselho Municipal LGBT. Um grupo de ativistas tem reagido a estas manobras e elaborou uma proposta de regimento interno para o órgão. Garantindo um funcionamento democrático, a eleição de seus integrantes e a paridade entre representações da administração pública e da sociedade civil. Um abaixo assinado para a implementação deste estatuto pode ser conferido aqui.

O caminho para a conquista de uma democracia real no Brasil é longo e árduo. A casta política não vai abrir mão de seus privilégios facilmente. Quem sempre decidiu tudo sozinho não está acostumado a compartilhar poder e a ouvir a população. Os mecanismos de participação popular através de conselhos não são perfeitos, nem são a única solução. É preciso combater seus vícios, como a eternização de velhas lideranças distanciadas de suas bases e a burocratização de suas estruturas, que sofrem tentativas permanentes de cooptação por parte dos governos.

O movimento que ocorre em Pelotas dialoga com esta necessidade de refundar fórmulas viciadas de participação limitada do povo nas decisões políticas. Esta mobilização não poderia vir de outro setor que não a população LGBT, historicamente colocada à margem do poder. Que Pelotas dê o exemplo que Porto Alegre se furtou de ser e coloque a comunidade LGBT no centro das decisões sobre as políticas públicas que lhe dizem respeito!

A foto (Harvey MIlk Foundation) de capa mostra Harvey Milk, o primeiro homem abertamente gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, em 1978, como supervisor da cidade de São Francisco. Um símbolo da luta LGBT por representatividade em cargos oficiais.

Samir Oliveira

Não gay o bastante: o drama de refugiados homossexuais

Samir Oliveira
6 de julho de 2017
Foto: Nathan Rupert/Flickr

A situação dramática de refugiados ganha contornos de catástrofe humanitária em muitos países. A Síria é a expressão mais cristalina deste problema. Acossada por uma disputa infame entre um regime assassino e uma organização terrorista, a população síria vê no exílio a única alternativa. Mas existe uma outra faceta pouco explorada deste problema.

.

As pessoas que precisam deixar seus países devido à perseguição motivada por preconceito e discriminação. Não existe um dado preciso e confiável, mas não é difícil imaginar que centenas de milhares de LGBTs encontrem-se nessa situação no mundo inteiro

.

É evidente que este não é o único motivo para uma pessoa homossexual ou trans deixar seu país. A comunidade LGBT também sofre as consequências de guerras e catástrofes humanitárias – momento em que estão ainda mais vulneráveis que outros setores da população.

.

Exilados mesmo no exílio

Muitos LGBTs acabam buscando asilo na Holanda, um país tido como liberal nos costumes. Foi a primeira nação a legalizar o casamento gay. E recentemente o governo lançou um aplicativo – o Rainbow Refugees NL – que fornece informações a refugiados LGBTs sobre direitos, saúde e segurança. Através da ferramenta é possível verificar os trâmites do procedimento de solicitação de asilo e encontrar associações da sociedade civil que prestam auxílio a refugiados. O aplicativo está disponível em árabe, persa, francês e inglês.

O problema é que muitos refugiados LGBTs acabam enfrentando situações de violência nos próprios abrigos, que dividem com compatriotas e moradores de outros países. Com frequência, têm suas roupas queimadas e as camas vandalizadas com excrementos.

.

Reportagens da imprensa e relatório de ONGs apontam que homossexuais são xingados, espancados e até mesmo violentados sexualmente nestes abrigos

.

Mesmo diante de tantos abusos, resistem em ir à polícia, com receio de que o envolvimento das autoridades possa atrapalhar a concessão de asilo. Na Alemanha, a Federação Lésbica e Gay informa que ocorreram 106 casos de violência contra homossexuais e transexuais refugiados em Berlim, entre agosto de 2015 e janeiro de 2016. Na Holanda, a prefeitura de Amsterdã precisou viabilizar casas de abrigo exclusiva para refugiados LGBTs. É comum também que cidadãos holandeses se disponham a receber as vítimas em suas casas.

Mas não é apenas contra o preconceito que os refugiados LGBTs precisam lutar na Holanda. É também contra o próprio sistema que, em tese, os acolhe. Para que seja concedido asilo, é preciso que um assistente social do governo seja “convencido” de que o(a) solicitante é mesmo homossexual. Como se refugiados que já tomaram a decisão mais dura de suas existências – abandonar seu próprio país e deixar para trás os vínculos de toda uma vida – fossem forjar uma orientação sexual falsa. Ainda mais sabendo que isso tornaria suas relações mais conturbadas com suas comunidades de origem.

.

Suficientemente gay (?)

O caso do iraquiano Sahir, de 29 anos, é emblemático. Mesmo com um namorado, ele não foi considerado “gay o bastante” pelo sistema de acolhimento do governo holandês. Sahir teve que expor sua intimidade de forma completamente invasiva. Precisou relatar às autoridades que dorme junto com seu companheiro e que mantém relações sexuais frequentes com ele. De nada adiantou.

O governo também não aceita fotografias em paradas LGBTs ou depoimento de amigos, colegas ou familiares como “prova” de que o solicitante de asilo seja mesmo homossexual. O impasse absurdo gerado pelo caso de Sahir deslanchou uma onda de solidariedade com a campanha “Not Gay Enough”, que exige mudanças no sistema de acolhimento holandês.

Dentre as mudanças, o movimento quer que o procedimento de concessão de asilo a homossexuais passe pela deliberação de uma comissão formada por profissionais da psicologia e integrantes de ONGs especializadas em prestar auxílio a refugiados. Para que nenhum LGBT seja deportado a um lugar onde não se sente seguro.

Foto: Foto: Nathan Rupert/Flickr