Voos Literários

Eu, Robô – Na ficção e na política brasileira

Flávia Cunha
12 de dezembro de 2017

Um candidato às eleições enfrenta duras críticas e uma denúncia de um opositor. Parece atual? Pois saibam que a sinopse é a de um conto do livro Eu, Robô, escrito por Isaac Asimov lá em 1950.

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Esse clássico da ficção científica traz o texto Prova, em que um promotor que anseia tornar-se prefeito é acusado de ser um robô, no ano de 2032

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No contexto social criado por Asimov, os robôs são tão semelhantes fisicamente aos seres humanos que é bastante complexo fazer essa distinção, o que dificulta saber se o candidato em questão é ou não uma máquina. Não vou dar  do final do conto, mas o mais interessante do enredo é a forma com que essa questão é apresentada.

No trecho abaixo, o candidato rival ao suposto robô fala para um cientista que é coagido a provar esse fato que o mais importante é fazer com que uma suposição pareça uma verdade:

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“– O senhor espera que ele lhe diga: “fulano é um robô porque quase nunca come com outras pessoas; porque nunca adormeceu no tribunal; porque, certa vez, quando olhei pela janela, de madrugada, ele estava sentado, lendo um livro; porque, quando dei uma busca na geladeira dele, não encontrei comida”?

– Se ele dissesse tal coisa, o senhor mandaria buscar uma camisa de força para ele. Mas ele lhe diz: “Ele nunca dorme; ele jamais come”. Então, o choque da afirmativa faz com que o senhor se esqueça de que tais afirmações são impossíveis de provar.”

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Só que a acusação, em vez de prejudicar o candidato, deu-lhe visibilidade. É o que o personagem explica, no trecho abaixo:

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“– Tudo o que vi até o momento é o seguinte: longe de ser um advogado metropolitano relativamente conhecido, mas um tanto obscuro, transformei-me em uma figura de fama mundial. Você é mesmo um ótimo publicitário.

– Mas você é um robô!

– É o que dizem – mas não provam.

– Já está provado de modo suficiente para os eleitores.”

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Pensando no contexto político brasileiro atual seria bom ou ruim ter um robô como ocupante de um cargo público? Se usarmos como base o discurso de uma das personagens do conto de Asimov, que é robopsicóloga, um político não-humano seria muito bom para a sociedade:

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“Se fosse criado um robô capaz de ocupar um alto cargo público, creio que seria o melhor administrador possível. Pelas Leis da Robótica, seria incapaz de causar mal a seres humanos, de praticar atos de tirania, de corrupção, de estupidez ou de preconceitos. E depois de servir durante um intervalo decente, sumiria, muito embora fosse imortal, porque seria impossível para ele magoar os seres humanos com o conhecimento de que foram governados.”

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Voltando à realidade brasileira, infelizmente os robôs que já existem não são éticos como os descritos nesse clássico da ficção científica. O que já está acontecendo de verdade é o uso dos chamados ciborgues, uma mistura de seres humanos e máquinas para influenciar as eleições. Como funciona? Empresas são contratadas para criar e gerenciar perfis falsos nas redes sociais. Longe de ser ficção, a realidade da política nacional e internacional criou um nada admirável mundo novo.

Para quem se interessou pelo assunto, o site da BBC Brasil traz uma reportagem bem completa.