Devia ter psicotécnico pra ser pai e mãe. A gente devia fazer um teste antes. Devia mesmo. Pra ver se está apto ou não
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Aquela maternidade de bebê fofinho, quietinho, puro sorrisos não existe. Bebê chora. Faz cocô. Xixi. Chora. Vomita. Chora. Acorda no meio da noite. Chora. E a gente só fica sabendo disso, de verdade, depois que eles nascem. Por mais que a gente leia e se informe antes, a ficha só cai quando tu passa mais outra e outra noite sem dormir. E chora, igual a um bebê.
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Por isso acho injusto ser assim, de supetão.
Sem aviso. Sem test-drive
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Não dá pra trocar por um que não chore? Não não dá. Sabe aquela massagem que tu ganhava do marido/mulher? Sabe aquele cineminha? Festa? Isso vai virando uma lembrança cada vez mais vaga. A gente troca amigos que bebem por amigos com bebê. Claro que nem todos. Esses exemplares raros existem. Não sou um deles.
Mas o que existe nos filhos que faz a gente passar por tudo isso e amá-los cada vez mais? Existem eles mesmos. Chorando, fazendo manha… mas sorrindo, conversando, brincando. De um jeito tão intenso que faz aquilo tudo desaparecer. E até ter vontade de ter mais outro filho.
Essa foto é de um dos lindos bonecos que a Marta Castilhos produz. Para quem quiser saber mais sobre o trabalho dela, o email é castilhosmarta@gmail.com. Trabalho bom de gente boa! Vale muito.
A Câmara dos Deputados rejeitou, na noite passada (25), a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer (PMDB). Desta vez, o presidente foi acusado de corrupção, organização criminosa e obstrução da justiça. Foram 251 votos a favor do relatório da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que recomendava o arquivamento da denúncia. Outros 233 votaram pelo prosseguimento das investigações, dois se abstiveram e 25 não compareceram.
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Os indícios contra Temer são mais do que robustos, especialmente após gravação em que o atual presidente negocia subornos com o dono da JBS, Joesley Batista
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Mas gravação nenhuma foi suficiente para abalar o poder de Michel Temer, que apesar de ter perdido parte do apoio, segue firme no Palácio do Planalto. Essa força surpreende inclusive a imprensa internacional. O jornal britânico The Guardian publicou, na semana passada, uma reportagem em que questiona os motivos que fazem com que ele permaneça presidente. Afinal, mesmo com sinais de recuperação econômica, o custo social das reformas é bastante alto – sem falar na portaria do trabalho escravo.
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Em nome do povo brasileiro, não
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Às vésperas da votação, o governo federal liberou o dobro de emendas em comparação com os meses anteriores. Como se não bastasse, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos homens da tropa de choque de Temer, foi flagrado com uma planilha intitulada “Propostas do Ministério da Agricultura” em que constam os campos “município”, “órgão”, “objeto” e “valor”. O parlamentar analisava a planilha, com uma caneta na mão, ao mesmo tempo em que conferia as presenças no painel de votação. Enquanto há suspeitas de que o repasse esteja associado à votação, Perondi garantiu ao portal GaúchaZH que eram demandas de prefeitos. O modus operandi, porém, não é novidade. Na ocasião da votação da primeira denúncia, o Planalto liberou mais de R$ 1 bilhão.
O que impressiona é a distância entre o a realidade e o discurso dos deputados. Mesmo que 97% da população desaprove o governo Temer, os parlamentares insistem em dizer que votam em nome do povo brasileiro. Abaixo, veja algumas das justificativas dos deputados que votaram a favor do presidente:
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“O presidente precisa responder à justiça, mas não agora”
(Domingos Sávio, PSDB-MG)
“Para que o país volte a ter paz”
(Heráclito Fortes, PSB-PI)
“Deixem o homem trabalhar”
(Wladimir Costa, SD-PA)
“Voto pela retomada econômica”
(João Carlos Bacelar, PR-BA)
“A favor do Brasil que dá certo”
(Alceu Moreira, PMDB-RS)
“Quadrilha organizada é do PT e os puxadinhos dali, voto sim”
(Laerte Bessa, PR-DF)
“Essa denúncia é frágil, inapta, pior do que a primeira. Voto com consciência de que o direito tem que ser preservado”
(Celso Russomano, PRB-SP)
“Perguntei aos meus seguidores quem eles gostariam que investigasse Temer, o Supremo Tribunal Federal ou o juiz Sérgio Moro. Pediram Moro. E pra o juiz Sérgio Moro julgá-lo, só em primeiro de janeiro de 2019”
(Marco Feliciano, PSC-SP)
“Quem quebrou o país foi o PT, e o Temer esta tentando recuperá-lo”
(Renato Molling, PP-RS)
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Mas não, não foi em nome do povo brasileiro, foi em nome de um projeto de governo que se solidifica com o arquivamento da denúncia. Além de estabilizar a relação do Planalto com a base, mesmo que ela precise ser alimentada com frequencia. E enquanto Temer alimenta os aliados, a falta de confiança do povo alimenta a gana por soluções autoritárias – algo que pode trazer graves consequências no próximo ano.
Eu não gosto de me expor. Minhas redes sociais dizem muito pouco de mim. Uso bastante para o trabalho. Acho que fui a última pessoa a entrar no facebook. Sim, entrei até depois que tua vó!
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Mas hoje fiquei com vontade de contar uma história minha
Bem pessoal mesmo
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Eu nunca quis ter filhos. Acho que já contei um pouco disso aqui. Achava que perderia minha vida, que seria infeliz, que me sentiria roubada. Realmente, era a pior ideia do mundo. Não conseguia entender como as pessoas procriavam sem parar! Assustador.
Engravidei sem planejar, sem querer. Continuei não querendo. Marido que dizia que também não queria, festejou como nunca. Ele, sim, queria muito. Mas com três meses de gravidez, perdemos o bebê, teve anencefalia. Aborto, sofrimento, desgaste emocional. E aí, tudo mudou. Quando o bebê foi, passei a querer a maternidade mais que qualquer coisa no mundo. Instinto, me sentia um bicho. Só pensava nisso. Só sentia essa vontade.
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Ao perder o bebê, me dei conta que o meu medo de ter um filho era justo esse: o de perder um filho
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Minha família tem esse histórico. Minhas duas avós perderam duas filhas muito jovens. Minha mãe também perdeu um filho. Meu irmão mais velho faleceu aos 43 anos, um a menos do que tenho hoje. Muito cedo. Não sei como minha mãe ainda viveu alguns anos. Ou melhor, sei sim, por amor a nós, seus outros dois filhos, e aos netos. Uma linda a minha mãe. Com toda a dor que sentia, ainda distribuía amor pra nós.
Essa semana uma amiga do meu marido perdeu um filho. Quase da idade do nosso mais velho. Uma criança. Não sei o que houve. Meu marido me contou e ficamos chorando juntos. Não tem dor maior. Não tem.
Que façam todas as manhas. Que chamem mãe mil vezes. Que esparramem os brinquedos pela casa. Que estejam conosco.
A batalha contra a corrupção acabou. E foi o sistema quem venceu
Igor Natusch
18 de outubro de 2017
Brasília - Senador Aécio Neves retoma as atividades parlamentares no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A decisão do Senado de devolver mandato a Aécio Neves, mesmo com as volumosas e graves denúncias que o atingem, é desoladora para a política brasileira em diferentes níveis. A partir dela, consolida-se de vez uma leitura que já era possível antes, mas que agora torna-se inescapável: o lado corrompido do sistema político saiu do córner, a suposta luta contra a corrupção subiu no telhado e a lei, aquela mesma que o título do filme ufanista e delirante diz que é para todos, segue sendo uma gripe que pega em alguns, mas contra a qual outros estão permanentemente vacinados.
Muito se falou – e com plena justificativa – no esdrúxulo voto final da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, dando aos parlamentares a prerrogativa de derrubar as medidas cautelares que afastavam Aécio do Congresso. Foi um voto gaguejante, tropeçando na própria falta de convicção, e nem poderia ter sido diferente: ficou claro que nisso votou porque assim precisava votar, e nada mais. O Supremo contradisse sua própria leitura nos casos de Delcídio do Amaral e Eduardo Cunha – e, como bem apontado por Celso Rocha de Barros em sua coluna na Folha, a diferença entre antes e agora é que o PT não é mais governo, a maré virou e a direita fisiológica retomou as rédeas das instituições, controlando-as novamente a seu bel prazer.
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Falta respaldo ao STF para peitar o grupo que hoje detém o poder político: na mídia, nos supostos movimentos contra a corrupção, nas multidões que hoje não se preocupam mais em ir às ruas
Respaldo que sobrava quando o PT tinha o governo em mãos
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Tergiversações possíveis são muitas, mas os fatos estão na mesa, e não irão embora tão facilmente. Cármen Lúcia, que não é tola, percebeu isso, e preferiu ajudar a concretizar a profecia de Romero Jucá a declarar uma guerra que tinha pouca esperança de vencer.
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A corrupção nunca foi o problema; de fato, muitos desejam que continue sendo a solução
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Para esses núcleos, a eleição de Dilma era inaceitável desde o início, e a constatação nada tem a ver com simpatia pelo (muito ruim) governo da presidente deposta: é simples questão de desejar o poder de volta, depois de um empréstimo que havia sido vantajoso para todos, mas passava a ser cada vez mais difícil de sustentar. Ter o poder era importante, para fugir da cadeia e para garantir a benevolência dos detentores do poder econômico. Lançado o governo petista aos leões, e imolados os nomes com os quais a estabilidade seria mais difícil, a briga da nova aliança passou a ser jogar panos quentes na dita moralização do país. Assim foi feito. E o cafuné na cabeça de Aécio é só uma das manifestações mais visíveis desse grande e, até o momento, muito bem-sucedido acordo.
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Ler figuras importantes da Lava-Jato dizendo que a operação está sendo mutilada é um tanto tragicômico: estavam mesmo tão fascinados com as manchetes, tão absorvidos pela aura messiânica em torno de si próprios que foram incapazes de perceber que era justamente essa a ideia o tempo todo?
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Alertas não faltaram. Ainda falta a condenação em segunda instância de Lula, o grande prêmio dessa cruzada pela justiça seletiva e o ato final que amarra várias pontas da trama: impede a única candidatura petista viável, satisfaz de vez as massas que associam todas as mazelas do Brasil ao PT, oferece um apoteótico ponto final a uma operação que fez muito, mas que o novo-velho poder fisiológico não deseja mais que avance um palmo sequer. Lula ser ou não culpado é o que menos importa nessa trama: estaremos todos purificados, reconciliados com a ideia de que a lei é mesmo para todos, prontos para recomeçar exatamente de onde se parou.
A narrativa dos que encontraram no impeachment de Dilma Rousseff uma chance de salvação estará encerrada, provavelmente com sucesso. E aos integrantes da força-tarefa restará o papel com o qual concordaram e do qual, hoje, reclamam sem grande convicção. Ou então adotar de vez novos papéis, como novos atores no espetáculo renovado do toma-lá-dá-cá.
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Enquanto isso, os movimentos que nos queriam livres da corrupção seguirão gritando contra homens nus em museus, os patos gigantes seguirão desinflados, as panelas seguirão descansando nos armários das cozinhas, os editoriais seguirão tentando nos convencer que as coisas estão melhorando aos poucos
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Sem ter motivos para temer a opinião pública, o fisiologismo viceja, como uma erva daninha que se favorece do sol depois da tempestade. Tudo mudou, e tudo segue igual – pelo menos até as eleições do ano que vem. E já estão trabalhando nisso, é claro. É assim que deve ser. Agora vai.
Não quero viver dentro dos meus livros de História
Geórgia Santos
16 de outubro de 2017
Cansei de ouvir pessoas que queriam “ter vivido nos tempos da Ditadura.” Não porque apoiassem, mas porque queriam ter tido a chance de lutar contra o regime, de protestar contra a Guerra do Vietnã, de ter ido à Woodstock, de entrar pra uma guerrilha. E não foram poucos os relatos desse tipo. Na faculdade, pipocavam sempre que se tocava no assunto. Muito romântico. Muito ridículo (desculpem-me, mas é).
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Pois talvez os “saudosistas” tenham uma chance
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Sempre tive fascínio pelas aulas de História. Sem saber das palavras de Heródoto, desde pequena acreditava que era importante conhecermos o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. Sem saber da existência de Marx, acreditava que o passado poderia ser um instrumento de combate às injustiças e desigualdades. Mas nunca quis viver dentro dos livros de História que carregava.
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Estava perfeitamente confortável com o sentimento de distância do passado de autoritarismo
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Verdade que não conseguia conter as lágrimas ao ler sobre o Holocausto. Derretia por dentro ao ler sobre a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e a batalha para acabar com a segregação racial. Ficava hipnotizada com a história da Ditadura Militar brasileira, apesar de não compreender como parte da população fora a favor do golpe – apenas mais tarde soube que era a maioria, muito mais tarde.
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Mas tudo parecia distante, como se tivesse acontecido há séculos
E cá tínhamos a história para evitar que
repetíssemos os mesmos erros
Eu me sentia segura fora dos meus livros de História
Neste ritmo, talvez estejamos mais perto de um regime de exceção do que nossa vã imaginação pudesse imaginar até pouco tempo. Estamos retrocedendo a uma velocidade tão assustadora que me sinto puxada para dentro de meus livros de História, como em um redemoinho sombrio de erros do passado, e ali deparo com o preconceito, com o ódio, com a intolerância, com a ignorância. Não quero ficar aqui dentro.
Várias vezes em que eu estava com meus filhos bebê no colo, chegaram pessoas e diziam: ai, que saudade de ter um bebê!
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Eu nunca entendi isso direito . Aquele início onde ninguém dorme, a gente não sabe se o choro é de fome, frio, calor, xixi ou tudo junto, não me faz sentir nenhuma saudade. Ver os guris crescendo, começando falar, a andar, a ser cada vez mais eles e menos nós, me apaixona. Gosto de conversar com eles. De ouvir as teorias do Benjamin, que aos seis anos, pretende ser inventor. Gosto das proezas do Tom, que antecipa que vai aprontar quando nos pede licença e fica sozinho em algum cômodo da casa. Me divirto com eles.
Essa semana o Tom estava dormindo no meu colo. Eu sentada na poltrona e ele esparramado ali. Coube bem certinho. Fiquei olhando ele dormir e não tive vontade de levar pra cama. Levei quando o Benjamin pediu um colo também. Fiz mesma coisa. Ele deitou na poltrona, ficamos aconchegados. Contei pra ele que era nessa poltrona que eu dava de mamar quando era bebê (em muitos outros lugares também, mas ali era nossa base). Ficou me pedindo histórias de quando era bebê. Fiquei contando, ele ouvindo, nós nos amando com aquela intensidade que só pertence a pais e filhos
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Tava tudo lindo. Daí ele diz: mamãe, quero ir pra minha cama, aqui não tá muito confortável
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Engoli em seco o choro que quase veio, sorri pra ele e ele deitou na cama. Acho que vou começar a entender que tem saudades dos filhos bebês.
As fake news apenas dizem o que você quer ouvir – e lucram bastante com isso
Igor Natusch
11 de outubro de 2017
A completa degradação do debate político no Brasil tem muitas camadas, como uma cebola que apodrece de fora para dentro e não o contrário. Uma delas, com certeza, é o descrédito dos atuais veículos de imprensa.
Semana passada comentei sobre o editorial do Estadão defendendo Michel Temer como talvez uma mãe amorosa não defendesse um filho, e tivemos recentemente casos de crítica que beiram o absurdo, como um protesto chamando a Rede Globo de esquerdista – algo que, convenhamos, só alguém completamente desligado dos últimos 30 ou 40 anos de noticiário pode considerar minimamente crível. Por outro lado, sites de “notícias” que publicam qualquer besteira como se fosse um fato “ignorado” pela mídia hegemônica proliferam como mato, direcionados a leitores de todos os espectros políticos – que, é claro, vão até eles de forma ávida, em busca da “verdade” que o jornalão e a emissora de tevê estão escondendo da população.
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As duas situações se alimentam da mesma tendência (uma das tantas que já existiam meio que desde sempre, mas que as redes sociais aparentemente ajudaram a multiplicar): a de enxergar a notícia como confirmação de ideias já existentes, ao invés de el
emento para a formação de opinião
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O jornal de grande circulação mente e/ou é desprezível apenas quando noticia algo do meu desagrado – afinal, se a notícia é prejudicial ao “outro lado”, lá vou eu compartilhá-la sem nenhum constrangimento. E tanto faz a credibilidade do “veículo” que sigo e/ou reproduzo, desde que a manchete reflita a suposta convicção que já carrego dentro de mim. Ou será possível acreditar que ninguém jamais percebe que está difundindo informações falsas ou, pelo menos, pouquíssimo confiáveis? Percebem sim, e muitas vezes – mas seguem dando likes e RTs, seguem postando em seus perfis, seguem compartilhando com os contatos do Whatsapp. Não importa se é real: o importante é que diga a coisa que desejamos ler ou ouvir.
O que nos leva à curiosíssima notícia, produzida pela Vice, dando conta de que o site JornaLivre (que é, basicamente, um espaço pseudo-jornalístico onde o MBL vende suas ideias e ataca seus desafetos) usa um script que lucra criptomoedas às custas dos leitores, usando o processador de máquinas alheias para tal. Todos os que visitavam o domínio acabavam sendo vampirizados, seja pelo MBL ou por pessoas nas sombras que sequestraram o site para tal fim. É um caso ilustrativo, pois leva às raias da caricatura algo que, para quem parar um pouco para pensar, já seria bem claro: esses sites não mentem e distorcem por prazer ou idealismo, mas para obtenção de poder – político, sim, mas acima de tudo econômico.
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Permita-me repetir: esse pessoal está se lixando para o que você acredita ou não
Eles querem se aproveitar de você para se dar bem
E para ganhar grana. Muita grana
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Como todas as coisas, a ignorância também é um negócio. E alimentar essa ignorância com uma ração diária de pseudo-fatos tornou-se um nicho bastante lucrativo. Para quem usa Google Ads e lucra horrores com acessos, para quem usa acessos para acumular bitcoins – e para quem, desvinculado de escrúpulos, vai usar e muito esse recurso para tentar se dar bem em 2018. O MBL, por exemplo, faz altas articulações com olhos voltados à eleição presidencial do ano que vem – e o JornaLivre, umbilicalmente ligado ao MBL, tem uma função um tanto óbvia nesse panorama.
O mais curioso é que esse pessoal traz, no próprio caráter de seu conteúdo, o antídoto para a perda de leitores. Afinal, as mais de 12 milhões de pessoas difundindo notícias falsas estão bem satisfeitas com o conteúdo que repassam, e vai devolver o rótulo de “fake news” a qualquer veículo que fale outra coisa, seja ele sério ou não. Os que criticam o JornaLivre são desonestos, estão contaminados pelo esquerdismo, e são eles que produz material falso para atacar quem revela a verdade pelo outro lado – é isso que o JornaLivre possivelmente diria diante de uma acusação, e é o que a multidão de pessoas que compartilha seu conteúdo vai aceitar, em questão de segundos, como a explicação mais aceitável.
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Como todas as coisas, a ignorância também é um acordo. E só encontrando um mecanismo que encoraje as pessoas a romper esse acordo em nome de um conhecimento mais pleno será possível a nós – os que acreditam no jornalismo e os que acreditam na política – combater essa tendência cada vez mais assustadora
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Imagem: Reprodução da página inicial do JornaLivre, mostrando a presença do script mineirador de criptomoedas. Publicado originalmente pelo site da Vice.
A essa altura do campeonato, creio que todos concordam que vivemos sob a ameaça iminente do caos, do obscurantismo, do autoritarismo. Sim, AINDA está no campo da ameaça porque, infelizmente, tudo ainda pode piorar por estas bandas.
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Mas será possível?
Será possível que as águas possam ficar ainda mais turvas?
Como?
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A verdade é que o caminho para uma espiral sombria de piração é bem curto, basta abrirmos mão do pensamento crítico. E, lamento, estamos bem avançados. Começamos negando a ciência; depois, foi a vez de relativizar a História com a cegueira daqueles que não querem ver; agora, estamos demonizando a arte; o próximo passo é o apedrejamento.
E nesse caminho em que a gente desaprende a pensar, é cada vez mais conveniente apontar terceiros culpados pela desgraça a que estamos submetidos. A culpa é sempre deles.
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ELES é que destruíram o país. ELAS é que são umas vadias. ELES é que são corruptos. ELAS é que são ladras. ELES é que são degenerados. ELAS é que acabaram com os valores da família. ELES é que serão apedrejados
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E nesse caminho em que a gente desaprende a pensar, a culpa sempre será deles, aqueles com quem não concordamos. Nunca nossa e dos nossos incautos. Nunca minha e dos meus puros. Torna-se cada vez mais fácil e conveniente esquecer que todos somos responsáveis, de uma forma ou outra, pela realidade que ajudamos a moldar. Consciente ou não, oferecemos as pedras que serão atiradas contra quem se levantar e que serão usadas para construir o muro do feudo que se cria em nossa nova idade média. Isso acontece toda vez que proferimos uma palavra de intolerância, uma ofensa, um desejo de morte, uma reverência à tortura, um pedido de intervenção. Isso acontece toda vez que censuramos o que deve ser dito. Uma palavra. Uma pedra.
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Voltemos a pensar, antes que seja tarde
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E nesse caminho em que a gente reaprende a pensar, pensa em qual a tua parcela de culpa no caos.
Sabe aquela história do vai doer mais em mim do que em ti? Quando a gente tem filhos, acho que isso passa a ser verdade
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Tenho uma grande amiga. Pessoa linda, boa, íntegra. Cria a filha com um amor, um cuidado comovente. Minha grande amiga é uma pessoa pequena de tamanho. A filha tinha chances de ser também. Começaram a perceber que a menina não estava crescendo como deveria. Exames, angústias, esperas e diagnóstico. Ela tem um problema hormonal e precisa de injeções sistemáticas para possibilitar seu crescimento.
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E agora? Como explicar pra uma criança de dois anos que aquelas espetadinhas diárias são pro bem? Como fazer para ela entender? Como, realmente, entender?
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Conversas, apoios, carinho. Sempre muito carinho. Dias de choro, revolta. De incompreensão. De compreensão, de aceitação também.
No aniversario e quatro anos, muitos tubinhos do líquido da injeção estavam guardados. A mãe, que além de todos as qualidades que já citei é uma pessoa altamente criativa, transformou os tubinhos da dor em lembrancinha da festa. Areia colorida, uma cordinha e tá ali a felicidade. Transformou a dor em arte, em carinho. Todos ficamos felizes com aquele carinho. Alguns de nós, sabendo a história, ficamos emocionados também.
Esse ano, uma coincidência. Sabe aquela mãe que ficava triste com as picadas diárias da filha? Essa mãe forte, linda e sensível começou a ser sentir fraca, estranha. Exames, angústia, diagnóstico: diabetes. Uma pessoa saudável, que cuida sempre da alimentação. Diabética. Insulina diária. Picadinhas diárias.
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Vendo mãe e filha ali, crescendo juntas, aprendendo uma com a outra a contornar aquela chatice, aquilo que não queriam, é incrível
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Elas sorriem e a gente não percebe o quão frágeis elas ficam às vezes. Elas sorriem e temos certeza de que ali estão duas super meninas. A Kátia é mãe da Anita e uma fotógrafa incrível. Pra quem quiser conhecer um pouco do trabalho dela: https://m.facebook.com/katiabressanefotografia/
O estranho caso do editorial que ama mais Temer do que a realidade
Igor Natusch
4 de outubro de 2017
Brasília - Presidente Michel Temer durante pronunciamento sobre a liberação do PIS-Pasep, no Palácio do Planalto (Valter Campanato/Agência Brasil)
Um dos principais memes da semana acabou tendo origem inesperada: o Estado de São Paulo, um dos mais tradicionais jornais do País. Diante de pesquisas que colocam Temer como míseros 5% de aprovação (o mais baixo índice de um presidente desde a redemocratização), um editorial do citado veículo partiu para uma defesa apaixonada de dar inveja ao casal mais inseparável, atribuindo os índices ora a pesquisas que “não encontram correspondência na realidade”, ora à desinformação que “campeia nestes tempos de fake news”. Contraditórias em si mesmas (afinal, a pesquisa identifica ou não a opinião supostamente desinformada das pessoas?), as duas alegações estão na mesma frase do citado editorial – sinal inequívoco de que o objetivo (proteger o presidente) chegou bem antes dos argumentos no texto em questão.
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Hoje em dia, afirmar que Michel Temer é impopular é quase elogiá-lo: ele é, na verdade, execrado pela quase totalidade da população brasileira
De fato, difícil é. O próprio Temer, praticamente escorraçado pela população que governa, ainda tem uma segunda denúncia contra si, que exigirá ainda mais articulação (troca de favores?) no Congresso para não avançar – a primeira, como já sabemos, foi uma farra daquelas. Ainda assim, não é nada impossível, tanto que os prognósticos são, no momento, mais favoráveis à permanência de Temer no trono do que à sua destituição. E a impopularidade, longe de travar suas ações, não impediu que medidas notoriamente impopulares avançassem serelepes pelo Congresso, prontas para dificultar ainda mais a vida de todos nós.
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Não precisa ser o sábio da montanha para entender que a voz das ruas, mesmo que estivesse pulsando de indignação, não seria suficiente para liquidar o governo Temer – da mesma forma que não é necessário um doutorado em ciência política para concluir que não foram as ruas que apertaram o botão que ejetou Dilma da cadeira
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Tanto na época quanto agora, são outros elementos que atuam no sentido de forçar ou inviabilizar uma decisão – e boa parte deles são compreensíveis ao ler o cômico editorial do Estadão, que faz parecer que estamos diante de um estadista revolucionário, não de um governante soterrado em denúncias graves e que precisa abrir a guaiaca para garantir que não será processado.
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Há um sentimento de wishful thinking que perpassa todas as frases do citado editorial. Mais do que demonstrar a suposta injustiça dos índices, o Estadão parece ansioso para legitimar os próprios dados que utiliza, como se fosse preciso tornar os próprios argumentos convincentes antes de elencá-los
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Ou seja, para ser convencido pelo texto, é preciso acreditar que os dados econômicos fornecidos pelo próprio governo são verdades gravadas em pedra, que os escândalos de corrupção são menos graves e não guardam relação direta com os dos governos petistas (ignorando, claro, que Michel Temer foi duas vezes vice de Dilma Rousseff), que a leitura de que o país é contra o presidente, mesmo alicerçada em numerosas pesquisas, é “simplista” e um “óbvio despautério” e por aí vai. Mais que apreço à lógica e à leitura da realidade, é preciso ter fé, acreditar que o governo não fracassa, que a economia toma fôlego para disparar, que o Brasil não mergulha em um abismo de ilegitimidade política poucas vezes vislumbrado em sua história.
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Para um pequeno núcleo (produtores e exportadores de matéria-prima bruta, sistema financeiro, as multinacionais favorecidas com generosas isenções e perdões de dívida) o governo não fracassa. Mas também não dá para dizer que triunfa amplamente, já que parte fundamental da tarefa era trazer alguma estabilidade ao País, e ninguém poderá dizer que isso está acontecendo
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E a ojeriza a Temer é um sinal de que o povo não está na rua, mas que essa ausência não reflete de forma alguma em aprovação ou mesmo indiferença útil. Se não está tudo bem (e parece claro que não está), é preciso gritar aos ventos que está tudo bem, que estamos na trilha certa, e nada disso precisa ser verdade: basta que seja gritado mais alto que o resto, que seja capaz de deixar a verdade inconveniente um pouco menos audível, visível e incômoda.
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Quem acha que o editorial do Estadão está tentando convencer o conjunto da sociedade está, bem provavelmente, errando o foco
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Talvez caibam nos dedos das mãos os leitores que efetivamente interessam ao donos do jornal, claramente engajado que estão em vender a leitura mais interessante ao governo que ora ocupa o trono em Brasília. Não sou eu ou você que precisamos acreditar que as pesquisas, antes tão importantes para derrubar Dilma, agora não valem nada: são os que estão gostando de alguns aspectos do governo, e que precisam continuar gostando, para que os patos não voltem às avenidas e as mesmas pesquisas, por um passe de mágica, voltem a ser importantíssimas.