Talvez a gente dê muita importância à Copa do Mundo. Não sei mensurar o valor adequado a se dispensar a esse tipo de evento.
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Para poucos, não significa absolutamente nada;
Para alguns, redenção;
Para tantos, é desafogo;
Para outros, paixão;
Para muitos, apenas entretenimento;
Para quem gosta muito de futebol, é tudo isso junto;
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Eu gosto muito de futebol. Eu adoro assistir à Copa do Mundo. Eu adoro ver o Brasil em campo. Eu adoro ver a seleção canarinho erguer a taça – estou com saudades, inclusive. Azar. Eu adoro assistir ao efeito que esse torneio causa nas pessoas.
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Especialmente porque tudo é uma questão de perspectiva
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Se, para um brasileiro pentacampeão, erguer a taça é um dever. Para um panamenho, a vitória é outra. É a primeira vez que o Panamá participa da Copa do Mundo e o seu torcedor soube aproveitar a honra como poucos. Tanto é assim que, no jogo contra a Inglaterra, o gol do zagueiro Baloy foi celebrado como se já não tivesse levado seis gols do adversário. O pé direito de Felipe Baloy foi a redenção do estreantes, que comemoraram o gol como se fosse um título.
Baloy chorou, foi abraçado pelos companheiros, abraçado pela torcida, abraçado pela família e entrou para a história como o estreante mais velho a marcar em Copas – 37 anos e 120 dias.
Algo parecido aconteceu com o Peru, de volta à Copa depois de 36 anos. Já eliminado, venceu a Austrália por 2 a 0. O último gol dos peruanos em um Mundia foi marcado em 1982, na Espanha. A última vitória aconteceu quatro anos antes, na Argentina. Foi somente agora, em 2018, na Rússia, que o desafogo chegou nos pés de Carrillo e Guerrero.
E além da redenção e desafogo dos panamenhos e peruanos, temos a paixão dos argentinos, que comoveu até mesmo os maiores rivais; a alegria dos senegaleses; o contentamento dos islandeses; a esperança dos iranianos; o desolamento dos alemães; o conforto dos sul-coreanos; o temor dos mexicanos; o susto dos portugueses; a fé dos nigerianos; a tranquilidade dos belgas; a surpresa dos croatas; e a lista segue.
Mas daqui a pouco tem Brasil e, de minha parte, Brasil em campo é tudo isso junto. É uma questão de perspectiva.
Sempre ouvi as pessoas falarem sobre como faz bem ficar longe pra sentir saudades. Tempo de qualidade, quantidade não importa. Respeito as opiniões. Não tem mais mãe ou menos mãe pra mim. Mesmo. Claro que me dá vontade de dar colo pra todos os bebês que ficam em creches ou em qualquer outro lugar que não seja um bom colo quando precisam. Assim como sinto vontade de dar colo para muitas pessoas adultas que conheço.
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Quando meu primeiro filho nasceu, minha mãe e minha sogra me recomendaram muito sobre o perigo do colo dado aos bebês: estraga a criança
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Confesso que eu estava impressionada. Estava tendendo a não dar colo, não queria “estragar o guri”. Num dos primeiros choros, meu marido me olhou e sem titubear um segundo, deu colo pro filho. Eu falei sobre os comentários das nossas mães e ele: “não vou deixar meu filho chorando”. Chorei eu. Achei tão lindo e sábio. Ele não estava preocupado com a opinião de ninguém. Nem da mãe, nem da sogra, muito menos a minha. Ele só estava sendo pai. Criando vínculo. Foi bonito de ver. Foi bonito sentir o ruir daquela “sapiência da mulher” que tudo sabe sobre ter um filho. Ver ele agindo como um pai que ama e cuida, me ensinou muito sobre ser mãe.
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Fim de semana passado fiquei longe pela primeira vez do meu filho menor
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Quatro aninhos grudados. Não senti alívio. Tinha medo de sentir. Trabalhei, me diverti, dormi, mas foi bem bom voltar e ter a nossa rotina. Estamos todos crescendo. Logo vai ser normal ficarmos tempo longe. Por ora, quero aproveitar.
Sim, precisamos falar sobre Bolsonaro. Mas sem perda de tempo
Igor Natusch
20 de junho de 2018
O deputado Jair Bolsonaro durante sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados que instaurou nesta terça-feira (16) processo por quebra de decoro contra o deputado
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
A oposição a Jair Bolsonaro nas redes sociais costuma dividir-se em dois posicionamentos fundamentais. De um lado, estão os que denunciam com indignação crescente as manifestações absurdas e o flagrante desconhecimento de fatos básicos, descrevendo o candidato do PSL com os termos mais enfáticos (quando não agressivos) que estejam à mão. No outro flanco, estão grupos que criticam essa postura, acreditando que cada comentário a respeito de Bolsonaro, mesmo negativo, acaba projetando ainda mais sua figura – o que explicaria não apenas sua popularidade, mas a quantidade crescente de pessoas dispostas a entregar seu voto a ele, já suficientes para elevá-lo ao patamar de figura de frente na eleição presidencial que se avizinha.
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Pessoalmente, concordo bem mais com a primeira leitura do que com a segunda. Mas também penso que é preciso pensar um pouco mais na estratégia, para não desperdiçar munição e acabar acertando no alvo errado.
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Os eleitores de Bolsonaro não são todos iguais. Se fossem, seu teto eleitoral já teria sido alcançado há tempos – o que, convenhamos, é bem diferente do que diferentes pesquisas de intenção de voto têm nos apontado. Se o candidato cresce nos levantamentos, é porque pessoas que antes não levavam seu nome em conta agora o conhecem e enxergam nele uma opção.
Verdade que, com muitos defensores da aterradora candidatura de Bolsonaro, não adianta discutir. São eleitores não apenas cativos, mas obstinados: diante de um cenário político que se esfarela e de um mundo onde enxergam apenas absurdos e riscos pessoais, enxergam na figura do outsider a implosão necessária de um sistema que desprezam, em nome do resgate de um passado melhor que só existe em suas imaginações. Para outros, especialmente ativos nas redes sociais, Bolsonaro é a trollagem perfeita, a desculpa para uma risada debochada e destrutiva. Não interessam os resultados da molecagem: ela vai incomodar os oponentes, e isso basta. São diferentes tipos de desajuste, mas que encontram na figura do candidato não só uma personificação de sua inadequação mas, também, uma chance de ter a última palavra. Esses estão, por assim dizer, fora do alcance: votarão Bolsonaro, e já era.
Mas nem todo mundo é tão sólido em sua opção. Muita gente está chegando agora: pessoas que sentem um profundo desconforto diante de uma política que não compreendem, de ameaças contra as quais se sentem indefesas, de decisões que sempre parecem prejudicá-las e sobre as quais não têm qualquer influência. Sentem que tudo vai mal, e que precisa acontecer alguma coisa, senão tudo ficará pior. Já buscaram super-heróis em diferentes cantos da política e, de uma forma ou de outra, se decepcionaram com eles. Agora, enxergam em Bolsonaro alguém que é, ao menos em aparência, inimigo de todos eles. Em um Brasil onde tudo é desencanto, e na falta aparente de opção melhor, Bolsonaro se fortalece, em uma espécie de manifestação coletiva de desagrado.
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É esse movimento de sedução, essa inclinação coletiva para o abismo, que pode – e deve – ser enfrentada. Com uma postura que fale a esses desencantos, mas que seja capaz de acolhê-los onde possível, sem simplesmente ridicularizá-los e fechar a porta. E que demonstre, da forma mais clara possível, o engodo que Bolsonaro deixa explícito a cada frase, cada posicionamento.
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Bolsonaro não resiste a um debate de ideias. E sabe disso. Todos em torno dele sabem.
É por isso que foge de situações onde será questionado e confrontado: porque seus arremedos de ideia são tão paupérrimos que qualquer argumentação coerente o deixaria nu em questão de minutos, pronto para ser esquecido como a fraude grosseira que de fato é. Quer falar sozinho, porque falando sozinho poderá sempre dizer que deu a última palavra. E é precisamente isso que não pode ter, que não podemos permitir que tenha em hipótese alguma.
A tentação de resumir o espectro político oposto em um ou dois aspectos simples e refutáveis é grande, mas nem sempre traz resultados positivos – isso quando não cria problemas ainda maiores. A verdade é que, hoje, ninguém sabe bem qual é o teto de Jair Bolsonaro. Cabe aos que se opõem a ele (e ao caldo grosseiro e trágico de fascismos, rancores, intolerâncias e incompetências que ele traz consigo) impedir que esse teto cresça.
Deixá-lo falando sozinho, se um dia foi opção, já deixou de ser há tempos: agora, é preciso forçá-lo a falar conosco. E derrotá-lo, o que só é possível (não garantido, mas possível) nesse corpo-a-corpo.
Inverno é uma delicia. Um vinho, uma lareira, é bom pra namorar. Mas inverno com filhos é uma m… nariz escorrendo, roupa que não seca, mil tentativas pra vestir a criança, torcer para que o casaco caiba por cima da camiseta/blusa/blusão e que ainda possa dar alguma chance de movimento.
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Além dessa beleza toda, ainda tem os dias de doença. No verão tem também, mas nada como no inverno. Tem gripe, tem febre, tem tosse, tem nariz escorrendo. Haja mãos…
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Mãe, quero água!
Mãe, tô com fome!
Mãe, mas não tô com fome!
Mãe, brinca junto!
Daí a mãe senta pra brincar e:
Mãe, quero água!
Mãe, tô com fome!
Mãe, mãe, mãe!!!!!
A gente multiplica as mãos e as mães. Na verdade, o colo ainda é o melhor remédio pra essas doenças de inverno. Aqui quase sempre alivia os sintomas.
As caixas de comentários de portais de notícias quaisquer fazem parecer que estamos presos em um romance de realismo fantástico. Exceto a parte do amor e com cólera a sobrar. E definitivamente sem a poesia de García Márquez. Em Baioque, Chico Buarque canta que odeia e adora numa mesma oração. Nós também, eu acho. O problema é que entre a possiblidade de expressão de ira e a devoção, ficamos com a primeira. E abraçamos e acariciamos e protegemos e resguardamos o direito de expressar esse ódio como se nossa alma se alimentasse disso, dependesse disso. Sem que percebamos, as redes sociais tornam-se receptáculos de toda a sorte de fel, sem destinatário e destinado a todos.
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Mas tem um dia em que o amor parece suplantar o ódio na internet
Hoje
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Tudo indica que os tempos de cólera descansam e o Dueto transforma em amor e paz. Sim, é uma data instituída por um publicitário que queria aquecer o mercado no mês de junho. Azar. Colou. E se há quem se renda ao consumismo, há quem celebre o amor. Aquele amor que consta nos autos, signos e búzios. Aquele amor que está num anúncio, num cartaz ou no espelho. Aquele amor abençoado pelo evangelho e protegido pelos orixás. Aquele amor dos autos, teses, tratados e dados oficiais. Aquele amor de bulas e dogmas. Aquele amor de karma, carne, lábios e novela. Aquele amor que acredita em ciganas, profetas e conselhos. Aquele amor que desafia projetos, mapas e a ciência. Amor seguro, pichado no muro.
Não sei se sei falar de amor, mas Chico Buarque me ajuda. E nessa ajuda ele atualizou o Dueto e, com alento, garante que amor e paz também estão no Google, no Twitter, no WhatsApp, Instagram, Snapchat. No Face. E se o destino insistir em provar o contrário, danem-se minhas palavras e as dele. Hoje é dia de amor e paz.
No último mês de maio, se foram duas pessoas lindas que conheci. O Baleia conheci esse ano na escola do meu filho. Uma pessoa querida, intensa. Que parava para conversar conversas de verdade. Sem celular, sem interrupções. Sempre tinha uma história boa pra contar. E ouvia as histórias que a gente contava também. Olhando, falando, ouvindo.
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O Miguel conheci faz uns 18 anos. Conheci no palco, admirei pra sempre. Os dois se foram muito repentinamente. Faltaram conversas ainda, sobraram assuntos. Vão fazer muita falta por aqui. O mundo teve sorte em tê-los. Eu sou feliz por tê-los conhecido. Divido com vocês um tanto das lindezas deles. O que fica é isso, o tanto de coisas lindas que fazemos por aqui. Tenho pensado muito nisso. Nas lindezas que quero deixar com meus filhos. Aproveitem!
Quando eu era pequena, minha família passou por diversos apertos financeiros. Uma boneca legal, um passeio, alguma roupa ou uma sandália eram sonhos quase sempre inalcançáveis. Sempre perto do meu aniversário acontecia algo e a situação piorava. Parecia uma tradição, já.
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Quando eu tinha quase 7 anos, uma amiga prometeu uma festa linda. Eu podia escolher o que quisesse. Escolhi uma festa à fantasia.
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Todas as crianças ganhariam fantasias de bicho. Planejamos por dois meses. O pai dela era rico e daria de presente. Ela pediu segredo. Eles moravam numa casa tão simples como a minha, mas eram muito ricos e disfarçavam para não serem roubados. E assim fiquei, em segredo. Dois meses planejando cada detalhe, sorrindo sem perceber, flutuando no pensamento daquela felicidade que viria.
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Foi chegando perto do dia e nada acontecia. E eu entendendo. No dia seguinte veríamos a fantasia. No dia seguinte teria o … no dia seguinte.
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Chegou o dia da festa e nada aconteceu. Lembro da sensação de desmoronar. Não ter a festa foi ruim, é claro. Mas me desmanchou perceber que minha amiga não tinha falado a verdade. Lembro do assombro e tristeza da minha mãe quando contei pra ela. Lembro de perguntar: porque ela fez isso, mãe? E minha mãe, sem conseguir responder, deu aquele abraço gostoso que só a mãe da gente dá e faz sumir a dor.
Dia desses meu filho foi enganado por um colega numa troca de brinquedos. Foi muito injusto. Nós tentamos orientar, mas deixamos ele resolver a situação. Ele não quis nos ouvir, pois questionamos (para ele) o que o amigo estava fazendo. Ao perceber que não era como havia sido combinado, ruiu um tanto. E perguntou: porque ele fez isso, mamãe? Dei meu melhor abraço e falei. Dias depois meu filho mais novo estava contando algo que um amigo havia contado. O mais velho percebeu que não era verdade: mano, isso é mentira! Ao que o outro respondeu: nãoooo!! Meu amigo falou!
Palavra de amigo tem poder. Que a gente sempre possa crescer com os amigos que nos dizem palavras importantes.
Sim, intervenção militar é absurdo – mas é preciso propor alguma coisa
Igor Natusch
28 de maio de 2018
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) determinou aos caminhoneiros que estão parados no acostamento da BR-040, em frente à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), que retirem os caminhões.
Para quem preza a liberdade e o progresso social, as manifestações crescentes por intervenção militar são aterradoras. Não apenas ecoam horrores que o Brasil nunca resolveu de fato, mas também demonstram a fragilidade de nossa tentativa democrática e o risco de recuo em tudo que se conquistou, e a duras penas, nas últimas poucas décadas. A qualquer defensor de ideias progressistas e transformadoras cabe o repúdio enfático e intransigente a essa sandice, por menos provável que eventualmente seja, condenando e, se necessário, indo às ruas contra esse fantasma tóxico e grotesco que quer nos roubar a perspectiva de andar para a frente. Intervenção militar é o diabo, em suma. Imagino que estamos todos de acordo quanto a tudo isso.
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A questão é: o que estamos propondo como alternativa a essa tolice de intervenção militar?
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Não muita coisa, sou forçado a dizer. Diante da paralisação dos caminhoneiros – onde esse grito foi intenso, tanto na sinceridade de vários trabalhadores quanto no oportunismo de quem quer sequestrar o movimento para si – a esquerda mostrou incapaz de posicionar-se e agir. Passou o tempo todo tentando cravar uma leitura a respeito: chamou o movimento de locaute e, quando o acordo dos patrões com o governo foi ignorado pelos grevistas, passou a ver em tudo uma conspiração difusa em prol do cancelamento das eleições. Uma leitura, perdoem a franqueza, feita tal uma colcha de retalhos, juntando tecidos de diferentes origens e qualidades e, com eles, construindo uma mortalha de apreensão. Isso nas redes sociais, é claro – porque a esquerda organizada, os partidos políticos e sindicatos nem mesmo nesse patamar chegaram: ficaram boquiabertos, atônitos diante de um movimento de trabalhadores que não conhecem e sob o qual não têm qualquer influência.
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Uma leitura do momento é muito difícil, e é preciso reconhecer isso se temos qualquer pretensão de avançar. Ninguém sabe direito o que está acontecendo, simples assim. Mas, antes de morrer de medo da volta da ditadura, é importante tentar entender na boca de quem o bordão surge e, acima de tudo, o que essas pessoas querem dizer quando o repetem.
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Há desencanto. Há a revolta de quem conseguia viver bem antes, não consegue mais agora e não entende bem por que isso está acontecendo. Há um sentimento enorme de que os políticos, os sindicatos, as organizações e instituições fracassaram, todas, em manter o país nos eixos. Há a certeza de que estão sendo roubados, mesmo sem que saibam bem por quem e por quais meios. De que falta dinheiro para eles, que muito trabalham, e sobra para outros, que parecem fazer pouco ou nenhum esforço honesto para ter tanta coisa a seu favor. E agora, que tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo, há a descoberta de um poder de pressão, que consegue atingir muita gente, mas que não se sabe bem como direcionar.
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Diante de problemas complexos, a tendência natural daqueles que não os compreendem a fundo é buscar respostas simples. No momento, só um grupo está oferecendo uma suposta resposta. Simples, definitiva, com a figura heroica que costuma seduzir um país tão chegado em salvadores. Intervenção militar.
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Não se trata, no caso, de ir aos que pedem a volta dos heróis fardados e convencê-los todos, na base da retórica, do disparate que estão pedindo. Mas, sim, de entender as angústias de grupos expressivos e dizer algo a respeito delas, ao invés de perder tempo precioso idealizando as próprias. Uma reforma tributária com taxação de heranças e grandes fortunas, para citar um único exemplo, pode perfeitamente ser colocada na pauta nacional neste momento, em que a tributação de combustíveis está nas discussões de tanta gente. Ou mesmo algo mais radical e transformador, que se proponha a rearranjar o jogo político-econômico e dar a ele outros contornos. Não como forma de convencer os pró-intervenção do que quer que seja, mas de evitar que os que despertam agora para o problema tenham apenas esse slogan tosco para se agarrar.
E mais: que fim levou o espírito transformador da ala progressista? Onde está o brilho nos olhos, a postura que enxerga oportunidades revolucionárias nos momentos de grande incerteza? Se só nos resta mesmo essa leitura amarga e auto-confirmatória, essa falta de disposição em disputar mentes, esse temor paralisante diante do que não está sob controle, então não resta quase nada. Esse fantasma doentio de intervenção militar terá, sim, chance de triunfar – pelo simples motivo de que não estaremos lá para ao menos tentar deter seu avanço. A mudança não surge onde falta o encanto, e não foi plantando amargura que se conquistou o pouco que temos e que estamos tão temerosos de perder.
Meu filho mais novo sempre teve algumas questões sensíveis que nos colocavam no limite entre manha / necessidade / vontade. Aqui sempre foi uma casa de muitos colos, de carinho, de conversa. Começou uma fase de chiliques que ficamos sem saber como lidar. Qualquer cheiro mais forte, irritava. Sair de casa e dar de cara com o sol, irritava. Barulho então, qualquer som mais alto ou pessoa falando muito, irritava.
Estávamos todos em frangalhos. Muitas variáveis, todos pisando em ovos. Até que tivemos que levar o mais velho na oftalmologista. Aproveitamos a ida e consultamos os dois. Pela reação que ele teve ao pingar a gota no olho, a médica já me alertou: tem grau.
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Fomos na expectativa de que o mais velho precisaria de óculos. Saímos chorando: o mais velho por não precisar de óculos, o mais novo por não estar enxergando por causa da pupila dilatada e eu chorando por causa do diagnóstico.
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Há uma diferença grande de grau entre um olho e outro. Então é como se um olho não tivesse aprendido a enxergar. A instrução é de começar o uso de óculos imediatamente. Esperar três meses e torcer para que os óculos façam o olho aprender a ver. Caso não seja suficiente, em três meses terá que fechar o olho bom para obrigar o outro a focar. Isso foi há três semanas. O início foi bem difícil. Ele não reconheceu os personagens dos desenhos na TV. Na rua foi mais fácil. Em três dias já vimos uma mudança incrível no humor. O cansaço que a falta de visão estava gerando foi transformado em energia. Hoje, ele me falou sobre estar triste que os olhos não funcionam. Mas está usando os óculos, o tempo todo. Aprendeu até a limpar as lentes sozinho.
A oftalmologista disse que isso se trata até a criança ter seis, sete anos. Depois não há o que fazer. Vimos com uma folga de dois anos para tratar. Agora é esperar e torcer. Eu resolvi escrever sobre isso como uma forma de alerta. Independente do problema, precisamos estar sempre atentos aos sinais que as crianças mostram e eventuais mudanças de comportamento. Isso pode indicar algum problema que sequer imaginamos.
O presidente Michel Temer participa do evento Governo Digital: Rumo a um Brasil Eficiente, no Palácio do Planalto.
O governo de Michel Temer tem utilizado, desde o início, um discurso bem menos de convencimento e muito mais de construção de realidade. Nas falas e nos materiais de divulgação, os últimos dois anos foram uma sequência gloriosa de sucessos, onde tudo melhora a olhos vistos e os olhos que não enxergam, bem, estão com má vontade e não querem enxergar. Trata-se de uma variação da profecia auto-realizável: o elogio auto-confirmatório, que se legitima até mesmo a partir da rejeição dos demais. Uma auto-estima daquelas, vamos combinar.
O problema, por óbvio, é que os acontecimentos nem sempre se moldam tão bem assim ao discurso.
A crise envolvendo a escalada quase diária do preço dos combustíveis (e que resultou numa greve-locaute que já coloca alguma das principais cidades brasileiras em animação suspensa) é, com todas as suas particularidades, mais um sintoma dessa divergência entre argumento e prática. Qualquer um que, ontem, usasse as ferramentas de pesquisa do Twitter poderia ver a hashtag #avançamos – incentivada pelo governo federal como forma de espalhar sua mensagem de quase euforia – lado a lado com notícias cada vez mais alarmantes de rodovias bloqueadas, transportes entrando em colapso por falta de combustível, postos de gasolina elevando preços a valores próximos dos R$ 10. Uma incongruência que chegava a ser tragicômica, com ênfase no trágico.
Em termos de prática política, Michel Temer faz um governo velho, muito velho. Submeteu o país à própria salvação política, em uma farra de emendas parlamentares totalmente contrária ao discurso pretensamente austero de colocar das contas públicas nos eixos. Promoveu, a toque de caixa, uma reforma trabalhista totalmente submissa aos interesses dos grandes detentores de capital, acelerando e multiplicando uma fragmentação/precarização das forças de trabalho que não tem (e nem parece disposto a ter) nenhum plano para minimizar. Assinou, por impulso e desespero político, uma intervenção na segurança do Rio de Janeiro que só trouxe incerteza e mais insegurança, com direito ao revoltante assassinato de uma vereadora no meio da rua. Apega-se a indicadores econômicos imprecisos para enxergar o copo sempre meio cheio, quase transbordando na verdade, e exaltar a chama da recuperação onde se pode ver, no máximo, uma fumacinha. E fala dessas coisas ao país como se fosse fácil iludir as massas ignorantes, sem dinheiro no bolso, trabalhando em condições cada vez piores, com angústia e medo do futuro. Ou como se a opinião delas simplesmente não tivesse qualquer importância.
Queria reeleger-se, Michel Temer. Tão embevecido estava com as próprias histórias gloriosas, e tão temeroso se encontra das consequências de ficar sem cargo eletivo, que achou que poderia reeleger-se. E externou esse desejo, conseguindo gerar apenas um dos mais inusitados casos de vergonha alheia do recente cenário político brasileira.
No fundo, Michel Temer sabe que quase nada melhorou coisíssima nenhuma, mas foi na repetição de ilusões e discursos vazios que sua gestão construiu seu quebradiço castelo, e a ela pretende apegar-se até o fim. Pela manhã, seu fiel escudeiro Carlos Marun criticava a imprensa por assumir que Temer desistiria de ser candidato; à tarde, o próprio ex-vice anunciava que estava abrindo caminho para Henrique Meirelles, que deve ser o nome do MDB na eleição que, ao que parece, se avizinha. Um auto-engano, diga-se, ao qual a própria legenda não se constrange em recorrer: depois de conseguir, com surpreendente sucesso, fingir que não tinha nada a ver com o governo petista ao qual se aliou durante anos a fio e no qual ocupou inúmeros ministérios, agora corrige a má imagem tirando uma letrinha da sigla, como o cidadão que tinge o cabelo e acha que voltou a ser jovem por passe de mágica.