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Sobre Nós mistura jornalismo e arte para tratar de problemas reais do Brasil

Flávia Cunha
28 de setembro de 2018
O primeiro episódio trouxe relatos de vítimas de tortura durante a Ditadura Militar

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É quase frustrante pensar na quantidade de temas urgentes na vida dos brasileiros. Desemprego, racismo, machismo, homofobia, insegurança, baixa qualidade da educação, filas em emergências e até, mais recentemente, a ameaça do fantasma materializado da Ditadura Militar. Mas em um país desigual, os problemas não são os mesmos para todos. Enquanto a classe média foge de assaltos, há quem passe fome. Enquanto roubam seu carro, há quem não tenha farinha em casa.

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E assim, também de maneira desigual, vamos nos distanciando dos problemas que não parecem ser nossos, até que se tornem subjetivos, história, passado. Até que fiquem lá, longe

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É dessa distância que nasce o Sobre Nós, projeto de radioteatro que mistura jornalismo e arte com o objetivo de aproximar o indivíduo dos problemas que são de todos. A produção é uma parceria do Vós com o Grupo Cuidado Que Mancha e é coordenada pela jornalista Geórgia Santos e pela atriz, produtora e diretora Raquel Grabauska. A partir de depoimentos reais, de pessoas reais, atores interpretam verdades cruéis da nossa realidade. “A nossa ideia é chocar. Os brasileiros já passaram e passam por coisas horríveis, mas a gente se distancia dos outros e se recusa a enxergar a realidade alheia. Então o nosso objetivo é trazer essa realidade de forma desconfortável, pra que as pessoas fiquem mexidas e reflitam sobre a nossa sociedade”, explicou Geórgia. 

O quadro é parte do podcast Bendita Sois Vós, veiculado todas as quintas-feiras pela Rádio Estação Web e disponível para download em outras plataformas. Mas o Sobre Nós também pode ser ouvido em separado, pelo Soundcloud ou Itunes (em breve estará em outros aplicativos).

O primeiro episódio, Tortura, traz relatos de vítimas de tortura durante o período da Ditadura Militar no Brasil. O roteiro foi escrito com textos extraídos de depoimentos à Comissão da Verdade e é interpretado por Angelo Primon, Vinícius Petry, Vika Schabbach e Raquel Grabauska.

O próximo episódio vai ao ar estará disponível na próxima sexta-feira, 28, e  traz relatos do livro Quarto de Despejo, de Carolina de Jesus. Em pauta, a fome.

 

Geórgia Santos

Festival 3i . Como renovar a agenda eleitoral?

Geórgia Santos
24 de setembro de 2018

No último final de semana, o Vós participou do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, em Porto Alegre. O evento é uma iniciativa pioneira no Brasil no fomento de discussões atuais sobre um novo momento do jornalismo, em que veículos concebidos em ambiente digital tem mais relevância, além do surgimento de toda uma geração de jornalistas empreendedores. O festival é uma parceria das plataformas Agência Lupa, Agência Pública, BRIO, JOTA, Nexo, Nova Escola, Ponte Jornalismo e Repórter Brasil com o Google News Initiative.

 

O debate foi centrado nas eleições e foi dividido em três painéis, cada um com três palestrantes: “Os santinhos: o que investigar, como investigar?”, “Corpo a corpo: como novos eixos e perspectivas de cobertura podem renovar a agenda eleitoral?” e “Temos um vencedor: e agora, jornalismo?”. Eu participei da segunda mesa, ao lado da professora Rosane Borges (USP) e da jornalista Flavia Marreiro (El País).

Esse é um tema especialmente caro pra mim porque foi a partir dessa frustração que o Vós nasceu. A partir da frustração de sentir que não havia espaço na mídia tradicional para tratar de forma profunda sobre temas como aborto, encarceramento em massa, violência policial, racismo e outros temas sensíveis e urgentes da nossa sociedade. 
Esse é um debate bastante complexo, que, a meu ver, enfrenta um obstáculo social, institucional e o agendamento da grande mídia. Isso porque a desigualdade faz com que os brasileiros tenham demandas que parecem mais urgentes, como a  fome e o desemprego. Assim, assuntos como aborto e encarceramento em massa se tornam secundários no imaginários das pessoas, moldado por instituições e pela grande mídia.
É confortável pensar que o jornalismo sempre reflete a realidade, mas a verdade é que são decisões editoriais baseadas em uma série de fatores. Ou seja, é um recorte. E isso faz com que as pessoas enxerguem esse recorte como a realidade, como em um ciclo vicioso. O resultado é que temas desconfortáveis acabam sendo negligenciados. Não são tratados com a importância que merecem. No caso do aborto, como tema de saúde pública, por exemplo.
Penso que a maneira de enfrentar esses obstáculos é se posicionar. Sair de trás do véu da imparcialidade, porque não existe confronto sem posicionamento. Nós fazemos escolhas mesmo que a gente não perceba, melhor que as façamos às claras. Violações aos Direitos Humanos não podem ser tratadas como polêmica, mas como crime. Youtuber que relaciona Mbappé à arrastão não é polêmico, é racista. É preciso dar nome aos bois. Além disso, é preciso mudar o enfoque, é preciso trazer os problemas para  a realidade das pessoas a mostrar a urgência desses temas. Forçar empatia.

 

 

Entre os convidados desta edição estavam Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, Flávia Marreiro, subeditora do El País, Jineth Prieto, editora do site colombiano La Silla Vacía, Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, Alexandre de Santi, cofundador da Agência Fronteira e Francisco Leali, coordenador na sucursal de Brasília do jornal O Globo.
 
Ficou curioso? Dá uma olhada em como foram as discussões do Festival 3i.
Programação completa:

Mesa 1 – Os santinhos: o que investigar? Como investigar?
– Leandro Demori (editor-executivo do The Intercept Brasil)
– Taís Seibt (co-fundadora do Filtro Fact-Checking)
– Francisco Leali (coordenador na Sucursal de Brasília de O Globo)
Mediação: Breno Costa (BRIO)

Mesa 2 – Corpo a corpo: como o jornalismo pode renovar a agenda eleitoral
– Rosane Borges (USP)
– Flavia Marreiro (El País)
– Geórgia Santos  (Vós)
Mediação: Antônio Junião (Ponte Jornalismo)

Mesa 3 – Temos um vencedor: e agora, jornalismo?
– Alexandre de Santi (editor no The Intercept Brasil e co-fundador da Fronteira)
– Sylvio Costa (diretor do Congresso em Foco)
– Jineth Prieto (editora do La Silla Vacía – Colômbia)
Mediação: Moreno Osório (Farol Jornalismo)

 

Reporteando

A missão do jornalismo em tempos sombrios

Geórgia Santos
7 de agosto de 2018

*Artigo publicado originalmente no site Coletiva.net

Eu estava apenas curtindo a água fria da piscina em um dia de verão na Califórnia. Na época, vivia nos Estados Unidos para aperfeiçoar a minha pesquisa de doutorado e resolvi nadar para descansar um pouco, oxigenar as ideias. Era um centro de lazer comunitário, ou seja, eu não estava sozinha. Havia também um senhor idoso, pesado, nadando com dificuldade ao som de música clássica.

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Eu estava apenas curtindo a água. Até que ele resolveu interagir

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Entre perguntar o meu nome e discorrer sobre o Brasil, era inevitável que indagasse sobre qual era minha profissão. Respondi que era jornalista com o orgulho do ofício que me é peculiar e ele fez uma cara horrível. “Não sabia que vocês ainda existiam”, disse em tom de deboche.

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Desabei. Eu queria apenas curtir a água

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Na primeira menção às famigeradas “fake news”, tive a impressão de ver um holograma de Trump sobrevoando a cabeça calva do homem cujo nome eu, estranhamente, esqueci. “TODAS as notícias são falsas, todas”, disse ele, que ocupou os minutos seguintes com um discurso sobre como a mídia é manipuladora, como há jornalistas desonestos, como a qualidade do jornalismo caiu.

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Eu digeri tudo em silêncio parcial, falando eventualmente para tentar salvar a pouca dignidade que ele concedia a mim e aos meus colegas. Em vão. Ele não estava interessado. 

E eu queria apenas curtir a água

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Eu fui embora, mas as palavras inflamadas ficaram comigo. Eu não conseguia deixar de pensar na porção de razão que aquele homem tinha. Teorias da conspiração à parte, já não posso negar que o jornalismo tem falhado. E a sociedade sabe disso. Somos cobaias em um momento extraordinário da história, um período definido por intensa polarização política e social e pelo impacto sem precedentes de novas tecnologias. O debate na esfera pública mudou dramaticamente nos últimos anos e as empresas de jornalismo tentam, ao máximo, se adaptar a isso. Mas será suficiente? Basta tentar? Basta a adaptação? Acredito que não. As circunstancias em que apuramos, produzimos e reportamos uma informação mudaram o suficiente para forçar a revisão do que estamos fazendo e por que.

O modelo comercial adotado pelas grandes empresas está em decadência. É cada vez menos eficaz o formato em que se vendem anúncios estáticos para financiar o trabalho jornalístico. O novo padrão, que surge com os anúncios no Facebook, Twitter e Instagram, também está entrando em colapso. Ao contrário da cada vez mais procurada permuta com o digital influencer. Como resultado, a produção digital está cada vez mais vazia. A caça aos cliques completa a crise, com a necessidade de um fluxo de publicação frenético. A demanda por muita informação gerou, ironicamente, o esvaziamento das noticias.

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O jornalismo foi substituído por “conteúdo”

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Os leitores estão sobrecarregados pela quantidade de informação despejada todos os dias por diversos canais, portais e redes sociais; estão incomodados com posts patrocinados enfiados goela abaixo; estão confusos com o que é verdade e o que é mentira. Por isso, mais do que nunca, é fundamental redefinir a missão e viabilidade do jornalismo, qual o propósito do trabalho e que papel exercemos em uma sociedade que não considera nosso ofício importante. Precisamos reaproximar o público, recuperar a confiança das pessoas. Precisamos contar histórias com cuidado, precisamos dedicar tempo à apuração.

Precisamos checar os fatos, precisamos de compromisso com a informação, precisamos reforçar o comprometimento com a realidade. 

Há um ano, meu sócio, Emerson Zapata, e eu criamos o Vós, justamente para tentar restabelecer esse diálogo. O caminho ainda é muito longo, mas estamos satisfeitos com o primeiro passo e prontos para ampliar essa conversa. É tempo de o jornalismo se posicionar, e nós temos lado. Não é um posicionamento a priori, mas uma atitude progressista construída em consonância com a realidade social da qual fazemos parte. Assim, optamos pela transparência, conceito que se tornou turvo pela suposta neutralidade oferecida por grandes conglomerados.

Em tempos em que as notícias falsas invadem as telas, jornalismo é resistência por essência, e o Vós quer fazer parte da reconstrução do propósito do jornalismo na sociedade. Não quero mais só curtir a água.

Reporteando

As perguntas-padrão de uma eleição seriam mais reveladoras

Geórgia Santos
31 de julho de 2018

Na noite de ontem, o programa Roda Viva recebeu o deputado Jair Bolsonaro (PSL), candidato à presidência da República. Confesso, eu estava muito curiosa por esse momento. Especialmente porque o político é conhecido por evitar esse tipo de encontro com jornalistas, com os quais mantém uma relação de hostilidade. E no ensejo das confissões, admito que fiquei frustrada. Não com ele, sua ignorância sempre aparece, mas com a entrevista em si.

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Não foi propriamente uma entrevista ruim, mas foi mais do mesmo

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Já no início, quando o apresentador do programa, Ricardo Lessa, pergunta sobre a realização pela qual ele gostaria de ser lembrado, Bolsonaro despeja a ladainha que todos conhecemos. “Nós cansamos da esquerda”, “[queremos um Brasil] que respeite a família, bem como as crianças em sala de aula”; “que jogue pesado na questão da segurança pública”; “que jogue pesado contra o MST”. De novo, pra mim, apenas o “sonho” que o candidato tem de tornar a economia brasileira plenamente liberal, já que até pouco tempo era um estatista.

Mas a ladainha que conhecemos seguiu programa afora. O começo da entrevista foi marcado por perguntas sobre a Ditadura Militar, por exemplo. Acho que é um tema que deve ser abordado, afinal de contas faz parte do nosso passado recente e o candidato já exaltou e defendeu o período mais que algumas vezes. Mas insistir por quase meia hora nisso, é escada pra ele.

Ele relativizou a tortura com o discurso padrão de que eram terroristas, disse que a maioria inventou que foi torturada para receber indenização, votos e poder; disse que sem a “revolução teríamos virado Cuba”; questionou o assassinato de Vladimir Herzog; disse que não foi golpe; e ainda flertou com a ideia de reeditar o período quando perguntou se “o clima não está muito parecido com aquela época.”

Em outras frentes, o candidato do PSL disse que é contra políticas afirmativas. Segundo ele, entrar em uma universidade, por exemplo, é questão de mérito e competência. “Se eles podem ser tão bons no Ensino Superior, e acho que sejam (sic), por que não estudam no Ensino Básico aqui atrás, pra que tenham melhor base e sigam carreira numa situação de igualdade?” Ele afirma que não há dívida a ser quitada com a população negra porque ele nunca escravizou ninguém. Aliás, foi mais longe. “Se for ver a história realmente, os portugueses nem pisaram na África, os próprios negros que entregavam os escravos”, disse ele, em um momento de profunda infelicidade.

Ao ser confrontado com os rótulos de homofóbico, misógino e racista, negou todos. Obviamente.

“Se eu sou racista tinha que tá (sic) preso. São calúnias, nada mais.”

“Onde que que eu sou homofóbico? A minha briga é contra o material escolar. […] não pode o pai chegar em casa e encontrar o Joãozinho de seis anos de idade brincando de boneca por influencia da escola.”

Felizmente, o jornalista Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo, corrigiu Bolsonaro ao lembrar que ele foi denunciado pelo crime de racismo. Ele relativizou (de novo), disse que apenas exagerou nas brincadeiras e que aquilo não é racismo. Quanto a não ser homofóbico, não foi corrigido, infelizmente, então nós fazemos isso aqui.

Bolsonaro tergiversou o tempo todo e reproduziu os discursos aos quais já estamos todos acostumados. Se defendeu sobre o receber auxílio-moradia dizendo que está na lei, ignorando a imoralidade de utilizar o benefício mesmo com imóvel próprio; disse que, no sétimo mandato, nunca integrou a Comissão de Orçamento, nem a de Saúde e que nunca integrou a maioria das comissões da Câmara dos Deputados porque “aquilo é um mundo”; disse que a última CPI que funcionou na Câmara foi há mais de 20 anos – aparentemente esqueceu de Eduardo Cunha; disse que evoluiu em suas contradições com relação à democracia; admitiu ter votado em Lula e elogiado Chávez, mas não admitiu ter mudado de opinião. Segundo ele, Chávez é que mudou e parou de elogiar os Estados Unidos (?). Em resumo, mais do mesmo.

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A falta de preparo do candidato à presidência apareceu no que chamo de perguntas-padrão do período pré-eleição. Ou seja, ao responder questões sobre pontos críticos que um eventual governo deverá enfrentar

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Inovação

O diretor de Inovação e Articulação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, perguntou qual seria o papel que o Ministério da Educação deveria desempenhar e se a Educação Superior pública deveria estar vinculada ao Ministério da Educação ou ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A resposta foi um festival de desconhecimento. Uma confusão. Primeiro, disse que não há pesquisa no Brasil,  que é uma raridade; depois que é preciso “inverter a pirâmide” e investir em Educação Básica; em seguida, que a comunidade científica está em segundo plano no país; completou dizendo que “não interessa aonde vá ficar, tem que ser uma pessoa isenta e com conhecimento de causa”; terminou afirmando que “temos que investir e dar meios para que o pesquisador possa exercitar o trabalho. Se você quiser entrar na área da biodiversidade, você tem uma dificuldade enorme. Agora, tá cheio de gente tentando roubar a nossa biodiversidade.”

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Mortalidade infantil

Esse momento, na minha opinião, foi o mais revelador no que tange à falta de preparo – e noção. A jornalista Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico, questionou sobre as políticas que o candidato pretende propor para, entre outras coisas, a redução da mortalidade infantil, especialmente se houver redução de impostos.  Bolsonaro não apenas demonstrou pouca familiaridade com o assunto como foi leviano ao, basicamente, culpar as gestantes. Ignorando o fato de que altos índices de mortalidade infantil estão associados à falta de saneamento básico.

“Mortalidade infantil. Tem muito a ver com os prematuros. É muito mais fácil um prematuro morrer do que um que cumpriu a gestação normalmente. Medidas preventivas de Saúde.  [Jornalista: tem mais a ver com saneamento básico do que com prematuridade]. Não tem a ver. Olha só, tem um mar de problemas , tem que ver a questão, o passado daquela pessoa, signatário dela, alimentação da mãe, tem um montão de coisas, tô citando aqui um exemplo apenas. […] Muita gestante não dá bola pra saúde bucal, ou não faz exame de seu sistema unirnario com freqüência”, disse.

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Desemprego no campo

O candidato acredita que o desemprego no campo se dá em função da tecnologia e da fiscalização. Depois de dizer que “é difícil ser patrão no Brasil”, afirmou que o trabalhador deve ser treinado para fazer outra coisa, já que a mecanização deve substituir o trabalho braçal. Também defendeu que o governo não pode atrapalhar com legislação e fiscalização “absurdas”.

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Para mim, a candidatura de uma pessoa com um perfil tão belicoso é assustadora. Assusta que alguém se sinta tão à vontade para falar o que ele diz. Assusta que tantas pessoas apóiem alguém assim. Dito isso, acredito que esta seja uma campanha bastante emocional, o que explica parte desse apoio. Sua base é movida pelo “sentimento”, sentimento de medo, de cansaço, de necessidade de mudança – embora eu não entenda como alguém que é deputado há 27 anos possa ser mudança. Mas é justamente esse “sentimento” que torna inócua a insistência com alguns temas como o racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e Ditadura Militar.

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O eleitor de Bolsonaro concorda com ele, não se importa com esses temas ou não acredita que ele seja assim – atribuindo tudo às Fake News

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Isso prova que, mais do que nunca, o jornalismo responsável precisa entrar em campo. O candidato do PSL precisa ser exposto como o candidato despreparado que é, não pela maneira como ele pensa ou em função do que defende. Até porque, ele tem todo o direito de defender o que bem entender – e o dever de arcar com as consequências disso também.

E é nesse ponto que o programa Roda Viva falhou. À parte esses três momento que destaquei, sobre inovação, mortalidade infantil e desemprego – e talvez algum outro que me tenha escapado, foi uma entrevista pouco reveladora.

Faltou perguntar sobre plano de governo, sobre projetos para educação e saúde. Não ouvi nada a respeito de cultura, não tenho a menor ideia do que ele pensa a respeito. De política internacional, só sei que quer fazer comércio com todos os países. E para a segurança? Além do óbvio e de armar o “cidadão de bem”, não ouvi nada que fosse produtivo.

Não teve coordenador de campanha adversário como entrevistador, ele não foi interrompido constantemente, mas, de certa forma, o programa foi desenhado de maneira similar ao que recebeu Manuela Dávila. Por motivos diferentes, é claro. Afinal de contas, o candidato do PSL é cheio de contradições e precisa ser confrontado. De todo modo, ficou claro que o objetivo era constrangê-lo, pegá-lo no “contrapé”. Estratégia que, na minha opinião, só fortalece uma candidatura que atribuiu notícias ruins à manipulação da grande mídia.

Durante o programa, ele disse que “a imprensa quase toda é de esquerda no mundo, Trump sofreu com isso, são os Fake News.”

Ele deixou a cama pronta. Não podemos deixar o jornalismo deitar.

Reporteando

A entrevista do Roda Viva é exemplo do que NÃO fazer

Geórgia Santos
26 de junho de 2018

Nos anos em que fui professora no curso de jornalismo da Famecos, adorava quando chegava o momento de abordar o tema “entrevista”. As cadeiras eram direcionadas para o radiojornalismo, mas uma boa entrevista é uma boa entrevista em qualquer meio e meus colegas professores e eu levávamos isso muito a sério. Afinal de contas, é a base de um jornalismo sólido e há métodos e técnicas a empregar para que ela seja bem conduzida.

À época, eu costumava recomendar que os alunos assistissem às entrevistas que David Frost realizou com o ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, em 1977. Após a renúncia de Nixon, o  jornalista britânico, até então famoso por programas de entretenimento, pagou para que o político concedesse entrevistas que seriam exibidas ao longo de quatro programas na televisão norte-americana. Aí já começa o problema. Afinal de contas, o pagamento indicaria o que se chama de jornalismo chapa-branca. Nenhum canal aceitou transmitir ou distribuir as entrevistas e Frost bancou do próprio bolso.

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A complexidade dessas entrevistas faz com que sejam exemplo do que NÃO FAZER  no jornalismo e, ao mesmo tempo, de JORNALISMO DE QUALIDADE

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O lance é que Frost estava mais preocupado com dinheiro do que com jornalismo e não se preparou para entrevistar Nixon, um político experiente e em domínio de sua retórica que pretendia usar as entrevistas para limpar o nome após o escândalo de Watergate. Lançando mão de tudo o que NÃO SE DEVE FAZER em uma entrevista, Frost foi engolido pelo republicano. Porém, como o próprio dinheiro estava em jogo, ele resolveu se preparar para a última entrevista. Sua equipe de produção descobriu fatos inéditos e Frost usou métodos eficazes. Como resultado, Nixon acabou admitindo a culpa e o jornalista entrou para a história. Além das imagens originais, o episódio foi imortalizado no filme Frost/Nixon, de Ron Howard.

Mas se a interação entre Frost e Nixon é um exemplo do ponto de vista técnico, a entrevista com Manuela D’Ávila no programa Roda Viva na noite de ontem (25) é um exemplo do que NÃO FAZER sob o ponto de vista ético e profissional.

Se Frost foi ineficaz, incialmente, porque não conseguia extrair informações de Nixon, alguns dos entrevistadores da pré-candidata do PCdoB à presidência da República foram levianos e irresponsáveis justamente porque não estavam interessados no que Manuela tinha a dizer.

Principalmente Frederico D’Ávila, um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro (PSL). A presença do diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB) foi absolutamente inadequada e suas perguntas absurdas e constantes interrupções deixaram isso bastante claro.

O aliado de Bolsonaro distorce fatos históricos já na primeira manifestação, ao alegar que o fascismo era um movimento de esquerda a partir de uma associação desconexa. Já na primeira manifestação, interrompe a entrevistada em seis momentos.

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O programa inteiro foi um festival de exemplos do que NÃO SE DEVE FAZER EM UMA ENTREVISTA

  • A pré-candidata foi constantemente interrompida, o que pode ser qualificado como o famigerado manterrupting – prática machista de interromper uma mulher quando ela está falando. Aliás, fica lançado um desafio a quem não acredita que isso exista: conte quantas vezes as mulheres são interrompidas e compare com os homens na mesma situação;
  • As repostas de Manuela D’Ávila eram ignoradas, especialmente pelo entrevistador já citado, que fazia “ganchos” e conexões livres, independente do que ela tinha a dizer;
  • As opiniões da entrevistada eram constantemente desqualificadas;
  • As propostas da pré-candidata foram ignoradas em diversos momentos em que se preferiu que focar a entrevista nas experiencias de Cuba e da União Soviética e em figuras como Lula, Maduro e até Stálin;

Infelizmente, a entrevista foi conduzida com um tom machista e foi inadequada do início ao fim. Uma cartilha para estudantes de jornalismo que, a partir deste exemplo, ficam sabendo o que não se deve fazer. E que não se exima a produção do programa, que ESCOLHEU convidar um aliado de Bolsonaro para entrevistar – ou sabatinar – uma pré.candidata. Já passaram pelo programa Alvaro Dias (Podemos), Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (Psol), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT). Geraldo Alckmin (PSDB) será entrevistado em 30 de junho. Jair Bolsonaro (PSL) ainda não respondeu e, ao que tudo indica, não deve participar, já que anunciou que abre mão de participar dos debates eleitorais.

Confira aqui a íntegra da entrevista.

Foto: Reprodução / Facebook

Reporteando

A política imita a vida

Renata Colombo
11 de abril de 2018

Por muito tempo, até já adulta, eu não tinha certeza sobre onde me encaixava no espectro político. Eu nem gostava muito de politica porque não acreditava nos políticos. Não gostava de radicalismos. Meus pais votavam no trabalhismo ou na direita, mesmo não sendo radicais, e também não o faziam por ideologia. Minha madrinha já era esquerda roxa. Fazia greve e estava sempre lutando por direitos e igualdade.

Questionava-me se era possível gostar só de um político e não do partido dele, e vice e versa. Me arrepiava com o “Lula lá” desde 89, mas na minha volta sempre falavam mal do PT

Até o dia em que descobri que o posicionamento político da gente tem mais a ver com o nosso posicionamento na vida do que com qualquer outra coisa. Os dois tem extremos, e eu achava errado. Talvez por isso me sentia confusa. Mas foi só perceber que muitos são mais fortes que um só e que defender igualdade e direitos básicos dos cidadãos são obrigações. Foi só olhar para a história é perceber que grandes nações precisaram de radicalismos, de revoluções, para viverem de respeito pleno.

Que se preocupar com os outros e não só consigo mesmo, se revoltar com injustiças e desigualdades, não achar normal gente morando na rua e criança pedindo comida, querer mudar um pedacinho do mundo são parte de uma personalidade, da minha personalidade, genuína de que pensa no próximo, de quem não consegue se ver como indivíduo sozinho no mundo.

Eu cobri dois momentos tristes da nossa história: o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula. Eu cobri uma mobilização popular em cada um destes eventos, de gente que acredita tanto nestes valores que quer recuperá-los.

Acho que agora, já adulta e com a ajuda da minha profissão, minha pergunta foi respondida e as coisas ficaram mais claras. Sim, eu estou triste com o que estão fazendo com a nossa democracia. Sim, nós precisamos de novos líderes políticos e uma geração menos corrupta. Sim, há um grande líder, apesar de você.

Vós Ativa

Vós se torna plataforma de jornalismo experimental – saiba o que mudou

Geórgia Santos
31 de março de 2018

Há um ano, o site existe como um portal de jornalismo colaborativo cujo foco é a reflexão sobre os temas mais sensíveis à sociedade. Agora queremos transcender a conversa: o Vós passa a ser uma plataforma de jornalismo experimental.

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Novo visual, novos formatos

Fotos: Kátia Bressane

A página está com um novo visual para atender à demanda do nosso leitor, que espera um design clean em que o conteúdo tenha o verdadeiro destaque. Com os novos espaços, o Vós passa a apresentar formatos e abordagens diferentes. Além das colunas de opinião e informação, serão produzidas reportagens especiais; séries documentais; e podcasts de edição limitada.

O Vós retoma o estilo proposto pelo New Journalism, mesclando a narrativa jornalística com a literária. Dessa forma, apresentamos um produto de qualidade e que preenche uma lacuna deixada pela falta de tempo e recorte editorial dos veículos tradicionais.

Cursos e seminários

Outra novidade do Vós são os cursos, seminários e palestras. O catálogo apresenta dois cursos desenhados especificamente para jornalistas e um seminário destinado a estudantes. Já as palestras na área da comunicação e política são moldadas conforme demanda e público.

OS TRÊS LADOS DO JORNALISMO POLÍTICO tem as eleições de 2018 na mira e cobre as áreas de análise (Ciência Política); reportagem; e assessoria. Início em 2018.

JORNALISMO E SOCIEDADE é inspirado em um curso da Universidade da Califórnia – Berkeley. Mescla as Ciências Sociais com jornalismo investigativo para provocar a mudança social. Início em 2019.

FAKE NEWS – COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS NA INTERNET é um seminário oferecido a estudantes de Ensino Médio e universitários.
Gustavo Mittelman (Catraca Filmes), Raquel Grabauska (Cuidado Que Mancha), Binho Ferronatto
(Catraca Filmes), Geórgia Santos (Vós) e Emerson Zapata (Vós). Foto: Kátia Bressane

Equipe

A plataforma foi desenvolvida pela jornalista e cientista política Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata. Hoje, o Vós conta com a parceria da atriz, diretora e produtora Raquel Grabauska, do Grupo Cuidado Que Mancha; dos publicitários Gustavo Mittelmann e Binho Ferronato, da Catraca Filmes; da jornalista, produtora cultural e Mestre em Literatura Flávia Cunha; do crítico de cinema Pedro Henrique Gomes; do cientista político Sacha Nixon; do jornalista e escritor Igor Natusch; e dos jornalistas Airan Albino, Alvaro Andrade, Evelin Argenta, Fernanda Ferrão, Marcelo Nepomuceno, Renata Colombo, Samir Oliveira e Tércio Saccol.

Festa de lançamento

As mudanças foram anunciadas durante coquetel na sede do IAB-RS, em Porto Alegre. Os convidados foram recepcionados pela jornalista Geórgia Santos e pelo gerente de projetos Emerson Zapata, proprietários do Vós. Além da oportunidade de conhecer o projeto em primeira mão, também puderam apreciar a exposição fotográfica Tokyos – Retratos do Cotidiano, de Gustavo Mittelmann, montada especialmente para o evento.

Exposição Tokyos – Retratos do Cotidiano, de Gustavo Mittelmann (Foto: Kátia Bressane)

Entre os presentes estavam Giba Assis Brasil e Ana Luiza Azevedo, da Casa de Cinema de Porto Alegre; os jornalistas Cléber Grabauska e Luciano Périco, da Rádio Gaúcha e RBS TV, e Taline Oppitz, do Correio do Povo e Rádio Guaíba; Iraguassu Farias e Márcia Christofoli, da Coletiva.net.

Confira as fotos do evento

Fotos: Kátia Bressane

Catraqueanas

A vida imita a vida

Gustavo Mittelmann
26 de março de 2018

Tal qual o jornalismo, mas em proporções um pouco diferentes, a produção de vídeo nos coloca em contato com realidades e culturas distintas. A gente aprende quase sempre. E, algumas vezes, olhando de fora, percebe coisas que chocam pela incapacidade das pessoas juntarem A e B. Por que estou falando isso? Bom, a introdução é um pouco genérica, mas é importante para falar de uma situação muito específica. Há uns meses, produzimos um trabalho na área de saúde de abrangência nacional, o que nos levou a algumas viagens. Nessa ocasião, vivi os dois extremos.

Em Santarém (PA), me encantei e pude perceber a beleza e simplicidade de um povo que vive, depende e valoriza o rio

Por outro lado, estive em Goiânia. Por essas questões de horários de voo, acabei com um dia livre na cidade logo ao chegar. Na recepção do hotel, ao perguntar de programações para se fazer na cidade, me surpreendi com a existência de um complexo arquitetônico e cultural ímpar: o Centro Cultural Oscar Niemeyer. É pra lá que vou, claro! Papo de Uber, pra saber mais a respeito, o motorista não tinha certeza de qual era a entrada do complexo e tudo o que sabia é que o pessoal se juntava no estacionamento para andar de skate.

O que ele não sabia, e nem a recepcionista do hotel, e que só descobrimos ao chegar lá é que o complexo estava fechado e permaneceria assim por meses

Frustrado, pego outro Uber para voltar. Vamos em busca de outra programação, mas tudo o que consigo dele e de outros funcionários do hotel é saber que há dois shoppings na cidade com “boas” atrações (além do ar-condicionado no calor absurdo): um deles oferece pista de kart para correr, e o outro, batalha com armas laser. O orgulho das pessoas e o nível de informação a respeito, em comparação ao caso do Centro Cultural, me impressiona. Volto pro hotel, almoço e vou dormir.

No dia seguinte, partimos, eu e o Baiano – Diretor de Fotografia do trabalho – para gravar na UTI do SUS no hospital da cidade. Lá, internado em coma, um jovem de 19 anos vítima de um tiro na cabeça. Estava andando de moto quando foi fechado por um carro. Encostou ao lado no semáforo e bateu na lataria para chamar a atenção.

Arrancou ao abrir o sinal e foi baleado por trás, pelo motorista do carro

Eu dormi na minha tarde livre, por falta de programas culturais para fazer na cidade. As crianças, jovens e adolescentes de lá, por outro lado, passaram a tarde apostando corridas motorizadas e atirando uns nos outros por diversão. A vida imita a vida, mas as pessoas parecem não acordar para essa obviedade.

Foto: Santarém, Pará /  Gustavo Mittelmann

Voos Literários

Caio Fernando Abreu – Inspiração para a sobrevivência diária

Flávia Cunha
28 de novembro de 2017

“De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria, em cada noite, descobrir um motivo razoável para acordar amanhã.”

Caio Fernando Abreu – Ovelhas Negras

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Sempre que o caos impera internamente e externamente, lá vou eu recorrer a Caio Fernando Abreu. Já fiz isso durante o mês de agosto e agora, em meio ao estresse de final de ano, sobrecarga de projetos profissionais somado ao cenário sociopolítico cada vez mais preocupante, lá vou eu de novo recorrer ao meu guru.

Em 2012, escrevi esse texto para justificar a escolha de Caio F. como objeto da pesquisa para a dissertação de mestrado em Letras pela UFRGS:

“Minha paixão por Caio Fernando Abreu começou de forma quase clichê: um exemplar de Morangos Mofados chegou por acaso às minhas mãos e foi amor à primeira leitura. Por tratar-se de uma era ainda pré-internética, nos já longíquos anos 90, pouco sabia sobre o escritor no momento de ler a obra e ainda demorou um tempo até saber algo sobre a vida de CFA. Tempos depois, tive acesso a outros livros, comprados com esforço ou então pegos por empréstimo na biblioteca do Centro Municipal de Cultura de Porto Alegre.

Depois, veio o objeto de desejo: Cartas, organizado por Italo Moriconi. Era caro para o meu bolso e eu passei meses namorando a obra, pela Internet ou em livrarias. Em um aniversário, ganhei-o de um grupo de amigos, que perceberam que esse seria o melhor presente para uma amante da literatura e fã confessa do escritor gaúcho.

Li e reli Cartas nesses quases dez anos. Naquelas páginas, descobri que CFA atuava no jornalismo por obrigação, como forma de sobreviver. Ter um ponto em comum com o ídolo sempre é uma surpresa para um leitor devoto. Assim, o livro transformou-se em uma espécie de oráculo para mim. Folheava aleatoriamente o exemplar e começava a ler aquelas linhas que pareciam ter sido escritas especialmente para aquela ocasião. Normalmente, funcionava (e ainda funciona). Em dias de baixo astral, Caio me consolava ao falar da beleza das flores, de como é importante cultivar as amizades e de como as possibilidades e impossibilidades do amor são o que há mais de humano em nossas vidas. Em momentos de revolta, principalmente com as injustiças da profissão de jornalista, CFA me acalentava, ao sofrer dos mesmos males, ao reclamar dos salários, das cobranças, das péssimas condições de trabalho.

Por amor à obra de CFA, adentrei na área de Letras. Primeiro, na graduação. Depois, em um desses movimentos que eram típicos na vida do escritor mas que aconteceram poucas vezes comigo, acabei saltando para a pós-graduação antes mesmo de concluir a faculdade. O destino colocou em meu caminho uma professora especialista no escritor e que, quase por acaso, sugeriu o tema da atual dissertação: a trajetória de CFA no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Uni, assim, duas áreas do conhecimento: o jornalismo, muitas vezes cruel mas ainda necessário para minha subsistência,  e a literatura, minha grande paixão desde criança.”

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Caio me inspira e me dá forças para seguir adiante. E, como já contei nesse texto, abandonei o jornalismo em redação para trabalhar em projetos ligados ao meio editorial, após tantas inspirações literárias.

Sigo sendo uma ovelha negra. O que pode ser muito bom, como diz Caio no texto de abertura de Ovelhas Negras, obra com uma seleção de textos escritos pelo autor entre 1962 e 1995: “Remexendo, e com alergia a pó, as dezenas de pastas em frangalhos, nunca tive tão clara certeza de que criar é literalmente arrancar com esforço bruto algo informe do Kaos. Confesso que ambos me seduzem, o Kaos e o in ou dis-forme. Afinal, como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo especial pelas mais negras das ovelhas.”

 

 

 

 

Reporteando

Vamos compartilhar um incômodo?

Renata Colombo
31 de outubro de 2017

O que vocês pensam sobre o futuro do jornalismo e da comunicação? Já pararam para pensar que a forma como produzimos conteúdo está em profunda transformação e ainda vai mudar muito, mas muito mais, nos próximos anos? Eu já, e decidi compartilhar esse incômodo.

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Fui buscar um curso para abrir a caixola

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Pois bem, quase saí correndo, confesso, já na primeira aula. Meu professor e alguns colegas trataram com a maior naturalidade do mundo a ideia de viver em uma realidade virtual, ter uma casa em que os aparelhos se comunicam e tomam decisões, andar em carros voadores, comer comida impressa e transplantar uma cabeça inteira. Mas não saí correndo. Sou muito curiosa pra isso. Em vez disso, passei a pensar mais nesta tal de disrupção, que parece mais difícil de enxergar na comunicação do que na tecnologia, já que estamos falando de um produto subjetivo.

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Disruptar é ousar, dar um salto em vez de seguir a linha reta da evolução natural das coisas. Mas como inovar ainda mais na forma de se comunicar?

Uma coisa é certa: ouvintes, leitores, internautas e telespectadores, querem muito mais de nós

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Eles não querem simplesmente ser informados. Isso eles têm em segundos, num simples acesso ao Facebook, Twitter ou site de notícias. Precisamos dar aos nosso público o diferencial, o além da informação, algo que pode estar na opinião, na personalização, na análise.

E aí me pergunto: até quando vai durar esta forma de fazer jornalismo, respondendo aquelas seis perguntinhas básicas do lead e pronto? Até quando teremos que nos isentar da análise ou da opinião ou do comentário porque foi assim que aprendemos e é assim que as redações fazem?

Quem está do lado de fora da nossa bolha pode não querer exatamente o que estamos oferecendo. Até que ponto estamos ouvindo nosso consumidor de informação? Espero que vocês compartilhem do mesmo incômodo.