“De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria, em cada noite, descobrir um motivo razoável para acordar amanhã.”
Caio Fernando Abreu – Ovelhas Negras
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Sempre que o caos impera internamente e externamente, lá vou eu recorrer a Caio Fernando Abreu. Já fiz isso durante o mês de agosto e agora, em meio ao estresse de final de ano, sobrecarga de projetos profissionais somado ao cenário sociopolítico cada vez mais preocupante, lá vou eu de novo recorrer ao meu guru.
Em 2012, escrevi esse texto para justificar a escolha de Caio F. como objeto da pesquisa para a dissertação de mestrado em Letras pela UFRGS:
“Minha paixão por Caio Fernando Abreu começou de forma quase clichê: um exemplar de Morangos Mofados chegou por acaso às minhas mãos e foi amor à primeira leitura. Por tratar-se de uma era ainda pré-internética, nos já longíquos anos 90, pouco sabia sobre o escritor no momento de ler a obra e ainda demorou um tempo até saber algo sobre a vida de CFA. Tempos depois, tive acesso a outros livros, comprados com esforço ou então pegos por empréstimo na biblioteca do Centro Municipal de Cultura de Porto Alegre.
Depois, veio o objeto de desejo: Cartas, organizado por Italo Moriconi. Era caro para o meu bolso e eu passei meses namorando a obra, pela Internet ou em livrarias. Em um aniversário, ganhei-o de um grupo de amigos, que perceberam que esse seria o melhor presente para uma amante da literatura e fã confessa do escritor gaúcho.
Li e reli Cartas nesses quases dez anos. Naquelas páginas, descobri que CFA atuava no jornalismo por obrigação, como forma de sobreviver. Ter um ponto em comum com o ídolo sempre é uma surpresa para um leitor devoto. Assim, o livro transformou-se em uma espécie de oráculo para mim. Folheava aleatoriamente o exemplar e começava a ler aquelas linhas que pareciam ter sido escritas especialmente para aquela ocasião. Normalmente, funcionava (e ainda funciona). Em dias de baixo astral, Caio me consolava ao falar da beleza das flores, de como é importante cultivar as amizades e de como as possibilidades e impossibilidades do amor são o que há mais de humano em nossas vidas. Em momentos de revolta, principalmente com as injustiças da profissão de jornalista, CFA me acalentava, ao sofrer dos mesmos males, ao reclamar dos salários, das cobranças, das péssimas condições de trabalho.
Por amor à obra de CFA, adentrei na área de Letras. Primeiro, na graduação. Depois, em um desses movimentos que eram típicos na vida do escritor mas que aconteceram poucas vezes comigo, acabei saltando para a pós-graduação antes mesmo de concluir a faculdade. O destino colocou em meu caminho uma professora especialista no escritor e que, quase por acaso, sugeriu o tema da atual dissertação: a trajetória de CFA no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Uni, assim, duas áreas do conhecimento: o jornalismo, muitas vezes cruel mas ainda necessário para minha subsistência, e a literatura, minha grande paixão desde criança.”
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Caio me inspira e me dá forças para seguir adiante. E, como já contei nesse texto, abandonei o jornalismo em redação para trabalhar em projetos ligados ao meio editorial, após tantas inspirações literárias.
Sigo sendo uma ovelha negra. O que pode ser muito bom, como diz Caio no texto de abertura de Ovelhas Negras, obra com uma seleção de textos escritos pelo autor entre 1962 e 1995: “Remexendo, e com alergia a pó, as dezenas de pastas em frangalhos, nunca tive tão clara certeza de que criar é literalmente arrancar com esforço bruto algo informe do Kaos. Confesso que ambos me seduzem, o Kaos e o in ou dis-forme. Afinal, como Rita Lee, sempre dediquei um carinho todo especial pelas mais negras das ovelhas.”
