Já até vejo os jornais falando da festa da democracia. Piada. Na melhor das hipóteses, neste 2018, temos uma bela de uma festa da hipocrisia. Em que um homem preconceituoso e despreparado passará ao segundo turno como o preferido dos cidadãos brasileiros. Um homem machista, homofóbico e xenófobo que passará como um homem tolerante e do povo. Um homem corrupto que passará como honesto. Um homem que está na política há 30 anos e passará como novo. Um homem que sempre fez mais do mesmo e passará como diferente. Um homem autoritário que passará como democrático.
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Agora me digam, se não é uma bela de uma festa da hipocrisia?
Que preocupação com a corrupção é essa que desaparece na hora de votar no PP, o partido mais investigado na Lava Jato? Que preocupação com a corrupção é essa que desaparece na hora de votar em qualquer outro partido?
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Que sexo é esse que ensinam nas escolas que a maioria desses machões não sabe nem onde fica o clitóris?
Que doutrinação esquerdista é essa que produz uma geração de adoradores da Ditadura Militar?
Que doutrinação é essa, que as pessoas sequer sabem o que é socialismo ou foi quem foi Marx?
Que “marxismo cultural” é esse, tão difundido, que criou uma geração que vai eleger um cara que insulta homossexuais, mulheres, negros e imigrantes? O tal do politicamente correto não está sufocando a todos, afinal de contas, nesse mundo chato?
Que defesa da família é essa, que vem do cara que não quis registrar o filho?
Que valores são esses, que vem do cara que quase bate a cara no poste pra olhar pra bunda de uma adolescente?
Nos últimos dias, conforme chegamos perto do dia da eleição, tem-se equalizado a postura autoritária de Bolsonaro e Mourão à de outras candidaturas. Em comparação com o PT, dizem ser “extremos desdenhando da democracia”; “dois polos autoritários”. Ou, o meu favorito, “vamos virar a Venezuela”. O mesmo com Ciro.
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Isso é simplesmente ERRADO. Em muitos níveis. Explico.
Mas se Bolsonaro e Lula ou Haddad representam “polos autoritários” e são “ameaças iguais à democracia”, devemos encontrar declarações similares dos candidatos do PT. Ou de Ciro Gomes, famoso por suas explosões, chamado de “coronelzinho” e considerado autoritário. Certo? ERRADO.
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Há especialistas que apontam para um risco de ruptura democrática derivada do PT. O sociólogo José de Souza Martins diz que o “PT é em certo sentido autoritário.” FHC, por sua vez, denomina “autoritarismo popular” e alerta para a criação de um bloco de controle da máquina estatal. Há de fato, uma tentativa do PT de retomar o controle, inclusive inviabilizando outras candidaturas de esquerda como a Ciro – por meio de acordo com o PSB. Assim como não há dúvida sobre o controle que Lula exerce no partido. E houve até tentativas de calar a imprensa alegando difamação. Todas frustradas, pelo que me consta. Ainda bem.
Sobre a questão golpe, o sociólogo Martins escreveu que “há uma mentalidade ditatorial subjacente a palavras de ordem desse tipo”. Ainda assim, Dilma aceitou o resultado e se recolheu. A luta está na retórica. A argumentação de que foi “golpe” é amplamente suportada pela academia. Se fosse estratégia para “contragolpe”, passados dois anos, já teríamos visto algo. Ao contrário, Dilma está disputando uma eleição como qualquer outro candidato.
Mesmo no caso da prisão de Lula. Verdade que ele se entregou nos próprios termos e desrespeitando o prazo, o que é um problema em si, mas está lá. Preso. Da mesma forma, não vai concorrer, como determinou o TSE. Não faço juízo de valor do que deveria ou não ser feito; tampouco julgo, aqui, a forma como Lula e o PT conduzem seus affairs. Apenas aponto a conformação com o sistema. “Ah, mas o PT apoia a Venezuela”. Grande erro quando o fez via Gleisi Hoffmann e, sim, um indicativo de alerta. Embora pareça se tratar do famoso “discurso pra torcida”. Tanto que no Jornal da Globo, Haddad admitiu que o país vizinho não vive um clima de normalidade e que o Brasil precisa ser mediador e se manter neutro. Na mesma entrevista, reafirmou que NÃO dará indulto a Lula. Quanto à Ciro, as acusações de autoritarismo caem na conta do destempero.
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Há, portanto, erros. Muitos erros, mas não há retrocesso da ordem democrática de qualquer outro candidato que não seja o do PSL. NENHUM deles DEFENDE A DITADURA além dele. Nenhum diz que não aceitará o resultado caso não vença. Só ele.
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É desonesto insinuar que um governo do PT transformaria o país em uma Venezuela. O partido governou o Brasil por quase 14 anos e em nenhum momento se assemelhou ao que fez Maduro. Com todos os problemas que teve – e foram muitos, especialmente com relação à corrupção – o Brasil se tornou a sexta economia do mundo, a miséria diminuiu e a democracia se fortaleceu. Dá uma olhada.
A Freedom House, que mede o índice de liberdade no mundo, acompanha a situação política do Brasil desde 1998. A grosso modo, eles analisam a questão a partir de dois âmbitos: Direitos Políticos e Liberdades Civis. A cada um desses âmbitos é atribuída uma nota cuja média determina se o país é livre; parcialmente livre; ou não-livre. O Brasil, em 1998, era considerado parcialmente livre. Com uma média de 3,5 de um total de 7 pontos, sendo 7 o MENOS livre. Recebeu nota 3/7 para Direitos Políticos e 4/7 para Liberdades Civis. Em 1999, repetiu a média.
Foi melhorando até que, em 2003, um ano após Lula chegar à presidência, o Brasil foi considerado LIVRE pela primeira vez, com uma média de 2,5 pontos. E não estou dizendo que é obra dele, não é, mas de TODOS os atores políticos que lutaram pelo fortalecimento democrático – o que inclui aceitar o resultado de eleições livres.
Em 2006, a média melhorou e atingiu 2/7 pontos, com a mesma pontuação para Direitos Políticos e Liberdades Civis. Uma democracia imperfeita, mas democracia. Desde então, o país permanece na categoria LIVRE. Os processos democráticos em si, como a premissa de eleições livres, não sofreram abalo durante os governos do PT e nem mesmo com Temer. Mesmo com a corrupção que se mostrou sistêmica e enraizada em todos os partidos políticos e governos. Mesmo com a violência. Mesmo com a desigualdade.
Tanto é assim, que é praticamente consenso na literatura acadêmica da Ciência Política o fato de que só se pode pensar em algo parecido à consolidação democrática no Brasil a partir de 2002. Nota-se, porém, que no score agregado, o Brasil vem perdendo pontos desde 2016. Um alerta.
A democracia brasileira parecia segura também aos olhos de pesquisadores estrangeiros. Lembro de ouvir do professor Larry Diamond, de Stanford, em um seminário no ano de 2014, em Lisboa: “You can say that democracy in Brazil is solid.” Você pode dizer que a democracia no Brasil é sólida. até que apareceu o candidato do PSL. Pela primeira vez em mais de 30 anos, e por causa de Bolsonaro e Mourão, a democracia brasileira parece verdadeiramente ameaçada pelo fantasma dos militares, que já não é fantasma, é matéria. Eles trouxeram os militares de volta à cena política e ressuscitaram um grupo que já não tinha importância.
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Por isso, é um EQUÍVOCO colocar Bolsonaro no mesmo saco que QUALQUER outro candidato quando o assunto é respeito pelas instituições democráticas. NINGUÉM flerta com o autoritarismo da forma como ele e Mourão o fazem. E o fazem sem esconder, sem o menor pudor.
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O Brasil já sofreu muito com os anos de chumbo. Pessoas morreram para que nós tivéssemos o direito de escolher o presidente; pessoas foram torturadas porque lutavam por essa liberdade. E nós estamos desdenhando disso quando não atribuímos gravidade ao que que dizem os candidatos da chapa do PSL. A dupla de militares diz que o período de da Ditadura “foi pintado errado pelo PT. Quem tem dúvida, pergunte para o vovô.” Pois eu perguntei, e seu Orozimbo, um homem de poucas letras, me disse de maneira singela que governo não é lugar para o Exército. Com seus 84 anos, ficou surpreso que há jovens que defendem o retorno da Ditadura.
Eu tive um ataque de amor e abracei meu filho menor bem forte, cherei e disse: como posso te amar tanto?
Ele: porque tu é minha mãe, ora!
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Fiquei rindo muito, claro. E depois fiquei pensando no tal amor incondicional. Eles ainda não me desafiaram a ponto de eu questionar esse amor. Por enquanto, sei que é amor incondicional porque tenho a sorte de ter dois fofos como filhos. Mesmo nos dias em que não dormem. Mesmo nos dias em que deixam os brinquedos jogados. Ou que todas as roupas incomodam. Mesmo quando eles precisam de mim a cada meio segundo. Mesmo quando eles não precisam de mim o dia todo. Mesmo que…
Ver os filhos crescendo é um desafio terno e assustador. Não é só pelas roupas que deixam de servir de um dia pro outro. Não é só porque temos que saber os nomes de todos os personagens dos desenhos animados. Não é só porque num dia tu faz a comida que eles mais amam e no outro dia eles não suportam aquela mesma comida.
É um estado de atenção, vigília. Sem trégua. Porque se a gente não está atento, deixa passar o que mais importa. Deixar de ver que eles aprenderam algo novo, que o vocabulário aumentou, que ele já sabem dizer “procrastinar”e mais, já sabem o que isso significa! Um amor incondicional. Por ora é assim. Pra sempre assim.
Mulheres protestam contra o presidenciável Jair Bolsonaro no centro do Rio
Jair Bolsonaro é um golpista e uma figura nefasta para o Brasil. Suas últimas falas (em especial esse absurdo inominável de só aceitar o resultado das urnas se ele for eleito) deixam claro que ele não deseja servir à democracia, mas sim sequestrá-la. Bolsonaro é a pura vulgaridade política, no sentido mais grotesco de preconceito, ódio e despreparo, mas nem é disso que estamos falando: o que pega, aqui, é a declaração clara de que deseja usar o processo democrático apenas como ponte – e se a ponte não servir, a democracia que se lasque.
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Seu desprezo pelas regras do jogo é um insulto a quem tenta construir uma democracia, ou ao menos algo perto disso, no Brasil. Nenhuma condenação é pouca para seus disparates. É dever de quem preza nossa ainda frágil tentativa de democracia enfrentar essa figura funesta e sua candidatura, deixando claro o engodo e o suicídio político que ela representa.
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Antes dessas falas, repudiar Bolsonaro ainda poderia, para alguns, parecer uma questão de preferência política. A partir delas, em especial, essa posição torna-se impossível sem uma dose considerável de desapego à realidade. Nada – muito mesmo o antipetismo, essa versão caricatural e fascista que o ódio aos pobres e/ou diferentes toma em nosso país – justifica jogar ao fogo o pouco de representatividade que temos, o muito de liberdade e coesão social que ainda precisamos construir. Há outros candidatos, há outras formas de combater o petismo, se isso é mesmo tão importante. Votar Bolsonaro, em termos de solução, equivale a incendiar o prédio porque não se consegue consertar um vazamento no terceiro andar.
Mas é ainda mais que isso.
Bolsonaro não é apenas uma ameaça conceitual: é concreta. Ele ameaça a nós todos. Sem disfarces. De modo arrogante – pois o que é dizer que “não pode falar pelos comandantes militares” caso Fernando Haddad vença, senão arrogância e disposição golpista? Ele diz que devemos nos ajoelhar não ao resultado das urnas, mas à vontade dele, Bolsonaro, e de mais ninguém. Isso é um insulto a todos nós – inclusive a seus eleitores, mesmo que esses não percebam. Me elejam, ou vou tocar o terror.
Quem Bolsonaro pensa que é, para falar com o Brasil inteiro desse jeito?
O fascismo é um ideário de morte. Celebrar a vida, e a liberdade de existir que é inerente ao viver, é um poderoso ato de resistência. E o Brasil, liderado pelas mulheres (nossa grande força transformadora, desde sempre e mais do que nunca), disse no último sábado que a morte se enfrenta vivendo, e que não vamos – nós, o que recusamos a ameaça personificada em Jair Bolsonaro – nos encolher em um canto, com medo da morte.
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O resultado das urnas ninguém sabe qual será. Pode ser inclusive a eleição de Jair Bolsonaro, por que não? Se a nação brasileira optar por jogar-se no abismo, assim será. Mas a liberdade não é algo que se entregue de mão beijada ao valentão que grita mais alto. Cabe enfrentar a ameaça, lutar até o fim para vencê-la e tentar sair mais fortes disso tudo.
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Derrotar Bolsonaro nas urnas, é claro, não resolve problema algum. O Brasil seguirá cindido, talvez mais do que nunca, e as inúmeras angústias que alimentam esse flerte coletivo com a autodestruição seguirão existindo e exigindo respostas. Reconstruir as pontes incendiadas nos últimos anos será uma tarefa imensa, talvez até irrealizável. Mas nenhuma solução, por mais difícil e dolorosa que seja, poderá nascer do que esse cidadão diz, pensa e faz. Bolsonaro não é um candidato comum: é um opressor e oportunista que deseja, de forma tosca e às nossas custas, transformar-se em tirano.
Não existe neutralidade possível diante da infâmia. Que todas as vozes e bandeiras alinhadas com a busca da democracia sigam se erguendo e, juntas, derrotem essa figura vulgar de volta à irrelevância da qual jamais deveria ter saído.
Adoção – Quatro relatos de pais e mães que adotaram uma criança
Raquel Grabauska
28 de setembro de 2018
Ter um filho é algo que não tem como descrever. Posso falar anos e anos sobre o que é. E nunca vou chegar nem perto da complexidade, a felicidade e a inteireza que envolve tudo isso. Sabe como se tem filho? Com amor. Essa é a melhor forma. Meu carinho e admiração a quem tem tanto amor.
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Conversei com quatro pessoas que tiveram umas das atitudes mais lindas que alguém pode ter: adotar uma criança
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Airton, pai do Henrique e do José Guilherme
Quando tiveram a ideia de adotar?
O Marcos sempre teve vontade, porém decidimos no inicio de 2009 e neste mês mesmo agimos…hehehe
Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
Dia 26 de janeiro de 2009 fomos até o JIJ (Juizado da Infância e Juventude) nos inscrevemos, já com documentação exigida e, a partir daí, passamos por todo o processo de habilitação (entrevista com psicólogos e assistentes sociais com visita dos mesmos em nossa casa) para adoção como qualquer outro casal ou pessoa que pretende adotar. Em abril já estávamos habilitados e na lista de adotantes do CNA (Cadastro Nacional de Adoção). Em novembro recebemos a ligação do JIJ da cidade de origem deles e fomos conhecê-los no dia 26 de novembro e depois veio duas visitas deles em nossa casa durante fins de semana. Depois da segunda visita decidimos que os queríamos e eles aceitaram ser nossos filhos. No dia 14 de dezembro aconteceu a audiência e saímos dali com a guarda provisória. Após a segunda visita da equipe de acompanhamento fomos dados como totalmente adaptados, teve o parecer favorável do juiz e depois do trânsito julgado do processo (45 dias) fomos registrá-los em maio de 2010.
Que idade tinha a criança?
Adotamos dois irmãos. O Henrique tinha 9 anos e o José Guilherme tinha 4 anos.
Qual a parte mais difícil?
Felizmente não tivemos nada de empecílio. Achamos que foi um processo que bem feliz. Todas as pessoas que de uma forma ou de outra se envolviam neste processo eram muito tranquilas e foi facílimo TUDO.
Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
Vimos eles pela primeira vez no dia 26 de novembro, quando fomos no abrigo. Nada sabíamos sobre eles. Primeiro conversamos com a equipe maravilhosa do abrigo, nos contaram sobre a vida deles e depois fomos no pátio conhece-los. Estavam junto com outras crianças. Fomos sem eles saber quem éramos e assim conhecemos sem saberem a nossa intenção. Depois eles vieram até a sala da secretaria e conversamos com eles. Foi amor a primeira vista. Falamos o que estávamos fazendo ali e se eles gostariam de nos conhecer melhor, nossa casa. Combinamos a visita. Depois desta tivemos a certeza que eram eles e eles também que éramos nos os pais que eles escolheriam.
O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Eu costumo dizer que o universo conspirou e que nossos caminhos estavam traçados para se cruzarem. Sou espirita e acredito que nesta passagem na terra estamos resgatando algo de outras vidas. Estava escrito que assim seria. E está sendo maravilhoso.
O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Eu recomendaria que adotasse imediatamente e deixe de pensar. É uma relação de completa troca de amor, carinho, atenção, puxões de orelhas e companheirismo. Portanto, recomendo que a pessoa se jogue de cabeça e totalmente disposto para dar e receber muito amor e carinho. Com certeza será muito feliz.
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Dorana, mãe do Davi e, agora, mãe da Júlia, de um ano e três meses
Quando tiveram a ideia de adotar?
Sempre tivemos a vontade de adotar, mas a atitude veio quando não conseguimos engravidar do segundo filho.
Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
A ideia desde o namoro…kkkk Mas entre ir no Foro Central, ficar habilitado e adotar, 6anos e 5 meses..
Que idade tinha a criança?
Um ano e dois meses. Pedimos no perfil uma menina de até quatro anos.
Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
A primeira vez a gente se esforça pra se equilibrar, é um momento tenso e intenso!
O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
O que recomendo, bom, em uma semana com ela em casa, estamos nos adaptando. Que esta busca seja feita com o apoio da tua família, que seja iniciada de uma vez e que lembre sempre que ” ganhar” um filho é um presente. Independente de ser biológico ou não, ele será TEU pra sempre. Responsabilidade como pais…para criarmos uma pessoa que some neste mundo.
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Ana, mãe do Henrique,7 anos
Quando tiveram a ideia de adotar?
Após tentarmos três gestações sem sucesso
Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
1 ano
Que idade tinha a criança?
1 ano e 8 meses
Qual a parte mais difícil?
À espera longa sem ter prazo certo e depois não saber muito sobre a criança
Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
01 mês antes de ir para minha casa
O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Não sabia, ela me foi designada e nós a acolhemos, não sentimos aquela coisa mágica que muitos falam. Houve uma empatia e afeto mútuo pois ele queria uma família e nós queríamos um filho, mas nada mágico, tudo muito construído até hoje, tijolinho por tijolinho. No início há um estranhamento, pois de repente nasce uma criança, sem gestação, sem data de parto.
O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Esteja de coração aberto, não coloque ideias em caixinhas, nem planos rígidos, abra-se para aprender, para receber e, claro, para exercitar um amor que com certeza vai te desafiar e exigir muito.
Vanessa, mãe da Dora, três anos
Quando tiveram a ideia de adotar?
No nosso caso não foi uma “ideia”. Eu sempre acreditei ser essa uma das certezas que tinha sobre maternidade. Minha companheira abraçou o meu mundo e as minhas certezas e com a vida em comum começamos a reconhecer os ecos uma da outra como nossos também. Assim se deu a decisão íntima de sermos mães pela via da adoção.
Entendemos que para nós o caminho da maternidade pela inseminação de um doador de sêmen já é uma adoção. Adoção essa unilateral, no nosso entender . E ainda com variáveis muito elásticas quanto ao que mobiliza esses doadores.
Outra questão quanto à seleção dos possíveis doadores em um banco de sêmen brasileiro que nos deixou tão distantes dessa ideia foi o fato de que, como mulheres brancas que somos, só poderíamos ter doadores igualmente brancos. Para nós isso é assustador. Já na época. Ainda mais hoje, nós mulheres brancas, mães de uma menina negra.
Quanto tempo entre a ideia e a adoção?
Alguns anos (quase 4 anos) desde a primeira vez que falamos sobre o assunto. Em um primeiro momento nos dedicamos a construir nossa relação. Nosso entendimento como casal. Do amor sedimentado cresceu a vontade de expandir esse amor para alguém que nascesse desse amor. E a adoção é só AMOR – pelo outro. Um outro que não é gerado em você mas nasce e cresce em você. E a razão de ter aqui a “palavra Amor” repetidas vezes é porque só é possível a entrega quando o AMOR é maior e transborda.
Porém de tudo – demoramos 17 meses para sermos habilitadas e da habilitação até a chegada da Dora foram quase 4 anos.
Que idade tinha a criança?
A conhecemos com menos de um ano e ela chegou com 1 ano e meio.
Qual a parte mais difícil?
Como mãe a parte dilacerante é quando já se sabe que sua filha existe; tem um rosto, um olhar, um cheiro… e você precisa dia após dia se despedir e a deixar no abrigo até que alguém compreenda que essa criança já tem uma família para chamar de sua.
Para nós como mulheres que se amam o mais difícil foi lidar com o preconceito. Em muitas etapas iniciais do processo de habilitação e ainda pela parte técnica do abrigo.
Como foi quando viu a criança pela primeira vez?
Foi um turbilhão. Dentro do abrigo, noite, frio. Eu ali em dia de festa para as crianças maiores. Ela doente sem nada de festa. Muito séria, olha triste, desconfiada, vem pro meu colo. Foi a emoção mais doida e doída que já vivi. Fui tomada por uma coragem de mundo e ao mesmo tempo um medo imenso do que estava por vir me pegou pela mão. Não é fácil quando nos damos conta de que o coração bate fora do peito.
O que te fez saber que era aquela a tua criança?
Como não saber?
O que tu recomenda pra quem tá pensando nisso?
Recomendo leitura, escuta, compartilhamento, entrega. Recomendo urgentemente que participe de grupos de apoio à adoção. Apenas os sérios. Tem muita bobagem nas redes e muito preconceito.
E antes de mais nada que somente pense a adoção se ou quando o coração estiver pronto. Adoção não pode ser vista e não é a última opção para se formar uma família. Os adotantes é que devem ser na verdade os adotados. As famílias é que devem adotadas por essas crianças. Já passaram por muito. Não são consolo nem nos devem gratidão. O luto é delas e não nosso. Precisamos ser e estar inteiros para elas que muitas vezes são fragmentadas, apenas parte de histórias que “preferimos” não contar, que “preferimos” esquecer.
E por fim termos a certeza segura de que uma família formas pela adoção tem raiz no amor. E isso – o amor – também passa de pais para filhos.
No último final de semana, o Vós participou do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, em Porto Alegre. O evento é uma iniciativa pioneira no Brasil no fomento de discussões atuais sobre um novo momento do jornalismo, em que veículos concebidos em ambiente digital tem mais relevância, além do surgimento de toda uma geração de jornalistas empreendedores. O festival é uma parceria das plataformas Agência Lupa, Agência Pública, BRIO, JOTA, Nexo, Nova Escola, Ponte Jornalismo e Repórter Brasil com o Google News Initiative.
O debate foi centrado nas eleições e foi dividido em três painéis, cada um com três palestrantes: “Os santinhos: o que investigar, como investigar?”, “Corpo a corpo: como novos eixos e perspectivas de cobertura podem renovar a agenda eleitoral?” e “Temos um vencedor: e agora, jornalismo?”. Eu participei da segunda mesa, ao lado da professora Rosane Borges (USP) e da jornalista Flavia Marreiro (El País).
Esse é um tema especialmente caro pra mim porque foi a partir dessa frustração que o Vós nasceu. A partir da frustração de sentir que não havia espaço na mídia tradicional para tratar de forma profunda sobre temas como aborto, encarceramento em massa, violência policial, racismo e outros temas sensíveis e urgentes da nossa sociedade.
Esse é um debate bastante complexo, que, a meu ver, enfrenta um obstáculo social, institucional e o agendamento da grande mídia. Isso porque a desigualdade faz com que os brasileiros tenham demandas que parecem mais urgentes, como a fome e o desemprego. Assim, assuntos como aborto e encarceramento em massa se tornam secundários no imaginários das pessoas, moldado por instituições e pela grande mídia.
É confortável pensar que o jornalismo sempre reflete a realidade, mas a verdade é que são decisões editoriais baseadas em uma série de fatores. Ou seja, é um recorte. E isso faz com que as pessoas enxerguem esse recorte como a realidade, como em um ciclo vicioso. O resultado é que temas desconfortáveis acabam sendo negligenciados. Não são tratados com a importância que merecem. No caso do aborto, como tema de saúde pública, por exemplo.
Penso que a maneira de enfrentar esses obstáculos é se posicionar. Sair de trás do véu da imparcialidade, porque não existe confronto sem posicionamento. Nós fazemos escolhas mesmo que a gente não perceba, melhor que as façamos às claras. Violações aos Direitos Humanos não podem ser tratadas como polêmica, mas como crime. Youtuber que relaciona Mbappé à arrastão não é polêmico, é racista. É preciso dar nome aos bois. Além disso, é preciso mudar o enfoque, é preciso trazer os problemas para a realidade das pessoas a mostrar a urgência desses temas. Forçar empatia.
Entre os convidados desta edição estavam Leandro Demori, editor-executivo do The Intercept Brasil, Flávia Marreiro, subeditora do El País, Jineth Prieto, editora do site colombiano La Silla Vacía, Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, Alexandre de Santi, cofundador da Agência Fronteira e Francisco Leali, coordenador na sucursal de Brasília do jornal O Globo.
Ficou curioso? Dá uma olhada em como foram as discussões do Festival 3i.
Programação completa:
Mesa 1 – Os santinhos: o que investigar? Como investigar?
– Leandro Demori (editor-executivo do The Intercept Brasil)
– Taís Seibt (co-fundadora do Filtro Fact-Checking)
– Francisco Leali (coordenador na Sucursal de Brasília de O Globo)
Mediação: Breno Costa (BRIO)
Mesa 2 – Corpo a corpo: como o jornalismo pode renovar a agenda eleitoral
– Rosane Borges (USP)
– Flavia Marreiro (El País)
– Geórgia Santos (Vós)
Mediação: Antônio Junião (Ponte Jornalismo)
Mesa 3 – Temos um vencedor: e agora, jornalismo?
– Alexandre de Santi (editor no The Intercept Brasil e co-fundador da Fronteira)
– Sylvio Costa (diretor do Congresso em Foco)
– Jineth Prieto (editora do La Silla Vacía – Colômbia)
Mediação: Moreno Osório (Farol Jornalismo)
Dias desses comentei com o namorado de um amigo que já tem filhos grandes sobre o sono que estava sentindo. Meus filhos acordaram váaaaaaarias vezes na noite, me tornando um zumbi matinal.
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Ele disse: “filhos pequenos dão trabalho. Filhos grandes dão dor de cabeça”.
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Nunca mais parei de pensar nisso. Resolvi aproveitar pra me divertir um pouco com o trabalho que os filhos pequenos nos dão. Às 10h da manhã, o filho menor pede colo pra o pai pra ver o que tem no armário das comidas. Descobriu um pirulito que jazia escondido. Começa a negociação. O pai não cede. Filho frustrado. Manha, fúria, desgosto.
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Por fim, desabafo: “se eu fosse adulto, eu faria o que queria”.
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Certamente o primeiro ato da sua vida adulta será comer um pirulito às 10h da manhã de um feriado. Por aqui, quando não deixamos fazer alguma coisa que querem muito, ouvimos coisas terríveis:
Não vou te convidar pro meu aniversário!
Não vou te emprestar os meus brinquedos!
Não gosto mais de ti, só do papai (ou só da mamãe!, quando o algoz foi o pai).
Ninguém me entende!
Essas duras palavras duram em torno de doze segundos. Daí vem o melhor abraço do mundo. Sempre. E somos novamente convidados para o aniversário. E podemos brincar com seus brinquedos. E eles ficam sabendo que os amamos.
O TANTO em maiúsculas foi por minha conta. Ele não gritou. perguntou com a naturalidade com que faz todas as mil perguntas do dia. Mas eu ouvi como se tivesse sido gritado. Todo meu corpo (menos a bunda) enrijeceu.
Tinha eu saído do banho, bem tranquila, limpinha e cheirosa. Estava indo do banheiro para o meu quarto me vestir. Não percebi a presença de um seguidor. Virei, me cobri com a toalha, desfiz a cara de espanto e pensei no que responder:
– porque nos últimos oito anos eu me dedico à maternidade mais do que a mim mesma;
– porque sou artista e preciso viver do meu trabalho e fico com pouco tempo para ginástica,
– porque tenho 45 anos e a genética é assim mesmo;
– porque sim ;
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Pensei ainda mais algumas coisas. Pensei em como ensinar pra um menino a respeitar as diferenças. A respeitar os corpos. Pensei, pensei, pensei. Ele ali, me olhando, com a mesma cara que estaria se tivesse me perguntado qual a cor do céu num dia nublado. Eu percebi que para ele era só uma pergunta. E me dei conta de que tudo bem. Minha bunda balança mesmo. Por todas as minhas razões. E talvez algumas outras que eu não saiba…
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Respondi que é assim mesmo
Cada bunda tem seu jeito
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Assim, como as pessoas têm cores diferentes, cheiros diferentes, tamanhos diferentes. A minha bunda é assim. E tá tudo bem. Ficamos os dois bem. Ele foi brincar e eu me vesti. Acho que depois disso comecei a rebolar mais quando caminho, sem preocupação. Não sei muito mais oq ue poderia ter falado pra ele. Mas ensinei pra mim que tá tudo bem coma minha bunda.
Essa foto me choca. Parece impossível que alguém seja capaz de dizer isso, quanto mais escrever com tinta em pedra. Não é algo que se apague com água e sabão, nem do muro nem da memória de quem ouve e de quem diz. Ainda assim, foi dito e escrito no período que sucedeu a morte de Eva Perón, em 1952, então primeira-dama da Argentina.
Fui lembrada desse episódio na semana passada, enquanto visitava o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde Evita descansa não em paz. À época, os inimigos políticos do General Juan Domingo Perón picharam uma parede com a frase “Viva el cancer”, celebrando a morte da chamada líder espiritual da argentina e heroína dos descamisados.
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Celebrar a morte de alguém que faleceu vítima de uma doença devastadora
Vibrar diante de tragédias pessoais
Alegrar-se com a miséria de adversários
Já viu algo parecido?
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As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são exclusivas. Só acontece comigo, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são universais, assim como a maldade se encontra em qualquer lugar. As pessoas gostam de acreditar que suas tragédias são fruto de seu tempo. Antigamente não era assim, gostamos de dizer. Mas não. Tragédias são atemporais, assim como a mesquinhez se encontra em qualquer momento.
Nós éramos assim antes, em 1952, e somos assim agora, em 2018
Brasil afora, militares marcham com orgulho. Também há milhares de crianças e adolescentes com seus uniformes escolares para celebrar o sete de setembro em desfiles tão coloridos quanto antiquados. Nas roupas tingidas de verde e amarelo, o orgulho de carregar a pátria no peito com um eventual azul, a alegria de celebrar sua história que começa como Brasil em 1822. Os desfiles variam em tamanho e em vontade. Ao lado dos jovens orgulhosos, há os sonolentos que preferiam estar em casa, a dormir. Há os que não tem ideia do que se passa. Há quem faça ideia mas não considera importante. Há os patriotas. Há os cínicos. Há os que não se importam e está tudo muito bem. Quem nunca? Eu participei de vários. Várias e várias vezes. Quase nunca por vontade, diga-se. Minha categoria era uma mescla dos sonolentos com os cínicos e os que não se importam.
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Já são 196 anos do grito de Dom Pedro, que bradou “Independência ou morte!” – de trás de um arbusto e durante uma diarreia
A isso, pode-se somar a insegurança, os graves problemas na área da educação, o salário de fome dos professores, o abandono da cultura, as filas da saúde, os direitos ameaçados dos trabalhadores e os escândalos de corrupção que são empilhados em nossa memória
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Aliás, por falar em memória, também ela anda esquecida neste país que insiste em esquecer do passado e flerta com o autoritarismo ao negar a Ditadura enquanto horror. E então, são 196 anos de que? Não ignoro que há o que se comemorar. O Brasil se desenvolveu de forma importante em diversos setores e é considerada uma das nações mais importantes do mundo. Ainda assim, a sensação, agora, é de desesperança. A sensação é que a barbárie vence a razão.
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O que aconteceu com Jair Bolsonaro é inadmissível. Simples assim. Sem “mas”, sem “porém”, sem condicionantes de qualquer ordem. E enquanto candidato à presidência, o ataque a ele é um ataque à democracia e à liberdade
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Em boa nota, os concorrentes de Bolsonaro na corrida presidencial manifestaram votos de solidariedade e suspenderam atividades públicas de campanha. De um jeito torto, parecia que o tom da campanha finalmente melhoraria no sentido de que os valores democráticos prevaleceriam. Mas a boa nota é curta. Rapidamente o tom virou e as redes sociais foram inundadas com aquilo que há de pior. O presidente do PSL disse que “agora é guerra”; o candidato a vice de Bolsonaro, General Mourão, fez acusações levianas indicando que o PT e PSOL estariam por trás do ataque; teorias da conspiração que insinuavam que a facada seria uma armação; questionou-se o sangue; questionou-se a faca. Jornalistas histéricos davam informações desencontradas enfeitadas por pirotecnia. E assim, de maneira irresponsável, a agenda ideológica do candidato se mesclava ao mérito do golpe que ele recebeu. E então, são 196 anos de que?