Geórgia Santos

Escandalopédia – Os CINCO escândalos do dia

Geórgia Santos
6 de setembro de 2017

Ontem foi pesado, mesmo. Por isso criamos nossa Escandalopédia. O brasileiro tomou uma pedrada atrás da outra nessa terça-feira, 5. Quando acordamos, acreditávamos ter uma pedra no meio do caminho. Quando fomos deitar, tínhamos convicção de que estávamos soterrados. Veja quais foram os cinco principais escândalos do dia.

  1. 1. No meio do caminho, tinha o Geddel

O dia começou e terminou com as malas de Geddel. Pela manhã, acordamos com as fotografias de um apartamento de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro dos governos de Michel Temer e Lula, entupido de dinheiro. Numa apreensão digna de séries de televisão – e estou falando de Narcos, não de House of Cards – vimos uma sala lotada de MUITA grana. À noite, fomos dormir com o barulho das máquinas da Polífica Federal contando o dinheiro apreendido: R$ 51 milhões e uns trocados. Aparentemente, ele guardou até as moedinhas.

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Mas e no meio?

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  1. 2. No meio do caminho, tinha o Joesley

O mais famoso delator da Lava-jato, Joesley Batista, foi gravado discutindo seus privilégios com o judiciário brasileiro. Nos áudios entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário fala em “dissolver o Supremo” com a ajuda de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma. Em conversa com o também empresário Ricardo Saud, podemos ouvi-lo dizer: “Eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé e o Zé vai entregar o Supremo.”

Mas não termina aí, essas descobertas podem levar a uma mudanças nos acordos de delação premiada. Afinal, os áudios indicam que Joesley omitiu informações em seus depoimentos e, pior, estava no comando da situação.

Mas ainda não termina aí. A gravação ainda implica o ex-procurador Marcelo Miller. Segundo os executivos da JBS, ele atuava em favor da empresa antes da exoneração. Agora é aguardar, porque tudo indica que Joesley perderá seus privilégios. Não por ter mentido, mas por ter omitido e manipulado a própria delação premiada. Parece mentira, mas é Brasil.

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  1. 3. No meio do caminho, tinha a Olimpíada

Como desgraça pouca é bobagem, o mar de lama chegou aos Jogos Olímpicos do Rio. A nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã de ontem (05), investiga um esquema de corrupção de compra de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada. Durante a Operação Unfair Play (Jogo Sujo, em inglês), a Polícia Federal apreendeu R$480 mil na casa de Carlos Arthur Nuzman, presidente no Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Mas não termina por aí, claro que não. Há uma série de outras investigações em torno da Olimpíada do Rio que envolvem acusações de propinas e superfaturamentos.

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  1. 4. No meio do caminho, tinha o Funaro

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do corretor Lúcio Funaro. Ele admitiu ser o operador financeiro do PMDB na Câmara dos Deputados e citou autoridades com foro privilegiado no STF. Inclusive o excelentíssimo presidente da República, Michel Temer. Espera-se que a denúncia contra Temer seja apresentada ainda essa semana. Funaro era aliado de Eduardo Cunha, inclusive. Temer cada vez mais enrolado.

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  1. 5. No meio do caminho, tinha o Lula – e a Dilma

Quando a gente achou que tinha acabado, a cereja do bolo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou, nesta terça (05) os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles são acusados de participar de organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. O inquérito recebeu o apelido de “quadrilhão do PT”. O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também denunciou os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega; a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo; e os ex-tesoureiros João Vaccari e Edinho Silva. Não há novidades em termos de investigação, é mais do mesmo, mas a denúncia é um balde de água fria aos admiradores do ex-presidente, principalmente porque não vem do “aqui-inimigo”, o Juiz Sérgio Moro. A denúncia parte de Janot, até este momento acusado de ser petista. E o mesmo balde serve pra Dilma, que até então vinha sendo inocentada e, agora, precisa mudar o discurso.

E isso que não listei aqui as discussões sobre a reforma política, a proposta de privatizar ou acabar com a UERJ, os R$ 350,00 que os professores gaúchos receberam, e por aí vai.

Carlos Drummond de Andrade disse que havia uma pedra no meio do caminho. Mal sabia ele que os brasileiros teriam pedreiras inteiras a bloquear o futuro.

Igor Natusch

O que sobra nas malas do Geddel falta em quase todo o resto

Igor Natusch
6 de setembro de 2017

Fato 1:

O Brasil tem apenas três universidades entre as 600 melhores instituições do mundo. Somente três. O país que tem a quinta maior população, a maior economia da América Latina e a nona maior do planeta, abriga em seu território apenas 0,5% dos centros de conhecimento mais significativos do planeta.

Fato 2:

O governo federal contingenciou, no orçamento deste ano, 15% dos gastos de funcionamento e 40% das despesas com obras nas instituições federais de ensino. Em agosto, diante do asfixiamento das universidades e das perspectivas catastróficas para ensino e pesquisa, o Ministério da Educação resolveu liberar mais uma graninha, um respiro de R$ 450 milhões. Ainda insuficiente para manter as atividades nos patamares anteriores, que dirá para ampliá-las, como seria necessário em um país que abriga só 0,5% das mais significativas universidades do mundo.

Fato 3:

A Polícia Federal encontra um monte de malas cheias de grana em um apartamento de Salvador, na Bahia, onde Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro de Michel Temer, armazenaria recursos ilícitos. Nove malas e sete caixas de papelão, lotadas de dinheiro em espécie. Contar todas as cédulas exigiu uma equipe inteira trabalhando, do fim da manhã até a madrugada. Total recolhido: R$ 51.030.866,40. Cinquenta e um milhões, trinta mil, oitocentos e sessenta e seis reais e quarenta centavos. Apenas para uma única base de comparação, é quase um terço de todo o orçamento da UFRGS para o ano de 2017, que era de R$ 178 milhões – e que foi contingenciado, vamos lembrar.

Fato 4:

O governo de Michel Temer liberou R$ 4,03 bilhões em emendas parlamentares nos dois meses anteriores à votação na Câmara, que desconsiderou as denúncias contra ele e impediu a abertura de processo no STF. Isso é mais de 65% do total previsto para 2017 (R$ 6,14 bilhões) e 96% de tudo que havia sido liberado até então (R$ 4,17 bilhões). Os dados são do começo de agosto.

De posse desses dados, caro leitor ou leitora, imagino que a cantilena muito repetida de que “não há dinheiro” para “gastar” em programas de incentivo ao ensino, cultura ou ciência ganha uma outra perspectiva.

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A falta de dinheiro não é uma força da natureza, algo que surge de forma incontrolável e que pouca opção deixa a nós, pobres cidadãos e cidadãs do Brasil, senão aceitar mais um corte de direitos, mais uma cota de sacrifício. Falta de recursos é fruto de desvio, de roubos e negociatas, de prioridades para lá de questionáveis – mas, acima de tudo, de opções

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Só faria sentido falar em insuficiência se houvesse pouca arrecadação, e convenhamos que essa insinuação provoca risos nervosos em qualquer um com um mínimo de conhecimento do que são os encargos e impostos no Brasil. Falta aqui porque em algum lugar, lícito ou ilícito, está sobrando. E sobrando muito.

Nem vou entrar em outros pontos passíveis de semelhante reflexão – como, por exemplo, o brutal atraso de salários que afeta funcionários públicos em diferentes pontos do país. Apenas reforço a necessidade de bater pé e impor alguma resistência sempre que vierem aos meios de comunicação dizer que não há dinheiro, que o Estado está falido, e usarem essa constatação como justificativa para as mais disparatadas propostas, as mais canalhas iniciativas. Entre outras coisas, essa docilidade constrói um país sem perspectivas, atrofiado na produção de tecnologia e conhecimento, que vê diante de si malas com quilos de dinheiro roubado e ainda assim aceita que funcionários passem meses a fio sem receber salário integral ou que seja preciso fazer vaquinha para colocar papel higiênico nos banheiros de escolas e faculdades.

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Ir a protestos com faixas genéricas pedindo melhoras na educação, além de fácil demais, é insuficiente. É nessa hora, quando o dinheiro sonegado ao ensino surge materializado da maneira mais escandalosa e caricata possível, quando a conexão entre a grana que falta e a grana que sobra surge de forma impossível de ignorar, que é preciso ligar o cérebro e ir além dos espantalhos e inimigos óbvios

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Aceitaremos que universidades federais sejam precarizadas ao ponto de demitir terceirizados, ou mesmo que fechem as portas, enquanto o dinheiro que falta está ali, fazendo volume debaixo do tapete? Mais do que um dilema ético, é uma questão de futuro.

Foto: Polícia Federal / Divulgação

Geórgia Santos

Nada de leite mau para os caretas (um ensaio sobre intolerância)

Geórgia Santos
4 de setembro de 2017

Meu amado marido me deu um disco da Gal. O Profana tem na primeira faixa uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos: Vaca Profana, de Caetano Veloso. Ouvi a canção. Ouvi de novo. E de novo e de novo. Eu amo tudo a respeito desse som e do que ele diz. Comecei a pensar no porquê quando a letra respondeu à minha pergunta. Sim.

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Respeito muito minhas lágrimas

Mas ainda mais minha risada

Inscrevo, assim, minhas palavras

Na voz de uma mulher sagrada

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Sim. É isso. Mas vai além. Eu gosto do tom de berro e desabafo tão atuais. Em tempos de ódio e intolerância, é difícil ser amoroso e tolerante, eu confesso. E essa canção me dá a licença poética que eu preciso.

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Dona das divinas tetas

Derrama o leite bom na minha cara

E o leite mau na cara dos caretas

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Sim. Derrama o leite mau na cara dos caretas. Conforme vou ouvindo a música que consegue ser baiana e global ao mesmo tempo, mais eu cedo ao caminho fácil da intolerância. A canção vai me abrindo as portas da intransigência e eu não quero ser legal com os caretas. Quero que eles provem do próprio veneno.

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Vaca de divinas tetas

La leche buena toda en mi garganta

La mala leche para los “puretas”

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Sim. Quero que eles provem do leite mau. Mas será que quero, mesmo? Será que intolerância combate intolerância? Tenho a impressão que só funciona na matemática essa história de que “negativo” com “negativo” dá “positivo”. Conforme a música vai evoluindo, Gal canta sem ressentimentos e vai acalmando minha sanha.

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Caretas de Paris e New York

Sem mágoas, estamos aí

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Sim. Caretas de Sampa e Porto Alegre, sem mágoas, estamos aí. Tá, talvez não tão sem mágoas assim, mas acho que não vou desistir de me livrar delas. Não desistirei de me livrar das mágoas nem da intolerância. E conforme a agulha vai correndo o vinil, mais me convenço de que precisamos de muito amor e paciência pra resistir a essa batalha barulhenta.

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Dona das divinas tetas

Quero teu leite todo em minha alma

Nada de leite mau para os caretas

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No final das contas, nós, não caretas, também somos cheios de falhas e inconsistências. Temos nossos vícios e cometemos nossas injustiças. Ainda não aprendemos a tolerar o diferente, mesmo que nos cubramos de razão em nome do bom senso e, vejam só, da tolerância. Também sabemos ser hipócritas. Também nos deixamos cegar. A gente também sabe ser careta.

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De perto, ninguém é normal

Às vezes, segue em linha reta

A vida, que é “meu bem, meu mal”

Deusa de assombrosas tetas

Gotas de leite bom na minha cara

Chuva do mesmo bom sobre os caretas

 

Raquel Grabauska

Criando meninos 

Raquel Grabauska
1 de setembro de 2017
Hoje coloquei uma blusa que não usava faz tempo. De frescura, fiz um desfile na sala e perguntei pros meus filhos: Tô bonita ou ficou esquisita? Meu filho mais velho, que sempre (ainda) me acha linda, disse: Ficou esquisita. Perguntei o motivo. Ele: essa gola é muito quadrada.

Eu também não tava gostando muito

Troquei

Daí me dei conta: eu gosto dessa blusa

Mesmo na dúvida, tava com vontade de vestí-la. Daí pensei. Ele tem que me ver com a roupa que eu escolhi vestir. Ele tem que aprender a respeitar a roupa que eu, a roupa que as meninas, a roupa que qualquer mulher vista. Me assustei muito de pensar isso tudo. E fiquei me dando conta de que sim, claro que ele tem que respeitar as mulheres. E a mãe. E o pai. E o irmão. E os vizinhos. E todas as pessoas do mundo. Independente do sexo, do que vistam ou acreditem.

Igor Natusch

Discordância de Janta era um recado – que Marchezan não entendeu

Igor Natusch
30 de agosto de 2017
Porto Alegre/RS 21/06/2017 Cerimônia de abertura do Encontro de Gestores de Segurança Pública, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Foto: Ricardo Giusti/PMPA
Como a essa altura todo mundo já sabe, o prefeito Nelson Marchezan Júnior destituiu o vereador Cláudio Janta (Solidariedade) da liderança do governo na Câmara de Porto Alegre. A medida, ainda que drástica, não surge exatamente sem razão: Janta havia deixado muito clara sua discordância quanto a projetos encaminhados ao Legislativo municipal, em especial os que modificam ou extinguem benefícios no transporte coletivo da Capital, e chegou a ingressar na Justiça com uma ação para tentar impedir o fim da segunda passagem gratuita nos ônibus. Em uma posição de representar os projetos do Executivo em meio aos vereadores, Janta insistia em enfrentar o prefeito em alguns deles, e foi essa insistência que levou ao seu afastamento.
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O problema é que a mudança nos primeiros escalões do governo Marchezan está longe de ser uma novidade. Já são muitos os nomes fortes que pedem afastamento ou são afastados por Marchezan, incluindo o então braço-direito Kevin Krieger e o secretário Ricardo Gomes. No segundo escalão, as desistências contam-se às dezenas. Reforça-se, a partir dessas mudanças todas e de conversas dos bastidores da política, a imagem de um prefeito de trato difícil, intransigente em suas ideias, pouco ou nada disposto a ouvir outras opiniões – algo que, diga-se, é traído até em seus comentários sobre a imprensa gaúcha e sua “mania de ouvir todos os lados“, segundo ele.
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Nesse cenário, demitir Cláudio Janta da liderança do governo é um erro estratégico flagrante, quase infantil da parte de Marchezan.

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Gostem ou não do vereador, o fato é que Janta é um político experiente e que entende como poucos o estado de coisas na Câmara de Porto Alegre. Sabe que as recentes posições de Marchezan, chegando ao ponto de dar um puxão de orelhas público em seus próprios apoiadores, geram uma fissura crescente em sua base. Foi firme na discordância, mas nunca partiu para o ataque direto e chegou a dizer que “implorava” ao prefeito que repensasse sua posição.
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Se enfrentou Marchezan (e sem dúvida o fez) não foi por capricho: foi para marcar posição e, acima de tudo, para dar um recado.

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“Debreia, prefeito. Isso não passa. Converse mais com a gente”. Eis o que se pode ler, sem muito esforço, nas entrelinhas do que Janta dizia. Um recado, transmitido do jeito que se dá recado na política: na tribuna, diante das câmeras e da opinião pública.
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Mas a leitura política de Marchezan não pega sutilezas. Recentemente, o ex-vereador João Antônio Dib, que passou quatro décadas na Câmara, criticou de forma razoavelmente polida a possível privatização do Dmae e os ataques ao funcionalismo municipal. Como Janta, dava um recado nas entrelinhas. “Debreia, prefeito. Isso não vai passar. Converse mais com a gente”. Marchezan não deu ouvidos. Para ele, a política parece ser não mais do que uma linha reta: um apoio é um apoio, uma afronta é uma afronta, e nada além. Incapaz de entender mensagens, queima os mensageiros, ou os desgasta ao ponto de simplesmente desistirem de seguir a seu lado.
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Sem Janta à frente, a base de Marchezan corre riscos cada vez maiores de esfarelar. Moisés Maluco do Bem pode ser leal, mas é um recém-chegado, eleito como suplente e sem o traquejo para a difícil costura necessária para que a situação não se desfaça em farrapos na primeira votação mais espinhosa. E, mesmo caindo em ouvidos moucos, o recado segue posto: há coisas que não passam. Não basta o prefeito querer.
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Marchezan vai inviabilizando a si mesmo, na medida em que todos a seu redor entendem que a aliança será sempre uma via de mão única, onde a prefeitura nunca vai ceder.

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Nenhum vereador vai comprometer uma base eleitoral de décadas em nome de uma aliança nesses termos, menos ainda por projetos impopulares e de alto custo político. Mais de uma pessoa já tentou dizer isso a Marchezan – alguém que, diga-se, vem de uma história parlamentar e deveria estar sensível a esse tipo de situação. A proximidade com o MBL e as movimentações populistas nas redes sociais podem manter o eleitorado cativo de Marchezan a seu lado, mas terão pouca valia quando o governo municipal travar na Câmara de vez. Uma tendência quase inevitável, a julgar pela postura que Marchezan tem adotado nessa relação.
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Foto: Ricardo Giusti / PMPA
Raquel Grabauska

Dar o exemplo/ser o exemplo

Raquel Grabauska
25 de agosto de 2017

Dia desses aconteceu uma situação tensa. Uma mãe estava indo buscar seus dois filhos.  Para não atrapalhar o trânsito, ela resolveu colocar o carro parcialmente na calçada. Não atrapalhou o trânsito, mas atrapalhou demasiadamente uma vizinha  que passava em frente ao local nesse momento.

A vizinha sinalizou que aquilo estava errado. A mãe disse: é rapidinho, só vou pegar as crianças.Nisso, aquela pacata vizinha virou um leão e fez um super discurso: ela também tem uma filha. E quando não tem vaga, estaciona na outra quadra.

As duas discutiram acirradamente. Foram embora nervosas. As pessoas que presenciaram a cena, tomaram partido da mãe.

Ao saber da história, eu pensei: mas a vizinha tá certa. Todas as justificativas da mãe faziam sentido. Mas a vizinha estava certa.

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E se passasse um cadeirante? E se passasse alguém com um carrinho de bebê? E se todos quisessem fazer a mesma coisa? E se passasse uma vizinha que gosta de fazer as coisas bem de acordo com as regras? Eram tantos “e se”…

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Encontrei a mãe no outro dia. Perguntei o que tinha ocorrido, pois só sabia da história contada por outros. A primeira coisa que ela me disse foi: eu fiz errado. Ela me emocionou tanto com essa fala! Porque é assim mesmo. Todos temos os nossos motivos particulares. Mas fazemos parte de um todo. E se cada um conseguir respeitar um pouquinho o todo, ai, que bom seria.

Estava eu nesses pensamentos, no quanto admirei a reflexão dessa mãe, quando passou a vizinha e fomos conversar. Ela me disse: fiquei mal, não precisava ter falado com ela daquele jeito.

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Bom, daí quase fui aos prantos, mesmo. Duas pessoas passaram por uma situação de conflito, se exaltaram, se desgastaram… E pensaram a respeito. E refletiram. E conseguiram enxergar uma à outra.

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O argumento da mãe tinha sido: só vou pegar as crianças.

A vizinha respondeu: que belo exemplo tu tá dando pros teus filhos!

Isso foi no auge da briga. Passado tudo isso, digo: que belo exemplo que essas duas deram para os seus filhos. E para mim. E para todos nós.

Igor Natusch

Das memórias afetivas em uma eleição

Igor Natusch
23 de agosto de 2017
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Uma das coisas mais agradáveis em uma eleição, para mim, é a água do bebedouro do Colégio Santa Teresa de Jesus. Sou uma pessoa que se preocupa com essas coisas: gosto de saber onde estão as fontes de água gratuita, de preferência gelada, para momentos imprevisíveis de sede. E poucas vezes na vida encontrei um bebedouro com água tão imensamente, tão satisfatoriamente gelada quanto o do Colégio Santa Teresa de Jesus, na zona sul de Porto Alegre.

Verdade que só saboreio essa maravilha duas vezes a cada dois anos, no máximo: não estudo nem nunca estudei na citada escola, então inexistem compromissos que me levem até lá em outros momentos que não o período eleitoral. Tivesse filhos, talvez os matriculasse no Colégio Santa Teresa de Jesus apenas para poder sorver a água deliciosamente gelada do bebedouro todos os dias, ao deixá-los e buscá-los da escola; não os tenho, porém, de forma que ao menos no momento essa solução não me é possível. Contento-me em transformar esse prazer em uma espécie de segundo compromisso eleitoral: vou até minha seção, deposito o voto na urna e na volta dou uma passada pelo eficiente bebedouro do Colégio Santa Teresa de Jesus, que sempre me fornece água geladinha, com eficiência invejável.

Voto sempre bem cedo, tão cedo quanto consigo, na verdade. Sendo a votação num domingo, ela sempre submete-se a uma hierarquia do dia anterior. Não que eu seja exatamente um frequentador das noites de sábado, mas os finais de semana naturalmente convidam a madrugadas mais extensas. Da última vez, consegui estar na urna por volta das 9h30, o que considero um bom horário. Pude caminhar tranquilo pelas ruas de paralelepípedos, passar pela praça deserta, ouvindo os gritos das caturritas.

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Do outro lado da Cavalhada, surgem os panfletos. Já foram bem mais volumosos, é verdade: em tempos idos formavam um espesso tapete multicolorido, uma trilha inconfundível levando às zonas eleitorais da região

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Dava quase para adivinhar os locais onde se votava, observando apenas o trajeto desenho pelos papéis ao chão. Hoje há bem menos papel, de tal modo que é quase possível prestar atenção neles, ler os nomes impressos. É bom: menos trabalho aos garis no dia seguinte.

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O dia de eleição sempre carregou um ar meio mágico para mim. Sou um filhote do processo de redemocratização, da eleição de 1989: acompanhei aquele período de forma febril, interessadíssimo, como se algo em mim despertasse a partir daqueles dias.

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Seja lá o que fosse, segue desperto, já que a política é assunto que sempre me cativa?—?e sigo enxergando essa coisa em todos os cantos, em todas as pessoas. Escutando seu eco em todas as vozes. Mesmo que algumas gritem muito alto, e gritem umas por cima das outras, tão alto e tanto que às vezes parece que nada existe para se ouvir.

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A tranquilidade do trajeto até a urna é um intervalo em meio ao ruído, talvez a calmaria antes de uma tempestade de ansiedade e incerteza. Hoje em dia, de raiva. Mas sempre de esperança, acima de tudo

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Esperança, como sabemos, está na caixa dos objetos valiosos que, quando quebram, dificilmente podem ser remendados com sucesso. Não tenho dúvida que foi isso que me atraiu para a política, lá na segunda metade dos anos 80. Que era a esperança que animava os brasileiros a assistir Marronzinho e Eldes Mattar nos horários eleitorais de 1989. Que conduziu Lula, metalúrgico e nordestino, à Presidência da República. E que hoje, ferida e deformada, junta a sua voz na gritaria dos que querem derrotar muito mais do que vencer, seja de que lado for.

Que a esperança seja ferida no processo político brasileiro não é algo inédito ou surpreendente. Lembro bem da minha mãe chorando na frente da TV durante o enterro de Tancredo Neves?—?e eu chorando junto, sem entender nada do que estava acontecendo, chorando apenas porque minha mãe chorava e a tristeza dela virava tristeza dentro de mim. Acho que foi ali que me nasceu o interesse político: na dor que eu não entendia e na decepção que, mesmo sem compartilhar, me levava a sofrer um pouco, junto com os decepcionados.

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Política é decepcionar-se. E tentar de novo. E ir achando o caminho, avançando um pouco a cada retomada, quase sem perceber. Chega-se a algum lugar? Não sei: anda-se, ao menos

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Estou voltando para casa quando vejo um homem que vai pelo caminho que retorno. Pele escura, bigode, cabelos brancos ameaçando conquistar o negro em sua cabeça. Roupas surradas, mas limpas. Olha para o chão; contempla os santinhos espalhados na calçada, no meio-fio, alguns já derramados para a área do asfalto. Detenho o passo, da forma mais discreta de que sou capaz, para observá-lo. Parece procurar algo. Hesita. Agacha-se e pega um dos papéis. Aproxima-o dos olhos como quem tem um defeito de visão, afasta de leve, traz o papel de novo para si. Pensa. E então faz uma careta quase imperceptível, deixa o santinho cair de seus dedos, rodopiando de volta ao monte de papel colorido no chão.

Retoma a caminhada. E eu também retomo meu caminho, pensando em como cada um faz suas escolhas, com seus critérios e dignidades. Às vezes fazemos política assim, pegando um papel no meio da rua sem levá-lo conosco, deixando a resposta fácil para trás. Terá votado em quem? Não importa: decidiu-se. E isso já é uma grande coisa.

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Raquel Grabauska

Monstros e Ladrões

Raquel Grabauska
18 de agosto de 2017

Esse é o título do mais recente livro do Celso Gutfreind. Ele trata de um assunto que ninguém quer falar. Muito menos falar com crianças. Muito menos falar com os filhos. E precisa. Infelizmente precisa. A sinopse que está no site da Editora Edelbra.

Era uma vez um menino que era todo de prestar atenção para dentro, lá onde moram os pensamentos. Um dia, quando monstros começaram a aparecer, ele descobriu com seu pai – e o bigode dele – que sempre tem um jeito pra tudo. Pelo menos era nisso que ele acreditava até o dia em que o bigode do pai ficou todo nervoso por causa de uns monstros diferentes, que são gente, mas não lembram disso. E agora? Será que para isso também tem um jeito de resolver?

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A violência está aí. As crianças percebem

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Nós já fomos assaltados com os guris juntos. Foi bem difícil de explicar o que que tinha acontecido. De entender também, é claro. Desde então nosso filho mais velho sabe que temos pressa pra que ele entre e saia do carro. Que não se distraia na rua. Que seja rápido. Que seja menos criança. Esperando o tempo em que a gente posso brincar na rua de novo.

 

Raquel Grabauska

Sobre julgamentos sem fim

Raquel Grabauska
11 de agosto de 2017

Tenho lido muitas brigas/críticas sobre partos, criação de filhos, enfim, assuntos que envolvem a maternidade. Sempre fui entusiasta do parto natural. Daí tive perda de líquido e acabei numa cesárea. Com o segundo filho, consegui o tão desejado parto: sem interferências, sem anestesia, como eu queria. O resultado? Amos os dois filhos da mesma forma. Sou mãe dos dois, do mesmo jeito. Se tivesse um terceiro filho, tentaria de novo o natural. Mas paramos por aqui.

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Eu nunca quis ter filhos. Quando tive o primeiro, quis ter dois. Quando tive o segundo, quis ter vinte. Meu marido, ouvindo eu contar isso pra uma amiga, disse: quando eu tive o primeiro, quis ter vários.

Quando tive o segundo, quis ter dois

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Quando eu dizia que não queria ter filhos, ouvia que ia ficar sozinha, que só filhos completam vida da pessoa. Eu amo meus filhos mais que tudo no mundo. Muito mais que tudo. Mas não acho que ter filhos é garantia de felicidade. Porque com filhos tu dorme menos, come quando dá, namora quando dá, toma banho quando dá… Claro que isso é por um tempo. Mas que tempo!

Então, cesária ou natural, com filhos ou sem filhos, um filho, dois, três ou quatro… São escolhas muito pessoais. Seria bom que nós pais, responsáveis por ensaiar os filhos a respeitarem os outros, aprendêssemos isso também.

Raquel Grabauska

Sim, crianças choram!

Raquel Grabauska
4 de agosto de 2017

Dois posts circularam e ainda estão circulando sem parar no Facebook.

Um deles foi sobre um pai xingando uma pessoa que não quis dar um gole do seu suco pro filho dele (um desconhecido). O outro de uma mãe xingando a mulher que não deixou o filho dela brincar com colecionáveis que custavam 1500 reais. Li os dois da primeira vez e pasmei com o que houve. Mas eu  não sou muito chegada ao Facebook. Uso bastante por causa do trabalho. Mas pra vida pessoal não tenho muita paciência. O festival de opiniões urgentes e importantes que se cria nesse tribunal virtual me angustia.

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Mas… dias desses tava ali lendo e vi uma mãe dizendo: vocês sabem se posso fazer permanece no cabelo de uma menina de 3 anos?

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Li. Reli. Li de novo. O motivo? Ela cortou o cabelo da filha e a menina tava chorando porque queria os cachinhos de volta.

Eu não suporto que meus filhos sofram. Não gosto de vê-los chorar (nem quando têm motivo, muito menos quando não têm). Mas fiquei realmente estarrecida quando li que ela queria fazer permanente.

Eu sempre fui mãe grude. Sempre. Meu marido também. Dia desses um amigo querido disse: eu crio meu filho pensando em preparará-lo para quando eu não estiver mais aqui. Na hora, me deu um embrulho no estômago. Não consigo pensar em ficar pensando em não estar viva pra ver os guris crescerem. Minha família tem muitos de casos de morte prematura. Então, esse é realmente um assunto difícil pra mim.

Depois de um tempo, assimilei melhor o que ele tinha comentado. E achei bonito. Ele me abriu uma possibilidade de deixar os meninos crescerem de um jeito mais tranquilo. Porque eu sigo perto, sigo “grudenta”, mas sinto que confio mais na capacidade deles de se resolverem. Sabem aquele começo do aprender a andar de bicicleta? Tu segura a bicicleta pra criança ter confiança e quando sente que tá tudo bem, solta pra ela ir. Quando percebe, já tá andando. Sem tua ajuda. Tenho sentido isso. E isso me fortalece. E fortalece aos meus guris também.

Por isso, se eu encontrasse essa mãe hoje, eu diria, deixa ela chorar pelos cachinhos. Fica do lado, dá carinho, ela vai resolver mais rápido.