No episódio de hoje, o assunto é Parasita. Sim, o filme vencedor do Oscar é pauta do nosso podcast de política, mas somente porque o ministro Paulo Guedes resolveu introduzir o termo na política nacional. Durante palestra na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, ele defendeu a necessidade de uma reforma administrativa para resolver a situação de estados que gastam mais do que arrecadam.
.
Mas, ao criticar os reajustes automáticos de salários de funcionários públicos, ele errou a mão e comparou esses servidores a parasitas
.
Depois de gerar uma repercussão negativa, o ministro da economia do governo de Jair Bolsonaro lamentou ter tido a fala tirada do contexto. Segundo nota divulgada na sexta-feira, dia 7, ele se referiu a situações específicas de estados e municípios que tem despesas comprometidas.
Mas mesmo que Guedes queira esquecer do episódio, isso não vai acontecer tão cedo. Porque na noite de ontem, o grande vencedor do Oscar de 2020 foi o filme… Parasita. A obra do sul-coreano Bong Joon-Ho propõe uma trama entre duas classes antagônicas e irreconciliáveis, como diz o nosso colunista de cinema, Pedro Henrique Gomes.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
(Brasília - DF, 09/12/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro, se despede ao término do almoço.rFoto: Marcos Corrêa/PR
O patriota brasileiro pode ser definido a partir de uma característica muito curiosa: ele adora odiar seu próprio povo. Para grande parcela dos valorosos brasileiros de bandeira adesivada no carro e camiseta verde e amarela, o povo brasileiro é formado por vagabundos, preguiçosos, incompetentes e bandidos em potencial.
Os valores desejáveis para uma nação forte e poderosa não estão entre nós, mas em outros lugares, e tudo seria muito melhor se nosso povo letárgico, burro e animalizado seguisse esses lindos exemplos – ou mesmo se sumisse de vez, dando espaço para braços realmente dispostos a trabalhar por um grande país.
Aparentemente, o presidente Jair Bolsonaro concorda, ao menos parcialmente, com esse enunciado. Afinal, retuitou para seus milhões de seguidores um vídeo de Alexandre Garcia, no qual o jornalista (um dos mais empolgados puxa-sacos do atual governo) teoriza, de forma irônica, sobre como seria lindo o Brasil se nosso povo de molengas submissos fosse trabalhador, sério e concentrado como os japoneses.
.
Sim, no fim das contas é isso aí mesmo: o Presidente da República concordando publicamente com quem diz que o povo brasileiro não presta para nada. Curioso caso de um nacionalista que ama o povo dos outros e despreza o próprio
.
(Sim, todos sabemos que provavelmente foi o tresloucado Carlos Bolsonaro, filho do presidente e dono das senhas das redes sociais do pai, quem postou a estupidez. Mas a verdade é que isso muda pouco o argumento: continua sendo um endosso a um discurso rasteiro sobre a população brasileira, vindo de gente muito próxima ao topo do poder.)
Esse patriotismo à brasileira que acha que xingar brasileiros de vagabundos é ser patriota é ridículo, é claro. Mas não é exatamente difícil de entender. Afinal, o amor à pátria aqui se confunde com coisas bem mais profundas: o racismo e o ódio a gente pobre.
No Brasil, o que define a cidadania é o que se tem, desde tempos imemoriais. Ser bom é ser dono, é ter algum tipo de propriedade sobre o Brasil – ou, pelo menos, ser (ou achar que é) amigo de quem a tenha. Aos que não têm quase nada, cabe a sina de sempre ficar com um pouco menos – e quando já se tirou tudo que se pode levar embora com as mãos, resta esvaziá-los também da capacidade de gerar coisas novas, de serem um povo pelos próprios termos, de existir sem pedir licença.
A cultura do povo não é a cultura brasileira: é a cultura do povão. Os desmatamentos não são consequência de um modelo predatório e assassino de capitalismo: são o gesto ignorante de quem não tem o que comer. A crise econômica não é falta de emprego: é falta de imaginação de quem não consegue ser empreendedor e fica esperando que os patrões deem tudo de mão beijada. Se os pobres brasileiros nada têm, é porque nada produzem; se vivem com fome, é porque são preguiçosos esperando que o sustento caia do céu, prontos a vender o voto pelas esmolas de um programa assistencial qualquer.
.
Em última análise, o patriota à brasileira representado na fala nojenta de Alexandre Garcia não ama o Brasil: na verdade, se acha dono dele, enquanto recursos, território e conceito. E faz questão de dizer que os não-donos do Brasil não são nada, não podem ser nada, jamais serão coisa alguma. Mesmo que isso seja uma mentira deslavada
.
A patriotada, nesse contexto, nada mais é que um recurso retórico, um argumento sonoro repetido por elitistas preconceituosos enrolados na bandeira nacional. O Brasil dessas pessoas só existe no espelho de casa, nos próprios delírios de ascensão social – ou nas gordas contas bancárias de quem usa o verde e amarelo para seguir sem riscos no topo da pirâmide. Alexandre Garcia, porta-voz fiel desse raciocínio excludente até os ossos, ofereceu a ração confirmatória da vez. E Jair Bolsonaro – um misto de presidente, entreguista patológico e avatar de todos os preconceitos de uma nação que cansou de festa e resolveu odiar – faz o que pode para cometer o desaforo supremo: o de um governante que ri e despreza a desgraça aqueles que foi eleito para governar.
OUÇA Bendita Sois Vós #44 Liberdade de imprensa a perigo – de novo
Geórgia Santos
27 de janeiro de 2020
Neste episódio, os jornalistas do Vós falam sobre liberdade de imprensa no Brasil.Ou melhor, sobre mais uma tentativa de cercear a liberdade de imprensa no Brasil.
Todos estamos familiarizados com os constantes ataques do presidente da República aos jornalistas e da recusa de Jair Bolsonaro em conceder entrevista ao que ele chama de grande mídia. Agora, no entanto, foi a vez do Ministério Público Federal. O jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, foi denunciado pelo MPF em função da produção das reportagens que ficaram conhecidas como Vazajato, que revelaram a comunicação ilegal entre procuradores do Ministério Público e o então juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. Glenn e outras seis pessoas foram denunciadas por associação criminosa para invasão de equipamentos de comunicação e interceptação ilegal de comunicações.
.
Glenn Greenwald não foi investigado, Não foi indiciado, não cometeu qualquer irregularidade
Ele está sendo punido por fazer jornalismo
.
Os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Tércio Saccol conversam com Marcelo Träsel, presidente da Abraji e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
OUÇA Bendita Sois Vós #43 O nazismo no governo Bolsonaro
Geórgia Santos
20 de janeiro de 2020
O governo Bolsonaro começou o ano de 2020 surpreendendo um total de zero pessoas com ofensas a jornalistas, uso indevido da máquina pública na Secretaria de Comunicação e erros inadmissíveis com as notas do Enem, comprometendo o futuro de milhares de jovens. Mas na última semana, o agora ex-secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, ultrapassou os limites.
Alvim publicou um vídeo em que aparece defendendo a criação de uma nova identidade para a arte no Brasil. Ao fundo, Wagner e a obra favorita de Adolf Hitler. A estética é idêntica à adotada por regimes totalitários. E o discurso é um plágio de Joseph Goebbels, Ministro da propaganda de Hitler.
Roberto Alvim foi demitido quando o plágio veio à tona. Mas o discurso em si não foi questionado. Aliás, o texto em si havia sido elogiado. E até agora, não sabemos se o projeto absurdo para a proposta de reconstrução da cultura no brasil será implementado ou não. Até porque ficou claro, até aqui, que o nazismo incomoda mais pelo termo do que pelo que representa. Tanto é assim que agora, nas redes sociais, há quem diga que Alvim foi vítima de uma trama da esquerda, que colocou o trecho de Goebbels de propósito para derrubá-lo. Embora toda a construção estética do vídeo deixa claro que tudo foi pensado com muito cuidado.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol.
Não foi nada fácil fazer uma retrospectiva de 2019. De todo modo, todos nós, do Vós, concordamos que o ano foi marcado pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Então selecionamos alguns temas em que esse desgoverno se destacou. Começamos com as questões ambientais, em especial os incêndios na amazônia e vazamento de óleo – sem esquecermos, é claro, das declarações estapafúrdias do presidente.
Outro tema em destaque é a corrupção. Porque apesar de o ministro Sérgio Moroafirmar que não houve corrupção em 2019, encerramos o ano com mais notícias das rachadinhas do clãBolsonaro – sem falar no escândalo da Vazajato.
Não podemos esquecer que 2019 também foi o ano em que a educação foi acossada, universidades federais atacadas e Paulo Freire, sim, Paulo Freire, demonizado. A desigualdade aumentou e o ministro da economia, Paulo Guedes, não parece se incomodar com isso. Sem contar os constantes ataques às minorias, que foram normalizados – senão institucionalizados.
Para acompanhar as discussões dos jornalistas Geórgia Santos, Tércio Saccol e Igor Natusch, selecionamos algumas das entrevistas que fizemos ao longo de 2019 para o Bendita Sois Vós. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
A expressão latina quid pro quo significa a ação de dar uma coisa em troca de outra. No vivíssimo português, o sentido da frase ancestral se transformou graças a um livro farmacêutico levava esse nome. Com orientações para aplicar um princípio medicinal em vez de outro, com os mesmos efeitos, a publicação levou a culpa pelas confusões cometidas por seus leitores. Cada erro de receita sustentava o que virou o tão nosso quiprocó.
Coube ao ordenamento jurídico dos Estados Unidos trazer o original latino de volta à pauta. O presidente Donald Trump, denunciado na Câmara dos Representantes por abuso de poder e obstrução do Congresso, responderá a um processo de impeachment no Senado.
.
O motivo? Quid pro quo!
.
Trump teria oferecido, ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, liberar recursos retidos na área militar. Em troca, o hóspede da Casa Branca pediu uma atenção especial à suspeita de envolvimento de Hunter Biden (filho do ex-vice e atual pré-candidato democrata à presidência, Joe Biden) em um esquema de corrupção empresarial no país do leste europeu.
.
Na pura essência das letras, _quid pro quo_!
.
No início de dezembro, Donald Trump anunciou sanções a Brasil e Argentina pela desvalorização do real e do peso diante do dólar. Segundo o presidente dos Estados Unidos, os dois latino-americanos se aproveitavam deliberadamente do peso e do poder da verdinha. Como punição, taxas sobre o aço e o alumínio produzidos por aqui. O presidente Jair Bolsonaro disse ter uma linha aberta com o colega do norte, mas não houve correspondência. E antes já tínhamos ficado a ver navios no caso da OCDE, quando Trump preferiu apoiar a adesão de Argentina e Romênia no grupo dos ricos.
Na nossa nova diplomacia, com Brasil acima de tudo, Deus acima de todos e America first, Bolsonaro bem que queria firmar um quid pro quo com Trump. Mas só dando e sem receber nada em troca, apenas nos sobrou o quiprocó.
OUÇA Bendita Sois Vós #41 O que acontece quando não estamos olhando
Geórgia Santos
16 de dezembro de 2019
O Bendita Sois Vós desta semana trata das coisas que acontecem quando não estamos olhando – e quando estamos olhando também. Com este governo, não podemos piscar.
Porque enquanto Jair Bolsonaro chama Greta de Pirralha, indígenas estão sendo assassinados em suas terras. Enquanto a gente presta atenção ao presidente, o Congresso aprova o pacote anticrime, que de anticrime não tem nada. Enquanto se discute a liberdade de expressão no humor, o prefeito do Rio de Janeiro veta jornalistas da Globo de participarem de coletiva. E um homem veste uma suástica enquanto se distrai em um bar com naturalidade
Com Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
OUÇA Bendita Sois Vós #40 Pessoas com deficiência na mira do governo
Geórgia Santos
9 de dezembro de 2019
No episódio 40 do podcast, os jornalistas do Bendita Sois Vós discutem o retrocesso com relação aos direitos das pessoas com deficiência que está em curso no Brasil. O novo marco regulatório da educação especial propõe que estudantes com deficiência estudem em escolas e classes especiais.
Além disso, projeto de lei encaminhado pelo governo de Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional pretende modificar a atual política afirmativa para o acesso de pessoas com deficiência ao emprego.Segundo o texto do PL 6.195/2019, as empresas poderão substituir a contratação pelo pagamento de um valor equivalente a dois salários mínimos mensais.
.
Hoje, as pessoas com deficiência no Brasil somam 14 milhões, e elas estão prestes a perder seus direitos
.
Para compreender o tamanho do retrocesso, o convidado da semana é o professor Felipe Mianes, doutor em educação e especialista em educação inclusiva. Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha e Igor Natusch. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Bendita Sois Vós #39 Aliança de Bolsonaro com Bolsonaro
Geórgia Santos
2 de dezembro de 2019
Trinta e oito – 38, o número escolhido por Jair Bolsonaro para representar o novo partido da família, o Aliança Pelo Brasil. Mas não o novo partido da família brasileira, e sim o novo partido da família Bolsonaro. Jair será o presidente, o filho mais velho, o Senador Flávio Bolsonaro, será o primeiro vice-presidente, e o filho mais novo, Jair Renan Bolsonaro, será vogal. Não, não é uma letra, é um membro com direito a voto.
.
O partido tem sido identificado, pela maioria dos analistas e cientistas políticos, como de extrema-direita e ultranacionalista
.
Mas para Bolsonaro é apenas um movimento tradicional e conservador. Para tentar compreender onde o Aliança Pelo Brasil se encaixa na política brasileira, conversamos com o cientista político Rafael Machado Madeira, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS.
No estatuto do Aliança pelo Brasil, espera-se que os filiados sejam contra a descriminalização das drogas e do aborto e combatam ao comunismo,nazifascismo e ao globalismo.Também é esperado que defendam a família, a natureza das crianças, a meritocracia e o porte e posse de armas. Ah, e a democracia, mas aí é só um detalhe, não? De todo modo, o partido ainda não existe oficialmente, embora já tenha milhares de seguidores nas redes sociais.
Participam os jornalistas Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
Há seis semanas, milhares de pessoas ocupam as ruas para protestar contra a situação política, econômica e social do Chile. Como as veias do país ainda carregam o sangue na ditadura de Pinochet, as imagens e os resultados da repressão aos movimentos têm um significado ainda maior e mais traumático. Ao menos 26 pessoas foram mortas e mais de 2,8 mil ficaram feridas em confrontos, quase sempre com os carabineros, a polícia ostensiva. Do total de feridos, impressiona a quantidade de pessoas com lesões graves nos olhos. São mais de 200. O jovem estudante Gustavo Gatica, de 21 anos, ficou cego após ser baleado no rosto e se tornou símbolo da luta que nasceu pelo preço da passagem do metrô.
.
“Dei meus olhos para que o Chile desperte”, disse a sua mãe
O Chile parece ter despertado; mas seus políticos, ainda não
.
Desde a eclosão da crise, o poder parece atordoado com o nível da reação popular. O presidente Sebastian Piñera ameaçou um discurso mais agressivo, na largada dos protestos, e se viu forçado a recuar. O recuo veio e, mesmo assim, as ruas seguem gritando. A pauta específica do transporte público – um problema que, em si, não era um dos mais urgentes da população chilena – foi ampliada e ficou cada vez mais difusa. O Latinobarómetro de 2018 mostra que a mobilidade era prioridade para 0,3% da população. Segurança liderava com 38,2%, sendo seguida de desemprego (8,8%), saúde (6%) e educação (5,8%). Por trás desses números, uma insatisfação generalizada e, até então, anestesiada.
.
Afinal, o que querem os chilenos?
.
O governo já prometeu rever as achatadas pensões dos aposentados, o valor do salário mínimo e os benefícios de saúde. Já se aventou a proposta de uma nova Constituição. O último gesto foi a redução pela metade dos salários dos políticos. Será o suficiente? Parece que não.
Enquanto tateia, Piñera volta a endurecer o discurso. Carabineros e Forças Armadas seguem nas ruas, sob graves denúncias de violações de direitos humanos. O futuro segue incerto. O presente é implacável. E o fantasma do passado está à espreita.