OUÇA Bendita Sois Vós #41 O que acontece quando não estamos olhando
Geórgia Santos
16 de dezembro de 2019
O Bendita Sois Vós desta semana trata das coisas que acontecem quando não estamos olhando – e quando estamos olhando também. Com este governo, não podemos piscar.
Porque enquanto Jair Bolsonaro chama Greta de Pirralha, indígenas estão sendo assassinados em suas terras. Enquanto a gente presta atenção ao presidente, o Congresso aprova o pacote anticrime, que de anticrime não tem nada. Enquanto se discute a liberdade de expressão no humor, o prefeito do Rio de Janeiro veta jornalistas da Globo de participarem de coletiva. E um homem veste uma suástica enquanto se distrai em um bar com naturalidade
Com Geórgia Santos, Igor Natusch e Tércio Saccol. Você também pode ouvir o episódio no Spotify, Itunes e Castbox.
OUÇA Bendita Sois Vós #31 Crivella e Bolsonaro, sem livros e sem pesquisa
Geórgia Santos
14 de setembro de 2019
No Bendita Sois Vós desta semana, censura e atraso. Enquanto o governo federal de Jair Bolsonaro corta mais de 5mil bolsas de pesquisa de pós-graduação, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella – não sozinho – censura livros com temática LGBT sob o argumento de proteção às crianças.
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Bolsonaro e seus asseclas não gostam de livros, pesquisa ou conhecimento
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Participam os jornalistas Geórgia Santos, Flávia Cunha, Igor Natusch e Tércio Saccol. A edição é da jornalista Evelin Argenta.No quadro Sobre Nós, a diretora Raquel Grabauska traz a palavra de Cassandra Rios, a escritora mais censurada do Brasil.
O filme mais lindo do mundo fala de um tempo em que beijar era feio. Bem, o era para o vigário do povoado siciliano de Giancaldo, em uma Itália no pós-Guerra. Padre Adelfio fazia com que o projecionista Alfredo cortasse todas as cenas de beijo de qualquer filme que assistisse – porque como todo bom censor, ele via, previamente, a tudo o que os outros seriam impedidos de ver. Usando a hipocrisia que provavelmente o excitava como cortina, além dos beijos, censurava seios e pernas expostas. E fazia o mesmo com tudo que considerasse impróprio. Por motivos menos aleatórios e a mais a serviço de uma agenda moralizadora da Igreja Católica.
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Mas não há censura que impeça a curiosidade de um menino. Totò, o protagonista de Cinema Paradiso (1988), ficava escondido atrás das cortinas, engalfinhado em veludo vermelho que, a mim, parecia cheirar mofo, e testemunhava todos os beijos,
todas as “indecências”,
todas as “imoralidades”
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Os olhos do guri de seis anos brilhavam. Não pela mesma safadeza do Padre Adelfio, mas pelo cinema. Era o cinema que o encantava. Tanto que ele queria levar os beijos para casa. E os seios, as pernas, os tiros, as brigas, as indecências e as imoralidades. Mas Alfredo não deixava.
Eu sei que parece uma contradição eu afirmar que o filme mais lindo do mundo esconde beijos. Eu sei. Mas no filme mais lindo do mundo, os beijos vencem no final.
O conto de Cinema Paradiso aconteceu, de certa forma, no Brasil. O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, também não gosta de beijos. Ele não é o padre Adelfio, mas o bispo evangélico ficou escandalizado com o romance gráfico Vingadores, A Cruzada das Crianças, da Marvel. A obra estava disponível na Bienal do Livro e conta a história do casal Wiccano e Hulking. Dois homens. Que se beijam.
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Como eu disse, Crivella não gosta de beijos e determinou que a obra fosse retirada das prateleiras
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Em vídeo publicado no Twitter, o prefeito disse que “livros assim precisam estar embalados em plástico preto lacrado e um adesivo do lado de fora avisando o conteúdo” e que tudo fora feito para “proteger as crianças”. Assim, em 2019, bem distante de Giancaldo ou do pós-guerra, beijos foram proibidos na Bienal. Um grupo de fiscais da Secretaria Municipal de Ordem Pública (sim, isso existe) percorreu os estandes da feira para recolher exemplares “com cenas impróprias a crianças e adolescentes.” De forma aleatória. Igual ao padre Adelfio. Igual a qualquer censura.
O youtuber Felipe Neto reagiu ao obscurantismo e distribuiu, gratuitamente, mais de 10mil obras com temática LGBT durante a Bienal do Livro no Rio. Adequadamente, as publicações estavam envolvidas em plástico e um adesivo do lado de fora:
“Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas.”
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Assim como em Cinema Paradiso, os beijos venceram. Mas isso não é um filme, isso não é o final. O Brasil é governado pelo Padre Adelfio.