ECOO

Glitter não é comida de peixe

Geórgia Santos
4 de fevereiro de 2018

Pode parecer estranho vincular carnaval e sustentabilidade, eu sei. Mas a questão é que não podemos levar uma vida mais verde apenas de segunda a sexta. A mudança de hábitos para uma rotina mais rotina sustentável pode e deve estar presentes em todos os nossos atos, inclusive no carnaval. Inclusive no glitter.

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O carnaval é um prato cheio para pôr em prática novos conceitos

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Comecemos pelo óbvio de não jogar latinhas e garrafas pelo chão, e sim em lixeiras apropriadas. Quem sabe levar o próprio copo para beber cerveja em vez de usar os plásticos descartáveis, ou aquelas canecas que ficam penduradas no pescoço para o caso de o bebum não conseguir segurar, hein.

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Mas e o glitter, hein?

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Eu já falei aqui sobre o estrago que o plástico causa no meio ambiente. E adivinha do que o glitter é feito? Pois é, de plásticos. Aqueles pedacinhos lindos e brilhosos e glamourosos e, aparentemente, inofensivos são feitos de plástico. Um material que não é biodegradável e que é pequeno demais para ser filtrado pelo sistema de tratamento de esgoto. Isso significa que aquele brilho todo que escorre pelo ralo vai parar direto nos rios e mares. Reportagem da BBC explica direitinho todo o caminho.

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Mas nós sabemos que glitter não é comida de peixe

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A boa notícia é que ninguém precisa dispensar o brilho do carnaval, porque há inúmeras opções de glitter biodegradável.  Eu confesso que nunca havia pensado nisso, até porque não costumo usar o produto. Só me dei conta desse impacto no ano passado, quando visitava a cidade de San Luis Obispo, na California. Entrei por acaso na loja da Heart´s Desire Soap Co., uma empresa local que produz cosméticos 100% naturais. Comprando alguns mimos para amigas, deparei com o glitter ecológico e percebi que o brilho tradicional deveria entrar para a lista do que não usar.

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Felizmente, ninguém precisa viajar para a Califórnia para comprar glitter seguro. Abaixo segue uma lista com algumas sugestões:

Pura BioGlitter – A Pura vai para o seu segundo carnaval com glitter biodegradável, vegano e artesanal. E o resultado fica lindo!

Shock –  A Shock é uma empresa carioca que existe desde 2016 e produz glitter biodegradável, vegano e hipoalergênico. E ainda tem a vantagem de ter filtro solar (seguro);

GLITRA – Além de produzir glitter biodegradável, a Glitra ainda investe em projetos que evitam a poluição dos oceanos por plásticos

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Imagens: Pixabay e Instagram Pura BioGlitter

Tão série

O Próximo Convidado Dispensa Apresentações

Geórgia Santos
4 de fevereiro de 2018

Antes de David Letterman encerrar a estada de 30 anos no comando do The Late Show, ele entrevistou o então presidente Barack Obama, em maio de 2015. Incerto do próprio futuro, perguntou quais os planos de aposentadoria do ainda jovem político.

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“Eu estava pensando, você e eu, nós poderíamos jogar dominó juntos, sei lá, ir até o Starbucks mais próximo”, disse Obama

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Bem, o entrevistador não esqueceu da sugestão. Com um dos conhecidos copos do Staburcks em primeiro plano e uma barba quase messiânica, telefonou ao ex-presidente e fez uma proposta. Aguardou. Compensou. Barack Obama é o primeiro entrevistado do novo projeto de Letterman no Netflix, My Next Guest Needs No IntroductionO Próximo Convidado Dispensa Apresentações. E, de fato, dispensa.

Alguns poucos reclamaram da empolgação de David Letterman ao entrevistar o ex-presidente. Não gostaram do que chamaram de bajulação. Não concordo. Aliás, discordo tanto quanto possível. O que se vê não é bajulação, e sim um homem grato por ter encontrado alguém por quem nutre imenso e verdadeiro respeito, como ele mesmo diz.

Ao longo de quase uma hora, Obama fala bastante, com a usual discrição. Prefere discutir o macro a entrar nas minúcias do novo governo. Mas esta não é uma entrevista qualquer. A conversa com o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos é permeada por uma pesada carga histórica e emocional. Letterman viajou à Selma, Alabama, para atravessar a ponte Edmund Pettus ao lado do deputado John Lewis, presente no Domingo Sangrento de 1965. Na ocasião, militantes do movimento pelos direitos civis realizaram um protesto pacífico para reivindicar o direito da população afro-americana ao voto. Foram recebidos com cassetetes, gás lacrimogêneo e sangue. Muito sangue.

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O jornalista perguntou a Lewis o que estava do outro lado da ponte, simbolicamente

E o ativista respondeu sem titubear: “Obama”

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E Obama sabe disso. Sabe que é fruto daquela luta. Sabe que sem Martin Luther Jr e a entrega e o sangue de milhares de outros ativistas, os Estados Unidos não teriam tido o primeiro presidente negro em 2008. Isso também é parte da preocupação do Democrata com a horizontalidade das políticas públicas e a diminuição da desigualdade.

 

Em poucos minutos, ele consegue explicar o problema da desigualdade crescente que assola o mundo. Mais do que isso, lança a pergunta fundamental a que devemos responder.

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Como fazer uma economia nesse ambiente tecnológico globalizado que seja boa para todos?

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Precisamos buscar essa resposta. Talvez a busca seja mais importante do que a resposta em si. A primeira temporada prevê seis episódios, lançados mensalmente. Além de Obama, serão entrevistados George Clooney, Malala Yousafzai, Jay-Z, Tina Fey e Howard Stern. Uau. Não sei quanto a vocês, mas eu estou muito ansiosa.

Guia de Viagem

Como viajar apenas com bagagem de mão

Geórgia Santos
3 de fevereiro de 2018

O carnaval está chegando e muita gente vai viajar para curtir o feriadão. Alguns vão para a praia, outros para o Rio, outros para o Nordeste. Há também quem vá escapar para mais longe e atravessar o Oceano. Mas o que todos tem em comum é o fato de que ninguém quer se preocupar com o que colocar na mala. Até porque, no caso do carnaval há outras prioridades – e trajes sumários. Mas como não se preocupar?

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É muito simples, basta viajar apenas com a bagagem de mão

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Não precisa se preocupar com bagagem extraviada. Nada de ficar mil anos esperando a mala aparecer na esteira. Nenhuma chance de precisar pagar alguma taxa extra. Parece difícil, mas é bastante simples. Basta ser objetivo. No inverno complica um pouco, mas é perfeito pra o carnaval, especialmente com alguns truques na manga. E se a ideia é voltar com muitas compras, basta comprar uma mala no país de destino e despachar somente na volta, que tal?

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1. Comece comprando uma mala compacta, porém espaçosa

As malas que podemos carregar no avião, sem despachar, não são todas iguais. O ideial é encontrar uma que seja compacta, para ser fácil de carregar, mas espaçosa. De preferência com alguns bolsos externos e um expansor;

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2. Espalhe tudo pela cama

Essa etapa é fundamental. Sem pensar no tamanho da mala, espalhe pela cama tudo o que tu achas que é imprescindível. A partir daí, edite e fique com o básico;

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3. Não repita itens pesados

É absolutamente desnecessário levar dois tênis, duas calças jeans, dois casacos, duas saias. Claro que tu precisas de mais de uma blusa, por exemplo, mas leve apenas uma peça dos artigos mais pesados;

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4. Invista em peças únicas

Essa vale para mais as mulheres. Invista em peças únicas, vestidos e macacões. . Afinal, em geral, um vestido ocupa menos espaço que uma saia e uma blusa;

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5. Não exagere nas peças íntimas

Leve somente o necessário, ou seja, uma para cada dia. Afinal, não é difícil lavar uma calcinha ou cueca. O mesmo vale para meias;

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6. Economize nos cosméticos

Leve somente o essencial, o mínimo. Creme dental, desodorante, sabonete, xampu, condicionador. Se a qualidade dos produtos não for importante, nem isso precisa, já que alguns hotéis oferecem miniaturas.

O mesmo vale para a maquiagem: corretivo, batom e rímel. Até porque, é sempre uma compra possível – ou provável. Além da quantidade, cuidado com o tamanho. As embalagens precisam ter menos de 100ml e guardadas em um saquinho transparente. No carnaval tá liberado o brilho, hein;

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7. Otimize o espaço

Nada de atirar as coisas de qualquer maneira. Dobre com cuidado e organize os itens de maneira a aproveitar ao máximo o espaço da mala;

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8. Deixe os líquidos em local acessível

Nada de esconder os líquidos no fundo da mala, sempre coloque por último. Deixe por cima do restante, porque talvez a segurança do aeroporto queira averiguar; Por precaução, leve um segundo kit de higiene na bolsa;

Foto: Pixabay

Geórgia Santos

A conversão do homem feminista

Geórgia Santos
29 de janeiro de 2018

Existe algo que se chama lugar de fala, um conceito que acaba com a mediação condescendente. As pessoas passam a ser representantes legítimas da própria luta, como deve ser. No caso do feminismo, o lugar de fala é da mulher. Em um mundo oprimido e espremido pelo machismo, no entanto, é um alento o encontro com um homem feminista. É um alento escutar um homem defendendo o direito de uma mulher a existir com liberdade e dignidade sem associá-la à histeria. 

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O problema é tratar o homem feminista como herói e não como parceiro

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No mês passado, viralizou o vídeo em que o apresentador e humorista John Oliver confronta Dustin Hoffman. O ator foi acusado de ter assediado sexualmente uma estagiária de 17 anos durante as filmagens de A Morte do Caixeiro Viajante, de 1985, e respondeu dizendo que aquele comportamento não reflete “quem ele realmente é”. Ao que Oliver disse: “É um reflexo de quem você era.”

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HOFFMAN: Você acredita nessas coisas que você leu?

OLIVER: Eu acredito no que ela escreveu, sim.

HOFFMAN: Por que?

OLIVER: Porque ela não tem motivo para mentir.

HOFFMAN: Bom, há um motivo para ela não ter falado sobre isso por 40 anos.

OLIVER: Ohhhh, Dustin!

Nesse momento, Oliver esconde o rosto com as mãos

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O Washington Post publicou o vídeo e, em questão de horas, a internet quebrou. Pipocavam incansáveis as mensagens parabenizando Oliver pela coragem de não ignorar algo tão grave. Muitas pessoas passaram a tratar o humorista como um herói feminista. Mas tão rápido quanto sua elevação de status dentro do movimento foi a queda do mito. Quase que instantaneamente alguém lembrou que o britânico tem uma equipe de redatores predominantemente branca e masculina. Mais do que isso, há o caso de 2010, em que Irin Carmon escreveu uma crítica feminista ao The Daily Showdizendo que as mulheres que trabalhavam no programa consideravam o ambiente hostil. Na época, Oliver diminuiu a crítica reduzindo a reclamação das mulheres a boatos, o famoso “é a minha palavra contra a delas.”

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A situação de Oliver mostra, em um episódio, dois problemas fundamentais de quando tratamos de homens e feminismo na mesma sentença

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De um lado, há o impulso de tratar como heróis os homens que se posicionam ao lado das mulheres; de outro, há a necessidade de isolar homens que deslizaram no passado. Quando falo em deslizes, falo de posicionamentos impregnados pela cultura do macho, não de atos criminosos.

O tratamento do herói é equivocado porque homens feministas são nossos aliados, nossos parceiros. Se a luta é por direitos iguais, tudo o que não queremos é a figura do príncipe encantado ao resgate. Isso não significa que o comportamento não mereça atenção ou cumprimentos. Merece. Mas homens em pedestal já temos o suficiente. Por outro lado, diminuir a importância da atitude de Oliver porque ele foi tosco há sete anos é tiro no pé. Porque partimos do princípio que os homens não são capazes de evoluir e, se o fizerem, nós não vamos aceitar.

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Ora, se a ideia é que a sociedade se torne menos machista, como é possível que isso aconteça sem “homens convertidos”?

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Além do mais, nós precisamos de todas as vozes que pudermos ter. Voltando ao exemplo de John Oliver, se uma mulher tivesse tentado confrontar Dustin Hoffman sobre o mesmo assunto, teria sido chamada de esquerdopata, feminazi, grosseira, difícil, histérica. Seria falta de profissionalismo, seria vitimismo, seria deselegante, seria mimimi. É claro que ele foi moldado dentro de um sistema machista em que homens são privilegiados. Ele compartilha das falhas desse sistema e reproduz padrões desse sistema, como o fez em 2010. Mas esse sistema não vai ser vencido sem que alguns dos homens desse mesmo sistema se revoltem e se deixem transformar.

Dizer o óbvio não deveria ser um ato de coragem, e sim a norma Mas enquanto não acontece, fico feliz de termos alguém como John Oliver ao nosso lado. Nós precisamos de homens que estejam dispostos a romper a zona de conforto dos espaços masculinos, que ajam publicamente para acabar com o assédio e o machismo normalizados em nossa cultura.

Guia de Viagem

Não viajo sem – Sete itens indispensáveis em uma viagem

Geórgia Santos
27 de janeiro de 2018

Na rotina de quem viaja muito, há alguns itens indispensáveis na hora de fazer a mala. Pensando sobre eles, percebi que não se trata de uma lista imutável, pelo contrário. A experiência de uma viagem nos ensina muito, por isso frequentemente acrescento algum artigo que torna meus passeios bem mais fáceis. Não falo de documentação específica, vacinas e coisas do gênero, mas de amenidades.

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Estes são os sete itens indispensáveis em uma viagem 

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1. Travesseiro de pescoço

Era algo que eu subestimava, até me dar por vencida e comprar um. Melhor compra da vida. É muito mais fácil viajar quando a gente não acorda babando no ombro de um desconhecido. Se tu achares muito grande, olha o item 2;

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2. Casaquinho

Sabe aquela frase clássica da mãe? “Leva um casaquinho!” Então, no caso de uma viagem, é mais importante do que nunca. Você nunca sabe o ar condicionado que irá encontrar pela frente. E se tu não quiseres levar o travesseiro de pescoço, enrola o casaquinho e usa para apoiar a cabeça;

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3. Livro

Pelo menos um. Sempre há um momento em que se está em um aeroporto, sem fazer nada. Não há coisa melhor para passar do tempo do que ler. Se não for tua praia, pense em um passatempo que se adeque melhor. Música, revista etc;

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4. Algo para comer

Pode ser uma maçã, uma barrinha, uma bolachinha. Porque você pode não conseguir comer a comida do avião, ou do aeroporto. Enfim, é sempre bom ter algo por perto;

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5. Lenço umedecido

Porque mulheres não podem simplesmente sacudir, não é mesmo? É sempre bom ter um lenço umedecido por perto. Papel já resolve, mas o lenço umedecido é bom para limpar as mãos e o rosto, também. Especialmente em viagens longas;

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6. Adaptador de tomada

Eu não sei qual o acordo do inferno realizado por todos os países do mundo, mas cada um usa uma tomada diferente do outro. Sério. É ridículo. Então, se tu não quiseres ficar sem bateria no rico do celular, leve um adaptador.

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7. Celular 

Obviamente levo o celular para poder manter contato e para emergências. Mas não nos enganemos, o celular é muito mais usado para qualquer outra coisa além de um telefonema. O lance é que, atualmente, o celular substitui a câmera fotográfica para amadores, o mapa e o guia turístico. Com o GPS, não precisa mais carregar o mapinha embaixo do braço (embora, na minha opinião, ajude). Sem contar na infinidade de aplicativos que fazem as vezes do guia em papel (que eu também ainda adoro).

 

Ah, se a viagem for internacional, não esquece o passaporte =)

Foto: Pixabay

Tão série

Mindhunter – Para rever alguns conceitos

Geórgia Santos
27 de janeiro de 2018
MINDHUNTER

Na penitenciária de Vacaville, na Califórnia, Edmund Kemper  descreve como matou suas vítimas enquanto, amigavelmente, aperta a jugular de um agente do FBI. Concentrando os 140kg no indicador esquerdo, ele explica, sem alterar a voz, como sequestrou, matou e estuprou adolescentes. Sim, nesta ordem. Do alto de dois metros de altura, ainda conta como matou, decapitou e violentou a própria mãe. Sim, nesta ordem.

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Esta cena, retratada na imagem de capa, é a tônica de Mindhunter, a grata surpresa do ano passado e, na minha modesta opinião, uma das melhores séries de 2017. Confesso que, dentre tantos títulos do catálogo da Netflix, escolhi somente por causa da minha estranha obsessão com serial killers. Ou melhor, com suas histórias. Foi uma opção despretensiosa, mas que valeu a pena.

Nos anos 70, agente Holden Ford (Jonathan Groff), do FBI, se dedica a traçar um perfil psicológico para o então novo fenômeno dos assassinatos em série. A ideia é desenvolver um método que os ajude a compreender porquê a morte quando não há “motivo”. Para isso, eles passam a entrevistar assassinos já julgados e condenados a prisão perpétua ou ao corredor da morte. São todos personagens reais como o aterrorizante, estranho e simpático – sim, ele é – Ed Kemper (Cameron Britton).

A série foi criada por David Fincher  e é baseada em fatos reais. O roteiro foi adaptados do livro “Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano”, de John Edward Douglas e Mark Olshaker. Douglas atuou como analista do FBI por 25 anos e foi pioneiro na elaboração de perfis psicológicos, tanto que o termo serial killer sequer existia. Apesar do realismo, Fincher não foge de uma boa dose de licença poética e suspense. São dez episódios de cerca de 40 minutos cada. Apesar da longa duração de cada capítulo, os ganchos típicos dos suspenses psicológicos prendem o espectador no sofá, com os olhos vidrados no espelho negro.

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O mais interessante, porém, é que não é uma série policial comum. Ao ponto de fazer com a gente reavalie todo um sistema interno de julgamento

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A produção da Netflix faz com que a gente abandone uma pré-concepção de que todo o crime é vazio, por maldade intrínseca. Não que não exista, mas a série é um exemplo concreto de que uma mente destruída por negligência e violência vai repetir os padrões que internalizou como normais. Afinal, não é produto de ficção. Não se engane, não é uma versão elaborada de Criminal Minds. Esqueça as grandes perseguições e os atos heróicos de Morgan e Hotchner. Mindhunter é um thriller sufocante e angustiante que nos faz questionar a própria existência e destino. Felizmente, a segunda temporada foi confirmada para 2018.

https://www.youtube.com/watch?v=7gZCfRD_zWE

Samir Oliveira

Não é qualquer crime, é crime de ódio – e ele só aumenta no Brasil

Samir Oliveira
25 de janeiro de 2018

Todos os anos o Grupo Gay da Bahia (GGB) monitora o assassinato de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil. É o mais próximo que existe de uma estatística oficial, ainda assim é algo bastante precário e totalmente subnotificado, pois o levantamento se baseia em notícias nos meios de comunicação. Ainda assim, os dados são assustadores: 2017 registrou um aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em relação a 2016. Foram 445 mortes no ano passado e 343 no ano retrasado.

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A cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida no Brasil. A impunidade é a regra nestes casos, pois menos de 10% das ocorrências geraram abertura de processo e punição dos assassinos

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Estes dados já são assombrosos por si só. Tão devastadora quanto a realidade é a reação das pessoas com ela. Contrariando todas as indicações de cuidado com minha saúde mental e meu bem estar emocional, eu perdi um tempo considerável lendo caixas de comentários de notícias e postagens que repercutiram o levantamento do Grupo Gay da Bahia. A constatação principal que faço me surpreendeu, talvez porque eu esteja acostumado ao conforto da minha própria bolha: a maioria das pessoas não sabe o que é um crime de ódio.

Ou não sabem, ou não querem mesmo entender. O que observei foi uma reação emocional de pessoas cisgêneras e heterossexuais baseada na sensação de insegurança que vivenciam todos os dias. Este sentimento deu voz a uma resposta bastante absurda diante das informações reveladas pelo GGB. Algo como: “Milhares de pessoas morrem todos os dias” ou “Não importa se é gay ou não, muita gente é assassinada e nem por isso tem a visibilidade que os gays tem”. As versões mais canalhas simplesmente questionam: “E os heterossexuais assassinados?”.

Há uma confusão, intencional ou não, a respeito do conceito de crime de ódio. Como se os dados trazidos pelo Grupo Gay da Bahia se referissem a qualquer pessoa LGBT morta no país, e não somente àquelas que foram vítimas de homofobia, transfobia ou bifobia. É evidente que a violência no Brasil chega a níveis dramáticos e atinge todo mundo. Mas pessoas heterossexuais não são assassinadas por serem heterossexuais. Não sofrem preconceito devido à sua orientação sexual. Assim como quem é cisgênero não é vítima de transfobia. As mortes destas pessoas ocorrem pelos mais diversos motivos, que não envolvem ódio contra sua orientação sexual ou identidade de gênero. Motivos estes que também vitimam a população LGBT, aliás: latrocínios, mortes relacionadas ao tráfico de drogas etc.

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Os assassinatos de LGBTs monitorados pelo GGB não demonstram crimes comuns, mas crimes de ódio – e eles só vêm aumentando no Brasil

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Sensibilizar-se em relação a esta realidade não vai retirar de ninguém o direito à segurança. É preciso reconhecer que alguns grupos estão vulneráveis a tipos de violência que não atingem a maioria da população. Isso não significa, como incrivelmente muita gente pensa, que será criada uma casta privilegiada de cidadãos LGBTs, com direitos extraordinários ou acesso à segurança pública em detrimento dos pobres heterossexuais e cisgêneros entregues à própria sorte.

O que se reivindica são políticas públicas para uma realidade concreta: o combate ao preconceito contra LGBTs. Não é algo abstrato. O preconceito mata cada vez mais, como demonstra o relatório do Grupo Gay da Bahia. O enfrentamento a ele não se faz apenas com medidas de segurança pública ou com a criminalização de condutas ofensivas, mas especialmente com um trabalho preventivo nas escolas. Por isso é tão importante que se fale em gênero e sexualidade nestes ambientes, consolidando uma cultura de acolhimento e compreensão sobre a diversidade entre crianças e adolescentes. Para que o aluno que chama o coleguinha de viado hoje não se torne o assassino de amanhã.

Geórgia Santos

Touro Ferdinando pode salvar a humanidade

Geórgia Santos
22 de janeiro de 2018
Fomos assistir ao novo filme do Touro Ferdinando na semana passada. Fomos em família. Cléber, os sobrinhos Tom e Benjamin e eu. O clima era de sangue doce e diversão, com os pequenos pedindo chocolate antes de o filme começar e os tios cedendo, estragando as crianças como deve ser. Eu estava empolgada, sempre gostei daquele bovino com grandes cílios e cara querida, que parava para cheirar as flores e se recusava a seguir a natureza taurina da boa briga.
Ferdinando é um touro gigante que vive na Espanha e, diferente de todos os outros de sua espécie, não tem o desejo de participar de touradas. Prefere viver em paz com a natureza, feliz em meio às flores.
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Não se trata de medo, ele simplesmente não entende o apelo da briga, não compreende a razão pela qual deva bater cabeça com outros touros e toureiros. Sem motivo algum 

 

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A história foi escrita em 1936 pelo autor americano Munro Leaf a pedido do ilustrador Robert Lawson. Em 1938, a Disney adaptou o romance para o curta Ferdinand the Bull, que rendeu o Oscar aos estúdios e doces lembranças a quem assistiu.
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O filme novo é diferente. Ferdinando é maior, mais imponente. Já não pisca com longos cílios. Mas é uma superprodução, obviamente mais elaborada do que o curta de 80 anos atrás pelas facilidades tecnológicas do século 21. Além de ser muito divertido. Eu tive ataques de riso com os ouriços dançando macarena e os cavalos alemães trotando provocadores, efeminados e malvados. Mas quando a sessão terminou, não foi isso que ficou comigo. Eu só conseguia pensar em um diálogo específico que Ferdinando trava com a cabra Lupe. É mais ou menos assim:
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Ferdinando: Eles todos me odeiam

Lupe: É, eles TE odeiam, ME odeiam, SE odeiam. É muito ódio. Esmaga sua alma se você se permite pensar sobre o assunto. 

E não é que esmaga, mesmo

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Desde que saí do cinema, não paro de pensar sobre quão melhor seria o mundo se a gente simplesmente deixasse de odiar. É tanto ódio por nada. Ódio por futebol, ódio por partido político, ódio pela cor da pele, ódio pelo gênero, ódio por quem troca de gênero, ódio pela roupa, ódio pelo lugar em que vive, ódio pelo lugar em que os outros vivem. É muito ódio. Esmaga sua alma se você se permite pensar sobre o assunto.
Dói pensar que a nossa sociedade foi construída sobre um alicerce tão virulento, de intolerância e violência. E a história de Ferdinando é prova disso. Não me refiro ao enredo do romance, mas à história da publicação. No período em que o livro foi lançado, aliados do ditador espanhol Francisco Franco classificaram a obra como pacifista. Veja bem, não era um elogio, era um crime. Tanto que  o livro foi proibido em muito países cujos regimes eram fascistas. Também por isso, a história de Ferdinando foi classificada como propaganda esquerdista.
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É tão irônico quanto trágico. Uma história que promove a paz é motivo para guerra. E olha que estamos falando de um tempo em que não havia redes sociais

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Mas ignoremos a política e tratemos de bom senso. O Touro Ferdinando pode salvar a humanidade. Se a humanidade quiser. O manual já está escrito, basta sentar no meio da arena e cheirar as flores em vez de empunhar a espada e fazer sangrar.
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*O Touro Ferdinando é um filme da Blue Sky Studios dirigido por Carlos Saldanha, o diretor de “Rio”. É inspirado no livro “A História de Ferdinando”, de Munro Leaf e Robert Lawson.
Tão série

As piadas de Seth Meyers mostram o que está errado com a indústria do entretenimento

Geórgia Santos
13 de janeiro de 2018

O anfitrião do Globo de Ouro foi extremamente feliz. Seth Meyers tinha a ingrata missão de apresentar a premiação em uma noite dedicada às mulheres – só o fato de ele ser homem já era um problema de sensibilidade. Mas o que poderia ter sido um desastre foi uma aula sobre o que está errado com a indústria do entretenimento.

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Ele foi engraçado, foi sensível e foi certeiro

A gente ri, mas por dentro dá vontade de chorar

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1. Boa noite senhoras e senhores restantes;

2. Feliz Ano Novo, Hollywood. É 2018, a maconha é finalmente permitida e o assédio sexual finalmente não;

3. Uma nova era se inicia, e eu posso dizer isso porque fazia anos que um homem branco não ficava nervoso em Hollywood;

4. Aos homens indicados nesta noite, essa é a primeira vez em três meses que não vai ser assustador ouvir seu nome lido em voz alta;

5. Muitas pessoas pensam que seria mais apropriado se uma mulher apresentasse esta premiação, e eles podem estar certos. Mas se serve de consolo, e eu sou um homem sem absolutamente nenhum poder em Hollywood. Eu sequer sou o Seth mais poderoso desta sala. Aliás, lembram quando ELE (Seth Rogen) era o cara que arrumava confusão com a Coreia do Norte? Tempos mais simples;

6. Associação da Imprensa Estrangeira. Um conjunto de três palavras que não poderia ter sido melhor desenhado para irritar nosso presidente. O único nome que poderia deixá-lo mais irritado é Associação Hillary México Salada;

7. A Forma da Água recebeu mais indicações que qualquer filme neste ano. Um filme incrivelmente lindo, mas eu preciso admitir que quando  eu ouvi falar de um filme em que uma jovem mulher se apaixona por um monstro nojento, eu pensei, “Ah, cara, não outro filme do Woody Allen”;

8. O Globo de Ouro faz 75 anos. Mas a atriz que interpreta sua esposa ainda tem 32;

9. De acordo com um artigo recente, apenas 5% dos papeis de Hollywood são interpretados por atores asiáticos. Mas esses números podem estar errados já que o cálculo foi feito por uma pessoa branca;

10. E agora para apresentar nosso primeiro prêmio… Por favor não sejam dois caras brancos, por favor não sejam dois caras brancos. Oh, graças a Deus. Gal Gadot e Dwayne Johnson, pessoal!

Ah, isso sem falar na maravilhosa letra de Natalie Portman que, adequadamente, anunciou os HOMENS indicados a melhor direção.

 

Foto: Paul Drinkwater/NBCUniversal via Getty Images

Tão série

Sete momentos em o Globo de Ouro foi palco de protestos

Geórgia Santos
6 de janeiro de 2018

O tapete vermelho será diferente neste domingo (7). As atrizes de Hollywood prometem usar preto na cerimônia do Globo de Ouro, em Los Angeles. A ação ocorre em solidariedade ao movimento #metoo, que denuncia o assédio e abuso sexual na indústria cinematográfica. A campanha foi lançada após as inúmeras denúncias contra o produtor Harvey Weinstein e outros poderosos do ramo como uma forma de levante, de desabafo.

A cerimônia é basicamente um open bar, o que promove uma atmosfera bastante diferente do Oscar, mais informal e descontraída. O que não impediu, porém, que o Globo de Ouro fosse palco de resistência ao longo dos anos. De política. Às vezes em tom jocoso, às vezes despretensiosamente, às vezes com a seriedade que o próprio tema carregava, às vezes em forma de afirmação. Ou seja, não é a primeira vez em que a premiação servirá de palanque para uma causa.

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Listamos sete momentos em que o Globo de Ouro foi palco de protestos – ou de coragem

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1. Tina Fey e Amy Poehler cutucando o machismo em 2014

As duas são hilárias e já proporcionaram momentos memoráveis ao apresentar o Globo de Ouro em mais de uma ocasião. Mas muito antes de o movimento feminista ressurgir como no ano em que passou, Tina Fey e Amy Poehler alfinetaram a indústria cinematográfica e os padrões absurdos estabelecidos como ideal de beleza feminina com uma piadinha. Ao falar do emagrecimento de Mathew McConaghey para o papel em Clube de Compras Dallas, as duas dispararam: “Ele perdeu 20 quilos, o que uma atriz chama de estar em um filme” – “He lost 45 pounds, or what actresses call being on a movie”.

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2. O discurso de Meryl Streep em 2017

A atriz foi homenageada com o prêmio Cecil B. DeMille, pelo conjunto da obra, e aproveitou o momento para desabafar. Com pelo menos metade do país ainda atordoada com a eleição de Donald Trump, Meryl Streep fez um discurso impactante, pedindo empatia aos estrangeiros – aproveitando, inclusive, o fato de que o Globo de Ouro é organizado pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood.
“Este instinto de humilhar, quando feito por alguém em uma plataforma pública, afeta a vida de todo mundo, porque dá permissão para outros fazerem o mesmo. Desrespeito convida desrespeito, violência incita violência. Quando os poderosos usam de suas posições para praticar bullying contra os outros, todos nós perdemos”, disse.

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3. Globo de Ouro cancelado em função da greve dos roteiristas em 2008

A premiação foi palco de protesto até mesmo quando não aconteceu. Em 2008, a cerimônia foi cancelada em função da greve dos roteiristas de Hollywood, que ameaçava um tapete vermelho vazio. Os vencedores foram anunciados em uma coletiva de imprensa.

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4. Tina Fey e os haters em 2009

De novo a frente do seu tempo, Tina Fey aproveitou o momento em que recebeu o prêmio de melhor atriz em série de comédia por 30 Rock para falar dos haters nas redes sociais. Ela lembrou que se alguém estiver em risco de se sentir muito bem consigo mesmo, basta acessar a internet. E ainda citou nominalmente um hater de estimação.

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5. Jodie Foster (praticamente) assumindo a homossexualidade em 2013

Conhecida por manter a vida privada, bem, privada, a atriz surpreendeu a todos quando recebeu o prêmio Cecil B. Demille em 2013. Durante o discurso, ela disse: “Eu acho que tenho essa necessidade súbita de dizer algo que eu nunca fui capaz de divulgar em público. Mas eu vou simplesmente falar, certo? Alto e com orgulho, certo? Então eu vou precisar do seu apoio nisso. Eu sou solteira.”

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6. Tracy Morgan e a América pós-racial em 2009

Quando 30 Rock venceu o prêmio de melhor série de comédia, o ator Tracy Morgan tirou a estatueta das mãos da criadora do programa e disse: Tina Fey e eu fizemos um acordo. Se Barack Obama vencesse as eleições, eu falaria em nome da série de agora em diante. Bem-vindos à América pós-racial. Eu sou a face da América pós-racial. Lide com isso, Cate Blanchett!”

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7. Oliver Stone protesta contra a política anti-drogas em 1979

No discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor roteiro pelo filme Expresso da Meia Noite, Oliver Stone fez um protesto contra a política anti-drogas em vigor nos Estados Unidos. Foi justamente naquele período em que começou o encarceramento em massa da população negra norte-americana, muito bem abordado pelo documentário 13 Emenda. Ele foi retirado a força do palco e nós não conseguimos encontrar imagens do momento. Há, porém, a declaração de quando ele ganha o Oscar no mesmo ano e mostra “consideração a todos os homens e mulheres, em todo o mundo, que estão na prisão nesta noite.”

Fotos: Getty Images