A escolha do jurista Joaquim Falcão como imortal na Academia Brasileira de Letras me chamou a atenção nos últimos dias. Um especialista em Supremo Tribunal Federal em plena época de comoção em torno das decisões do STF em questões sensíveis como a Lava-Jato e a prisão do ex-presidente Lula? Não é, no mínimo, curioso?
Em entrevista à Agência Brasil em sua posse, no dia 19 de abril, Falcão foi questionado sobre sua opinião a respeito do Supremo:
“O Supremo representa o sentimento de justiça do Brasil, assim como os intelectuais representam a consciência do povo brasileiro”, afirmou.
Ao comentar o papel do STF no momento atual, Falcão foi direto: “O Supremo não vai falhar ao Brasil.”
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O interessante é que não é de hoje que Joaquim Falcão analisa o papel do STF na política brasileira. Em pleno processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, ele escreveu o seguinte em uma coluna assinada no jornal O Globo:
Quem mais pede para o Supremo interferir em si mesmo tem sido o próprio Congresso. Desconsiderando–se em sua própria independência. É quase automutilação. Na maioria das vezes é armadilha. Contra isto, o Supremo já poderia ter construído jurisprudência, uma autodefesa contra o abuso de seu uso. Não construiu. Estará construindo agora?
O resultado tem sido a centralização, a suprema judicialização inclusive dos destinos de uma nação.
Poucos dias depois da posse de Falcão, a Academia Brasileira de Letras perdeu o primeiro cineasta a ser integrante da ABL: Nelson Pereira dos Santos.
Sua filmografia tinha tudo a ver com a literatura: levou para as telonas Vidas Secas – um dos filmes brasileiros mais premiados de todos os tempos – e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, por exemplo. No velório. em plena Academia Brasileira de Letras, foi homenageado com a exibição de trechos de filmes inspirados em livros. Teve uma inegável contribuição para a cultura brasileira.
Faltava a caserna se assanhar. Agora, não falta mais nada
Igor Natusch
4 de abril de 2018
Brasília - O comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Entre os muitos legados negativos do governo de Michel Temer, a recondução dos militares para o centro do debate político certamente estará entre os mais danosos. À intervenção no Rio de Janeiro, sem estratégia ou linha de ação, seguiram-se ridículas relativizações do caráter ditatorial do regime militar brasileiro, ainda mais servis e deploráveis vindas de quem fez carreira como constitucionalista. A fala insensata e afrontosa do general Villas Boas, que nem vou citar aqui porque já ganhou bem mais citações do que merece, já recebeu a primeira resposta do governo: um afago do ministro Carlos Marun, elogiando o “democrata” que apenas “demonstrou preocupação”. O Planalto já garantiu que vai ficar quietinho.
Enquanto se revezam, os homens do governo, em bajular o general e jogar panos quentes sobre sua verborreia, atiçam-se os reacionários saudosos da ditadura, enquanto as casernas ficam mais e mais inclinadas a achar que a solução da crise política passa por eles, que políticos não são e nem devem ser.
O que cometeu o general Villas Boas é algo intolerável em qualquer democracia. O Anexo I do Regime Disciplinar do Exército, que trata das transgressões, explicita, entre os artigos 56 e 59, as vedações para manifestação política por parte de militares da ativa – incluindo, no item 59, “discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado”. Atuar pela estabilidade dos Três Poderes também é uma de suas obrigações. Se o leitor ou leitora acha que a fala cheia de insinuações do general não provocou discussão política nem prejudicou a estabilidade do Judiciário, bem, aí eu não posso fazer mais nada.
A diatribe do general deveria ser imediatamente repudiada por todos os setores democráticos. Nada disso: o Judiciário em geral finge que não ouviu, o TRF-4 chega a dar like no tweet onde a transgressão foi cometida. A Presidência da República, é claro, nada dirá, pois Michel Temer faz um dos governos mais minúsculos já vistos por essa nação, completamente submetido à inglória tarefa de salvar o próprio couro. Com sorte, vai para a história apenas como frouxo e vendilhão, e não como traidor que rifou o Brasil e a democracia para escapar de acusações das quais parece incapaz de se defender.
O Jornal Nacional, ao invés de questionar a conveniência de uma declaração dessas em momento de enorme tensão, encerra sua edição lendo a fala de Villas Boas na íntegra – apenas isso, lendo e dando boa noite, sem nenhum comentário adicional. Folha de S. Paulo e Estadão, para mencionar apenas dois, prestam-se alegremente ao papel de megafone para militares da reserva que bravateiam o retorno do arbítrio. Publicam com destaque anúncios pagos chamando para protestos de verde e amarelo, onde bonecos representando ministros do STF são queimados ao som de Black Sabbath.
Em um cenário desses, tudo tornou-se possível, até mesmo os mais lúbricos delírios dos generais de pijama. Mesmo porque, agora, eles não deliram sozinhos: têm a companhia de generais da ativa que mandam recados públicos ao Judiciário, além do braço forte de muitos jovens soldados com fotos de Jair Bolsonaro na cabeceira, saudosos de um passado glorioso que só existe em suas imaginações.
Os que sentem saudades do pau de arara acham espaço na mídia como se articulistas fossem, como se suas opiniões tivessem espaço na própria democracia que detestam. Para os grupos que vão às ruas nesses últimos dias, nunca houve problema com a corrupção: há, isso sim, um ódio primal e irracional a Lula, ao PT e às imagens difusas de esquerdismo que ambos evocam. Ou seja, nessa saudade doentia de um passado trágico, não nos faltam sequer os fantasmas comunistas de ocasião.
Que a democracia brasileira vive um período de convulsão, isso ninguém com o mínimo de bom senso discute. O núcleo do governo Temer é formado de homens atolados em denúncias de corrupção, enquanto o próprio presidente agarra-se ao foro privilegiado com unhas e dentes, gastando fortunas em emendas parlamentares para convencer um Congresso recheado de gente questionável a votar em seu favor. Ministros do STF dão entrevistas sobre casos que podem julgar como se falassem do futebol do fim de semana, enquanto membros do Ministério Público tratam a si mesmos como protótipos de Messias e fazem jejum para combater a impunidade.
A cadela que pariu o cão bastardo está sempre entrando no cio, e o que não falta no Brasil é ração para alimentar essa ninhada abjeta.
Ainda assim, o conceito de democracia – essa coisa que muitas vezes é miragem, outras tantas utopia, e que boa parte dos que a exigem estão dispostos a rasgar em pedaços na primeira oportunidade – merece ser preservado. É uma boa luta. E não é repetindo como farsa um salvacionismo trágico que só colocou o Brasil na lama que estaremos fazendo algo nessa direção. Ao general, cabe conter sua incontinência verbal e fazer a guarda das instituições em silêncio, ao invés de jogar querosene no fogo que pode consumir tudo que é seu dever proteger.
Um STF amigo do rei não é capaz de proteger a democracia
Igor Natusch
14 de março de 2018
Ninguém precisa simpatizar com o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para concordar com ele sobre o patético encontro da presidente do STF, Cármen Lúcia, com o presidente da República, Michel Temer. Segundo ele, o papo informal entre ambos, ocorrido no último final de semana, causa “perplexidade“. Está certo: é de deixar qualquer um perplexo, mesmo.
Claro que os nomes máximos do Executivo e do Judiciário podem (muitas vezes devem) se encontrar para discutir questões de interesse nacional. Mesmo que o presidente tenha contra si acusações graves e enfrente uma inédita quebra de sigilo bancário durante o mandato, ele ainda é o presidente e tem obrigações que exigem uma interlocução com o Supremo.
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O que não dá para engolir é que isso seja feito sem a liturgia que um encontro entre poderes exige – e que se mostra ainda mais indispensável em uma situação de incerteza profunda sobre os rumos da nação.
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Quem não gostaria de sentar na sala de estar da ministra Cármen Lúcia e discutir questões de seu interesse em um ambiente informal, talvez desfrutando de café recém-passado e bolinhos de chuva? Terão os advogados do ex-presidente Lula, que tanto pleiteiam uma definição sobre o cumprimento de penas em segunda instância, a perspectiva de uma acolhida tão calorosa? A Sepúlveda Pertence, integrante da defesa de Lula e igualmente interessado nos desdobramentos na alta corte, Cármen Lúcia dedicou a formalidade de um encontro de gabinete, ao final de uma manhã de meio de semana, sem salamaleques ou intimidades exageradas.
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Está totalmente correta, é claro. Errada esteve antes, ao aparecer sorridente ao lado de Michel Temer dentro da própria casa.
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Aliás, a insistência de Cármen Lúcia em não pautar a resolução sobre o imbróglio em torno do cumprimento de penas de segunda instância merece um parênteses. Finge firmeza, a ministra, ao dizer que não se dobra a pressões, que evita um comportamento casuístico. Não é igualmente casuístico deixar de discutir uma questão absolutamente central para a segurança jurídica do País, apenas para não causar a impressão de estar favorecendo uma figura pública? Não será preocupante (para não dizer catastrófico) deixar uma incerteza dessas pendendo sobre todos, manter um cenário onde ninguém sabe direito se o condenado em segunda instância ainda pode recorrer em liberdade ou não, apenas porque se quer bancar o jogo do sério com os defensores do pré-candidato?
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Não é firmeza: é teimosia, e talvez possa ser coisa pior. Coloca o Brasil em uma panela de pressão, de forma perigosa e potencialmente insustentável.
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Quando a presidente do STF recebe o mandatário da Nação em sua casa, fora do horário de expediente, para um dedo de prosa a portas fechadas, está passando um recado horroroso para os brasileiros. E está reforçando a leitura coletiva de que o Supremo é um clube de amigos, severo apenas com os que estão do lado de fora, caloroso e sorridente com os integrantes de seu círculo de poder. Ou alguém é ingênuo ao ponto de achar que a troca de ideias entre Cármen e Temer tratou somente da intervenção no Rio e da situação dos presídios, sem entrar no tema do inquérito sobre as propinas da Odebrecht, que envolve diretamente o presidente?
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Se os temas eram formais e republicanos, o que impedia a discussão durante o expediente? Ou será que a agenda da presidente do Supremo é cheia de coisas mais importantes do que conversar com o líder do Executivo, ou vice-versa?
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Uma alta corte que, de guardiã da Constituição, transformou-se em editora e reescritora da mesma, ao ponto de abrir margem para coisas juridicamente complicadíssimas, como achar que trânsito em julgado pode acontecer antes de todas as esferas recursais estarem esgotadas. Um STF que, ao invés de ser uma constância em tempos difíceis, transformou-se em ator da crise, em uma força que intensifica conflitos e amplia a sensação geral de incerteza e desalento. Uma casa que julga para um diferente do que julga para outro, ao ponto de submeter a própria Cármen Lúcia a um dos momentos mais vexatórios de sua carreira jurídica, que vai à imprensa antecipar juízos e opinar sobre questões em aberto sem constrangimento, que reveza a agilidade de um puma com a lerdeza de um caramujo dependendo de quem está na berlinda.
Quem poderá, diante de semelhante lista de problemas, dizer que o STF é confiável, que sobre os seus não paira dúvida, que é possível contar com ele para ser a rocha sólida em tempos de caótica fluidez? E que democracia poderá sobreviver quando não se confia naquela que deveria ser a voz serena, que se faz ouvir apenas quando tudo o mais fraqueja, que protege a lei maior como bem mais precioso? O que nos resta quando o STF não se constrange em aparecer como amigo do rei, colocando a estabilidade e a própria Justiça em risco?
Foi nesse cenário, e em nenhum outro, que Cármen Lúcia acenou sorridente ao lado de Michel Temer no fim de semana. Pelo jeito, até os ateus terão que pedir que Deus proteja o Brasil, porque essa tarefa o STF não dá pinta de que vá cumprir.
A batalha contra a corrupção acabou. E foi o sistema quem venceu
Igor Natusch
18 de outubro de 2017
Brasília - Senador Aécio Neves retoma as atividades parlamentares no Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A decisão do Senado de devolver mandato a Aécio Neves, mesmo com as volumosas e graves denúncias que o atingem, é desoladora para a política brasileira em diferentes níveis. A partir dela, consolida-se de vez uma leitura que já era possível antes, mas que agora torna-se inescapável: o lado corrompido do sistema político saiu do córner, a suposta luta contra a corrupção subiu no telhado e a lei, aquela mesma que o título do filme ufanista e delirante diz que é para todos, segue sendo uma gripe que pega em alguns, mas contra a qual outros estão permanentemente vacinados.
Muito se falou – e com plena justificativa – no esdrúxulo voto final da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, dando aos parlamentares a prerrogativa de derrubar as medidas cautelares que afastavam Aécio do Congresso. Foi um voto gaguejante, tropeçando na própria falta de convicção, e nem poderia ter sido diferente: ficou claro que nisso votou porque assim precisava votar, e nada mais. O Supremo contradisse sua própria leitura nos casos de Delcídio do Amaral e Eduardo Cunha – e, como bem apontado por Celso Rocha de Barros em sua coluna na Folha, a diferença entre antes e agora é que o PT não é mais governo, a maré virou e a direita fisiológica retomou as rédeas das instituições, controlando-as novamente a seu bel prazer.
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Falta respaldo ao STF para peitar o grupo que hoje detém o poder político: na mídia, nos supostos movimentos contra a corrupção, nas multidões que hoje não se preocupam mais em ir às ruas
Respaldo que sobrava quando o PT tinha o governo em mãos
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Tergiversações possíveis são muitas, mas os fatos estão na mesa, e não irão embora tão facilmente. Cármen Lúcia, que não é tola, percebeu isso, e preferiu ajudar a concretizar a profecia de Romero Jucá a declarar uma guerra que tinha pouca esperança de vencer.
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A corrupção nunca foi o problema; de fato, muitos desejam que continue sendo a solução
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Para esses núcleos, a eleição de Dilma era inaceitável desde o início, e a constatação nada tem a ver com simpatia pelo (muito ruim) governo da presidente deposta: é simples questão de desejar o poder de volta, depois de um empréstimo que havia sido vantajoso para todos, mas passava a ser cada vez mais difícil de sustentar. Ter o poder era importante, para fugir da cadeia e para garantir a benevolência dos detentores do poder econômico. Lançado o governo petista aos leões, e imolados os nomes com os quais a estabilidade seria mais difícil, a briga da nova aliança passou a ser jogar panos quentes na dita moralização do país. Assim foi feito. E o cafuné na cabeça de Aécio é só uma das manifestações mais visíveis desse grande e, até o momento, muito bem-sucedido acordo.
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Ler figuras importantes da Lava-Jato dizendo que a operação está sendo mutilada é um tanto tragicômico: estavam mesmo tão fascinados com as manchetes, tão absorvidos pela aura messiânica em torno de si próprios que foram incapazes de perceber que era justamente essa a ideia o tempo todo?
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Alertas não faltaram. Ainda falta a condenação em segunda instância de Lula, o grande prêmio dessa cruzada pela justiça seletiva e o ato final que amarra várias pontas da trama: impede a única candidatura petista viável, satisfaz de vez as massas que associam todas as mazelas do Brasil ao PT, oferece um apoteótico ponto final a uma operação que fez muito, mas que o novo-velho poder fisiológico não deseja mais que avance um palmo sequer. Lula ser ou não culpado é o que menos importa nessa trama: estaremos todos purificados, reconciliados com a ideia de que a lei é mesmo para todos, prontos para recomeçar exatamente de onde se parou.
A narrativa dos que encontraram no impeachment de Dilma Rousseff uma chance de salvação estará encerrada, provavelmente com sucesso. E aos integrantes da força-tarefa restará o papel com o qual concordaram e do qual, hoje, reclamam sem grande convicção. Ou então adotar de vez novos papéis, como novos atores no espetáculo renovado do toma-lá-dá-cá.
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Enquanto isso, os movimentos que nos queriam livres da corrupção seguirão gritando contra homens nus em museus, os patos gigantes seguirão desinflados, as panelas seguirão descansando nos armários das cozinhas, os editoriais seguirão tentando nos convencer que as coisas estão melhorando aos poucos
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Sem ter motivos para temer a opinião pública, o fisiologismo viceja, como uma erva daninha que se favorece do sol depois da tempestade. Tudo mudou, e tudo segue igual – pelo menos até as eleições do ano que vem. E já estão trabalhando nisso, é claro. É assim que deve ser. Agora vai.
Ontem foi pesado, mesmo. Por isso criamos nossa Escandalopédia. O brasileiro tomou uma pedrada atrás da outra nessa terça-feira, 5. Quando acordamos, acreditávamos ter uma pedra no meio do caminho. Quando fomos deitar, tínhamos convicção de que estávamos soterrados. Veja quais foram os cinco principais escândalos do dia.
1. No meio do caminho, tinha o Geddel
O dia começou e terminou com as malas de Geddel. Pela manhã, acordamos com as fotografias de um apartamento de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro dos governos de Michel Temer e Lula, entupido de dinheiro. Numa apreensão digna de séries de televisão – e estou falando de Narcos, não de House of Cards – vimos uma sala lotada de MUITA grana. À noite, fomos dormir com o barulho das máquinas da Polífica Federal contando o dinheiro apreendido: R$ 51 milhões e uns trocados. Aparentemente, ele guardou até as moedinhas.
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Mas e no meio?
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2. No meio do caminho, tinha o Joesley
O mais famoso delator da Lava-jato, Joesley Batista, foi gravado discutindo seus privilégios com o judiciário brasileiro. Nos áudios entregues à Procuradoria-Geral da República (PGR), o empresário fala em “dissolver o Supremo” com a ajuda de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça do governo Dilma. Em conversa com o também empresário Ricardo Saud, podemos ouvi-lo dizer: “Eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé e o Zé vai entregar o Supremo.”
Mas não termina aí, essas descobertas podem levar a uma mudanças nos acordos de delação premiada. Afinal, os áudios indicam que Joesley omitiu informações em seus depoimentos e, pior, estava no comando da situação.
Mas ainda não termina aí. A gravação ainda implica o ex-procurador Marcelo Miller. Segundo os executivos da JBS, ele atuava em favor da empresa antes da exoneração. Agora é aguardar, porque tudo indica que Joesley perderá seus privilégios. Não por ter mentido, mas por ter omitido e manipulado a própria delação premiada. Parece mentira, mas é Brasil.
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3. No meio do caminho, tinha a Olimpíada
Como desgraça pouca é bobagem, o mar de lama chegou aos Jogos Olímpicos do Rio. A nova fase da Operação Lava Jato, deflagrada na manhã de ontem (05), investiga um esquema de corrupção de compra de votos para a escolha do Rio como sede da Olimpíada. Durante a Operação Unfair Play (Jogo Sujo, em inglês), a Polícia Federal apreendeu R$480 mil na casa de Carlos Arthur Nuzman, presidente no Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do corretor Lúcio Funaro. Ele admitiu ser o operador financeiro do PMDB na Câmara dos Deputados e citou autoridades com foro privilegiado no STF. Inclusive o excelentíssimo presidente da República, Michel Temer. Espera-se que a denúncia contra Temer seja apresentada ainda essa semana. Funaro era aliado de Eduardo Cunha, inclusive. Temer cada vez mais enrolado.
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5. No meio do caminho, tinha o Lula – e a Dilma
Quando a gente achou que tinha acabado, a cereja do bolo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou, nesta terça (05) os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Eles são acusados de participar de organização criminosa para desviar dinheiro da Petrobras. O inquérito recebeu o apelido de “quadrilhão do PT”. O Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também denunciou os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega; a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e seu marido, o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo; e os ex-tesoureiros João Vaccari e Edinho Silva. Não há novidades em termos de investigação, é mais do mesmo, mas a denúncia é um balde de água fria aos admiradores do ex-presidente, principalmente porque não vem do “aqui-inimigo”, o Juiz Sérgio Moro. A denúncia parte de Janot, até este momento acusado de ser petista. E o mesmo balde serve pra Dilma, que até então vinha sendo inocentada e, agora, precisa mudar o discurso.
E isso que não listei aqui as discussões sobre a reforma política, a proposta de privatizar ou acabar com a UERJ, os R$ 350,00 que os professores gaúchos receberam, e por aí vai.
Carlos Drummond de Andrade disse que havia uma pedra no meio do caminho. Mal sabia ele que os brasileiros teriam pedreiras inteiras a bloquear o futuro.
Pessoas trans podem conquistar no STF direito à retificação de nome e gênero sem necessidade de cirurgia
Samir Oliveira
20 de abril de 2017
Imagem: Monica Helms
O Supremo Tribunal Federal começou a análise de uma ação que pode representar um marco na vida das pessoas transexuais no Brasil. Demandado por um homem trans do Rio Grande do Sul, o STF terá que decidir se as pessoas travestis e transexuais têm o direito de realizar a retificação de nome e de gênero na Justiça sem a necessidade de terem feito uma cirurgia de transgenitalização.
Entenda o problema
No Brasil, travestis e transexuais precisam enfrentar um verdadeiro calvário na Justiça para conseguir acesso a um direito básico: o direito de serem contemplados com seus nomes verdadeiros em seus documentos oficiais – e não com o nome que lhes deram no nascimento, que não representa suas identidades. Para isso, devem constituir um advogado e ingressar com uma ação na Justiça, terceirizando a decisão sobre suas identidades às convicções de um juiz. No Judiciário conservador que temos, sabemos bem o que isso pode significar.
Na prática, cada juiz adota um procedimento diferente, tornando os caminhos ainda mais tortuosos para a garantia de um direito que deveria ser tão básico. Em geral, todos solicitam um laudo psiquiátrico. Trata-se de uma violência desproporcional contra a população trans, que se vê obrigada a recorrer a um médico para que lhe confirme sua identidade.
Algo pelo qual pessoas cisgêneras nunca irão passar na vida. Afinal, quando que um homem ou uma mulher cis precisarão de um atestado psiquiátrico para dizer, diante do Estado brasileiro, que se identificam plenamente com o gênero que lhes foi designado? É mais uma prova de que a cisnormatividade é uma opressão sistêmica e institucional, que impõe às pessoas trans todo tipo de percalços e sofrimentos ao longo de suas vidas.
Retificação de gênero
Mas o que já é ruim consegue ficar ainda pior. Se para retificar o nome as pessoas travestis e transexuais já precisam enfrentar uma verdadeira batalha jurídica, o caso se torna ainda mais doloroso quando se trata da retificação de gênero. Nestes casos, os juízes costumam exigir que as pessoas tenham feito, também, a cirurgia de transgenitalização. Afinal, para o “cistema”, não é possível que existam homens com vagina ou mulheres com pênis.
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Isso se torna ainda mais perverso quando verificamos que, no Brasil, apenas quatro hospitais da rede pública realizam este procedimento pelo SUS
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E as filas de espera são gigantescas. Existem muitos casos de pessoas trans e travestis que simplesmente não desejam fazer essa cirurgia. Por isso serão desrespeitadas em suas identidades?
Está nas mãos do STF o poder de criar uma jurisprudência capaz de acabar com esta injustiça. A competente advogada Maria Berenice Dias, uma referência na luta por direitos para a população LGBT junto ao Judiciário, está à frente do caso. O que já é um alívio, pois sabemos que ele está em boas mãos e que haverá uma disputa jurídica de alto nível para que este direito seja garantido.
Como sempre, no Brasil, esta é uma meia conquista. Afinal, mesmo que o STF decida em favor da população trans, será mais um direito conquistado pela metade, pela via judicial. Assim como o casamento civil igualitário. Nós precisamos de leis que assegurem estes direitos. Para ontem! Na Argentina, por exemplo, a população trans está amparada pela legislação para retificar seu nome e gênero nos registros civis através de um mero procedimento administrativo. Sem precisar ingressar na Justiça para isso – algo que, mesmo com eventual sentença favorável do Supremo, ainda será necessário.
Brasília - Michel Temer coordena primeira reunião com sua equipe após tomar posse na Presidência da República do Brasil. À direita, o ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes (Valter Campanato/Agência Brasil)
A indicação do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal é desastrosa em vários níveis. Não apenas porque o indicado coleciona fracassos e eventos questionáveis em sua gestão, que vão desde uma pretensão absurda de erradicar a maconha em todo o continente (algo que ele, noves fora o delírio, ele não tem alcance legal para fazer) até uma mentira descarada sobre a presença de tropas federais em Roraima, passando por uma gestão desastrada do Fundo Penitenciário – tudo em meio a uma situação caótica e sangrenta em vários presídios do país. Também não é pelo seu histórico desastroso na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, onde comprovadamente mascarou dados de homicídios para fingir que a situação não era tão grave quanto sabemos que é. Tudo isso, claro, causa consternação – mas poderia ser rebatido a partir do notório saber jurídico e da produtiva carreira acadêmica do ministro, considerado uma das mentes mais promissoras do Direito brasileiro antes de transformar-se em (mau) gestor. Um exercício difícil, mas que não estaria proibido, de forma alguma.
O problema maior, porém, não está na incompetência do indicado. Incompetentes, no STF, têm sido mais comuns do que deveriam, inclusive. O intolerável está nas notórias, e jamais disfarçadas, afinidades políticas de Alexandre de Moraes. Filiado ao PSDB desde 2015 até pouco depois da indicação, ele é facilmente a mais politiqueira das indicações ao STF em muito tempo, superando com folga a presença de gente como Dias Tóffoli – que já era, convenhamos, mais do que suficiente nesse sentido. Já na pasta da Justiça a postura de Moraes era pouco republicana, repassando informações sigilosas ao núcleo de Michel Temer e antecipando ações da Lava-Jato contra o PT para contar vantagem em pleno palanque eleitoral, algo tão insólito e grave que motivou até um editorial no Estadão pedindo que ele renunciasse. Um alinhamento político que sempre rendeu frutos, fazendo dele um dos poucos nomes com trânsito irrestrito entre os tucanos e garantindo a blindagem de Temer, que jamais cogitou retirá-lo do posto, mesmo no auge da crise na segurança pública do país.
A independência entre os poderes não é apenas um conceito bonito: é algo fundamental para uma democracia minimamente saudável, pelo qual vale a pena (e muito) lutar. Só sendo muito #teamTemer ou #foraPT para ignorar o cheiro nauseante que emana dessa indicação – o mesmo fedor, aliás, que sentimos diante de Moreira Franco alçado a ministro, cargo que dá a ele o mesmo foro privilegiado que Gilmar Mendes negou a Lula no ministério de Dilma Rousseff. O mesmo Gilmar Mendes, aliás, que não se constrange em visitar e até pegar carona no avião de Michel Temer, a quem pode julgar enquanto presidente do TSE… Bem, acho que dá para entender onde quero chegar.
A indicação de Alexandre de Moraes – que inclusive nega e ridiculariza o que ele próprio disse em sua tese de doutorado – coloca como revisor da Lava-Jato alguém que estava até ontem no coração do governo que convulsiona por causa desta mesma investigação, sob a suspeita indisfarçável de que será um soldado do governo, e não da sociedade brasileira, durante sua longa estada na mais alta corte do Brasil. Nesse cenário, como não lembrar de Romero Jucá falando, na gravação agora famosa, de “estancar a sangria” com um “grande acordo, com STF, com tudo” – um spoiler tão eficiente que é quase o pré-roteiro de tudo que andamos vendo atualmente? Se o dito aparelhamento do Estado pelos governos petistas preocupava ao ponto de motivar protestos pedindo impeachment, como podem esses escandalosos sinais atuais de aparelhamento serem vistos com indiferença ou, pior ainda, relativizados?
Um dos sinais mais claros de um ambiente democrático se esfarelando é o desinteresse por princípios que se erguem acima das conveniências partidárias ou das raivinhas de ocasião. Qualquer um que deseja uma democracia sadia no Brasil, independente de alinhamento ideológico, deveria estar no mínimo assustado com a perspectiva de Alexandre de Moraes no STF. Porque ele escolheu virar um gestor incompetente ao invés de se aprofundar na doutrina, porque ele mente e dissimula informações de interesse público, porque já demonstrou destempero e falta de isenção em inúmeros momentos – mas, acima de tudo, porque é fortíssima a suspeita de que estará lá apenas para fazer o serviço do grupo político que está no poder. São sombrias as perspectivas para um país que aceite essa barbaridade sem espernear.