Samir Oliveira

Pessoas trans podem conquistar no STF direito à retificação de nome e gênero sem necessidade de cirurgia

Samir Oliveira
20 de abril de 2017
Imagem: Monica Helms

O Supremo Tribunal Federal começou a análise de uma ação que pode representar um marco na vida das pessoas transexuais no Brasil. Demandado por um homem trans do Rio Grande do Sul, o STF terá que decidir se as pessoas travestis e transexuais têm o direito de realizar a retificação de nome e de gênero na Justiça sem a necessidade de terem feito uma cirurgia de transgenitalização.

Entenda o problema

No Brasil, travestis e transexuais precisam enfrentar um verdadeiro calvário na Justiça para conseguir acesso a um direito básico: o direito de serem contemplados com seus nomes verdadeiros em seus documentos oficiais – e não com o nome que lhes deram no nascimento, que não representa suas identidades. Para isso, devem constituir um advogado e ingressar com uma ação na Justiça, terceirizando a decisão sobre suas identidades às convicções de um juiz. No Judiciário conservador que temos, sabemos bem o que isso pode significar.

Na prática, cada juiz adota um procedimento diferente, tornando os caminhos ainda mais tortuosos para a garantia de um direito que deveria ser tão básico. Em geral, todos solicitam um laudo psiquiátrico. Trata-se de uma violência desproporcional contra a população trans, que se vê obrigada a recorrer a um médico para que lhe confirme sua identidade.

Algo pelo qual pessoas cisgêneras nunca irão passar na vida. Afinal, quando que um homem ou uma mulher cis precisarão de um atestado psiquiátrico para dizer, diante do Estado brasileiro, que se identificam plenamente com o gênero que lhes foi designado? É mais uma prova de que a cisnormatividade é uma opressão sistêmica e institucional, que impõe às pessoas trans todo tipo de percalços e sofrimentos ao longo de suas vidas.

Retificação de gênero

Mas o que já é ruim consegue ficar ainda pior. Se para retificar o nome as pessoas travestis e transexuais já precisam enfrentar uma verdadeira batalha jurídica, o caso se torna ainda mais doloroso quando se trata da retificação de gênero. Nestes casos, os juízes costumam exigir que as pessoas tenham feito, também, a cirurgia de transgenitalização. Afinal, para o “cistema”, não é possível que existam homens com vagina ou mulheres com pênis.

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Isso se torna ainda mais perverso quando verificamos que, no Brasil, apenas quatro hospitais da rede pública realizam este procedimento pelo SUS

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E as filas de espera são gigantescas. Existem muitos casos de pessoas trans e travestis que simplesmente não desejam fazer essa cirurgia. Por isso serão desrespeitadas em suas identidades?

Está nas mãos do STF o poder de criar uma jurisprudência capaz de acabar com esta injustiça. A competente advogada Maria Berenice Dias, uma referência na luta por direitos para a população LGBT junto ao Judiciário, está à frente do caso. O que já é um alívio, pois sabemos que ele está em boas mãos e que haverá uma disputa jurídica de alto nível para que este direito seja garantido.

Como sempre, no Brasil, esta é uma meia conquista. Afinal, mesmo que o STF decida em favor da população trans, será mais um direito conquistado pela metade, pela via judicial. Assim como o casamento civil igualitário. Nós precisamos de leis que assegurem estes direitos. Para ontem! Na Argentina, por exemplo, a população trans está amparada pela legislação para retificar seu nome e gênero nos registros civis através de um mero procedimento administrativo. Sem precisar ingressar na Justiça para isso – algo que, mesmo com eventual sentença favorável do Supremo, ainda será necessário.

Imagem: Monica Hemls