Voos Literários

Os cafonas seguem passando vergonha no Brasil

Flávia Cunha
23 de novembro de 2021

Desculpem, leitores de bom gosto, mas os cafonas permanecem em alta em 2021. É touro de ouro, campanha contra Fernanda Montenegro e Gilberto Gil na Academia Brasileira de Letras, defesa da “consciência humana” para negar o racismo, entre outras muitas bizarrices. Enquanto isso, os preços dos alimentos não param de subir, assim como o valor dos combustíveis. Mas sobre isso os cafonas preferem não protestar. Até porque, para este grupo, qualquer governo é melhor que a “ditadura comunista do petê”.  

Elite pobre de espírito

Não que todo o cafona ainda seja a favor de Jair Bolsonaro e sua forma tosca de governar. Afinal, depois de tantos vexames internacionais, não pega bem para quem é da elite seguir defendendo o bolsonarismo. Então, muitos dividem-se entre apostar em Sérgio Moro ou em outras alternativas da terceira via. Tudo para evitar que Lula retorne ao poder mesmo que o ex-presidente tenha sido elogiado por lideranças em tour pela Europa. O que interessa mesmo é a desigualdade brasileira aumentar cada vez mais. Com isso, os cafonas tão pobres que só tem dinheiro se sentirão superiores a quem passam fome. É tudo uma questão de mérito, dizem. Os cafonas que foram contrários a uma atriz e a um músico negro na ABL ficaram calados quando um neurocirurgião branco e de sobrenome famoso virou imortal na Academia. Para eles, o Brasil perfeito não precisa ter diversidade alguma. 

E nós?

Enquanto isso, seguimos tentando resistir de alguma forma. Apoiando projetos sociais e não perdendo a indignação com os absurdos propagados pelos cafonas. Em 2020, escrevi um texto alertando que os canalhas não suportam poesia. E foi com algum alento que recebi a notícia de 5 escritoras serem as finalistas na categoria poesia do prestigiado prêmio Jabuti. Pesquisem as obras de Mar Becker, Maria Lúcia Alvim, Jussara Salazar, Micheliny Verunschk e Prisca Agustoni Pereira. Pois a indicação destas poetas contribui para romper com o machismo também presente no meio editorial brasileiro. 

Esse texto é uma singela homenagem à Fernanda Young, escritora falecida em 2019, que segue fazendo muita falta nos dias atuais.

Imagem: Paulo Pinto / Fotos Públicas

Voos Literários

Por que Fernanda Montenegro na ABL gera controvérsias?

Flávia Cunha
12 de outubro de 2021

Bastou o anúncio da atriz Fernanda Montenegro concorrendo – sem oponentes – a uma vaga na Academia Brasileira de Letras para que questionamentos fossem levantados. Ela não é escritora, bradam os conservadores que abominam a postura antibolsonarista de Fernanda. É injusto com Conceição Evaristo, questionam os antirracistas, em referência à candidatura da escritora mineira à ABL, na qual recebeu apenas 1 voto. 

Disparidade de gênero

De qualquer forma, a escolha de uma mulher para ocupar a vaga – ainda que branca e hetero – desperta atenção pela disparidade de gênero dentro da ABL. Dos atuais 40 imortais, apenas 5 são do sexo feminino. O ingresso da primeira escritora como integrante da tradicional (e elitista) instituição ocorreu apenas em 1977. A conservadora Rachel de Queiroz virou imortal desprezando o pioneirismo e afirmando não enxergar no feito uma vitória para outras mulheres por “não ser feminista”.  Além disso, era abertamente a favor do regime militar, o que foi considerado “um morde e assopra”. De um lado, a academia inovava ao finalmente ceder na questão de gênero, 80 anos depois de sua fundação. Do outro, não batia de frente com a ditadura ao eleger uma defensora de Ernesto Geisel.

Nesse sentido, a escolha de Fernanda Montenegro poderia ser uma sinalização de que os integrantes da ABL não estão dispostos a eleger alguém alinhado com Jair Bolsonaro. Apesar disso, na teoria, a Academia é apartidária e apolítica, mesmo com membros como José Sarney e Fernando Henrique Cardoso entre os atuais imortais. 

Fernanda Montenegro não é escritora

A ABL sempre abriu as portas para figuras célebres de outras áreas do conhecimento. Em retrospectiva histórica, um dos casos mais emblemáticos foi do pai da aviação Santos Dumont, na década de 1930, e, 60 anos depois, do cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Ou seja, não é uma novidade a escolha de uma figura pública fora do universo da Literatura, mas que tenha publicado livros. Caso de Fernanda Montenegro, que lançou a autobiografia Prólogo, ato, epílogo, entre outras obras.

Conceição Evaristo

De setores mais à esquerda da sociedade, o anúncio de Fernanda Montenegro despertou um certo desconforto por recordar do incidente envolvendo Conceição Evaristo. Em 2018, a escritora mineira teve seu nome aclamado por parte do público, como uma reparação histórica pelo fato de uma mulher negra finalmente vestir o tradicional fardão de imortal.  Conceição, no entanto, ousou romper os rígidos protocolos da eleição, com telefonemas e envios de presentes aos integrantes da ABL. Como resposta, os membros da entidade não pouparam a rebeldia, já que são  favoráveis a toda pompa e cerimônias,

Hoje em dia, a escritora garante que não pretende lançar nova candidatura, porém não poupa críticas à postura da ABL.

Sem tantos “rapapés”

Fernanda Montenegro, por sorte, será poupada, em parte, da ingrata missão de pedir votos. Candidata única (os outros interessados, em respeito, retiraram seu nome do pleito), está em novo isolamento do alto de seus 91 anos, ainda em função da pandemia, com acesso dificultado à comunicação e tecnologia. Porém, enviará telegramas, uma praxe da qual os imortais não abrem mão em pleno século 21.

Viva Fernanda!

Por fim, considero que a Academia Brasileira de Letras tem muito mais a ganhar com a presença potente de Fernanda Montenegro como imortal do que ao contrário. Afinal, tem renome internacional e uma carreira artística sólida. Além disso, a atriz se mostra figura lúcida e forte no combate aos horrores políticos atuais. Por isso, sua eleição, em 4 de novembro, será bem-vinda, como um sopro de esperança.

Imagem: Facebook/ Reprodução

 

 

 

Voos Literários

Um expert em STF virou imortal na Academia

Flávia Cunha
24 de abril de 2018

A escolha do jurista Joaquim Falcão como imortal na Academia Brasileira de Letras me chamou a atenção nos últimos dias. Um especialista em Supremo Tribunal Federal em plena época de comoção em torno das decisões do STF em questões sensíveis como a Lava-Jato e a prisão do ex-presidente Lula? Não é, no mínimo, curioso?

Em entrevista à Agência Brasil em sua posse, no dia 19 de abril, Falcão foi questionado sobre sua opinião a respeito do Supremo:

“O Supremo representa o sentimento de justiça do Brasil, assim como os intelectuais representam a consciência do povo brasileiro”, afirmou.

Ao comentar o papel do STF no momento atual, Falcão foi direto: “O Supremo não vai falhar ao Brasil.”

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O interessante é que não é de hoje que Joaquim Falcão analisa o papel do STF na política brasileira. Em pleno processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, ele escreveu o seguinte em uma coluna assinada no jornal O Globo:

Quem mais pede para o Supremo interferir em si mesmo tem sido o próprio Congresso. Desconsiderando–se em sua própria independência. É quase automutilação. Na maioria das vezes é armadilha. Contra isto, o Supremo já poderia ter construído jurisprudência, uma autodefesa contra o abuso de seu uso. Não construiu. Estará construindo agora?

O resultado tem sido a centralização, a suprema judicialização inclusive dos destinos de uma nação.

Leia o artigo completo aqui

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O adeus a Nelson Pereira dos Santos

Poucos dias depois da posse de Falcão, a Academia Brasileira de Letras perdeu o primeiro cineasta a ser integrante da ABL: Nelson Pereira dos Santos.

Sua filmografia tinha tudo a ver com a literatura: levou para as telonas Vidas Secas – um dos filmes brasileiros mais premiados de todos os tempos – e Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, por exemplo. No velório. em plena Academia Brasileira de Letras, foi homenageado com a exibição de trechos de filmes inspirados em livros. Teve uma inegável contribuição para a cultura brasileira.