Raquel Grabauska

Batmãe

Raquel Grabauska
19 de maio de 2017

Aos olhos dos filhos, me sinto muitas vezes uma heroína.

Tom com 3 anos: Mamãe, desenha o Thor?

Desenhei.

Ele ficou muito feliz e se entusiasmou: Mamãe, desenha um lobo?

 

 

Benjamin, 6 anos:

Mamãe, tu só sabe desenhar o Batman?!

(agora ficou evidente o motivo pelo qual acabei no teatro)

Igor Natusch

O estranho caso do político que faz de conta que não é político

Igor Natusch
17 de maio de 2017
Brasília - O prefeito eleito de São Paulo, João Doria Junior, durante entrevista coletiva após encontro com o presidente Michel Temer (Valter Campanato/Agência Brasil)

O prefeito de São Paulo, João Dória, não é um político. E isso não é uma acusação feita a ele, ao contrário: é um mantra que o próprio chefe do Executivo paulistano repete sempre que possível, em um esforço incansável de convencimento coletivo. Mesmo estando eleito para fazer política pelo voto popular, mesmo precisando tomar decisões políticas, a partir de uma visão política das necessidades da maior cidade brasileira, em um ambiente cheio de disputas cuja natureza é incontornavelmente política: ainda assim, Dória usa a mais plácida das expressões faciais para dizer, e repetir, e frisar e acentuar que não, ele não é político. Não apenas isso: a coisa é dita com um ar de distanciamento muito claro, como se o prefeito não apenas nos informasse de que não vê a si mesmo como político, mas como quem faz questão de não ser político, como quem teme ser reconhecido como político pelo seu eleitorado.

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Não é uma admissão, um ‘ok, tens razão, não sou político’, mas bem mais um ‘não sou político coisa nenhuma, deus me livre’

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A despolitização da sociedade brasileira é o barro de onde surge esse tipo de coisa. Ser político, como sabemos, virou quase palavrão. O arquétipo do político, mais do que nunca em tempos de Lava-Jato e crise institucional generalizada, é de uma pessoa falsa e corrupta, que diz qualquer coisa para se eleger, que não dá a mínima para a população e na qual não se pode confiar. Não é uma missão para a qual se é eleito, mas sim uma espécie de profissão ou, melhor dizendo, de compromisso entre desonestos, quase uma parceria mafiosa. E aí convenhamos, quem quer falar sobre sua atividade do mesmo modo que um bandido confessa seu crime?

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Há tempos estamos elegendo governantes, na maioria das vezes, pelo que eles evocam de não-político na sua imagem ou discurso

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Vamos além de Dória, então: quem elegeu José Ivo Sartori governador do Rio Grande do Sul pensando em suas propostas? Todos sabemos que o que mais pesou foi sua imagem de ‘gringo’ gente boa, manso e bonachão, uma aparente chance de tranquilidade em um estado sempre incendiado pelo antagonismo político. Por outro lado, não se poderá dizer que Nelson Marchezan Júnior é alguém sem ideário ou trajetória política, mas até que ponto o dinamismo e juventude do atual prefeito de Porto Alegre (características marteladas durante toda a campanha do ano passado) são valores políticos?

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Nas redes sociais, nos bares e nas urnas, nossa discussão é pouquíssimo política: é uma briga de simpatias contra antipatias, onde o bem e o mal se confrontam, onde o potencial político de uma figura pública é medido a partir do seu não-envolvimento (prévio ou, em alguns casos, permanente) com a política institucional ou militante

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Não é à toa que muitos veem o manifestante como vagabundo, o fazer política como algo ineficiente, o debate político como besteira. Estamos enojados com o que virou nossa engrenagem política, de tal modo que tudo que esteja fora dela nos parece menos contaminado e, portanto, uma melhor opção. É nesse descrédito que figuras como João Dória, pela insistência em distanciar-se da política que ora exercem, acham várias ondas para surfar.

João Dória coloca a si mesmo como um empresário e, acima de tudo, um gestor. Embora a capacidade de gestão seja obviamente fundamental para manter um município – ou estado, ou país – nos eixos, não é minimamente possível gerir uma máquina política sem fazer política – e o que é fazer política senão assumir o papel de político? O prefeito de São Paulo, inclusive, continua fazendo política de forma incansável, com uma série de ações claramente midiáticas que causam a nítida impressão de que ele ainda não desceu do palanque, que continua em campanha para uma nova eleição que ainda não se definiu qual seja, mas aponta mais para Brasília do que para o Palácio dos Bandeirantes. Que não-político é esse que, mal eleito para a prefeitura, e mesmo tendo garantido que cumpriria esse mandato até o fim e não tentaria reeleição, admite com cada vez menos reservas que topa concorrer ao que quer que apareça como oportunidade em 2018? Que não-político é esse que se manifesta de forma dura, e claramente política, sobre uma greve geral que visa o governo federal, que não traz nenhuma oposição direta a sua própria administração – ou seja, que se posiciona de forma política sobre um relevante evento político?

Sugiro ao leitor e à leitora que desconfiem de quem, em meio aos políticos, insiste que não é político. Ou não é capaz de ver a si mesmo como político, mesmo sendo um deles, ou simplesmente tenta desviar os olhares para algum outro lugar. Ser ou não ser um político não é um predicado em si mesmo: é uma tarefa, que se assume ou não, de forma confessa ou dissimulada. E eu não sei vocês, mas eu quero meus eleitos bem políticos mesmo, porque ou a gente faz política de peito aberto ou ela simplesmente não serve, bem dizer, para nada.

Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

Raquel Grabauska

Mãe

Raquel Grabauska
12 de maio de 2017

Mãe sente falta de sexo

Mãe sente falta de banho

Mãe sente falta de tempo

Mãe sente falta de ser

 

Filho sai

Mãe sente falta de filho

 

Filho cresce

Mãe sente falta de filho

 

Tempo passa

Mãe sente falta de filho

 

Mãe sente falta de mãe

(a ilustração de hoje é o jeito que meu filho mais velho me enxergou hoje)
Raquel Grabauska

Monstro da culpa

Raquel Grabauska
5 de maio de 2017

Sabe aquela clássica frase: “Nasce um filho, nasce uma mãe?” Acrescento: “Nasce uma culpa.”

Acho que passei mais tempo tentando não ter culpa do que ninando meus filhos. E olha que não os ninei pouco! Uma das primeiras culpas que lembro foi quando viajamos pela primeira vez e tive que cozinhar uma beterraba que não era orgânica pra papinha do Benjamin. Me senti a pior pessoa do mundo.

Me dei conta disso esses dias, quando vi os dois comendo o segundo picolé do dia. Culpa por ser o segundo picolé, culpa pelo choro se não deixasse comer o segundo picolé. Como isso é raro de acontecer, escolhi a culpa sem o choro.

Haja exercício de paciência comigo mesma. Eu acerto muito com eles. Então tenho me permitido errar. E tenho demonstrado isso pra eles. Tento deixar de ser a super mãe para ser uma mãe real, embora eles me chamem muitas vezes de Mulher Maravilha.

Foto: Monstro da Culpa, ilustração do Tom

Geórgia Santos

Uma ode a Belchior – Amar e mudar as coisas, me interessa mais

Geórgia Santos
1 de maio de 2017

Toda vez que eu ligo o computador, sem exceção, leio algo que me deixa devastada. Pode ser uma notícia, um tuíte aleatório de uma pessoa errática, ou o comentário em um portal de hardnews que, de maneira quase sádica, eu insisto em ler.

A minha alucinação, é, de fato, suportar o dia-a-dia. E o meu delírio é a experiência com coisas reais quando já parece que não pertenço a esse mundo

 

Não posso pertencer a um mundo em que o ódio é a gênese do que se acredita ser raciocínio lógico; em que existe origem certa ou errada; em que mulher é sinônimo de nada; em que ditadores são aclamados. Eu não posso pertencer a um mundo em que um rapaz delicado e alegre, que canta e requebra, seja ridicularizado e em que o amar é pecado.

Às vezes eu simplesmente sinto que o sinal está fechado pra nós, que somos jovens. Parece exagero, eu sei. Pior ainda, soa como reprise, como o desespero que era moda em 76. Mas ando mesmo descontente e quero que esse canto torto ecoe e, feito faca, corte a carne de vocês.

Nós não podemos amar o passado e viver como nossos pais, precisamos evoluir. Precisamos acordar e fazer o destino com o suor das nossas mãos. Aproveitar o momento em que nossa voz resiste e, por isso, podemos cantar muito mais.

Me assusta que meus horrores não assustem a todos. Confesso. E me assusta porque ao vivo é muito pior

 

Meninos de 14 anos acham que estupro é culpa da menina que usa saia curta. Adolescentes acham que ser gay é errado. Crianças rejeitam o colega diferente. Jovens gritam, a plenos pulmões, que comunistas tem que morrer.

Ainda assim, acredito nos bons ventos do futuro. Que uma nova mudança, em breve, vai acontecer e que o passado de preconceitos é uma roupa que não nos serve mais. E a minha parte eu faço, amando e mudando. Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho. Porque amar e mudar as coisas, me interessa mais.

Musico Belchior em 1977. FOTO DIVULGAÇÃO.

Obrigada, Belchior, por me emprestar as palavras deste texto e algumas ideias. Obrigada, Belchior, por me permitir cantar política e a sociedade com a melodia de quem fala de amor. 

Raquel Grabauska

Dez coisas que eu gostaria de ter sabido antes do nascimento do bebê

Raquel Grabauska
28 de abril de 2017

Há muito que eu gostaria que tivessem me dito antes de ser mãe. Então, acho que o mundo pode se beneficiar da minha atual sabedoria com estas dez coisas que eu gostaria de ter sabido antes do nascimento do bebê:

1. Não estou mais grávida

Foi um choque. Foi muito estranho. Antes todo mundo me paparicava. Depois que o bebê nasceu, sequer olham pra gente!!!

2. O bebê chora e a gente não sabe o motivo
O principal é ter calma. Se a gente fica nervosa, ele fica mais. Bebês choram, disse minha terapeuta. E isso mudou minha vida. Logo a gente aprende a entender o que ele quer com o choro;
3. O corpo volta (um pouco) pro lugar
Nos primeiros dias algumas pessoas me perguntaram quando nasceria o bebê. Pelo menos as deixei constrangidas dizendo que já tinha nascido – isso é divertido! A marquinha charmosa da cesárea do primeiro filho segue firme e forte, mas a barriga já era quase a mesma de antes por volta dos 3 meses. E com o segundo filho, parto normal, minha vagina não virou uma gaita de foles, ela ficou normal, não esgaçou e eu sinto prazer. Uau;
4. Esquece os peitos
A gente vira uma distribuidora de leite. Fica cheio, vaza, tu tem que mostrar pra todo mundo… Sigo no próximo tópico;
5 . Amamentar
Eu sempre procurei me recolher. Às vezes tinha que expulsar todo mundo de volta. Pra mim foi bem importante ter consciência desse momento de total cumplicidade com o bebê. Logo ele vai ter foco em outras coisas, esse é o período só nosso. Depois tem que deixar ele ir pro mundo;
6. Sexo é uma coisa que a gente volta a fazer
Parece que nunca mais vai dar, mas dá sim;
7. O pai também decide sobre o bebê
Como mãe, tinha  a tendência a ter que saber tudo. Um dos fatores que mais me deixa tranqüila é poder ter muitas dúvidas e compartilhar com meu marido querido. A mãe tem um poder imenso. Tem que usar pro bem;
8. Sobre o sono
Esse é o maior companheiro, tá sempre do teu ladinho agora. Todo mundo me disse que a mãe dorme quando o bebê dorme. Consegui isso pouquíssimas vezes durante o dia. Quando ele dorme, é a hora de fazer as coisas… Tem que usar o bom senso e selecionar as dormidas possíveis. Com dois meses do bebê, o sono já vai melhorando. É legal dividir com o pai as madrugadas. A gente faz um horário de mamada pra cada um. No horário do pai, ele me passava o bebê na hora de mamar. Arroto, colocar e pegar ele na cama mil vezes, fralda, era com ele. Isso Me possibilitava lindas dormidas de quase duas horas!!!
9. Surdez aos palpiteiros
No início eu quis matar todos. O uso da frase “o médico nos orientou assim” foi um santo remédio. Com o tempo a gente aprende a selecionar os palpites e consegue não ouvir vários;
10.Embrulhinho e chiado, queridos aliados
Aconchegamos os guris numa cobertinha leve, deixando eles se sentirem seguros. Usamos um chiado que ainda nos acompanha nos lugares barulhentos. Ajuda ele a dormir, só. Fica o chiado ao fundo, dizem que imita o barulho que o útero faz. Eu caio no sono ouvindo. E olha que não sou mais bebê faz um tempinho;

 

Igor Natusch

Na tempestade, o bote do eleitor de esquerda é Lula

Igor Natusch
26 de abril de 2017
Ex-presidente Lula participa da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Promovi uma pequena enquete pelo Twitter na semana passada. Meu objetivo: entender um pouco melhor a disposição dos setores mais à esquerda para um voto conveniente nas eleições de 2018 (caso elas aconteçam, é claro). Abaixo, o enunciado e as respostas:

https://twitter.com/igornatusch/status/854020659072180224

Algumas ressalvas. É evidente que se trata, acima de tudo, de um estudo de bolha – afinal, a imensa maioria das pessoas que tiveram contato com a enquete ou eram meus amigos e seguidores, ou eram pessoas próximas a esses que tiveram a chance de ver a enquete por meio de algum retweet. Um círculo pouco extenso e, portanto, de pouco ou nenhum valor científico. As opções também não foram as ideais: minha ideia inicial era ter cinco opções, com a candidatura do PSOL separada dos votos nulos. Porém, a ferramenta do Twitter infelizmente limita a quatro o número de alternativas – e, como para mim os nomes de Lula, Marina e Ciro eram fundamentais, fui forçado a juntar o partido com a opção de não votar em nenhum dos candidatos. Isso gera problemas óbvios para a leitura, como o fato de eu não saber exatamente quantos votariam nulo no cenário proposto. Ainda assim, acho que dá para tirar algumas reflexões usando essa enquetezinha como suporte.

A amostragem não é de todo desprezível, e a bolha no caso quase ajuda, pois a maioria dos meus seguidores são identificados com ideários progressistas e, portanto, mais pretensos a buscar opções de centro-esquerda em um cenário tão polarizado como deve ser o do ano que vem.

Ideologia fragmentada

O cenário que se desenha, a gente bem sabe, é de centro-esquerda fragmentada. É um momento de queda de hegemonia do PT, que durante décadas praticamente monopolizou o voto viável para esse nicho, ao menos em escala federal. Há um vácuo evidente nesse protagonismo, que será mais ou menos acentuado na medida em que Lula – única figura petista (e da centro-esquerda) cujas chances de vencer estão acima de debate – tiver ou não a oportunidade de concorrer.

Um exemplo é Ciro Gomes. Sem Lula, é um candidato a ser levado em conta; com o barbudo no páreo, perde muito de sua força, não sendo absurdo supor que possa deixar de lado sua convicção de momento e aceite concorrer como vice em uma chapa PT-PDT.

Talvez até mais do que uma briga pelo Planalto, o lado esquerdo do cenário político vê o pleito como uma chance de tomar a dianteira entre seus iguais – acima de tudo, se Lula não estiver na disputa.

Para o eleitor, a coisa é bem outra. Trata-se de lidar com um cenário desesperador – onde João Dória aparece como fenômeno midiático, Jair Bolsonaro cresce no submundo das redes sociais e não faltam Alckmins e Aécios aguardando o momento mais adequado para colocar o bloco na rua. Direitos históricos dos trabalhadores estão sendo profundamente visados, outros que vinham sendo construídos estão sob sério risco diante de um verdadeiro levante obscurantista, e tudo isso enquanto minorias seguem oprimidas por movimentações cada vez mais hostis, no Executivo e no Congresso.

Em resumo, ninguém parece pensar nas urnas como forma de legitimar um possível nome forte para o futuro à esquerda: o negócio é apagar incêndio, e rápido. A pequena amostra que temos até aqui mostra isso: o voto por convicção ou identificação ideológica fraqueja, diante de uma escolha cada vez mais clara por alguém que evite o pior. A quantidade de frases nessa direção, na enquete e no dia a dia, que tenho ouvido é testemunho claríssimo disso.

Esse cenário é de Lula

O discurso de que votar é uma escolha entre o criticável e o inaceitável vem sendo há tempos o mote das campanhas petistas – foi assim na reeleição de Dilma Rousseff, qualquer um há de lembrar. Num cenário onde os sonhos ruins de todos os progressistas viram realidade em frequência quase diária, reforçar esse discurso torna-se muito mais fácil.  Ainda mais para uma figura como Lula.

Além de ter construído uma imagem quase messiânica em torno de si, o ex-presidente tem sido igualmente eficiente em construir, na imaginação de enormes contingentes, a narrativa de pai dos pobres perseguido por uma direita rancorosa e uma investigação injusta, determinada a destruí-lo.

Some-se a essa conjunção de fatores o já bastante consolidado ‘mito do gestor’: a convicção tácita e crescente de que o problema dos políticos é justamente serem políticos, e que é importante colocar no poder figuras que vejam o Executivo como um espaço de eficiência e objetividade. Sem desperdícios e sem perder tempo com discussões de fundo. Sem o debate conceitual, a esquerda perde muito do seu potencial, e a maré não está nem um pouco para esse tipo de discussão. Lula, com sua figura e seu discurso, é talvez o único político da “velha guarda” praticamente imune a esse tipo de colocação – praticamente.

Não é surpreendente (embora seja digno de nota) que muitos setores críticos ao modelo petista de governo federal estejam dispostos a engolir todas as críticas e reconduzir Lula ao Planalto. Há uma certeza (sustentava inclusive em pesquisas de opinião de escala nacional) de que, se ele concorrer, ele pode ganhar, somada a uma impressão não-expressa, mas presente, de que os outros não podem. E, ao menos para grande parte, sua vitória parece muito menos apavorante que a alternativa. Não que o voto convicto esteja inviável, mas vê-se na maioria das mentes submisso a uma narrativa de urgência que, pouco ou muito real que seja, é suficientemente convincente para ditar todas as decisões.

Queiramos ou não, Lula já é o nome forte do lado esquerdo do ponteiro. E isso já está consolidado.

A pergunta de um milhão de dólares: Lula conseguirá concorrer?

Que ele deseja, não há dúvida; sua situação com a lei, no entanto, pode facilmente impedi-lo. Poucos desejam que ele concorra – e isso não se aplica apenas à centro-direita, mas igualmente aos mais diferentes setores de esquerda que se opõem, por lógica político-eleitoral ou divergência ideológica, ao modelo petista de gestão e construção de alianças. Mas o eleitorado que teme as alternativas conservadoras e/ou liberais que estão na mesa demonstra claramente sua disposição de votar no barbudo, com uma convicção que pode ser pouco calorosa, mas não dá qualquer sinal de que possa arrefecer.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Raquel Grabauska

Uma simples ida ao supermercado

Raquel Grabauska
21 de abril de 2017

Estamos morando na Alemanha faz dois meses e, há poucos dias, fiz meu primeiro papelão aqui! Fui ao supermercado. Não, o papelão não foi esse.

Quando cheguei, vi que tinha esquecido as sacolas em casa, então fui colocar moedas pra poder usar o carrinho e não tinha  –  e aqui precisa colocar uma moeda para liberar o carrinho e quando tu devolve ele pro lugar, pega a moeda de volta. Então, peguei um cestinho e tentei equilibrar todas as compras. Filão no caixa.

Abriu o caixa do lado, um express. O caixa passa as coisas numa velocidade quase como a da luz e tem uma prateleira do tamanho de um o.b. médio pra equilibrar tudo. Tu tem que guardar as compras nas sacolas – que a essa altura eu tinha comprado no super. Consegui, suando, mas consegui. Fiz uma economia em relação às compras anteriores, então fiquei feliz.

Passei o cartão e pediu o PIN

Coloquei a senha

O PIN tem quatro dígitos

“Ai,ai,ai,ai,ai”  

A senha tem seis

Coloquei os 4 primeiros. Senha errada. A moça do caixa já me fuzilando. Eu disse que não tinha o PIN. Ela me disse que todo mundo tem pin. A fila cresceu como bolo bom. Ligo pro meu marido. Guris gritando ao fundo. Ele diz que o PIN é a senha. Digo que não. Ele insiste. Digo delicadamente que a senha é teu **, procura o PIN. A fila já tava na França. Perguntei sobre o pin pra moça que falava inglês na fila. Diz que o PIN nasce com o cartão, no dia que ele sai do banco. Falei pro meu marido que o PIN tem quatro números. Ele me dá cinco. Insisti carinhosamente que eram quatro. Ele tinha certeza absoluta que eram cinco.

“Tá, amor. Vou desligar. Desculpa, moça, vou ter que sair pra tirar dinheiro.”

Coloquei TODAS as compras num canto. Pedi desculpas pro pessoal da fila, que já tava lá na África. Saí, peguei o carrinho das crianças que levei pra colocar as compras e caminhei 30 minutos de volta pra casa. As pessoas me olham passeando com um carrinho de crianças e sorriem. Olham pra dentro do carrinho, não enxergam crianças e me olham espantadas – obviamente pensando que eu tenho sérios problemas.

Meu marido liga dizendo que achou o PIN. O PIN tem quatro dígitos. Estou na porta de casa.

Geórgia Santos

Nem Jesus era feito de chocolate

Geórgia Santos
17 de abril de 2017

No espírito da Páscoa, flagrei a mim pensando em Jesus Cristo. Mentira, foi em chocolate. Mas não é o que parece. Pensei em como foi difícil descobrir que eu não era feita de chocolate. Ou seja, lembrei de quando percebi que nem todo mundo gostava de mim e que isso não ia mudar.

Nunca pensei que fosse tão atraente quanto cacau – e não falo do sentido físico, mas em termos de queridismo –, nem quando era criança. Mas por muito anos eu acreditei que se não fizesse mal a ninguém, as pessoas não teriam motivo pra não gostar de mim. Ledo engano.

Ainda na adolescência descobri que as pessoas podem não gostar umas das outras simplesmente porque sim

 

Fundamentalmente, não vejo problema nisso. Se eu vasculhar minha memória, vou encontrar pessoas de quem eu não gosto sem motivo pra não gostar. O lance é o impacto que isso causa nas nossas vidas. No meu caso, foram anos tentando desesperadamente agradar a todos.

Eu tentava ser a melhor aluna porque assim os professores gostariam de mim; falava bobagem com os meninos porque assim eu não seria uma menininha entediante; falava sobre meninices com as gurias porque assim eu seria uma amiga muito tri; me esforçava no vôlei pra ser escolhida na aula de educação física, e por aí vai. Eu sempre gostei do fato de as pessoas gostarem de mim. E nem sabia do que eu gostava mais.

 

O problema é que ao longo da vida isso foi ficando cada vez menos saudável – e mais submisso

Na faculdade era só uma versão crescida do colégio; na vida social, precisava emagrecer pra me acharem bonita; no trabalho, aceitava qualquer empreitada não pra “crescer na firma”, mas pra gostarem de mim. O resultado disso foi assédio moral e uma tremenda crise de identidade.

 

Eu não sabia mais quem eu queria ser

Talvez eu esteja exagerando um pouco afinal, carrego comigo essa tendência hiperbólica. Mas não é o que todos fazemos até certo ponto? A maioria de nós passa a vida tentando ser chocolate.

Me libertar disso foi muito interessante. Redescobri quem eu queria ser e virei esse sonho de cabeça pra baixo. Algumas pessoas me odeiam com razão e outras não tem motivo, e eu já não me importo com a segunda categoria. Dependendo da pessoa, acho até charmoso. É quase bom ser odiada por um mala.

Mas ei, nem Jesus era feito de chocolate, certo? Nem ele agradou a todos. E quanto aos pobres mortais, a gente vai conseguir ser, no máximo, uma barra de 70% cacau. Parece que é o melhor que há, charmosa, interessante, intensa e saborosa. Mas amarga pra alguns paladares.

Fotografia de Nate Phillips

Raquel Grabauska

Filhos no mundo

Raquel Grabauska
14 de abril de 2017

Sei que a gente cria os filhos pro mundo e quer que o mundo seja bom com eles. Mas também quero muito que meus filhos sejam bons com o mundo. Que respeitem os outros, que sejam conscientes … tenho pensado tanto nisso. Tem dias em que enlouqueço com as demandas dos meus dois filhos e tem dias que penso que estão crescendo rápido demais. Ontem foi um dia desses.

Estamos morando no campus da universidade. As aulas estão começando por aqui e vejo famílias chegando. Os filhos vindo morar com outros estudantes e os pais entregando os filhos pro mundo. Trazem travesseiros, mantimentos, espelho… trazem de tudo. Pra cada família, o essencial é diferente. E ao mesmo tempo vai ficando tudo tão parecido.

Não vi ninguém chorando ainda. Eles me viram chorar algumas vezes. Me emociono muito.

Seguimos crescendo, meus filhos. Tô tentando fazer um mundo melhor pra vocês e vocês pessoas pra um mundo melhor.